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Anabela Mota Ribeiro

Pedro Pinto (sobre Portugal)

25.07.13

Pedro Pinto vive em Londres. É jornalista desportivo da CNN Internacional, com sede em Londres. Estudou nos Estados Unidos Comunicação e Marketing. Trabalhou na sede da CNN entre 1998 e 2003. Nasceu em 1975. Em Portugal apresentou o Caderno Diário na RTP e o programa Últimas Notícias na Sport TV.

 

 

“Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro.” – Nelson Rodrigues. O que é que o dinheiro e o poder não compram?    

O dinheiro e o poder não compram o amor incondicional. Podem comprar o amor temporário, ou a paixão, mas nunca o verdadeiro amor. Esse não depende de variáveis, mas sim de qualidades permanentes.


“Se quiseres pôr à prova o carácter de um homem, dá-lhe poder.” – Abraham Lincoln. Isto equivale ao nosso: “Se queres ver o vilão, põe-lhe a vara na mão.”?

Sim, equivale. Para ver o carácter e o coração de um homem, basta dar-lhe poder e dinheiro. Assim se vê como trataria os seus colegas, os seus amigos e a sua família. 


“Usa o poder que tens. Se não o usares, ele prescreve.” – provérbio chinês. Só o poder formal prescreve? Que poderes não prescrevem?

O poder mental não prescreve, pelo menos de um ano para o outro. Se uma pessoa possui inteligência, esta não prescreve e poderá levar a que ela retome uma posição de poder.


“Mantém os amigos por perto; e os inimigos, mais perto ainda” – Don Corleone, “O Padrinho”. Conhece bem os seus amigos e inimigos?

Conheço bem os meus amigos, mas reconheço que conheço mal os meus inimigos. Sei que sou invejado e que há gente que me gostaria de deitar abaixo, mas felizmente nunca tive de lidar directamente com elas.  


“O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente.” – Lord Acton. Porquê? Ter demasiado poder é inebriante?, provoca um desfasamento da realidade?

O poder só corrompe se a pessoa não tem o carácter, o carisma e a inteligência de lidar com ele. O problema é que a maioria das pessoas que chega ao poder deve demasiados favores para manter a integridade. E infelizmente, no que toca à política, não conheço muitos líderes que não são corruptos ou que não beneficiaram de ajudas e contactos para chegar ao topo.


“Yes, we can” – Obama. Foi a força das palavras que elegeu o primeiro presidente afro-americano nos Estados Unidos?

Foi a força destas palavras que convenceu o público norte-americano que era possível mudar. Depois de oito anos de mandato de uma marioneta como o George W. Bush, os americanos queriam provar que tinham a inteligência necessária para mudar. “Yes, we can” foi a frase que mudou a campanha presidencial porque os americanos acreditaram que era possível acabar com a podridão intelectual que existia no pais. 


Quem é que tem poder em Portugal? Os banqueiros, os políticos, os artistas, a construção civil, as pessoas que aparecem na televisão?

Hoje em dia quem aparece na comunicação social é quem tem mais poder. Os banqueiros podem ter poder no seu mundo, o mesmo se pode dizer dos políticos, mas no mundo moderno são os artistas e as celebridades que têm o poder de influenciar opiniões. Não estou a defender este fenómeno, estou sou a constatar que ele existe. 


Sem falsas modéstias, e partindo do princípio que, pelo menos no nosso quintal, todos temos poder: considera que é uma pessoa poderosa? Em que é que se baseia o seu poder?

Tendo em conta o impacto da CNN e facto de ser um canal visto em todo o mundo, acho que tenho poder. Tenho o poder de informar e até influenciar muitos milhares de telespectadores em todo o mundo. Este poder traz responsabilidade. Tenho de me certificar que os factos que apresento são exactos e que as minhas opiniões objectivas.


O que é ter uma agenda poderosa? É ter o telemóvel de Fernando Ulrich? É ter andado na escola com o Paulo Portas? É ser convidado por Ricardo Salgado para um almoço na Comporta? É conhecer o primo da mulher do assessor do ministro que manda?

Ter uma agenda poderosa é poder ligar a uma pessoa que possa resolver problemas que normalmente não se resolveriam. Seja essa pessoa um banqueiro, um político ou uma celebridade. No meu mundo, ter uma agenda poderosa é poder contactar com os mais célebres e famosos desportistas do mundo. Felizmente, posso dizer que apesar de não gostar de abusar da minha posição, através da CNN, tenho acesso a muita gente poderosa no meio do desporto.


Marcelo Rebelo de Sousa/ Ricardo Araújo Pereira: qual deles tem mais poder?

Eu diria que o Ricardo tem mais poder porque afecta mais a juventude, que é o futuro do nosso país. E é também mais acessível. O Marcelo é extremamente inteligente e perspicaz, mas as vezes parece-me um pouco arrogante. 


Muito poder torna uma pessoa impopular? Embirramos com o chefe porque ele tem poder, porque invejamos o seu poder, porque insuportamos a maneira como exerce o poder?

