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Anabela Mota Ribeiro

André Jordan

02.10.13

Por fim, ele olhou-me nos olhos, como fizera durante toda a tarde, para me dizer que esta seria uma entrevista impossível há trinta anos. «Se eu lhe tivesse contado estas coisas quando cheguei a Portugal, no dia seguinte ninguém me falava». Virar-lhe-iam a cara na rua? Que formas assume o ostracismo? Ele sabe do que fala. Mas sabe que quando se deprimiu e se refugiou na mesa do fundo, os amigos, o meio, se sentaram à sua volta. Imagino que seja agradável estar na mesa de André Jordan. Eu estive sentada numa mesa com André Jordan numa tarde de muito calor. Ouvi as estórias mais mirabolantes: de quando se cruzou no mictório com Frank Sinatra, da carta que Salazar lhe escreveu, do sambista Cartola, do presidente Kubitchek, da menina aveludada que casou com o anjo pornográfico Nelson Rodrigues. E, como diria a sua psicanalista, depois desta matéria que fica bem nos livros, vamos encarar a realidade. Vamos falar de André Jordan e não das pessoas que ele conheceu. Ouvi, então, as estórias tocantes: de como a mãe esperava que ele fosse o melhor do mundo. De quando, num momento decisivo, a amiga Alice Pinto Coelho lhe disse que ele tinha um andar de vencedor e isso lhe deu força para sobreviver.

Há qualquer coisa de desmesurado na vida de André Jordan. Nascido na Polónia nos anos imediatamente anteriores à Segunda Guerra, refugiado aos seis anos do horror nazi. A caminho do Brasil, a família fez escala em Portugal, por uns meses, e o pequeno iniciou-se nas letras, no St. Julians, em Carcavelos. No Rio, viviam num quarteirão mágico, ladeado pelo mar e pelo Copacabana Palace. Da janela talvez se vissem as babás passeando as crianças pela mão; as mães usavam vestidos vaporosos e liam livros ao entardecer; os pais faziam negócios que cruzavam o planeta e usavam paletó. Na adolescência, o divórcio dos pais instalou-o em Nova Iorque com a mãe. Viveu interno num colégio, quatro anos?, pergunto eu, e ele, preciso, três. Depois viveu pelo mundo, e não quis voltar onde foi muito feliz. À irrepetível Buenos Aires, à longínqua Polónia. Em Portugal, como é sabido, re-inventou Vilamoura, fez nascer a Quinta do Lago na borda da Ria Formosa, criou Belas nos arredores de Lisboa, um lugar onde se vive e se joga golfe – só para citar os mais famosos. O seu talento maior talvez seja o de criar ambientes. O de tornar a vida macia. A vida de André Jordan foi intensamente vivida e merece ser contada.

 

 

Eu estava a dizer que gostava de o conhecer... E o senhor respondeu: “Também eu gostava de me conhecer”.

Isso porquê? Porque a vida é vivida de tal modo, as solicitações sobre o tempo e as emoções e o intelecto são tão intensas e breves que não há muitas vezes oportunidade de introspecção. A pessoa acaba por agir por instinto, pelas inclinações que tem, as coisas que o atraem, que o motivam. Eu fiz duas vezes psicoterapia.

 

No Rio de Janeiro e em Buenos Aires?

No Brasil e em Lisboa.

 

Toda a gente faz psicanálise em Buenos Aires.

É verdade. E também toda a gente faz [cirurgia] plástica. Mais do que em qualquer outro lugar. A psicanálise se deve ao facto de Buenos Aires ainda ter um contingente muito importante de emigração alemã e austríaca judaica, pessoas ligadas à escola do Freud, que introduziram essa temática na Argentina.

 

É fascinante a Viena do virar do século, em convulsão, com Freud, Wittgenstein, Klimt e os elementos da Secessão...

Ainda agora, vendeu-se um Klimt, o quadro mais caro de todos os tempos, não sei se viu...

 

Com certeza que vi. O que é que procurou quando fez psicanálise? Antes de mais, frente-a-frente ou divã?

Fiz a primeira no divã, a segunda frente-a-frente. A primeira: tive uma crise muito grave na minha vida, nos meus negócios, logo a seguir a ter saído de Portugal depois da revolução, o que foi por si um trauma. Entrei num empreendimento, e na ansiedade de reconstruir a minha vida profissional, não olhei bem com quem estava a me associar. Essa sucessão foi muito infeliz, e a depressão grande. Conheci uma psicanalista que me ajudou realmente a sair da fossa.

 

O que é que aprendeu de si nesse período?

Uma coisa fundamental, que é me livrar da bagagem. Deixar para trás as coisas que me chateavam, os conflitos que tinha vivido. Na análise, quando se conta determinada situação, no momento em que se está a contar, a pessoa percebe que não vale a pena carregar aquela história. Porque a análise é um espelho. O que o analista faz é pôr espelhos diante de si e obrigá-la a ver a situação e a si próprio.

 

E a segunda vez?

Eu já era mais velho e continuava num conflito desde a adolescência: se era um intelectual, se era um homem de negócios, se era isto, se era aquilo. Aprendi que era essas coisas todas e não precisava de estar em conflito com essas várias facetas.

 

Não entendo o que é que o levou a fazer a segunda análise...

Foi uma crise conjugal de um dos meus casamentos. Me levou a esse equacionamento e à análise. A questão conjugal foi rapidamente esclarecida e resultou na necessária separação. Passámos a um outro capítulo, que era esse conflito eterno, um bocado imaturo, que tinha vivido a vida inteira.

 

Quantos anos tinha?

Perto de sessenta.

 

Não é extraordinário, como podemos viver até perto dos sessenta anos com conflitos imaturos?

Todas as pessoas têm um lado infantil, mais ou menos escondido ou mais ou menos sublimado. O que me permitiu assumir essas várias personalidades e agir em conformidade foi reconhecer que não tinha que ser o melhor em tudo. Eu tinha a ideia que para fazer uma coisa, por exemplo, fazer livros, tinha que ser grandes livros... Descobri que não. Tenho alguma coisa para contar, ou para transmitir, e transmito, acabou-se.

 

Foi educado pelo seu pai e pela sua mãe para ser o melhor e para ser um vencedor?

