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Anabela Mota Ribeiro

António Simões (sobre Portugal)

21.07.13

António Simões é o responsável pelo retail banking e wealth management do HSBC para o Reino Unido e para a Europa. Trabalha com o banco desde 2007. Fez um MBA na Columbia University, trabalhou na McKinsey e na Goldman Sachs. A sua base é Londres. Escreveu as respostas a este questionário num voo de regresso da Turquia.

[Recentemente foi promovido a CEO do banco no Reino Unido.] 

 

 

“O dinheiro não traz a felicidade. Manda buscar.” – Millôr Fernandes. O poder não dá felicidade. Mas manda buscar?

 Claramente o dinheiro não traz felicidade, mas ajuda. Ou melhor, pode ajudar a diminuir o nível de infelicidade.  Nas palavras do mesmo Millôr Fernandes: “O dinheiro não dá felicidade. Mas paga tudo o que ela gasta”. 

 

“Se quiseres pôr à prova o carácter de um homem, dá-lhe poder.” – Abraham Lincoln. Isto equivale ao nosso: “Se queres ver o vilão, põe-lhe a vara na mão.”?

As escolhas de cada um mostram o nosso carácter e esse carácter é especialmente testado em situações difíceis. Qualquer tipo de poder implica responsabilidade. A melhor alegoria é a espada de Dâmocles. 

 

Pode expô-la?

O tirano Dionísio de Siracusa ofereceu-se para trocar de lugar com Dâmocles por um dia. Mas Dâmocles abdicou desse privilégio dada a pressão da espada afiada suspensa directamente sobre a sua cabeça. A espada representa a pressão e a insegurança de qualquer um com poder.  A história passa-se no século IV AC (o tema do poder associado à maldade é uma velha história). Quanto ao ditado português, é naturalmente mais negativo (como a cultura portuguesa...) e implica uma prepotência quase automática derivada do poder. Ter uma vara na mão não implica ser vilão. 

 

Não?

Os bons líderes são menos óbvios na forma como persuadem ou levam a água ao seu moinho.

 

“Usa o poder que tens. Se não o usares, ele prescreve.” – provérbio chinês. Só o poder formal prescreve? Que poderes não prescrevem?

Os provérbios chineses são uma fonte inesgotável tanto de sabedoria como de falsa interpretação.  Eu penso que o poder formal prescreve, normalmente pela “parálisis”, ou seja, pela falta de poder de decisão.

 

Viveu e trabalhou no Oriente, em Hong Kong.

Há um provérbio chinês adequado a esta discussão que se poderia traduzir assim: Things of today, accomplished today. Em português: Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. Por outro lado, o poder que não é usado não é necessariamente inútil.  Não usar poder ou hierarquia pode ser bastante eficaz e facilita a criatividade.  O maior valor que aprendi no início da minha carreira na McKinsey foi “obligation to dissent”. Ou seja, a obrigação/responsabilidade de discordar em termos de ideias, independentemente da posição hierárquica. 

Finalmente, penso que existem vários poderes que não prescrevem, ou que não prescrevem facilmente: o poder do conhecimento e da convicção pessoal.

 

“Mantém os amigos por perto; e os inimigos, mais perto ainda” – Don Corleone, “O Padrinho”. Conhece bem os seus amigos e inimigos?

Sim.  Um provérbio chinês bastante útil neste contexto diz: “Quando um líder perde força, os seus seguidores tornam-se desorganizados”. Num contexto profissional penso que é necessário conhecer e interagir com colegas em geral, com qualquer indivíduo que possa ser visto como amigo ou inimigo.  Os inimigos são na verdade só uma variante de amigos. Em todo o caso, antecipar problemas com potenciais inimigos é sempre útil – “dormir de olhos abertos”.  O ditado português seria: “Homem prevenido vale por dois”.

 

“O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente.” – Lord Acton. Porquê? Ter demasiado poder é inebriante?, provoca um desfasamento da realidade?

Obviamente a história está repleta de exemplos em que o poder absoluto e o despotismo criam um desfasamento da realidade e em muitos casos corrupção. Outra citação do Lord Acton é ainda mais clara neste aspecto: “And remember, where you have a concentration of power in a few hands, all too frequently men with the mentality of gangsters get control. History has proven that. Every thing secret degenerates, even the administration of justice; nothing is safe that does not show how it can bear discussion and publicity.” Eu estive o ano passado em Pyongyang antes da morte de Kim Jong-il – a Coreia do Norte é um exemplo extremo desse comportamento/fenómeno. Esta falta de crítica é também a causa de problemas menos extremos mas igualmente sérios;  mesmo em democracias como a portuguesa ou espanhola a falta de ‘checks and balances’ levou a problemas como o sobreendividamento das regiões autónomas.

 

O poder corrompe?

O poder em si não corrompe, mas é de alguma forma um pre-requisito para a corrupção (ter poder é necessário mas não suficiente para ser corrompido). 

 

Sem falsas modéstias, e partindo do princípio que, pelo menos no nosso quintal, todos temos poder: considera que é uma pessoa poderosa? Em que é que se baseia o seu poder?

