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Anabela Mota Ribeiro

Curso de Cultura Geral - 18 Fev 2018

19.02.18

Entre 1995 e 2002, o poeta e professor António Carlos Cortez coordenou projectos educativos num bairro social em Lisboa. Tratou-se, nas suas palavras, de fazer cultura, de semear música, poesia, História. Uma vez, numa das sessões, uma menina adormeceu, cheia de fome. Concluiu que sem pão não há filosofia. Muitas questões são levantadas nesta breve história: como é que se semeia cultura numa terra normalmente voltada ao abandono, e qual o lugar da cultura (Agostinho da Silva, numa Conversa Vadia, pô-la entre o sustento e a saúde).

O programa de hoje tem António Carlos Cortez como convidado. Também o cineasta Joaquim Sapinho que aprendeu com Antígona a pensar o sentido da Justiça. E aqui podemos parar de novo: uma personagem de há 2400 anos ensina-nos a interrogar os nossos dias e os temas mais difíceis. A personagem trágica de Sófocles diz uma frase que pode ser um lema para a vida: “Eu não nasci para odiar mas sim para amar”. Sapinho, numa lista de objectos e referências marcantes na sua formação, aponta também o filme Trás os Montes de António Reis e Margarida Cordeiro, que é uma forma de olhar para o tempo e para a acção do tempo num território. É o único filme que menciona.

Hoje falo também com Rui Baeta, cantor, a quem vou pedir que descreva as vozes dos três barítonos de que mais gosta. Têm cor? É pela técnica que se distinguem?, pelo ritmo? Aprende-se a ouvir e Baeta é, muitas vezes, um professor que ensina. Vamos aprender com ele.

 

 

A lista de António Carlos Cortez, poeta e professor

  1. Ler “Maria Lisboa” de David Mourão Ferreira com sete ou oito anos. A poética davidiana exerceu uma influência determinante no meu primeiro livro;
  2. A música brasileira como forma de viver um tempo que não foi exactamente o meu, os anos 1970/80. Com fascínio e perigo. A revista Manchete, enviada do Brasil pelo meu tio, com fotografias de doentes portadores do vírus da Sida. Um ensaio de Susan Sontag sobre a epidemia da Sida;
  3. A primeira aula que dei, depois de concluída a licenciatura em Estudos Portugueses, na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica. Uma turma de 11º ano;
  4. Trabalhar, entre 1995 e 2002, num bairro social em Lisboa. Tratou-se de fazer cultura, de semear música, poesia, História. Uma menina, cheia de fome, adormeceu numa das sessões. Percebi que sem pão não há filosofia;
  5. A amizade com António Ramos Rosa, Gastão Cruz, Teresa Belo. Uma entrevista que fiz a Ramos Rosa, em 2002, e que demorou seis meses a concluir-se;
  6. Crateras, de Gastão Cruz, de 2000: tudo estava nesse livro. A partir dele, recuei, reli, reescrevi;
  7. As leituras de pensadores como George Steiner, Barthes, Foucault, António José Saraiva, Óscar Lopes, Jacinto do Prado Coelho, Vitorino Magalhães Godinho, Ruy Belo e Eugénio de Andrade, Sophia e Jorge de Sena. As aulas na FCSH com Artur Anselmo, Abel Barros Baptista, Silvina Rodrigues Lopes, António Caeiro;
  8. Ver em directo a Queda do Muro de Berlim, o desmantelamento da URSS. A leitura de ensaios políticos de Althusser e Adam Schaff, Gilles Lipovetsky e Allan Bloom;
  9. Sei frases de cor de Platoon, de Oliver Stone, 1986; Blade Runner, Cães Danados, Apocalipse Now, Caos Calmo e A Minha Mãe de Nani Moretti, e (também de Moretti). A Insustentável Leveza do Ser: livro e filme;
  10. As viagens ao Brasil para leccionar cursos de poesia portuguesa. Viagem ao México para estar no Encuentro de Poetas del Mundo Latino. Viagens a Espanha desde a infância, viagens por Portugal. Ver a descaracterização cultural em curso sob a capa do progresso tecnológico.

  

A lista de Joaquim Sapinho, cineasta

  1. Sófocles: Antígona;
  2. Nadezda Mandelstam: Contra toda a esperança;
  3. Victor Klemperer: Lingua Tertii Imperii;
  4. Marcel Proust: À la recherche du temps perdu
  5. Konstantin Kavafis: Poesia
  6. António Reis / Margarida Cordeiro: Trás-os-Montes;
  7. Ludwig Wittgenstein: Investigações Filosóficas e Simone Weil: Gravité et Grace;
  8. As bem-aventuranças (Evangelho Segundo São Mateus – Mt 5); Fiódor Dostoievski: Os Possessos;
  9. Maestro Mateo vs. Apolo Belvedere;
  10. Marcel Duchamp;

 

A lista de Rui Baeta, cantor lírico

  1. Os telhados sob o céu algarvio;
  2. Assistir com 16 anos à coreografia de Olga Roriz 13 gestos de um corpo pelo Ballet Gulbenkian no Festival Internacional de Música do Algarve;
  3. O Coro Gulbenkian, os concertos e as digressões pelo mundo, onde cantei dos 18 aos 27 anos;
  4. Salzburg e a valorização omnipresente do património musical do ocidente;
  5. Paixão Segundo São Mateus, Missa em Si menorPaixão Segundo São João de Bach, o maior de todos;
  6. Teatro Nacional D. Maria II onde, por convite do Prof. Luís Madureira e sugestão do então director António Lagarto, fui professor de voz e trabalhei com os já grandes intérpretes, encenadores e dramaturgos;
  7. Hamlet, encenado por Ricardo Pais, Ricardo II por Nuno Cardoso;
  8. Ópera National de Paris, Royal Opera House, The Metropolitan Opera;
  9. Dietrich Fischer-Dieskau, Thomas Hampson, Thomas Quasthoff (todos barítonos);
  10. A minha bíblia: The Structure of Singing, de Richard Miller, com quem estudei.