Havia muito essa expectativa na minha família. Durante muitos anos, havia um conflito com a minha mãe, que é uma mulher admirável, uma intelectual e fascinante na convivência; custava-lhe a aceitar que eu não fosse o melhor do mundo.

 

Num tom edipiano, era como se ela não o amasse incondicionalmente; só o amaria se fosse o melhor do mundo.

Talvez, é a sua interpretação e eu aceito. Quando passei por grandes dificuldades, vim a saber que não era assim, que ela era muito, muito solidária.

 

Posso saber que tipo de dificuldades?

Dificuldades financeiras e emocionais ou afectivas.

 

Temos sempre a ideia de que os muito ricos nunca passam por dificuldades.

Isso é uma das maiores falácias que pode haver. A falta de dinheiro faz uma pessoa infeliz, mas o dinheiro não faz a pessoa feliz. Aquelas pessoas que entendem que o dinheiro os protege, que cria uma espécie de redoma à roda de si, são muito infelizes. Porque não é assim. Quem é que está protegido de ficar doente? Veja o Pavarotti, veio a descobrir que tem um câncer no fígado. E veja as guerras, na minha família tem umas oito a dez nacionalidades, e todas estão ali por terem sido deslocadas pelos grandes conflitos.

 

Ainda que a sua formação tenha sido católica, o lado judeu é em si muito vincado. Não faz só parte da genealogia. É uma maneira de estar, e marca uma errância.

Absolutamente. A igreja católica me dá um abrigo físico e moral, o que não me obriga a ser um súbdito do Vaticano. Não quero me fazer aqui de santo nem de piegas, mas realmente o “leitmotiv” da minha vida tem sido esse: amor ao próximo e ajudar as pessoas a serem felizes.

 

Estávamos a falar de ter sido educado para ser o melhor. Vamos mais atrás ainda? Viveu até aos seis anos na Polónia, no seio de uma família poderosa, ligada ao petróleo. Dos herdeiros esperam-se sempre grandes coisas.

Eu acho que a questão judaica e a fuga acentuou isso. Fomos sobreviventes. Nunca tinha pensado nesse sentido, mas já que você levanta... Acentuou e motivou muito a minha vida. Tenho quatro filhos, oito netos. Realmente, a vontade e a necessidade de perpetuar a raça e a família foi sempre muito forte. Quase toda a nossa família directa desapareceu no Holocausto. Mas não quero dizer com isso que foi opressivo. É a tal coisa de que falámos ao princípio, a vida foi vivida com tal intensidade por todos nós...

 

Mas não eram impelidos a essa intensidade, justamente por serem sobreviventes e terem de merecer a cada segundo ter sobrevivido.

Está a dizer que havia um sentido de culpa nessa sobrevivência? Talvez nos meus pais, em mim não. Em mim houve sempre a motivação de demonstrar que uma pessoa, de qualquer origem, podia sobressair no meio e sobrepor-se a eventuais racismos ou preconceitos. Tive a felicidade de ter vivido grande parte da minha vida em dois países onde não há racismo e certamente não há anti-semitismo, que é o Brasil e Portugal. Apesar de termos em Israel um sionismo militante, que pode parecer que os judeus são racistas e intolerantes, isso não é verdade. Isso é a sublimação da tal necessidade de sobrevivência que Israel representa para eles.


Confesso que estava a pensar no Primo Levi quando lancei a questão da responsabilidade por ter sobrevivido. Há em relação a esses, que partilham uma história comum, um passado trágico comum, uma solidariedade e uma atenção particular?

Sim, mas as pessoas são seres humanos, têm simpatias e antipatias que transcendem as afinidades obrigatórias.

 

Antes de vir para cá, estava a ouvir Sylvia Telles e a pensar que a única coisa em que verdadeiramente o invejo é ter vivido a mítica década de 50 no Rio de Janeiro. É fácil sonhar com o ambiente do Copacabana Palace e dos apartamentos da zona sul...

Sonhar é bem a palavra, porque foi um sonho. Tenho recebido cartas de pessoas que leram o livro [«O Rio que passou na minha vida»] e que, invariavelmente dizem: “foi a década mais feliz da minha vida”. Foi um despertar colectivo de uma nação, foi um processo de criação, de uma libertação criativa. Resultou de uma série de circunstâncias, fortuitas e deliberadas. O Brasil eram umas cinco mil pessoas, estavam todas concentradas no Rio de Janeiro. Nós nos conhecemos todos.


Mas não é sempre assim? Sempre que se fala de si fala-se das pessoas com quem se dá, com quem se deu. Das princesas Grimaldi, dos príncipes árabes, da Marylin e da Jackie Kennedy. Estes “happy few”, não são sempre cinco mil?

Claro que há uma elite que se conhece entre si e sente atracção por fazer parte desse clube. Há muita gente nesse meio que, se você for aprofundar, não têm grandes qualificações nem atractivos, mas fala aquela linguagem, tem aquele estilo de comportamento, que é uma regra. São regras que não são escritas, e os que não fazem parte não conhecem.

 

Entra-se para o clube por que vias?

Entra-se pela grande vontade de entrar e pela persistência. Acho que é muito mais um produto de vocação e persistência do que de qualificações.

 

Pensei que alguns tinham a vocação suficiente, ou o dinheiro suficiente, ou o poder suficiente para entrar.

É um truísmo, e não deixa de ser verdade, que hoje em dia o dinheiro é um factor fundamental, seja do ponto de vista da formação do capital ou do ponto de vista de ganhos. Há categorias de pessoas que ganham fortunas como se fossem grandes empresários, ou grandes industriais, como artistas de rock ou jogadores de futebol. Eu conheci, e conto no livro, artistas como o Tom Jobim, que já era casado com filhos, trabalhava num bar à noite e não tinha dinheiro para tomar um táxi para casa. Outra das coisas que conto no livro é que o whisky, que era o que se bebia naquela altura, na burguesia, tinha um papel muito importante nas relações e nas vidas das pessoas.

 

Como se fosse uma senha de pertença a um clube?