Não é o poder que torna uma pessoa impopular, é o carácter dessa pessoa. Um bom líder não deveria tornar-se impopular só porque é líder. Obviamente que faz parte da natureza humana criticar aquilo que não podemos mudar, e as pessoas que têm esse poder são o alvo das nossas críticas.


A vaidade tem razões que a massa encefálica desconhece? É o desejo de reconhecimento, mais do que tudo, que instiga o desejo de poder?

Há muitos factores que instigam o desejo de ter poder. Há a vontade de querer liderar e mudar. Há a vontade de achar que sabemos e podemos mais que os outros. Há até o complexo de inferioridade que leva muitos a querer o poder para compensar traumas. O desejo de ser reconhecido é um sentimento que todos queremos ter se somos bons profissionais.


O desejo de poder é indissociável de úlceras, cabelos brancos, rugas na testa? Ser ambicioso ainda é pecado? Porque é que se aposta “naturalmente” a palavra “desmesurada” a ambição?

Para mim, ser ambicioso é uma qualidade, não um defeito. Mas como tudo na vida, tem de haver um limite. Ser ambicioso ao ponto de prejudicar os outros passa automaticamente a ser uma força negativa.


Quando é que o poder se torna perigoso? Quando se torna insaciável? Quando se alia à inteligência (e à competência) a falta de escrúpulos?

O poder torna-se perigoso quando afecta negativamente as pessoas que deveríamos ajudar e conquistar. Figuras importantes da nossa história, como Alexandre, o Grande, e Napoleão tornaram-se perigosos quando deixaram de ver a realidade e passaram só a ver as suas realidades.

 

O poder, como a política, produz sempre inimigos?

Os inimigos podem surgir de várias maneiras e por várias razões. Podem ter ideias ou posições diferentes, podem ser invejosos, podem querer mudar o rumo dos acontecimentos. Quem tem poder terá quase sempre inimigos porque é impossível agradar a todos.

 

Poder, dinheiro e influência são, no essencial, a mesma coisa?

Não. É possível ter dinheiro sem ter poder nem influência. Pessoas que ganham o Euromilhões ou que herdam dinheiro não têm qualquer poder. Agora, quem tem poder normalmente tem dinheiro ou acesso a alguém com dinheiro, porque sem ele não poderá desenvolver ideias e projectos.


Não há almoços grátis e a canalha vende-se por um prato de lentilhas. Toda a gente tem um preço?

Quase toda a gente tem um preço. Pessoalmente vejo vários exemplos trabalhando no mundo do futebol. Ainda há uma minoria que tem princípios morais fortes e que resiste à tentação do dinheiro, mas não é habitual. E infelizmente somos poucos os que não vendemos as nossas ideias e princípios por um preço.


A sua percepção dos jogos de poder alterou-se substancialmente desde que vive fora de Portugal?

Sim, é inquestionável. Tenho tido oportunidade de conviver com muitas das pessoas mais poderosas no mundo do desporto. Fiz várias entrevistas com o Sepp Blatter, o presidente da FIFA, com os donos de equipas internacionais que têm um peso enorme a nível global. Na minha óptica, todos os homens de poder têm uma coisa em comum – dinheiro. Não é possível vingar sem ele. É preciso ter qualidade, mas com acesso a fundos e mundos, tudo se torna mais fácil. Sejam eles russos, árabes ou americanos, subiram porque tinham as quantias necessárias para chegar aos lugares que ambicionavam.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2012

Adriana Molder (em Berlim)

25.07.13

À porta do atelier, está uma página de revista com um vestido lindíssimo da Dior. Uma imagem antiga. Adriana Molder gosta de vestidos antigos e de imagens a preto a branco. Desenha num papel amarrotado a tinta da China. Os seus trabalhos parecem sempre um imenso “mar negro” – a expressão é sua. Estudou no ARCO. Ganhou o prémio revelação CELPA/ Vieira da Silva em 2003. No final de 2006 inaugurou uma exposição no Museu de Belas Artes das Astúrias, ao lado do Príncipe Filipe. Mudou-se para Berlim há anos. Desde então, muita coisa aconteceu...

 

 

A exposição “Der Traumdeuter” ilustra um ciclo de vida em Berlim. Resulta da residência artística que fez no Bethanien ao longo do último ano. Que história é a desta exposição?

Este espaço funcionou como hospital até aos anos 60 do século XX, e desde o século XIX. Era um hospital muito inovador, limpo, protestante – o lema da higiéne e do caminho para deus eram fundamentais. Cheguei em Dezembro, em pleno Inverno. A primeira coisa simultaneamente atraente e assustadora foi pensar que estava a dormir num hospital! Será que no meu quarto morreram pessoas?, nasceram pessoas?, curaram-se?

 

Por companhia, num espaço ameaçador, escolheu as histórias fantásticas...

Vi muitos filmes alemães, sobretudo do Murnau: “Fausto” impressionou-me imenso. E li histórias do Ludwick Tiec. São histórias de fantasmas. Ou os personagens começam a duvidar e essa dúvida faz com que aconteçam coisas terríveis! Esse lado dos alemães – de o desejo fazer com que a vida toda fique destruída – foi muito apelativo. No caso do “Fausto”, o diabo é a dúvida. Estas imagens começaram a aparecer e tive vontade de as desenhar.

