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Anabela Mota Ribeiro

Catarina Furtado (sobre Portugal)

27.07.13

Catarina Furtado nasceu em 1972. É apresentadora de televisão. Estudou dança em Lisboa e representação em Londres. Desde 2001 é embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas. 

 

 

“O dinheiro não traz a felicidade. Manda buscar.” – Millôr Fernandes. O poder não dá felicidade. Mas manda buscar?

Há várias formas de exercer o poder e o que se manda buscar nem sempre é felicidade. Quando o poder se constrói a partir do ego e para o ego normalmente a felicidade fica reduzida à satisfação pessoal. Ou seja, o poder que se expande e afirma sem procurar também a felicidade dos outros não me interessa.

 

“Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro.” – Nelson Rodrigues. O que é que o dinheiro e o poder não compram? 

Depende sempre das pessoas. Amor verdadeiro, seguramente. Passar entre os pingos da chuva e outras coisas que os meus pais bem me ensinaram, [também não]. 

 

“Se quiseres pôr à prova o carácter de um homem, dá-lhe poder.” – Abraham Lincoln. Isto equivale ao nosso: “Se queres ver o vilão, põe-lhe a vara na mão.”?

Não sou tão descrente. Concordo com Lincoln e acrescentaria que não valeria a pena correr o risco fazendo o teste a muitos homens. Às vezes está escrito no olhar. E acredito que seriam em muito menor número as mulheres que se tornariam vilãs.

 

“Usa o poder que tens. Se não o usares, ele prescreve.” – provérbio chinês. Só o poder formal prescreve? Que poderes não prescrevem?

O crer. Por isso se diz tantas vezes que "crer é poder". Felizmente também há poderes que prescrevem e passam à história. E a história diz-nos que alguns tiveram e têm efeitos devastadores.

 

“Mantém os amigos por perto; e os inimigos, mais perto ainda” – Don Corleone, “O Padrinho”. Conhece bem os seus amigos e inimigos?

Conheço bem os meus amigos e o que me deixam conhecer deles. Não quero conhecer os inimigos. Os que dão nas vistas como inimigos não os deixo cruzar o meu passeio. 

 

“O poder corrompe. O poder absoluto corrompe absolutamente.” – Lord Acton. Porquê? Ter demasiado poder é inebriante? Provoca um desfasamento da realidade?

A inteligência também é inebriante, assim a possamos usar para manter os pés bem assentes no chão. Não acredito no poder absoluto, mas apostaria num qualquer poder que acabasse com a corrupção. 

 

“Yes, we can” – Obama. Foi a força das palavras que elegeu o primeiro presidente afro-americano nos Estados Unidos?

Foi a força da diferença. Esta eleição trouxe na altura seguramente uma nova esperança até nas questões humanitárias. Espero que a força seja extensível a muitas outras nações, não no sentido de as separar, mas de as unir.

 

Quem é que tem poder em Portugal? Os banqueiros, os políticos, os artistas, a construção civil, as pessoas que aparecem na televisão?

O poder é da troika, uma palavra tão sedenta de audiência e resultados como quase todo o país. Tenho receio de que essa obsessão, como quase todas as obsessões pelas audiências, se transforme num país à parte.

 

Sem falsas modéstias, e partindo do princípio que, pelo menos no nosso quintal, todos temos poder: considera que é uma pessoa poderosa? Em que é que se baseia o seu poder?

O meu poder  não se converte a partir de uma qualquer ilusão televisiva. É verdade que a palavra em televisão assume um carácter mais ambicioso, no sentido em que vende e alimenta muitas ilusões; mas eu procuro também acrescentar-lhe outros poderes que valorizo enquanto Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População.

 

Qual é o foco preferencial da sua acção?

Tentar ajudar a diminuir as desigualdades sociais, a mortalidade materna e neonatal, promover  a maternidade segura, o planeamento familiar, a promoção das meninas e mulheres num mundo onde a desigualdade de género é ainda muito gritante nos países em desenvolvimento e camuflada em muitos países desenvolvidos.

 

O que é ter uma agenda poderosa? É ter o telemóvel de Fernando Ulrich? É ter andado na escola com o Paulo Portas? É ser convidado por Ricardo Salgado para um almoço na Comporta? É conhecer o primo da mulher do assessor do ministro que manda?

As agendas preenchem-se com acontecimentos e não só com pessoas. Alguns têm nomes e outros não.

 

Ter poder é mandar prender? É contratar, é despedir? É saber mais? É ter relações?

Ter poder é também não ter medo. Ser verdadeiramente poderoso é não ser permissível a influências tendo a capacidade de ouvir. É saber fintar a morte.

 

Marcelo Rebelo de Sousa/ Ricardo Araújo Pereira: qual deles tem mais poder?

É um poder simétrico.

 

Muito poder torna uma pessoa impopular? Embirramos com o chefe porque ele tem poder, porque invejamos o seu poder, porque insuportamos a maneira como exerce o poder?

O que torna ou pode tornar uma pessoa impopular é o abuso de poder, embora haja muita inveja criada a partir de preconceitos sobre o que se julga ser o exercício do poder. Há também quem sobrevalorize  os seus atributos julgando que tem poder, mesmo quando ele se levanta a partir de trivialidades e situações efémeras.

 

A vaidade tem razões que a massa encefálica desconhece? É o desejo de reconhecimento, mais do que tudo, que instiga o desejo de poder?