Era talvez uma coisa cultural. O whisky desobrigava as pessoas de uma maior profundidade. Os políticos bebiam, os artistas bebiam, os jornalistas bebiam, toda a gente bebia. As mulheres, pouco. As mulheres que bebiam eram conhecidas e notórias. Há uma história famosa: o Lúcio Rangel, que era crítico de música popular, convidou o Tom [Jobim] para vir se encontrar no centro da cidade com Vinícius de Moraes, que tinha decidido musicar o “Orfeu da Conceição”. O Tom pouco sabia quem era o Vinícius... Quando acabaram de explicar o que queriam, o Tom, que não era um compositor conhecido naquela época, respondeu: “Me diz uma coisa, há um dinheirinho nisso?”.

 

Mas há um detalhe realmente importante: o Tom não era apenas um bêbedo de Copacabana, não era um pé rapado. E isto conta.

A família dele tinha um colégio, era aquela burguesia do Rio. A Bossa Nova [que Tom iniciou] era a música nascida da classe média. Enquanto que o Samba vinha do morro.


Um dia levou os seus amigos finos à escola de samba da Portela e provocou um congestionamento de tráfego nunca visto – deu direito a notícia no jornal. Conheceu Cartola, um dos maiores sambistas de todos os tempos?

Conheci.

 

Cartola era um “nego” do morro. Além de músico genial, foi gasolineiro a vida toda. Mas o que importa aqui é saber se se deu com pessoas simples.
Na altura, não foi nessa perspectiva de gente poderosa ou gente humilde. Foi na atracção pelas pessoas, no interesse pelas pessoas. Havia muito contacto entre as classes. O Brasil sempre foi um país de uma imensa mobilidade social. Basta ver o Lula.

 

Em Portugal a mobilidade social não é tão evidente assim. A questão é: dá-se apenas com pessoas do seu meio social, ou continua a ter atracção pela “gente humilde” (cantada por Chico Buarque, também ele um menino-família)?

Eu fui para a Quinta do Lago em 1970/71 e criei uma empresa. Naturalmente, não fazia uma vida solta, como fazia naquela juventude no Rio de Janeiro, em que não tinha responsabilidades. Mas recrutei muita gente, humilde, trabalhadora, e tive relações de amizade e solidariedade com a minha equipa.

 

Mas isso são relações simpáticas com os empregados, não são relações entre iguais.

É claro que a vida depois não proporciona. Mas eu tive e tenho amizade com muitas pessoas que entraram para trabalhar nas minhas empresas. Não estou a reclamar ser uma pessoa do povo, eu não sou uma pessoa do povo, sou uma pessoa da elite. Mas a elite tem para mim muitos valores para além do dinheiro ou mesmo da cultura. Há muita elite de sentimentos, de qualidades do ser humano.


Como é que percebe essa qualidade humana? Costuma dizer-se que é nos momentos difíceis que as pessoas se revelam.

Como em todas as situações, sente-se. Sente-se. A gente conhece a pessoa do ponto de vista ético, do ponto de vista afectivo, do ponto de vista de lealdade. Claro que nos enganamos. Mas as desilusões que tive na vida, que foram algumas, nunca me desanimaram.


Ainda o Rio: começou por trabalhar como jornalista antes de enveredar no mundo dos negócios, por via do seu pai. Já vamos saber como mudou a sua vida com a morte do seu pai. Para já, essa atracção pelo jornalismo passava por quê? Pelo contar histórias?

Passava pelo interesse pelas causas públicas. A minha mãe é que dizia que eu não era um grande jornalista.

 

A sua mãe gostava do Nelson Rodrigues (jornalista, folhetinista, cronista, dramaturgo, escritor maldito, “anjo pornográfico”)?

Não o conhecia. Era muito longe do universo dela. Eu conheci o Nelson Rodrigues. Vou contar-lhe uma história triste. O Nelson Rodrigues, já tarde na sua vida, juntou-se ou casou com uma menina da melhor sociedade carioca. Além de tudo o mais, ele era muito mais velho, tinha trinta anos mais do que ela. E tiveram um filho cego.

 

Uma filha. A crónica em que fala da filha cega dá nome ao livro, «A menina sem estrela».

Sempre achei cruelmente irónico que o Nelson Rodrigues tivesse na sua própria vida uma situação assim. Não terá nunca, por ser um escritor em português, e ser muito ligado a um determinado meio, a projecção que a genialidade dele merece.

 

Ao contrário de Clarice Lispector, que está traduzida. Clarice Lispector dava-se com certeza com as pessoas do seu meio.

A Clarice, a judia? Foi casada com um grande diplomata brasileiro. Sim, Clarice teve um grande impacto no Rio. Acabei de comprar um livro dela.

 

O que é que mudou na sua vida com a morte do seu pai? O senhor tinha trinta e sete anos. Podemos apontar este momento como um momento...

De transformação, transformador. O meu pai era brilhante, e muito aventureiro. Não gostava de falar no passado. Vivia sempre o presente e o futuro. Tinha muita iniciativa, mas era pouco persistente. Os negócios dele eram muito complicados. Envolviam grandes capitais e pessoas muito proeminentes. De modo que havia sempre situações de tensão que eu, desde muito novo, fui recrutado para amainar. Era um grande sedutor, e tinha muitas viúvas... Quando morreu, tive uma dor muito grande, apesar de ter tido relações muito tensas com ele, através dos anos. Mas no sentido da vida, foi uma libertação para mim.

 

Porquê?

Porque todo esse clima de grande complicação emocional e de conflitos e de tensões, desapareceu. A minha vida começou de novo. Ao mesmo tempo, financeiramente, comecei muito sem nada, para ser objectivo, e as coisas foram acontecendo.

 

De que ferramentas dispunha, então?

Tinha uma profissão, tinha um nome, que era também construído pelo meu pai, e fui um pouco ao sabor dos acontecimentos e das oportunidades. Para já, havia um problema de sobrevivência: tinha-me divorciado da minha primeira mulher, tinha dois filhos que estavam com ela, que me faziam uma enorme falta, e tinha casado de novo com uma mulher que tinha uma filha.

 

A primeira mulher é a que é princesa (do Liechtenstein)?

É. Vive na Quinta do Lago, há muitos anos, porque quis estar perto dos filhos, e mudou-se para cá.


Essa parte da história, a das suas mulheres, se posso dizer assim, dá-nos a noção de estarmos a ler um romance!

