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Anabela Mota Ribeiro

António Pinho Vargas (Quest. Proust)

04.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

 

A minha característica mais marcante é não suportar a estupidez dos outros (nem a minha, quando se manifesta).

 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

 

A qualidade de responder aos recados que se deixam nos atendedores de chamadas ou aos emails que recebem.

 

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

 

A qualidade de terem simplesmente uma actividade para além da trabalheira que dá continuarem magras, morenas e bem penteadas o ano todo.

 

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

 

Nas minhas amizades não há bens preciosos, senão não havia amizades.

 

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?

 

Tenho outros defeitos muito mais graves: acreditar no que me dizem é um dos principais.

 

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

 

Neste momento não me ocorre nenhuma em particular. Talvez tocar piano seja, pelo menos, uma boa ocupação.

 

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

 

Nada.

 

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

 

Proust devia ter razão neste caso.

 

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

 

Aos 13 talvez ainda quisesse ser pintor de paredes, já não me lembro bem. Hoje gostaria de ter uma actividade que fosse inequivocamente útil porque o que faço agora destina-se à categoria de desperdício patrimonial virtual.

 

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

 

Não existe nenhum país onde as coisas que o Proust queria existam. Não há saída.

 

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

 

Acho que já não tenho nenhum escritor preferido. Já foram tantos que a questão se tornou absurda.

 

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

 

A resposta devia ser quase idêntica, mas a memória diz-me que posso escrever sempre Fernando Pessoa.

 

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

 

Já não me lembro dos heróis de ficção, e dos históricos há seguramente algum de que nunca ouvi falar melhor do que aqueles de quem ouvi falar.

 

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

 

O meu compositor favorito sou eu. Não há nenhum outro que eu conheça tão bem.

 

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

 

Terei de repetir sempre a mesma resposta? Não tenho pintores, nem escritores, nem músicos favoritos. Gosto de arte, de obras de arte, mas não gosto de coleccionar nomes canónicos.

 

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

 

Não conheço nenhum herói que nunca tenha levado porrada.

 

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

 

Sem dúvida que as minhas piores qualidades devem ser as piores de todas as piores qualidades que existem.

 

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

 

Não acho que sejam óptimas. Começo, aliás, a perceber porque é que nunca gostei especialmente de ler Proust.

 

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

 

Estão a ver? Proust dizia as maiores banalidades com total espírito negligente.

 

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

 

Evidentemente que sim. Além disso “pensar” é sempre qualquer coisa que me diz respeito e esta exagerada convivência torna-se insuportável com o tempo.

 

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

 

Muitas. Se assim não fosse como seria possível viver?

 

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

 

Corro porque estou vivo e actua ainda em mim aquilo a que Freud chamou pulsão de vida.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010

 

 

Pedro Rolo Duarte (Quest. Proust)

03.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

A necessidade de existir quem eu ame. E me ame. Para que quem me ame (e eu ame) possa apreciar o que sou, e dizer-me como fazer para ser melhor.

 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

A forma inteligente e oportuna de dizer o palavrão certo no momento ideal.

 

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

A aparente futilidade de uma unha muito bem pintada. Só comparável a um sentido de humor irrepreensível.

 

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

Ternura, acompanhada de Chico Buarque: “Oiça um bom conselho...”

 

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?

Excesso de sinceridade, uma terrível incapacidade de disfarçar a impaciência.

 

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

Enquanto sinto que amo, passar as folhas de livros, revistas, jornais, e olhar o meu filho enquanto ele passa as folhas de livros, revistas e jornais. Além disso, mergulhar no mar.

 

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

Um hotel rural, um restaurante, a minha mulher da minha vida, o meu filho e a filha que me falta. Tudo no mesmo lugar, com Sol e mar muito perto. Ah, claro, e a revista que ninguém ainda quis fazer...

 

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

A maior das desgraças é um verbo: perder. Para quem vive sem sentir, perder qualquer coisa. Para quem vive a sentir, perder pessoas. Perder.

 

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

Aos 13, jornalista. Aos 43, gostaria que nunca aos 13 o quisesse ter sido.

 

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

O meu país fica no meu coração, do meu filho e daqueles que amo. Quando estes corações se juntarem, há um novo país na Europa. Não pertencerá à União, presumo...

 

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

Pessoa, Vergílio Ferreira, O’Rourke, Paul Auster, Patrícia Highsmith, e o que há de escritores em Miguel Esteves Cardoso, Vasco Pulido Valente e Miguel Sousa Tavares.

 

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

Eu diria Pessoa, e nalguns dias O’Neill. Noutros Herberto Hélder. Também ficava com Ruy Belo.

 

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

Claramente, Tintin. Nos dias mais solarengos, Óbelix e o seu cão Ideafix.

 

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

Aos 20, Sting. Aos 30, Caetano Veloso. Aos 40, David Sylvian. Aos 50, estou certo de que será Bach.

 

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

Por mim, Miró e Picasso. Sou ignorante.

 

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

O meu pai. Vergílio Ferreira. Carlos Cruz. A professora Maria Teresa Torrado. Um homem comum: Miguel Esteves Cardoso. Dois políticos corajosos: Soares e Cunhal. Quis limitar a escolha aos nacionais, se fosse agora internacionalizar...

 

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

Da mentira e da corrupção (sejam elas práticas ou apenas ensaiadas).

 

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

Saber tocar piano, evidentemente.

 

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

Depressa e bem, apesar do ditado dizer que “não há quem”.

