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Anabela Mota Ribeiro

Eduardo Stock da Cunha

14.09.14

Eduardo Stock da Cunha sugere que a entrevista seja feita em casa, porque não é na categoria de administrador do Banco Santander que o vou entrevistar. A casa, como ele, é solar, bem comportada. Falámos sobretudo da dimensão familiar, que lhe é essencial. Do que é ter sucesso. Do que seria o falhanço. Da liberdade que cada homem tem para escrever a sua história.

 

Por que é que tem tantos filhos? Não é nada comum as pessoas terem tantos filhos nos dias que correm.

Vou responder pela negação: por que é que não havia de ter tantos? Se tive a possibilidade de os ter... Comecei por ter um casal, e da minha nova fase de vida tenho três filhas. Foi uma evolução na continuidade. Nunca pus em causa o ter ou não ter: era algo natural.

 

Dizia-me que está habituado a famílias numerosas. É um de oito irmãos. É obrigatório perguntar se são católicos...

Eu sou como, presumo, 80% dos portugueses, católico à minha maneira. Os meus pais são católicos praticantes. O meu pai é membro de uma família muito tradicional, é um português daqueles antigos que dá gosto ouvir. A minha mãe viveu quase toda a juventude lá fora, tem um nome pouco comum, judeu-alemão – Stock. É uma pessoa muito viva que trouxe à família algum sal e pimenta.

 

Comecei pelos seus filhos porque um quadro familiar como o seu marca decisivamente.

Nasci numa família privilegiada, a vários níveis.O meu pai ensinou-me desde pequeno que isso nos dá responsabilidade e deveres, e poucos direitos. Há uma vantagem em ser-se o terceiro: estamos relativamente libertos para algumas dessas responsabilidades. Para lhe dar um exemplo, o meu avô chamava-se António, o meu pai chama-se António, o meu irmão mais velho chama-se António; estou convencido de que o meu irmão nunca se questionou a si próprio ou à mulher como se chamaria o filho mais velho.... Adivinhe: António!

 

Que espaço é que há numa família grande para cada um escrever a sua narrativa, desvinculando-se, sem se desvincular, do todo homogéneo?

Há riscos e vantagens nas grandes famílias. Disciplina, solidariedade entre irmãos, o conhecimento que se tem da pessoa que está ao lado – tudo isso é positivo. Não há uma força, que não seja a nossa força interior, que nos obriga a desabrochar e a dar nas vistas. A minha vida foi um pouco diferente da dos meus irmãos: decidi trabalhar enquanto estava a estudar, fui jornalista.

 

O que é que o fez fazer-se à vida, contrariando um conforto instalado? Fazer-se à vida no sentido de procurar o seu espaço.

Como qualquer um dos meus irmãos, acabei o sétimo ano sem chumbos, e fui para Economia [na Católica]. No final do segundo ano descobri que não estava a achar graça ao curso. Mas pensei: são cinco anos, não vou deitar fora quarenta por cento; mas que se danem as notas, vou é tentar fazer alguma coisa! Arranjei um contacto no jornal “A Tarde”, e aquilo começou a correr-me bem. Era jornalista da secção de Economia. Estávamos em 83. Ao fim de um ano e meio, fui convidado para ir para a Rádio Renascença.

 

Antes dessa experiência, já sabia que tinha jeito para números e que gostava de números.

Eu não estava a gostar do que estava a estudar. Mas sabia que aquilo de que gostava tinha a ver com aquele curso.

 

Não estou a vê-lo a dizer ao seu pai que não quer tirar um curso superior e que pretende ser, por exemplo, chefe de cozinha...

Não! Seria uma desgraça – em termos da reacção do meu pai.

 

Falamos de contrariar uma expectativa familiar e social, e mesmo pessoal. É difícil ter essa liberdade?

