António Pinho Vargas (Quest. Proust)
Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?
A minha característica mais marcante é não suportar a estupidez dos outros (nem a minha, quando se manifesta).
Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...
A qualidade de responder aos recados que se deixam nos atendedores de chamadas ou aos emails que recebem.
E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?
A qualidade de terem simplesmente uma actividade para além da trabalheira que dá continuarem magras, morenas e bem penteadas o ano todo.
Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?
Nas minhas amizades não há bens preciosos, senão não havia amizades.
Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?
Tenho outros defeitos muito mais graves: acreditar no que me dizem é um dos principais.
Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...
Neste momento não me ocorre nenhuma em particular. Talvez tocar piano seja, pelo menos, uma boa ocupação.
Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?
Nada.
O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.
Proust devia ter razão neste caso.
Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?
Aos 13 talvez ainda quisesse ser pintor de paredes, já não me lembro bem. Hoje gostaria de ter uma actividade que fosse inequivocamente útil porque o que faço agora destina-se à categoria de desperdício patrimonial virtual.
Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?
Não existe nenhum país onde as coisas que o Proust queria existam. Não há saída.
Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.
Acho que já não tenho nenhum escritor preferido. Já foram tantos que a questão se tornou absurda.
E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.
A resposta devia ser quase idêntica, mas a memória diz-me que posso escrever sempre Fernando Pessoa.
Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.
Já não me lembro dos heróis de ficção, e dos históricos há seguramente algum de que nunca ouvi falar melhor do que aqueles de quem ouvi falar.
Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...
O meu compositor favorito sou eu. Não há nenhum outro que eu conheça tão bem.
Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.
Terei de repetir sempre a mesma resposta? Não tenho pintores, nem escritores, nem músicos favoritos. Gosto de arte, de obras de arte, mas não gosto de coleccionar nomes canónicos.
Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.
Não conheço nenhum herói que nunca tenha levado porrada.
“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?
Sem dúvida que as minhas piores qualidades devem ser as piores de todas as piores qualidades que existem.
Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!
Não acho que sejam óptimas. Começo, aliás, a perceber porque é que nunca gostei especialmente de ler Proust.
Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.
Estão a ver? Proust dizia as maiores banalidades com total espírito negligente.
Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?
Evidentemente que sim. Além disso “pensar” é sempre qualquer coisa que me diz respeito e esta exagerada convivência torna-se insuportável com o tempo.
Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?
Muitas. Se assim não fosse como seria possível viver?
Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?
Corro porque estou vivo e actua ainda em mim aquilo a que Freud chamou pulsão de vida.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010