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Anabela Mota Ribeiro

Marco Martins (Quest. Proust)

08.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

 

Permanente inquietude e insatisfação. Infinita vontade de conhecimento e criação.

 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

 

Inteligência, acima de tudo, mas também honestidade, altruísmo, perseverança. Brilhantismo e genialidade.

 

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

 

Beleza, acima de tudo. Inteligência. A capacidade de permanecerem sempre misteriosas, brilhantes, de surpreenderem. Ou, como disse Paul Valery, “A arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado subtil de se deixar distinguir”.

 

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

 

Omnipresença, capacidade de nos compreender através dos silêncios prolongados. “Ser uma luz na noite mais escura”, como me disse Tonino Guerra um dia.

 

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?

 

Os nossos defeitos confundem-se por vezes com as nossas maiores virtudes. Serão alguns de certeza, e muito difíceis de corrigir.

 

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

 

Amar de certeza, mas sobretudo criar. “Não há prazer mais complexo que o de pensar.” disse Borges. A felicidade (a própria existência) só existe, para mim, através da criação. A capacidade de realizar aquilo que existe nos meus sonhos e nos meus pensamentos. Sinto muitas vezes que só existo através do que posso criar.

 

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

 

Certos momentos na criação de um filme, ou de uma peça de teatro, em que, após muitos dias de trabalho, uma ideia faz de repente sentido, e sabemos que estamos na direcção certa. Um momento de inspiração. Sou então, por alguns momentos, por vezes breves, por vezes mais prolongados, feliz.

 

 

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

 

Não poder criar, ou como disse Fellini, pouco antes de morrer, “não poder voltar a apaixonar-me”.

 

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

 

Serge Leone e realizar “Era uma vez no Oeste”, Martin Scorcese e ter feito “Taxi Driver”,  Fritz Lang e fazer o “Metropolis”, Orson Welles e ter feito “Citizen Kane” . Lembro-me perfeitamente que nessa altura, eram esses os filmes que eu gostava de ter realizado.

 

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

 

Adoro as grandes cidades, vibrantes, caóticas e cheias de gente, onde se sente sempre o pulsar dos seus habitantes. As ruas são em grande parte definidas pelo tipo de vivência que delas temos. Escolheria Londres ou Nova York (por esta ordem). Viver em Lisboa é, neste preciso momento, e na maior parte das vezes, triste e deprimente.

 

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

 

São sempre difíceis estas listas… Aristóteles, Dostoievski, Borges, Kafka, Celine, Bukowski, Beckett, Tchekov, Ibsen, Conrad, Faulkner, Malcom Lowry, Melville, Bowles, Thomas Mann... Ultimamente li Cormac McCarthy, “The Road”, Joseph Mitchell, “Joe Gould”, e esse magnífico livro sobre fotografia “The Nature of Photographs”, de Stephen Shore.

 

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

 

Eu prefiro nomear cineastas que, através da poesia  das suas imagens influenciaram a minha forma de olhar: Antonioni, Rossellini, Godard, Murnau, Vidor, Ophuls, Bresson, Tarkovski, Cassavetes ou os contemporâneos Hou Hsiau Hsien, Tsai Ming Liang, Apichatpong, Sukurov, Gus Van Sant, Bela Tarr, Carlos Rygadas, Jia Zhang-Ke.

 

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

 

Na altura dos meus 13 anos estrearam  três “Buddy- movies” muito importantes para a minha geração: “The Outsiders” e “ Rumble Fish” (onde eu queria ser Matt Dilon e Mickey Rourke), de Coppola, e “Era Uma Vez na América” de Leone (onde eu queria ser De Niro). Os heróis, sobretudo os maus (naquela altura era moda fazer de mau…) eram violentos e apaixonantes. Era a época da poesia da violência. Tony Montana, Al Pacino em “Scarface” ou em “Serpico”, o fotógrafo de guerra Russel Price feito por Nick Nolte em “Under Fire”, Travolta em “Staying Alive”, Richard Gere em “American Gigolo”, o Coronel Kurtz de “Apocalypse Now”. Mas também heróis mais românticos da banda desenhada,  como Corto Maltese.

 

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

 

A música que revolucionou a minha vida e a mudou para sempre: “Substance” dos New Order. Só comparável a “Brutal Youth” dos Young Marble Giants, “Unknown Pleasures” dos Joy Division, e “Mask” dos Bauhaus. A descoberta tardia dos Velvet Underground. O nascimento do drum and bass com “Blue Lines” dos Massive  Attack. Esse genial primeiro álbum dos De La Soul, “3 Feet High and Rising”. Além de todos os outros, Dylan, Lennon, Cash, Patti, Lou, Cale, Eno, Stevie, Bowie, Marvin, Cobain, etc. Recentemente, LCD Sound System, Animal Collective, First Nation ou Devendra Banhart. 

 

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

 

Na arte contemporanea Cy Twombly, Luc Tuymans, Marlene Dumas, Tracey Emin, Balthus, Soulages, Rothko, Richter, Bacon, Tàpies, Hockney, Vito Acconci, Bruce Nauman. Nos clássicos Giotto, Durer, Vermeer, Rembrandt, Caravaggio, Velasquez, El Greco. Nos Impressionistas Matisse, Degas. E fora de qualquer classificação, Egon Schiele.

 

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

 

Todos aqueles que se permitem criar livremente e cujo trabalho admiro. Os meus pais de certeza e todos aqueles de quem gosto.

 

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

 

Nunca me canso e sou demasiado obsessivo. Lido bastante mal com as fraquezas dos que me rodeiam. Sou obsessivo, compulsivo, eternamente descontente.

 

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

 

Um charme irresistível parece-me óptimo! Só melhor que uma vontade inabalável e uma total capacidade de absorver aquilo que nos rodeia. Viver o tempo necessário para ler todos os livros, ver todos os filmes, conhecer todos os museus, todas as cidades.

 

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

 

É bastante discutível o facto de nos tornarmos melhores e mais sábios ao longo da vida… Penso que dificilmente nos tornamos melhor ou mais amados. Gostaria de morrer antes de todos aqueles que amo.

 

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

 

Total imersão no meu próximo filme, desafio criativo, viagem interior, questionamento permanente. Duvido da utilidade deste questionários para quem responde, mas não tenho dúvida que são extremamente divertidos (pelo menos para mim!) para quem os lê.

 

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

 

Num país como Portugal não devemos ser condescendentes com as faltas e os erros, sob perigo de nós próprios desaparecermos.

 

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

 

Também não tenho nenhum lema. Não existe uma maneira certa de fazer nada, apenas o dever de a procurar. O pensamento é o que nos faz correr. Talvez morrer a tentar… No entanto, deixo um lema de Scott Fitzgerald: “A genialidade é a capacidade de realizar aquilo que existe no pensamento.”

 

 

 Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010