200 anos, 200 livros
ESAÚ E JACÓ
MACHADO DE ASSIS
“Todos os oráculos têm o falar dobrado, mas entendem-se.” Todos os países têm um falar inexplicável, um quê de Flora. Mas em Esaú e Jacó, os signos deste mistério que é o Brasil, conhecem alguma decifração.
Pedro e Paulo brigam desde o ventre. Como não brigar com o outro lado de si? Os gémeos são os apóstolos, Ulisses e Aquiles, Portugal e Brasil, Monarquia e República, a cabocla e o espírita, encarnam um infante absolutista, o outro liberal, são o passado e o futuro.
Os olhos de Machado de Assis estão na fractura e na transição, revelam as coisas que ainda não são e as coisas que já deixaram de ser. A vida nunca fica parada. A História também não.
TANTAS PALAVRAS
CHICO BUARQUE
Chico é um poeta dos maiores. Há anos que profetizo que um dia vai ao Nobel, bem antes de Bob Dylan, e agora difícil ou impossível por causa de Dylan.
Nas letras das suas canções, encontro as raízes do Brasil, uma genealogia sem fim, Noel Rosa, Vinicius, o subúrbio e a orla do mar, o futebol, a política, o samba da Mangueira, a erudição de, por exemplo, Leite Derramado, um gingado sincrético que só ele é capaz de fazer. Jobim resumiu bem: Chico é génio da raça.
Leio Tantas Palavras e desenrola-se um mapa. Ainda que não ouça a melodia, a voz de Chico, escuto uma sinfonia. O seu nome é Brasil.
VISTA CHINESA
TATIANA SALEM LEVY
Não se pode entender o Brasil sem o negro, sem o índio, sem a pobreza, sem o terreiro, sem a imigração, sem a violência sobre a mulher.
Vista Chinesa é um romance-soco, é o corpo da mulher transformado em campo de batalha. Batalha contínua, ancestral. Como se não fosse nada. No silêncio da carta que a protagonista escreve aos filhos, e que importante a noção de transmissão, escutamos um grito que esteve surdo, e que finalmente começa a ser audível. É corajoso, é urgente, é potente. Revela o medo, a lâmina afiada sobre a cabeça das mulheres, o sabor da jaca. E aponta para o futuro, a superação, a luz.