É verdade. Mas nunca nada foi pensando assim. Aliás, quando fiz a primeira análise, contava histórias, essas histórias dos casamentos; e passado uma meia-dúzia de sessões ela me disse: “agora que já temos o começo de um livro, vamos falar da verdade e do seu efeito”.

 

Avançou ao sabor das oportunidades e dos acontecimentos.

Sabia que não queria estar no Brasil naquela altura. O meu pai tinha deixado aqui em Portugal muito bons contactos e amizades - no tempo da guerra nós passámos por Portugal a caminho do Brasil. Ele era maçon e tinha ligações muito próximas com maçons portugueses. Nos Estados Unidos trabalhei na maior empresa imobiliária americana, e queria desenvolver coisas no exterior. Um sueco que estava ao meu lado disse assim: “O lugar que realmente interessa para o futuro é o Algarve”. Eu tinha acesso ao Algarve, e pronto, vim para Portugal.

 

Foi assim que nasceu a ideia da Quinta do Lago.

Foi assim que eu vim para a Quinta do Lago.

 

Pensei que a Quinta do Lago fosse a importação de uma ideia já concretizada no Uruguai.

Não é bem a ideia, é o estilo de urbanismo e de vida, de Punta del Este, que também já não é nada daquilo que era no meu tempo, porque aquilo praticamente não tinha edifícios e hoje é um mar de edifícios.

 

Isto passou-se em 70. Esteve cá até à revolução de Abril, e depois regressou ao Brasil.

Voltei ao Brasil depois do 11 de Março de 75. A minha empresa entrou sob intervenção do Estado, eu fiquei desempregado, a administração foi demitida. Foi um processo curioso, porque não foi uma nacionalização, foi uma intervenção na gestão das empresas: o Estado assumiu a gestão de uma série de empresas turísticas, principalmente no Algarve, desalojou as administrações e meteu lá interventores.

 

Teve que iniciar uma outra vida. De novo.

Sim, que não correu bem, já falámos disso. Não correu bem do ponto de vista dos negócios, e tive aquela depressão. Nunca afectou a minha posição pessoal, sempre mantive os meus amigos, sempre fui muito bem tratado.

 

Não temeu ser abandonado? Pelos amigos, pelo meio? É muito comum quando se está em dificuldades.

Eu é que queria fugir das pessoas. Estava em muito mau estado psíquico. Quando a pessoa está a viver grandes dramas, há pequenas coisas que acontecem ou que as pessoas dizem que dão um ânimo quase de sobrevivência. Quando estava nessa situação muito difícil, vim a Portugal tentar recuperar a Quinta do Lago. Qualquer vinda a Lisboa era sempre problemática para mim, do ponto de vista do dinheiro, passagens, hotel, essa coisa. Nas negociações que estavam a decorrer aqui com os vários sócios, um rapaz portou-se muito mal comigo para marcar pontos com o seu cliente. Para mostrar ao cliente que podia ser meu amigo, mas que estava a defender os interesses do outro. Fiquei muito deprimido com essa situação, entendi que as negociações estavam a correr muito mal e que me ia embora. Escrevi umas cartas a explicar porque é que partia no dia seguinte, e escrevi para esse rapaz, esse advogado, que estava hospedado no Ritz. Liguei para uma amiga minha, Alice Pinto Coelho, e pedi: “Você me leva ao aeroporto?”. Ela tinha um carrinho, um fiatzinho, eu tinha uma mala pequenina, e disse: “Vamos primeiro ao Ritz, vou deixar lá uma carta”. Entrei no Ritz, deixei a carta na portaria, e quando voltei ela disse: “Estava te olhando e não tens um andar de um perdedor, tens o andar de um ganhador”. Essa frasezinha, naquele momento, me carregou durante não sei quanto tempo.

 

É uma história bonita.

É bonita, me comove ainda hoje.


Quando é que a sua vida estabilizou?

Quando vim para Portugal a primeira vez, e quando voltei para Portugal há vinte e cinco anos. A partir daí sempre correu bem, do ponto de vista profissional e financeiro.

 

Ainda teme, em momentos de maior sobressalto, que as coisas possam correr mal? O que perderá, se correrem mal?

Vou correr o risco de desafiar a sorte e dizer que não temo. É uma coisa sempre perigosa de a pessoa dizer. Não quero dizer que nestes vinte e cinco anos não houve tensões, lutas, interesses, invejas, ciúme, tudo isso. A vida ensina a dar a cada coisa o valor que ela tem. A palavra em inglês é “overreact”: não reagir em excesso aos fluidos negativos que os outros volta e meia mandam para nós.

 

Recuemos, novamente. Se canta o “Parabéns a você”, em que língua é que é?

Em português. Sou um cidadão português, profundamente ligado à comunidade, e até fiz um papel com as coisas não-profissionais que estou a fazer nesse momento [está sobre a mesa]. Do ponto de vista emocional, sou um carioca da década de 50. Também eu ainda não me libertei da década de 50! Por isso precisei de fazer esse livrinho.


Em que língua falava com a sua mãe?

Polaco, falava polaco com a minha mãe e o meu pai.

 

Porque é que o “Parabéns a você”, que é a primeira canção que os meninos aprendem, não é em polaco?

Eu nem sei mais como é que é o “Parabéns a você” em polaco. O meu pai morreu há quarenta anos, e a minha mãe morreu em 91, há quinze anos. Nunca mais cantei o parabéns em polaco. Ainda hoje falei pelo telefone, mas me custa um bocadinho, já é um pouco uma língua estrangeira.

 

É curioso, como é que a língua materna se transforma numa língua estrangeira.

Por falta de uso. Tenho que pensar as frases.


E nunca mais foi à Polónia.

Não. Vou voltar um dia. Desanimo em voltar quando, volta e meia, leio histórias do anti-semitismo polaco - apesar de os polacos serem um povo encantador, muito valente. O anti-semitismo na Polónia tem uma génese explicável, no século XVI. É um anti-semitismo que é, também, um anti-aristocracismo. Apesar de compreender a génese desse anti-semitismo, eu o sinto, quando falo com um polaco. Nunca disse isso. E para não viver essa experiência... Há lugares na vida onde tivemos experiências importantes e que é melhor preservar.