 

Mas uma figura domina esta série de desenhos: um homem a que chamou Leo Stern.

Inventei essa personagem: um homem que caiu doente, que teve uma espécie de febre, acordou aqui no Bethanien e teve imensas visões. Essas imagens, que ele não conseguia distinguir, é que o impediram de morrer. Porque esteve entretido a vê-las. Como se estivesse a ver um filme dentro da sua cabeça. Quis que essas imagens viessem ter comigo. Gosto da ideia do artista como médium. E gosto de inventar que a inspiração me vem de uma pessoa que esteve aqui doente, neste espaço onde estou a dormir, a desenhar e a cozinhar.

 

Porque é que se mudou para Berlim? Vive cá há quase dois anos.

Concorri várias vezes à bolsa do Bethanien e não ganhei; mas decidi vir de qualquer modo. Vim cá pela primeira vez em 99 e voltei em 2003. Berlim tem um conjunto de qualidades que não se encontram facilmente noutras capitais. Tem uma oferta cultural quase idêntica a de Londres ou Paris; aqui não há tanto cinema, mas há boas exposições, óptima ópera, óptima dança contemporânea. Tem espaço. Espaço para me mover, para viver, para pensar. E é uma capital em que posso ter uma boa vida: é barata. Há imensas galerias e artistas que estão a viver aqui por todas estas razões.

 

As mudanças são já visíveis no seu trabalho?

Berlim também é uma cidade um pouco adolescente... Não sou só eu a sentir isso... Mesmo a música que ouço, voltou a ser a que consumia no fim dos anos 80. Berlim puxa por essa liberdade. Puxa por um lado que achava que tinha ultrapassado como mulher adulta. Sinto que os meus desenhos estão diferentes, e que são mais livres. Por acaso, têm a ver com coisas que fiz no princípio da minha carreira. E estas têm sempre a ver com filmes.

 

O cinema e a literatura são influências nucleares do seu trabalho. Porquê?

Na minha adolescência e também na infância vi muitos filmes. Muitos mesmo! Ia muito à Cinemateca. Depois fiz uma espécie de intervalo. Há sempre qualquer coisa na minha memória que tem a ver com essas imagens do cinema e da literatura.

 

No cinema, as pessoas já têm uma cara, as cidades já têm uma configuração. Na literatura, os personagens não têm um rosto definido. O seu Leo Stern é completamente inventado.

Sim, crio uma cara. Mas não me interessa encontrar uma cara que venha apenas da minha imaginação. Gosto que seja um encontro entre a minha imaginação e uma coisa que já existe. Não gosto nada de trabalhos livres! [risos].

 

Embora faça cada vez mais cidades e interiores, os retratos domimam os seus desenhos. Fale-me do fascínio pelo rosto humano.

O meu mundo vem muito da fotografia. Coisas que vi, como os retratos da Diane Arbus, foram muito importantes no meu crescimento. Há qualquer coisa que procuro sempre num rosto... Não sei explicar porque é que os faço... Sei porque faço, agora, cidades e interiores – este candelabro, por exemplo, que está aqui à nossa frente. Procuro que sejam tão intensos quanto os retratos, e isso é uma dificuldade, um obstáculo que tento ultrapassar. Acho que consigo encontrar alguma intensidade nos rostos. E procuro o mesmo nos interiores.

 

Os momentos de transição, por vezes de agonia, são lugares onde se sente confortável. Não é à toa que os personagens que mais lhe interessam sejam, na literatura, os de Schnitzler, situados numa Viena decadente, de fim de Império, ou estes agora, que transbordam da realidade para a fantasmagoria.

Se calhar, a vida também é um momento de transição. Sinto-me bem com essa ideia da não-permanência. É isso que me inquieta, que nos inquieta a todos [risos]. Gostei muito de trabalhar no Bethanien com estas personagens que me vinham observar, que eram fantasmas, no fundo.

 

Dias depois de inaugurar a exposição no Bethanien, recebeu o prémio de Herbert Zaap, entregue na Feira de Arte de Berlim. Que distingue o melhor jovem artista do ano.

Foi uma enorme surpresa. É fantástico ganhar um prémio sem ter concorrido contra ninguém. Um dos membros do júri viu o trabalho do Bethanien e gostou. A exposição foi muito visitada por pessoas muito diferentes. O público aqui vai mesmo ver as exposições, não finge que não fizemos uma coisa. Em Lisboa não vão ver porque ficam mais preguiçosos. Eu mesma, lá, fico mais preguiçosa. Vou ficar em Berlim. As pessoas estão a dar-me valor. Não é que não dessem em Lisboa – não estou a queixar-me. E volto sempre a Portugal. Mas se estou aqui nem há dois anos, e fiz a residência e ganhei um prémio, acho que devo ficar mais algum tempo.

 

Publicado originalmente na revista LA Mag em 2007