Algum do poder que tenho (no meu quintal/ aldeia) provem de uma combinação de três  factores: capacidade de trabalho e disciplina, poder de persuasão baseado em capacidade analítica, mentalidade positiva e empatia, e poder hierárquico dada a minha progressão de carreira (resultado dos dois factores anteriores e de uma boa dose de sorte).

 

Muito poder torna uma pessoa impopular? Embirramos com o chefe porque ele tem poder, porque invejamos o seu poder, porque insuportamos a maneira como exerce o poder?

 Voltamos à condição necessária mas não suficiente: só se pode ser (verdadeiramente) impopular se se tiver poder. Mas não é por se ter poder que se vai ser impopular. Tenho a sorte de sempre ter trabalhado com colegas/ chefes que admiro e com quem aprendi imenso. O embirrar com o chefe passa muitas vezes por falta de responsabilização (‘accountability’) pela performance pessoal.

O poder pode ser impopular e um líder não pode tentar ser sempre popular. Citando mais uma vez ‘O Padrinho I’: ‘I got a business to run. I gotta kick asses sometimes to make it run right’ (Moe Greene para Fredo).

 

A vaidade tem razões que a massa encefálica desconhece? É o desejo de reconhecimento, mais do que tudo, que instiga o desejo de poder?

O desejo de poder pode ser instigado pelo desejo de reconhecimento e aceitação social. Não vejo isso como um problema, uma vez que esse reconhecimento está muitas vezes, também, associado a um impacto positivo na sociedade em geral. Nesses casos, o poder é motivado por um desejo de concretização e construção de algo tangível.

 

O desejo de poder é indissociável de úlceras, cabelos brancos, rugas na testa? Ser ambicioso ainda é pecado? Porque é que se aposta “naturalmente” a palavra “desmesurada” a ambição?

No meu caso manifesta-se mais na falta de cabelo do que nos cabelos brancos. Não acredito em pecados mas penso que a inveja e a preguiça são piores do que a ambição. É óbvio que os fins não justificam os meios, mas a ambição deve ser vista como uma característica positiva e deve ser encorajada. A cultura portuguesa não ajuda. Basta pensar em todos os provérbios que condenam a ambição (“passo mais largo que a perna”, “mais olhos que barriga”, etc.).

 

A sua percepção do que é o poder alterou-se desde que vive fora de Portugal?

Muitos dos temas relacionados com poder estão relacionados com a psicologia humana e portanto são comuns a todas a sociedades, e de alguma forma atemporais. Mas estudar, trabalhar e viver fora de Portugal demonstrou-me que é possível ser um ‘outsider’ e ainda assim ter algum poder/ influência. O que falta em Portugal é meritocracia no poder.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2012

 

 

 

Marta Hugon

21.07.13

Marta Hugon é cantora. Formou-se em Línguas e Literaturas Modernas, dá aulas no Hot Club, em Lisboa.

O seu primeiro disco, "Tender Trap", foi lançado em 2005. O segundo, "Story Teller", tem alguns meses. Além de standards americanos, como "Good Morning Heartache", contém versões para "Still Crazy After All These Years", de Paul Simon, ou "Suburbano Coração", de Chico Buarque.

 

Porque é que é cantora?

Porque sou apaixonada pela música. A paixão foi crescendo, insinuando-se, até tomar conta da minha vida. Comecei a cantar tarde, aos 22 anos, num concerto com amigos do jazz. Foi horrível! Tive muita vergonha mas adorei os ensaios, o fazer música com outros. Aos 29 anos entrei para a escola do Hot Clube, onde conheci os músicos com quem toco hoje. Tenho aulas de técnica vocal com a professora Cristina Castro.

 

Que música ouvia em casa?

Em casa ouvia-se Chico Buarque, Jobim, João Gilberto, Sérgio Godinho, Beatles, a orquestra do Glenn Miller, Sinatra, Mozart, Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Joan Sutherland, Tubarões… Uma grande misturada que privilegiava a música brasileira. Habituei-me a cantar com isto e juntei-lhe a pop anglo-saxónica dos anos 80: Sade, Police, Kate Bush, David Bowie.

 

Que importância teve estudar canto na Holanda? Além de técnica, o que é que se aprende?

Somos obrigados a pôr-nos em causa, a descobrir vozes muito diferentes, maiores e menores que a nossa, melhores e piores. O nível nas escolas europeias é alto. A experiência na Holanda reforçou uma ideia: a da necessidade do trabalho e do investimento constantes. Se combinar isso com o prazer que me dá cantar, vou formando uma identidade musical sólida e verdadeira. Que é independente do sucesso. Esse é o meu Norte.

 

Que diferença faz para si cantar num estúdio e em palco?

Em estúdio somos confrontados muito friamente com as nossas limitações. Mesmo podendo regravar, cada take mostra o que somos. O Sinatra às vezes gravava com público no estúdio. O palco é aquilo que somos em frente aos outros, o que somos capazes de dar, estejamos bem ou mal dispostos. Em palco isso desaparece para ser canalizado e combinado com a adrenalina da exposição, para fazermos com que o concerto tenha alma. O controlo de palco é o que mais tempo leva a dominar. "Practice makes perfect!" Mas quando é bom, não há nada que se lhe compare.

 

 

Publicado originalmente na revista Máxima