 

Nunca voltar onde se foi feliz...

Buenos Aires é assim. Estive lá num período extremamente intenso da minha vida. A Polónia é um pouco isso também. Eu tenho a imagem que o meu pai e a minha mãe tinham da Polónia. A minha mãe era de Varsóvia e vivia no meio intelectual e artístico que era muito importante na Polónia.


O seu pai não pertencia ao meio intelectual?

Sim, mas o meu pai era de uma velocidade intelectual tal que se falasse com um poeta, o poeta achava que ele era poeta.

 

A propósito da conciliação de mundos improváveis, são co-pagináveis para si o Felinni com o empreendimento turístico da Quinta do Lago.

Sim, sim.

 

Sempre que se fala de si, fala-se de ter conhecido toda a gente. Como se tivesse os cromos todos: o cromo das Grimaldi, o cromo da princesa Diana, o cromo do Kubitschek. Em que é que a sua vida mudou pelo facto de ter conhecido essas pessoas todas.

Vamos dizer assim, para se publicar: a vida é um teatro. Há dois tipos de conhecimento com grandes figuras: há o conhecimento da convivência, que é extremamente enriquecedor e até educacional. E há o contacto social. No social, a coisa é como ir ao teatro, ver uma peça. Você vai a um evento onde está Marilyn Monroe, qualquer um dos actores... Na minha geração, o grande astro era o Frank Sinatra. Eu estava numa “boite” de Nova Iorque, o El Morrocco, entro na casa-de-banho e me encontro ao lado do Frank Sinatra. Me volto para ele e digo: “os meus amigos não vão acreditar que eu estava mijando ao seu lado!”. Foi assim. Portanto, a vida é um teatro. Agora, a convivência... dizem que os grandes personagens na intimidade são decepcionantes; não é a minha experiência.

 

Mas consegue ter conversas...

Sim, de grande interesse. Valeu-me muito a minha formação de jornalista. Quando tive a oportunidade, entrevistei essas pessoas. E como todos, como eu aqui, hoje, gostam de falar de si próprios, acabam gostando... O que é que há de mais fascinante do que o “eu”?

 

Que entrevistas o marcaram?

O meu pai, por causa da ocupação comunista da Polónia, era um homem da Direita e ligado aos movimentos da libertação da cortina de ferro. E ele tinha uma ligação com a família Kennedy porque a irmã da Jacqueline Kennedy era casada com um príncipe polaco, que era amigo e sócio do meu pai. O meu pai gostava muito de mexer nessas coisas, de grande política. E através do príncipe, chegaram ao presidente e conseguiram alguma tolerância em relação a Portugal e África, que não era na retórica das Nações Unidas, mas na prática. Salazar ficou profundamente reconhecido ao meu pai por isso. Quando o meu pai morreu, com 61 anos, ele escreveu-me uma carta.

 

Que tipo de carta?

Um cartão, aqueles cartões grandes, dos dois lados, numa letra quase ilegível, que eu perdi aliás, nessas mudanças, na revolução. Dizia: “Vem a Portugal, você tem aqui o nosso apoio”. E eu vim, com a Mónica, e pedi para lhe fazer uma visita para agradecer o cartão. Ele estava naquele forte do Estoril onde passava o Verão, um pouco queixoso, “são os médicos que me obrigam a estar aqui, por causa do clima”. E fiz uma entrevista ao Salazar. Comecei a fazer perguntas e ele respondia a tudo, encantado da vida, coisas interessantíssimas, sobre a sua filosofia, as suas relações com o mundo, com os ingleses, com os alemães, com a Espanha, com Franco, uma coisa fabulosa, realmente uma coisa fantástica. Uma voz feia, tinha uma voz um pouco esganiçada. E bonito, com feições bonitas. Conto essa história como exemplo: se a pessoa vai buscar o melhor dos melhores, a experiência é riquíssima.

 

Onde é que quer morrer ou ser sepultado? Tem várias pátrias, a sua pátria talvez seja o mundo.

O meu pai morreu no Rio de Janeiro, está sepultado no cemitério de São João Baptista e fui lá uma vez. Voltei uma vez uns anos depois, me emocionei muito, fui com a minha mulher para um café e me embebedei. A minha mãe está aqui em Lisboa, numa caixinha, no cemitério do Alto de S. João, nunca fui lá. Não preciso de ver a caixinha, a minha mãe está dentro de mim, como o meu pai também está. É-me completamente indiferente, aonde é que vou morrer. Tenho tido alguma preocupação nos últimos tempos de registar o meu trabalho, as minhas ideias, através de livros, através de coisas. Agora, o corpo... não interessa. 

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios

António Feio

01.10.13

Todas as coisas têm um princípio e um fim. Portanto… A partir dos 40 anos, percebi que tudo corre depressa. Se a pessoa não começa a fazer determinadas coisas, nunca as vai fazer. Também tenho a sensação que não vale a pena ter sonhos difíceis ou impossíveis de concretizar. Não me quero desgastar. Isto é possível fazer?, então, ‘bora fazer. Isto não?, então, esquece. Não há condições?, apaga que foi a lápis. Faz o que está ao teu alcance. Essa perspectiva, do fim, não altera a minha vida. O que penso agora é: um dia de cada vez. 

 

 

António Feio, 54 anos. Quatro filhos. Uma irmã a quem diagnosticaram um cancro no pâncreas e que está safa. Tem um cancro no pâncreas e está a fazer tudo para se safar. É actor e encenador. Às vezes, interpreta o bacano. E é o bacano. 

Há cerca de dois meses – ele não sabe bem, porque ele e datas, datas e ele… – foi diagnosticado a António Feio um cancro no pâncreas. Recentemente, na entrega dos Globos de Ouro, o actor e encenador agradeceu ao país a atenção. E ao pâncreas, pelo proporcionado…

O assunto não é para brincadeiras. Mas que há-de ele fazer senão reinar com a situação? Reinar é uma expressão sua. Estás a mangar comigo, também podia ser. Mas não a usou.

Há momentos em que começa a falar com o Toni, o personagem que interpreta na série Conversa da Treta, ao lado de José Pedro Gomes. Fala como falam pessoas de todos os dias, que encontramos no café, no supermercado, na rua.

