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Anabela Mota Ribeiro

Quest. Natal - Leonor Pinhão

27.12.14

Qual o presente que mais gostou de receber? A Pipi das Meias Altas, uma gravata Hermès, Dinky Toys? João Talone indicou um lanche com o Avô quando aprendeu a ler…

Action Man com fato cor-de-laranja de mergulhador e garrafas de oxigénio. Natal de 1972.

 

Alexandre, o Grande, disse a Diógenes Laércio que este lhe podia pedir o que quisesse… Mas o filósofo respondeu apenas: "Quero que saias da frente porque me tapas o sol…". Se lhe fosse dado a escolher o que quisesse, o que seria? (Paz, Amor e Saúde não contam!!)

Eu, desde que goste das pessoas, não me importo nada que me tapem o sol. É sinal de que estão perto e é só isso que peço. E gosto muito de Diógenes, o primeiro snob da civilização ocidental.

 

Um Natal celebrado fora da família: compras para a ceia no mercado de Rialto, um passeio de gôndola ao cair da noite, o labirinto de ruas e canais por uma vez deserto. Poderia permitir-se esta ousadia?

Ousadia não é celebrar o Natal fora da família. Ousadia é celebrar o Natal dentro da família.

 

Um Natal celebrado em Família: os ciúmes entre irmãos que confirmam Abel e Caim, a cobiça sexual da cunhada como num filme de Woody Allen, os familiares que cobram os divórcios e os fracassos com impiedade. O Natal pode ser uma interminável lista de horrores. Que horrores pode contar?

Lamentavelmente, não tenho nenhum familiar com um reportório de “cobiça sexual” para Consoadas. Seria um número apreciado, até porque somos tudo menos ciumentos ou impiedosos. Quanto à lista de horrores: bolo-rei, rabanadas e demais fritos, frutas cristalizadas e cânticos da estação.

 

Outro Natal celebrado em família: a cozinha cheia de aromas, a caminhada até à missa do Galo, a excitação das crianças e dos presentes. «A vulgaridade é um lar», dizia Pessoa… O que é que no Natal é para si um lar?

O caos é que é um grande lar. E no Natal, então, nem se fala…

 

Maria de Lourdes Modesto gosta de fazer um bolo inglês para uma pessoa querida. Júlio Machado Vaz ofereceu uma página do seu diário a Eugénio de Andrade. Que presente gostaria de fazer com as suas mãos? Para oferecer a quem?

Com as minhas mãos hei-de, um dia, fazer fotocópias de uma certa página de um certo romance. A página com a frase: “o Natal é a apoteose da burguesia”. Ofereço a quem quiser.

 

"Do céu caiu uma estrela", de Capra, ou "Fanny e Alexander", de Bergman? A Menina dos Fósforos ou os personagens de Dickens? Pai Natal ou Menino Jesus? Abrir os presentes depois da Ceia ou na manhã de 25?

Menino Jesus, sim, mas ao colo de Santo António, o meu santo preferido. Também gosto muito de São Paulo. Quer da cidade, no Brasil, quer da rua, em Lisboa. São Paulo foi sempre muito bom para mim.

 

No Natal, as crianças escrevem intermináveis listas de presentes que gostariam de receber. O que constava da última lista que escreveu?

Constava um largo conjunto de livros que não existiam. Lembro-me do primeiro título inventado: “A Mão Azul”. Os meus familiares exasperaram-se por todas as livrarias da Baixa. Foi a última vez que fiz uma lista porque a minha mãe nunca mais se atreveu a pedir-me outra. E ainda hoje fica enervada quando fala nisso.

 

"Entre por essa porta agora, e diga que me adora, você tem meia hora para mudar a minha vida", canta Adriana Calcanhotto. Já esteve a pontos de mudar a sua vida em meia hora? E por acaso isso coincidiu com as Festas?

Meia hora é batotice. No mínimo 90 segundos, no máximo 4 minutos. É este o tempo necessário para que duas pessoas percebam se estão a ponto de mudar as suas vidas (nem que seja por meia hora, eventualmente). Li isto num estudo científico.

 

O pior de começar o ano é: perceber que nada mudou? Ter de fazer uma dieta drástica para combater os estragos da saison? Perceber que a sogra, o rival e o medíocre continuam por perto?

O pior de começar o ano é tentar encontrar um café aberto no dia 1 de Janeiro.

 

Ficar mais magro, deixar de fumar, inventar mais tempo para os filhos… As resoluções de Ano Novo entraram no anedotário universal! Já alguma vez cumpriu alguma? Quais são as fazíveis para 2008?

Ficar mais magra, honestamente.

 

Para o ano novo vinha mesmo a calhar: um carro novo, um emprego novo, umas coxas novas, o Chico Buarque a morar no bairro, uma secretária parecida com a Laetitia Casta? Uma vida nova?

Para o ano novo do que eu gostava mesmo era ter a capacidade de fazer cair e levantar nevoeiro, do modo mais surpreendente e teatral.

  

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2007