Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Anabela Mota Ribeiro

Vasco Graça Moura (Quest. Proust)

27.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

Provavelmente, a lealdade.

 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

A inteligência.

 

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

A inteligência, se possível doublée da beleza. A inversa não é verdadeira.

 

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

A honestidade intelectual, a franqueza e, outra vez, a lealdade.

 

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?

Não creio partilhar esses defeitos com Proust. Mas censuro-me um certo egoísmo e um certo comodismo.

 

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

Escrever. Amar, como ocupação favorita, lembra-me sempre aquele epitáfio de um libertino do séc. XVIII: “Je suis mort de l’amour entrepris / Entre les jambes d’une femme, / Bienheureux d’avoir rendu l’âme / Au même lieu où je la pris.”

 

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

Aquilo a que o Horácio chamava de aurea mediocritas. Uma mediania confortável. Uma vez, o Egito Gonçalves escreveu-me numa dedicatória, “Le bonheur est un sport difficile”. Concordo.

 

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

Ser vítima do terrorismo. Ter um cancro fatal. O mundo evoluiu muito desde Proust…

 

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

Aos 13, não me importava de ter sido d’Artagnan ou Napoleão. Agora, preferia ter sido Stendhal. Mas também sempre aceitei ser eu mesmo com toda a naturalidade.

 

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

Gosto de viver neste Portugalete, como dizia o outro. Talvez ainda tenha emenda.

 

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

Dante e Petrarca, Shakespeare, Balzac e Stendhal. Proust era muito datado nas suas preferências…

 

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

Estou de acordo com Baudelaire. Mas, ainda assim, prefiro o Cesário ( costumo dizer que ele escreveu alguns dos melhores versos de Baudelaire), o Camões (que escreveu tudo o que eu nunca conseguirei escrever) e o Drummond (que, depois deles, é um dos maiores poetas da nossa língua).

 

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

Julien Sorel, Lucien de Rubempré, Gonçalo Mendes Ramires. Mas também aprecio a Princesse de Clèves e não desgosto de Madame de Merteuil.

 

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

Bach, Mozart, Beethoven, Schubert, Brahms, Mendelssohn, ScriabinJá agora, detesto Stockhausen e Boulez. Mas gosto de Edgar Varèse e de Sofia Gubaidolina.

 

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

Não escolheu mal. Eu escolho Piero della Francesca e Vermeer. Num caso, a perspectiva; no outro, a luz.

 

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

O meu pai, porque me transmitiu o gosto de certos coeficientes da realidade temperados por algum irrealismo. E, simetricamente, J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história contada pelo Carlos Drummond de Andrade, mas acabou por casar com Lili

 

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

Dos meus melhores defeitos. Quanto aos piores, não se põe a questão de gostar ou não gostar.

 

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

O charme irresistível seria com certeza uma mais valia irrecusável. Mas gostava de conseguir fazer o “Cristo” nas argolas e o “gigante” na barra fixa… Hélas!...

 

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

Depressa e sem me dar conta. E sem nenhum escritor a pronunciar-se a meu respeito, dizendo umas larachas de circunstância à Lusa e à TSF.

 

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

Normalmente, o do fair play. Menos com o Governo PS. Não consigo…Pessoalmente, não tenho heterónimos e por isso não me maço comigo mesmo.

 

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

As que são susceptíveis de ser corrigidas.

 

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

O meu lema é um verso que, em finais do século XVI, Diogo de Sousa, nas Cortes do Parnaso, aplicou a Sá de Miranda: “Poeta até o embigo, os baixos prosa”. Também gosto do François Villon: “Ne du tout fol, ne du tout sage”. Mas creio que o David Mourão-Ferreira já o fez seu… Não sou absolutamente nada supersticioso. Corro porque estou vivo.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010