A Treta é uma leitura do mundo a partir de um quadro C e D – como arrumam as classes sociais nas televisões. Nesse quadro, como noutros, usa-se o “‘bora” como se se dissesse “embora lá”. Mesmo nas classes Ae B, diz-se “embora lá”?

Ai temos um problema?, bora lá resolvê-lo. António Feio é assim. ‘Bora lá ligar o descomplicómetro e chegar às pessoas. ’Bora lá fazer o que há a fazer, deixem-se de tretas. ‘Bora lá fazer de uma ida ao Monumental uma grande festa, com direito a gelado.

Se não fizer, como justificar o estar?

E agora, António? Agora, toca a fazer o que é possível ser feito.

É um fazedor. Um encenador que se ocupa da carpintaria de uma peça, que dirige actores, que aponta o foco a quem tem ao lado (como em O que diz Molero). Trabalhou em dobragens de desenhos animados. Trabalhou na formação de jovens actores (Carla Chambel, Marco Horácio, Nuno Lopes, que lhe ofereceu o seu Globo de Ouro, foram alguns). É um trabalhador.

Ele acredita que ainda tem muito para fazer. Enquanto isso, show must go on e a Verdadeira Treta continua em digressão pelo país.

Pelo meio, está a fazer quimio e rádio. (Não é preciso completar: todos sabem o que significa).

 

 

Como é que está a lidar com o interesse (algo mórbido) – nosso, inclusive – pela sua doença?

Tem sido um pouco ao sabor do vento. À partida é um problema que é meu, não é? Tento preservar o lado mais íntimo.

 

Vamos começar do princípio. Como é que soube? O que é que o fez fazer exames?

Eu andava pelo Hospital da Luz porque a minha irmã teve um problema idêntico ao meu. Um cancro no pâncreas. A origem era diferente; mais simples de resolver do que o meu. A minha irmã, com um problema desses, assustou-me imenso!

 

Pelo cuidado com a sua irmã ou pelo receio de que pudesse padecer do mesmo mal?

A hipótese de lhe acontecer alguma coisa apavorou-me. Foi há três, quatro meses. Eu andava com dores de estômago desde o Natal. Comia e ficava inchado. No período de visitas ao Hospital da Luz, saí dez minutos, fui fazer uma endoscopia. Havia uma inflamação, uma gastrite, nada de especial. Entretanto o processo da minha irmã foi evoluindo e eu continuei com queixas. Decidi voltar ao hospital. “Eu não estou bem, vejam o que tenho”. Fizeram-se exames mais aprofundados, ecografias, umas coisas. E aí, foi, surgiu, pronto, foi-me diagnosticado o cancro no pâncreas.

 

Qual era o cenário?

Não era muito favorável. O que me sugeriram foi fazer radio e quimioterapia. “Vamos ver estas hipóteses”. Continuei a fazer espectáculos. Fui a Madrid falhar com um cirurgião. E a Paris a um hospital de reconhecidos méritos. E mandei o meu processo para os Estados Unidos. As opiniões não variavam muito. O diagnóstico era que eu teria que fazer rádio e quimio. Para haver uma regressão do tumor e poder ser operado – é o objectivo final. Com o oncologista que me acompanha, decidi fazer só quimio.

 

Contudo, para a semana [entrevista realizada a 29 de Maio] começa a fazer as duas coisas, rádio e químio.

Houve uma evolução positiva, mas não o suficiente para ser operado. Por isso, solução número dois: rádio e químio.

 

Em que dia soube?

Eh pá, eu datas…

 

Mesmo uma data tão impactante quanto esta? O tempo passou a correr de maneira diferente no calendário? As coisas mudaram radicalmente?

Não necessariamente. É obvio que passei a ter uma vida diferente. Por me sentir doente e por me diagnosticarem uma doença complicada. Tive um azar…, uma coisa estúpida. No primeiro dia em que fiz quimio, uma terça-feira, fui a uma farmácia aviar um medicamento – para minimizar o efeito de náuseas e vómitos. A farmacêutica da minha zona deu-me um medicamento errado! Um medicamento para diabéticos obesos.

 

Enganou-se no pacote? Como compreender isso?

Não há explicação. A receita, apesar de ser passada à mão, era legível. Creio que quis dar-me um genérico por não ter aquele medicamento; e baralhou-se, não sei o que foi. Andei de terça a sexta a tomar seis comprimidos por dia. O medicamento que me tinha sido receitado era de 10 mg e o que a senhora da farmácia me deu era de 1000 mg! Uma dose de cavalo. Tive sorte de não ter entrado em coma. Ainda tinha alguma – bastante – resistência física.

 

Como descobriu que estava a tomar o comprimido errado?

Fui ao hospital. Eu estava de rastos! “Arranjem-me qualquer coisa que me ponha melhor”. Nesse dia a diferença foi brutal. Na terça-feira seguinte, quando fui à nova sessão de quimio, uma das médicas perguntou-me o que estava a tomar; quando lhe mostrei aquele remédio, entrou em pânico!

 

Há um lado cómico nisso. Parece um sketch da treta… É inverosímil.

Claro! Parece um sketch, sim. Limitei-me a ir à farmácia apresentar queixa. Escrevi no livro de reclamações. Nada contra a senhora, mas é um perigo. Pensei fazer queixa na Ordem, mas acabei por desistir. Estou à espera que me digam alguma coisa.

 

Quando soube, com quem partilhou? Como foi o primeiro impacto?

Quando fui fazer o exame conclusivo, tinha os meus filhos todos comigo, e irmãos, sobrinhos, toda a família. Souberam todos ao mesmo tempo que eu.

 

Um problema? Um cancro? A doença? Aquilo? A terminologia importa.

Chamo-lhe cancro, abertamente.

 

Não é duro olhar ao espelho e dizer, com as letras todas: “Tenho um cancro”.

Não é fácil. Olha, tenho um cancro. É isto. Não sei o que é ter um cancro. Agora, estou a aprender. Sou muito realista. Sou muito prático. Lido bem com situações complicadas – acho bem.

 

A sua atitude perante as coisas, seja uma encenação ou a doença, é: “Ai temos um problema? ‘Bora lá resolvê-lo”.

É nitidamente a minha atitude.

