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Anabela Mota Ribeiro

Somos Douro

19.12.17

O Douro é um poema geológico, disse Miguel Torga. Sendo poema, tem um corpo difícil de circunscrever. Douro é o rio e o seu curso? Douro é a delimitação administrativa que abrange um determinado número de municípios? Douro são as pessoas que estão nesta terra e nela fazem vida, as pessoas que nasceram nesta terra? De que falamos quando falamos de Douro em 2017, 16 anos depois de a Unesco ter considerado a região um Património Mundial?

Um lugar é sempre uma identidade (sempre polifónica), uma História (que agrega múltiplos substratos), pessoas, tradição e modernidade, passado e futuro. Sou deste lugar. O Douro sou eu, o Douro somos nós. Sou jovem, somos jovens. O que é ser jovem em 2017, 43 anos depois da instituição da democracia em Portugal, um país envelhecido onde durou a mais velha ditadura da Europa? Talvez ser jovem seja ser livre, sem barreiras cronológicas rígidas, seja ser fruto deste tempo, deste país, deste mundo em metamorfose.

Aceito, honrada, o convite para ser comissária do programa Somos Douro, com o propósito de interpelar este lugar, as suas pessoas, o seu imaginário, e enraizar-me nele mais profundamente. Proponho uma série de iniciativas, agrupadas em alguns verbos nucleares:

Ser / Pertencer, Aprender / Fazer, Descobrir / Partilhar

Eles serão os motores de um programa que gostaria de ver espalhado pelos 19 municípios que fazem parte do CIM Douro. Ainda que as iniciativas em algumas localidades possam ter apenas um carácter simbólico, não deixar nenhum destes concelhos de fora é uma forma de sublinhar a importância que todos têm e o lugar que ocupam nesta unidade. Este programa deverá acontecer entre 14 de Dezembro de 2017 e 14 de Dezembro de 2018 e terá como ponto alto um fórum, algures entre o fim da primavera e o início do Verão.

O que se pretende aqui: auscultar, capacitar e envolver os jovens da região, dar-lhes ferramentas para que se possam pensar a si mesmos e a este lugar específico, potenciar a sua auto-estima através de um conhecimento e reconhecimento do seu património, promover um encontro e uma troca de saberes inter-geracional, criar, assim, um horizonte mais vasto, aberto ao exterior e à diferença, sintonizar algumas das iniciativas com as grandes questões que se discutem no mundo (por exemplo, a igualdade de género e as questões climatéricas que estão entre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU), produzir objectos que traduzam este ano de iniciativas (entre eles, um manifesto, resultado dos vários dias de fórum, que condensa algumas linhas de reflexão havidas).

Ou seja, o desafio é lançar sementes, colher alguns frutos, transformá-los numa outra coisa, fazer um acompanhamento dos grandes ciclos da terra.   

Um dos projectos que podemos já anunciar é a realização de uma sondagem. Assim que recebi o convite do Prof. Freire de Sousa, interroguei-me sobre o que é ser jovem no Douro, hoje. Quando passei a minha juventude em Vila Real, quando apanhava o comboio que serpenteava a paisagem duriense, em direcção à Régua e para fazer rádio, era um tempo diferente. A democracia tinha pouco mais de uma década, a Europa e uma abertura ao mundo eram uma novidade, a universidade, com as alterações profundas que introduziu em toda a região, dava primeiros passos, as acessibilidades não eram as que hoje temos. Parece que falo de um outro tempo. E falo. E ainda bem que este tempo é outro e que neste país, por exemplo, se tenham criado serviços públicos de qualidade na educação e na saúde, um Estado Social que é o principal trunfo para combater a desigualdade e os problemas da interioridade. Mas sabemos todos que isso, que é muito, não chega. E sabemos que, apesar de parecer que estamos todos ligados, que todo o mundo se parece, há uma identidade própria, um contexto, há condições específicas que me levam, nos levam a interrogar: o que é ser jovem hoje, no Douro? Quem são, o que anseiam os jovens da região duriense, o que esperam da vida, que ideias têm em relação ao futuro, que mundos povoam o seu mundo? Querem viver aqui, querem sair? Que relação mantêm com a origem, quando saem? Penso que importa fazer um mapeamento, não apenas estatístico, destes jovens, através de uma sondagem, cujos resultados vamos apresentar no próximo ano.

Como disse antes, além dos verbos-motores Ser e Pertencer, onde arrumo a sondagem, há outros pares. Aprender /Fazer é um dos mais atractivos para mim. Vou dizer uma evidência: gosto de aprender e não estou sozinha neste gosto. Proponho um conjunto de aulas a acontecer em várias localidades. Estas sessões permitem um contacto com matérias e especialistas de excelência e dirigem-se também àqueles que já abandonaram os bancos da escola. Já não estamos no tempo em que há um tempo para aprender, um tempo para trabalhar e um tempo para gozar a reforma. O tempo é hoje uma massa elástica, com idas e vindas, com a necessidade de acompanhar as transformações espantosas a que assistimos. A necessidade e o gosto.

Portanto, as aulas. Sobre quê? Por exemplo, sobre Miguel Torga e o seu universo literário, sobre Agustina Bessa Luís, cujo imaginário está ancorado nesta paisagem, mas também sobre a Carta dos Direitos Humanos elaborada pela ONU em 1948. 70 anos passados, julgo que faz sentido, mais do que nunca, ler e comentar este documento que foi construído sobre um mundo em escombros, como era o da Segunda Guerra. E imaginem uma aula em que se identificam os grandes momentos da História da Arte, que começamos nas gravuras rupestres e que chegamos aos dias de hoje e à arte conceptual?

Que vamos ter mais? Workshops que apontem para a capacitação e a potenciação de talentos, espectáculos, cinema, conversas, visitas guiadas a tesouros da região. Sou das que acreditam que da discussão, do encontro, nasce a luz, se avança. No princípio era o verbo. Precisamos da palavra e do mundo que se faz com ela para acreditar no futuro.

Gostaria de agradecer a confiança que a CCDR-N, na pessoa do seu presidente, Prof. Freire de Sousa, depositou em mim para levar a cabo esta empresa, tão estimulante, exigente e difícil, e agradecer antecipadamente a confiança que os agentes da região e os tantos que serão meus interlocutores possam ter no meu trabalho, nas minhas ideias. É com o contributo de todos, e porque Somos todos Douro, que podemos fazer coisas que nos ligam ainda mais a este lugar e nos fazem amar a região e as suas gentes.

Obrigada.

 

 

Discurso lido no dia 14 de Dezembro de 2017, em Vila Real, na apresentação do programa Somos Douro e na celebração dos 16 anos da atribuição do selo da Unesco ao Alto Douro Vinhateiro.