A liberdade é grande face a duas condições: estar disposto a usar dessa liberdade e a responsabilizar-se pelas consequências dela; e não ofender os seus princípios e valores. Vou dar-lhe um exemplo: eu era casado pela igreja, em 36 netos dos meus avós fui o segundo a separar-se, e o primeiro por iniciativa própria; e casei-me com uma pessoa que trabalhava comigo. Tinha ali todos os ingredientes para ter um problema com a família, um problema comigo próprio e um problema profissional. E quando chegou a altura, não hesitei duas vezes em usar dessa liberdade, assumindo a responsabilidade pelo acto que estava a tomar.

 

Podemos definir falhanço... E sucesso.

O sucesso tem duas vertentes: tem que ser sucesso para os outros, mas tem que ser sucesso para nós. Os outros pode ser uma pessoa, apenas. Sucesso, penso eu, é um estado de espírito, que reflecte o sentimento de que fizemos algo de útil. À sociedade, à nossa família, a alguém. E que reflecte, ao mesmo tempo, reconhecimento da parte desse alguém relativamente a esse acto. Mais importante do que o sucesso, é saber se ele é conjuntural ou se é estrutural. O mundo está cheio de pessoas de sucesso durante quinze dias.

 

Quem é essa pessoa para quem quer ter sucesso?

Ter sucesso é deixarmos uma marca aqui. Alguém que continuou a nossa obra ou o nosso nome. Ou o nosso nome gravado no nome de uma rua. Eu não tenho modelos de sucesso.

 

Como é que os seus filhos vivem o seu sucesso?

Tenho uma grande cumplicidade com a minha filha mais velha, que vai fazer agora 16 anos. Aprendo tanto com ela como ela aprende comigo. Com o meu filho é uma relação diferente. Se lhe perguntar o que é que quer fazer quando for grande, quer ir para a banca. Provavelmente ele acha que o sucesso é irmos este fim-de-semana a Londres ver um jogo de futebol. Um mês antes começou a dizer na escola que ia comigo ver o Chelsea. Isso é visto em termos sociais, dentro do colégio, como um alto sucesso. Ou o pai ter o carro A ou B...

 

O que seria o fracasso para si?

É sentir que algo não correu bem. E que não correu bem porque não dei de mim tudo, tudo, para evitar que tal sucedesse. É algo que consistentemente se desvia dos objectivos que tracei, em termos profissionais, familiares, pessoais. Mesmo profissionalmente, se tiver um azar na minha carreira e durante três anos não conseguir arranjar nada, e o meu nível diminuir, como dizem os espanhóis, “no pasa nada”. Mas se, ao fim de 15 anos, isso se continuar a verificar, algo sucedeu. Se durante quatro anos seguidos não receber bónus, alguma coisa se está a passar.

 

Ter um nome, uma reputação, é o maior dos tesouros?

É um dever muito grande. Logicamente, abre algumas portas. Se for bem utilizado é um activo, se for mal utilizado passou a passivo. Um falhanço de alguém com nome provavelmente tem um impacto maior do que um falhanço de alguém sem nome, que pode voltar a começar a sua vida.

 

Podia recomeçar se lhe acontecesse um desaire sério? Estou a pensar numa coisa desonrosa.

Vários amigos meus disseram, face a alguns acontecimentos nos últimos anos em Portugal, que era possível. Eu tenho sérias dúvidas. Posso cometer um acto desonroso, começar, entrar num negócio e ficar rico. Mas isso não é ter sucesso. Não estamos preparados, como a sociedade americana, para, tomando atitudes menos éticas, podermos recuperar. De certa forma, estou de acordo que assim seja.

 

Penso novamente na sua formação católica e ocorre-me a palavra redenção...

A redenção não é fácil. A redenção faz-se aos 20 anos. Aos 40 anos, quem rouba e é corrupto, tenho dúvidas de que alguma vez deixe de o ser. O que não significa que não pudesse continuar a trabalhar noutra coisa.

 

Falou sobretudo da família, e creio que não foi por saber que eu procurava um retrato alternativo, pessoal. A vida só pode correr-lhe bem?

Na banca usamos uma frase que se deve aplicar à vida de todos nós: “Expect the best and be there for the worst”.

 

 

Publicado originalmente no site da AMBA em 2006