 

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

O meu estado é mais de alma do que de espírito, mais de pensar do que fazer, ainda que a inquietação me obrigue a fazer mais do que pensar. Em suma: estou na mesma.

 

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

Impaciência, e duas faltas que redundam em pecados: gula e luxúria.

 

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

Infelizmente, alimento dois lemas há uma porrada de anos. Um: água e sabão lavam tudo. Outro: a seguir virá melhor.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010

Clara Ferreira Alves (Quest. Proust)

02.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

 

Nunca responder a perguntas como esta.

 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

 

Proust não percebia nada de homens. «Charme masculino» digo eu.

 

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

 

Inteligência sustentada pela força e a generosidade. Proust percebia  de mulheres.

 

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

 

Lealdade.

 

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?

 

Não partilho. A não ser que ele se referisse à incapacidade de entender Deus e/ ou o cosmos. O meu defeito é a incapacidade de esperar em silêncio.

 

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

 

Amar não é uma ocupação é uma fatalidade. A minha é ler, mesmo Proust.

 

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

 

Não existe a felicidade, a não ser para os beatos. Existem instantes absolutos em que se tem o mundo na mão e se é imortal. Duram pouco. O meu projecto de felicidade é aguentar esses instantes sem sucumbir quando acabam.

 

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

 

Perder o que mais se ama.

 

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seriam diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

 

Aos 13 anos queria ser a noiva do Paul McCartney. Mudei de opinião, entretanto. Agora? A Madonna, em certos dias. É uma Marlene Dietrich melhorada.

 

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

 

Não. Se existisse seria o Brasil sem a pobreza. Uma cobertura em Ipanema e o Chico Buarque parecem-me bem.

 

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

 

Muitos. Quase todos mortos. Dos nossos, Pessoa. Dos vivos, o Roth, o Coetzee e o Amis júnior. Dantes odiava o Roth, que escreveu o melhor livro dele aos 70 anos. Há esperança…

 

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

 

Não distingo muito escritores de poetas. Homero, Poe, Eliot, Larkin, Pound às vezes. Rimbaud, Verlaine e Baudelaire. Pessoa e O´Neill. Drummond e Bandeira. Chico e Caetano. O poema da minha vida é «The Love song of Alfred J.Prufrock» do T S Eliot. O da minha morte «Aubade», de Philip Larkin.

 

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

 

Lawrence da Arábia, no filme do David Lean.

 

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

 

Não é o Paul McCartney. Bach, pela pureza, Mozart, pela alegria, Beeethoven, pela violência.

 

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

 

Esses e muitos  mais. Caravaggio. Gauguin. Os meus quadros  são «O Homem dos Olhos Cinzentos» de Tiziano (Uffizi) e «Noite Estrelada», de Van Gogh (MOMA).

 

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

 

Os que resistem. E não desistem.

 

 

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

 

Ter medo dentro dos aviões.

 

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

 

Saber ganhar dinheiro.

 

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

 

Viva. Sem tubos.

 

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

 

Nenhum. Não se responde a isto com estados de espírito.

 

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

 

A megalomania e a mitomania.

 

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

 

A passadeira do ginásio.

Lema? O da Ordem da Jarreteira:«honni soit qui mal y pense».. Eduardo III sabia o que fazia.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010

Zé Diogo Quintela (Quest. Proust)

01.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

A necessidade de ser apreciado pelo que sou, não pela minha beleza. Uma luta diária e angustiante.

 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

Honestidade

 

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

Honestidade e um peito bonito.

 

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

Paciência.

 

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?

Deve ser mesmo a única coisa em que sou parecido com o Proust. A isso acrescento: preguiça moral.

 

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

Não fazer nada, literalmente.

 

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

Ele não tinha era resposta. O meu sonho de felicidade é dormir bem todos os dias.

 

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

Sobreviver às pessoas de quem gosto.

 

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

Aos 13 gostava de ter sido o Manel Fernando, o miúdo da minha aula que melhor jogava à bola. Agora não sei quem gostava de ser. Sei que não gostava de ser o Manuel Fernando, pois já faleceu.

 

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

Gostava de viver na Nicarágua. (só um momento, que estou a abrir a wikipédia). Fica na América Central, entre as Honduras e a Costa Rica.

 

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

No momento em que respondo, leio com prazer Phillip Roth e Evelyn Waugh. Não ao mesmo tempo, evidentemente. Apesar de, se quisesse, o poder fazer, uma vez que sou estrábico.

 

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

No momento em que respondo, não leio poesia. Mas se o Baudelaire é assim tão bom, pode ficar na minha lista.

 

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

Desde sempre gostei muito do Fernão Magalhães. É, claramente, um predestinado: quais são as probabilidades de se encontrar, no cu do mundo, um estreito com o próprio nome?

 

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

Brian Wilson.

 

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

Do nada que sei de pintura, sei que gosto muito de Gauguin. Tem cores bonitas.

 

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

Uma vez também apontei a um professor, mas falhei. Na vida real, admiro bastante quem gosta de mim.

 

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

De couve-flor e beringelas.

 

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

Força para levantar, em supino deitado, mais de 150 kg.

 

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

Sem perceber.

 

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

No meu vizinho de baixo.

 

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

Normalmente condescendo naquilo em que também falho. Portanto, lido bem com o erro dos outros.

 

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

O meu lema, já desde há alguns anos, é “viver cada dia como se fosse terça-feira”.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010 

 

 

 

 

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