O desejo de reconhecimento não é um pecado capital, pode ser uma força motriz, um sinal de que o trabalho feito produz resultados visíveis. Mas o reconhecimento que nasce pelo desejo de poder, nasce torto e dificilmente se endireita.

 

O desejo de poder é indissociável de úlceras, cabelos brancos, rugas na testa? Ser ambicioso ainda é pecado? Porque é que se aposta “naturalmente” a palavra “desmesurada” a ambição?

Tudo o que aparece como excessivo ou desmesurado tem uma conotação negativa. Mas a ambição na dose certa pode ser saudável e altruísta.

 

Quando é que o poder se torna perigoso? Quando se torna insaciável? Quando se alia à inteligência (e à competência) a falta de escrúpulos? Quando à embriaguez do status se associa a falta de bom senso?

Quando já não se consegue apertar os sapatos dos outros e os holofotes estão apenas virados para o próprio umbigo. A embriaguez pelo poder devia ser sujeita ao "teste do balão" .

 

Ter poder é poder escolher não ter patrão?

Isso é quase como escolher entre um objecto de luxo e um mal necessário.

 

O poder, como a política, produz sempre inimigos?

Inimigos são os incendiários. Os que queimam cobardemente o património dos outros. 

 

Poder, dinheiro e influência são, no essencial, a mesma coisa?

Não, não são. Mas aparecem muitas vezes de mãos dadas. Pode ser-se poderosamente influente sem se ter dinheiro e pode ter-se dinheiro sem se ser influente. O melhor mesmo é ser-se poderoso, influente e endinheirado ao ponto de se poder mudar, para melhor, o mundo de muitas pessoas. 

 

Não há almoços grátis e a canalha vende-se por um prato de lentilhas. Toda a gente tem um preço?

Vivemos como nunca um período de medo e desconfiança e por isso, tantas vezes, se confunde o valor com o preço e vice-versa.  Os valores não têm preço e quem tem preço nem sempre tem valores.

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2012

 

 

Felipe Oliveira Baptista

27.07.13

Há um sentido narrativo no seu trabalho que lhe é essencial. De onde vem esta necessidade de contar histórias?

É algo de natural. Talvez o facto de ter crescido no meio de uma família bastante numerosa, onde se contavam e lembravam muitas histórias, tenha tido alguma influência. Hoje interessa-me uma narração mais abstracta, o confronto de elementos a priori desconectados ou contraditórios. Cada colecção é uma história-puzzle e cada peça de roupa é simultaneamente actor principal e secundário.

 

Porque é que fazer roupa é a sua forma de contar histórias? Porque é que esta é a sua forma de expressão?

Porque a moda toca muitas outras disciplinas de design e diferentes processos criativos. Isto interessa-me particularmente. Antes de me decidir por estudos de moda hesitei entre fotografia, design gráfico e antigos sonhos de cinema. Em moda toca-se (mesmo se levemente) todas estas disciplinas. Na pesquisa (fotografia, desenho); tailoring, drapeados sobre um manequim (escultura, arquitectura); desfile (mise en scène, styling, criação de uma banda sonora); até ao design de um livro, catálogo, look book ou do meu site na internet...

 

O que sabia, desde o início, é que o seu futuro passaria pelo que é visual. Podia ser cinema, podia ser pintura, podia ser vídeo?

Um olhar criativo era fundamental, portanto... compulsivo. O que eu gosto em moda (e do que mais me queixo também) é do seu ritmo frenético. Uma nova história de seis em seis meses. Uma nova página branca onde uma ideia ou história leva alguns meses a materializar-se. É uma pressão enorme mas também uma enorme  descarga de adrenalina.

 

Um crítico americano disse do seu trabalho: "Chamem-lhe couture de rua. Há um toque de hip pop na colecção. Mistura looks gregos e silhuetas contemporâneas. Os vestidos inspiram-se em kimonos". Revê-se nisto? Basicamente, o que entra nesta descrição é o mundo todo... diferentes culturas e influências.

É verdade que cada colecção é uma história que muitas vezes se compõe de elementos contraditórios. É este jogo de contrastes que me fascina. Quebrar regras, dogmas e rotinas é interessante e faz-nos olhar para o mundo de uma nova maneira (mesmo que esta seja efémera). É curiosa esta citação de que me fala e que nunca tinha lido.

 

Está disponível na internet.

Nunca me inspirei directamente num kimono. Mas isto também é interessante em moda: um desfile pode ser interpretado e compreendido de maneiras diferentes. A moda tem por vocação ser reinterpretada e "remixada"!

 

O seu mundo é um mundo de síntese? Porquê?

É uma maneira de ordenar todas as turbulências e agitações internas.

Gosto da ideia de exprimir contradições e dicotomias presentes na (minha) vida e no que me rodeia.

 

Que relação tem com Paris? Já vive há anos suficientes na cidade para ter com ela uma relação de deslumbramento e fastio... Ou continua enamorado? Diga-me um percurso/cantinho que sinta como sendo seu na cidade.

Paris é a cidade onde vivo, com os seus pontos positivos e negativos. Eu viajo muito e é verdade que cada vez que entro num táxi, do aeroporto a caminho de casa, estou sempre contente com o regresso!

Um sítio especial? Paris está cheia de sítios escondidos em cada bairro. O divertido é ir descobrindo. Um sítio autenticamente parisiense a dois passos de minha case é a Rue des Martyres, perfeito para um brunch de fim-de-semana no Hotel Amour ou no Rosemary Bakery. 

 

 

Publicado originalmente na revista LA Mag