Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Anabela Mota Ribeiro

200 anos, 200 livros

05.05.22

ESAÚ E JACÓ

MACHADO DE ASSIS

“Todos os oráculos têm o falar dobrado, mas entendem-se.” Todos os países têm um falar inexplicável, um quê de Flora. Mas em Esaú e Jacó, os signos deste mistério que é o Brasil, conhecem alguma decifração.

Pedro e Paulo brigam desde o ventre. Como não brigar com o outro lado de si? Os gémeos são os apóstolos, Ulisses e Aquiles, Portugal e Brasil, Monarquia e República, a cabocla e o espírita, encarnam um infante absolutista, o outro liberal, são o passado e o futuro.

Os olhos de Machado de Assis estão na fractura e na transição, revelam as coisas que ainda não são e as coisas que já deixaram de ser. A vida nunca fica parada. A História também não.

 

TANTAS PALAVRAS

CHICO BUARQUE

Chico é um poeta dos maiores. Há anos que profetizo que um dia vai ao Nobel, bem antes de Bob Dylan, e agora difícil ou impossível por causa de Dylan.

Nas letras das suas canções, encontro as raízes do Brasil, uma genealogia sem fim, Noel Rosa, Vinicius, o subúrbio e a orla do mar, o futebol, a política, o samba da Mangueira, a erudição de, por exemplo, Leite Derramado, um gingado sincrético que só ele é capaz de fazer. Jobim resumiu bem: Chico é génio da raça.

Leio Tantas Palavras e desenrola-se um mapa. Ainda que não ouça a melodia, a voz de Chico, escuto uma sinfonia. O seu nome é Brasil.

 

VISTA CHINESA

TATIANA SALEM LEVY

Não se pode entender o Brasil sem o negro, sem o índio, sem a pobreza, sem o terreiro, sem a imigração, sem a violência sobre a mulher.

Vista Chinesa é um romance-soco, é o corpo da mulher transformado em campo de batalha. Batalha contínua, ancestral. Como se não fosse nada. No silêncio da carta que a protagonista escreve aos filhos, e que importante a noção de transmissão, escutamos um grito que esteve surdo, e que finalmente começa a ser audível. É corajoso, é urgente, é potente. Revela o medo, a lâmina afiada sobre a cabeça das mulheres, o sabor da jaca. E aponta para o futuro, a superação, a luz.

 

200 anos, 200 livros é um projecto que, no Bicentenário da Independência do Brasil, elabora uma lista de livros que ajudam a entender o Brasil. Fui convidada a integrar um conselho de 169 pessoas que amam e lêem o Brasil (obrigada) pelo José Manuel Diogo e pelo Sérgio Dávila (da Folha de São Paulo), indicando três livros. A coordenação científica do projecto, que permitiu chegar à lista agora divulgada pelo jornal brasileiro, é da historiadora Heloísa Starling. Estes são os três livros que indiquei. A lista final dos 200 está disponível no site da Folha.