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Anabela Mota Ribeiro

Dries van Noten

12.05.13

A primeira vez que um vestido Dries van Noten desfilou na passadeira vermelha dos Óscares foi por Cate Blanchett. A actriz estava muito grávida e o vestido cor de violeta ia bem com a sua cor de pele, diáfana. Foi considerada a mais bem vestida da noite.

Recentemente, outra australiana, ícone da moda, aderiu às criações de van Noten numa ocasião especial. Nicole Kidman usou um vestido branco e preto, bordado a pedraria, e o seu chique e sofisticação eram insuperáveis.

Não é por acaso que Dries van Noten seja pouco usado. A massificação não vai bem com ele. A vulgaridade e o consenso também não.

Não é por acaso que, folheando as revistas de moda, não se encontram páginas e páginas de publicidade do criador belga. Tal resulta de uma escolha.

A sua produção segue um curso quase artesanal e há um lado experimental nas suas colecções de que não prescinde. Criar é mais importante do que vender – diz-nos, numa entrevista exclusiva.  

Dries van Noten nasceu em 1958, em Antuérpia, onde continua a viver. Faz parte de um grupo de criadores belgas que em 1986 apresentaram a sua primeira colecção. Dele se destacam figuras como Ann Demeulemeester e Dirk Bikkembergs. Ficaram conhecidos como “os seis de Antuérpia”.

As suas peças são únicas, encantadoras, jogam com a subtileza. Não são para mulheres que se parecem a todas as outras.  

 

 

É um criador para quem a pintura parece ser um tema essencial. Seja no uso das cores fauve, seja na composição inesperada de uma paleta de cores. Fale-me da sua relação com a pintura e com artistas que deixaram uma marca na sua personalidade e no seu trabalho.

Quando estudei na Academia, éramos poucos alunos em cada aula criativa ou artística. Por causa disso, pudemos colaborar de forma muito próxima em temas escolhidos por nós. Permitiu-me então, e permite ainda hoje, apreciar diferentes tipos de expressão artística – não só na moda. Sou um fã ávido de muitos meios de expressão artística, e a pintura é um dos meus meios preferidos. Mas na realidade sou bastante indisciplinado no meu amor à arte e à pintura! Gosto de muitos estilos, períodos e escolas, interesso-me mais por trabalhos individuais ou expressões do que por um conjunto de trabalhos ou uma escola.

Tendo dito isto, tenho um interesse particular por pintores belgas, especialmente do início do século XX.

 

A textura dos tecidos é um elemento decisivo quando se pensa no seu universo criativo. Há um lado sensual e sensorial neles… É o lado táctil e físico dos tecidos que o seduz?

Tenho uma paixão incondicional por tecidos, pela forma como drapejam, como caem. A sua origem, o seu toque – são essenciais no meu processo criativo, contam histórias, e podem ser, muitas vezes, o ponto de partida para uma colecção. São e serão sempre uma pedra fundadora no meu amor pela moda.

 

Podemos falar sobre o lado sensual das suas criações? Especialmente as colecções femininas são sensuais, mas nunca de uma forma óbvia. Sugere mais do que revela.

Tal como disse, eu quero mesmo é sugerir, e não revelar – esta é a minha definição de sensualidade. Vulgaridade e discrição são conceitos muito subjectivos, mas tento desafiá-los e abraçá-los.

 

Na sua biografia, refere-se uma ligação familiar ao têxtil. A influência parece inequívoca. Contudo, o seu pai e o seu avô, que trabalhavam na área, não eram criativos…

O meu avô era alfaiate e o meu pai era dono do primeiro pronto-a-vestir de Antuérpia. Herdei deles a sensibilidade para fazer peças de roupa, as suas tradições e rituais. Eles acostumaram-me e criaram em mim a paixão por tecidos e pela subjectividade e por aquilo que é «bonito». Mais tarde, apresentaram-me à indústria, levando-me a Paris e Milão, nas suas viagens para comprar colecções. Esta foi a centelha do meu amor pela moda e pelo vestir, com o sentido íntimo de que queria criar, e não vender.

 

Pode descrever o guarda-fatos da sua mãe, tal como se lembra de olhar para ele em criança? O do seu pai era suficientemente interessante para que se lembre dele?

Eram individualizados, mas variados, adaptados a cada um, e casuais, para a época. Era evidente para todos quantos os conheciam que adoravam roupa e o seu ofício. No entanto permaneceram discretos, sem qualquer excesso na afirmação desse gosto.

 

Há uma influência marcadamente étnica em muitas das suas colecções. Vê-se como cidadão do mundo?

Eu vejo-me claramente como um cidadão do mundo, e acredito que não temos sequer escolha nos dias que correm. Acho também que a moda de hoje é global. Como tenho um enorme fascínio por outras culturas e trajes, tenho usado elementos de todo o mundo desde a minha primeira colecção.

 

Pode falar das suas viagens, dos livros e dos contactos que lhe passaram essa noção?

Gostaria de viajar mais do que consigo. Pelas dificuldades que o meu trabalho apresenta, é difícil. Na última colecção masculina, utilizámos tecidos feitos por artesãos com técnicas tradicionais, Ikat da Índia, Batik da indonésia, e tecidos de kimono japoneses. Tentei utilizar os tecidos tal como são hoje em dia, evitando associações com folclore e passado. As ideias que estão na origem da produção destes tecidos incríveis atravessaram séculos e são tão actuais hoje como sempre foram.

 

Muitas das suas peças envolvem um trabalho artesanal, e parece retirar disso um grande prazer. Verdadeiramente não saiu de Antuérpia porque não quis ficar global, indiferenciado, um resultado de uma produção em massa?

Estou ligado ao passado em termos de “tradição”. É muito importante para mim o uso de técnicas ancestrais no processo criativo dos padrões ou tecidos. Temos sempre que aprender com o passado. Claro que, viver na Bélgica, e especialmente em Antuérpia, dá-me uma perspectiva completamente diferente de uma série de coisas. Adoro a serenidade, a noção de espaço e tempo que tenho aqui, e por isso não poderia viver em qualquer outro sítio.

 

Desenhar roupa é a sua forma de expressão – como outros têm, por exemplo, a escrita ou o canto. Poderia “dizer” o que tem a dizer de outra maneira?

Tenho outra paixão, a jardinagem, que igualmente me permite exprimir-me. A jardinagem tem uma proximidade grande com a moda, na minha opinião. As flores têm tendências, e misturar ou cruzar as suas cores diferentes é um pouco como construir uma colecção, com um timming completamente diferente, e uma noção de longevidade muito maior. Também me permite manter os pés na terra e as mãos sujas!

 

 

Publicado originalmente na Revista Máxima em Julho de 2009