 

Nunca é: “Ai, pobre de mim”?

Há alturas em que dou por mim a pensar em cenários complicados… Tenho medo da operação. Mas sei que é a minha única safa. Se quero ser operado? Tenho o mesmo medo que tive quando a minha irmã foi operada. Entre o António Feio de há um ano e o António Feio de hoje o que sinto é que não tenho a mesma pedalada. Estou a 70%. Mas já estive a 30, 40%. Na semana do erro da farmacêutica devia estar a 10% de mim próprio. Não me aguentava das canetas. E o problema a fervilhar na cabeça…

 

Ainda não falou dessa parte, da vivência íntima do problema. Só falou dos sintomas e do modo como lida com ele.

Acho que tenho reagido bem. Não senti pena de mim. Nem raiva, que é uma coisa frequente – porquê eu? Mas também, desde miúdo achava que as pessoas morrem aos 50. Achava que os meus pais, quando tivessem 50 anos, eram velhos e morriam! [riso] Ficou qualquer coisa disso. Eu já vivi bastante. Se tivesse um acidente de automóvel [bate na madeira], um AVC, um treco desses e já fui, não ia mal servido. Não tive uma vida má. Não tenho nenhum problema em morrer. [pausa] Não me apetece muito. Mas se me dissessem: “Vais morrer amanhã!”, “Olha, paciência”.

 

Isso é pose, de si para si, para lidar com isso?

Não sei. É o que penso.

 

É um modo de não sucumbir ao medo.

Não me apetece ficar em pânico. Não! Sei que estou a fazer o que é possível para resolver o problema. Não é uma ideia agradável, mas não é um bicho de sete cabeças. No dia em que tiver que ir, vou. O chamado “está-se bem”. Não sinto uma grande frustração, “eh pá, houve tanta coisa que não fiz”. Não fiz porque não quis fazer. Aquilo que realmente queria fazer, fiz. Tenho 54 anos. Os meus filhos são crescidos… Se calhar o que me faz pensar mais no assunto, de uma maneira diferente, é o meu rapaz com 17 anos… Quero vê-lo crescer mais. Ainda não tem grande rumo para a vida, e isso gostava de ver resolvido. As mais velhas, têm as suas vidinhas, fazem o seu caminho.

 

O facto de ter corrido bem com a sua irmã…

É um exemplo de sucesso próximo. Anima-me. Falamos todos os dias. Sobre o assunto, não falamos muito. Pergunto-lhe se ela está bem, ela pergunta-me se eu estou bem. Vamos medindo. Ah, hoje estou assim, ah, hoje estou cansado, ah, hoje tenho febre. É uma característica dos Feios. Preservamos o espaço de cada um. Até ao meu caso, nunca falei com ela sobre a doença. Ia lá, perguntava o que é que iam fazer, o que é que tinham feito, qual era o passo seguinte.

 

Não falam do que sentem?

Às vezes. O médico perguntou à minha irmã se ela tinha tido sintomas, indícios que a pudessem levar a pensar que tinha qualquer coisa. A única coisa que disse foi que nos últimos tempos se sentia triste. Engraçado. Eu também me sentia um bocado triste. Mas numa vida, nem tudo corre às mil maravilhas. É natural que uma pessoa se sinta um bocado triste. Vai andando. A doença é silenciosa…

 

Um actor trabalha com o corpo. Nunca falou com o cancro?

Não. E não tenho essa relação física com a doença. Ela manifestava-se por dores. Hoje não as tenho. Fisicamente, nos espectáculos, sentia limitações. Perguntava aos meus colegas: “Nota-se que não estou com o mesmo power?”

 

Contaram-me que o José Pedro Gomes soube que as cerejas têm uma acção benéfica sobre o pâncreas e…

Aparece-me lá em casa, de vez em quando, com cerejas! Tenho um clã que me apoia. O ponto por onde começámos: o mediatismo da doença. É normal!, eu vejo a preocupação das pessoas. Não quero dar uma de herói. Sou um mariquinhas de caca como qualquer ser humano nestas condições. Tenho medo, tenho pavor. Mas não vou andar aqui a choramingar. Sinto-me bem. Neste momento, não sinto que tenho um cancro. Psicologicamente sei que o tenho e é difícil deixar de pensar nisso.

 

De hoje a uma semana, com sessões de quimio e rádio, será diferente? O cabelo vai cair?

Não. Já fiz dois meses de quimio e este produto que faço não é… depilatório. Esta imagem que tenho passado – da boa disposição –, esta reacção que tenho tido – não entrar em parafuso – leva a que a maior parte das pessoas que me abordam não o façam com pena ou comiseração. É simpático.

 

Foi surpreendente o sketch d’ “Os Contemporâneos” em que participou, fazendo paródia da sua própria doença.

Brinco muito comigo. Brinco com tudo. Até com isso se pode brincar. Não estou a gozar. Se ficar com as calças rasgadas em público, é ridículo, não quero, não gosto; mas eh pá, vou ter que reinar com a situação. Relativizar. Passei a pensar de maneira diferente. Toda a gente se queixa. Ai, ai, ai, ui, ui, ui, e isto e aquilo, e que chatice, e apanhei muito trânsito, e para a semana vou ter de fazer não sei o quê. Talvez precisem de levar com uma coisa assim para abrir a pestana, e perceber que não tem importância. Também penso que isto tem alguma lógica…

 

Lógica?

Quando se tem pouco cuidado com a saúde, é natural que surjam problemas. Fumo desde miúdo que nem um cavalo, sempre tive uma alimentação desregrada, sempre me deitei tarde.

 

Drogas?

Não. Sempre tive muito receio. “E se eu gosto?” E nunca tive necessidade. Bebia copos; cervejas, à noite. Andei muitos anos à noite e nunca ninguém me viu entornado, a fazer figuras tristes. Sou low profile.

 

Nem depois dos 50? É verdade que depois dos 50 teve uma espécie de adolescência tardia? Os Porsches e as saídas nocturnas têm que ver com isso?

Não. Tenho Porsches há vários anos. Sou fã! Só tenho esse carro. E subo passeios, e se for preciso metê-lo na lama, meto, e não tenho problemas se chegar ao carro e ele estiver riscado.

 

Não condiz com o indivíduo low profile, moderado.

Ando de Porsche moderadamente. O primeiro Porsche tive-o há 15 anos. Era um Porsche em 25ª mão, muito baratinho. Fui fazendo upgrades. Já tive aí uns dez Porsches! Mudava de carro no dia dos meus anos. Até chegar ao que tenho, há cinco ou seis anos. Tem 450 cavalos! Não lhe posso dar uso como ele merecia. Não posso andar a assapar que nem um maluco. O gozo? Olhar e dizer: tenho um carro muito bonito. [sorriso] Se for preciso meter o pé no acelerador, passo por eles todos. É uma sensação de poder, que o próprio carro tem. Depois, o Porsche é um carro de velhos, só os velhos têm dinheiro para o comprar. Quando um gajo é puto e brinca com os carros, há uns de que gosta mais. Há miúdos que gostam mais do carro dos bombeiros. Eu gostava do Porshe.

 

As garinas, vão atrás do Porsche?

Não.

 

As mulheres interessavam-se pelo personagem público António Feio e por alguns códigos de poder – como o Porsche?

Não tenho razão de queixa. E não tenho dúvida que saí com mulheres que se aproveitaram. Que estavam à espera que pagasse o jantar. Rapidamente pus de lado. Faz-me confusão. Por uma questão de espinha dorsal. Sempre que emprestei dinheiro, dei-me mal. Não há memória de ter emprestado e de me terem pago de volta. As pessoas, quando estão aflitas, rebaixam-se, fazem o que for preciso. Mas assim que têm aquilo que procuram, desligam. E raramente dão uma satisfação, e passam a assobiar. Já me aconteceu várias vezes.

 

Nunca pediu dinheiro emprestado?

Claro que pedi.

 

Que importância teve o dinheiro na sua vida?

Comecei a trabalhar muito novo. O meu primeiro cachet foi aos 11 anos. Nós não éramos pobrezinhos. O meu pai era engenheiro agrónomo, trabalhava para o Estado, ganhava razoavelmente. A minha mãe, houve fases em que trabalhou, outras não. Os meus irmãos e eu, não estudámos em colégios particulares, mas andámos no ensino oficial. Nunca tive uma bicicleta. Não havia dinheiro para comprar uma bicicleta. Os meus pais passaram-me a noção de que o dinheiro não cai das árvores. O meu pai dizia: “Quando há, há, e é para todos; quando não há, não há”. 

 

O seu personagem mais famoso é o Toni, da Conversa da Treta. O mundo a que ele pertence tem no dinheiro um tópico fundamental.

As minhas despesas: vivo numa casa que está paga. Roupa, comida, gasolina. Faço uma vida normal. Tenho quatro filhos, alguns a estudar no estrangeiro. Ainda apoio os meus filhos. Porque quero ajudá-los. Odeio gente forreta. Vamos almoçar e a conta é muito rachadinha, mas eu comi uma sobremesa e tu não? Não, racho a meio. O dinheiro é para usar. Felizmente, de há muitos anos para cá, não tenho problemas económicos. Preocupo-me com isso. Organizo a minha vida com um ano de antecedência. Já sei o que vou fazer para o ano. [pequena pausa] Agora é mais complicado.

 

Continua a organizar, acreditando que vai ultrapassar isto?

Sim, sim. Mas não tenho noção do que vai acontecer. Tenho sempre um “se”. Ao longo da vida aprendi a não fazer planos rigorosos. Há sempre um projecto que cai. Há sempre uma coisa que afinal passa para o ano seguinte. É o “em princípio”. Em princípio vou fazer isto.

 

Neste período da doença, lembra-se mais do rapazinho que foi? Que fazia teatro entre profissionais.

Vim de Lourenço Marques com sete anos, estive em Lisboa até aos 14. Ontem fui a uma entrevista da RTP Memória. Passaram imagens minhas e do Ruy de Carvalho numa peça, Viajante sem Bagagem. Eu tenho para aí 12 anos e mantenho um diálogo, taco a taco, com o Ruy de Carvalho! Tenho dificuldade em perceber que aquele sou eu. Uma cena de quatro, cinco minutos. A voz…

 

Diz isso com orgulho do puto… É desse que se lembra? Quando recorda a sua infância, que imagens aparecem?

Essencialmente, imagens do tempo em que vivi em Carcavelos, na Praceta do Junqueiro, junto à praia, com um pinhal por detrás. E mais tarde em Moçambique, daquela liberdade.

 

Não são imagens do miúdo que está em cima do palco. São imagens de um miúdo, que por acaso fez teatro e cuja experiência foi determinante.

É um misto. Como comecei a trabalhar muito cedo, as memórias estão também ligadas ao trabalho.

 

Foi o Carlos Avillez que o convidou para a primeira peça. Começou a fazer teatro para agradar a sua mãe, que frequentava o Teatro Experimental de Cascais?

Não. Foi um desafio. Era uma actividade. Como um jogo. E conhecia gente gira, e maluca. A peça tinha cenários do Almada Negreiros. Conheci muito bem o Almada Negreiros. O gajo achava piada ao puto… Lembro-me de o ver a desenhar. Sabia que era o Almada Negreiros, “este senhor é um grande pintor”. “Ah, sim”. Um gajo, quando é puto, “iô, tá-se”. Estreei-me com a Mirita Casimiro.

 

Corre que uma vez lhe telefonou a Amélia Rey Colaço…

Uma vergonha! Tocou o telefone, atendi. Pensei que estavam a gozar, um colega. A Dona Amélia tinha aquela voz [assume um tom gongórico]. (Era um ser extraordinário. Trabalhei com ela nesse espectáculo) “António Feio? Daqui fala Amééélia Rey Colaaaçooooo”. A primeira coisa que me saiu foi: “Olheeee, e daqui fala Robles Monteeeiroooo”. A minha sorte foi que ela já estava um bocadinho surda e não deve ter ouvido. O Robles Monteiro era o marido e tinha morrido há anos. Seria uma graça de muito mau gosto. Senti-me tão entalado que a primeira coisa que fiz foi levantar-me! Estava sentado, e por respeito à Dona Amélia, levantei-me! Ainda hoje trato a Eunice [Muñoz] por Dona Eunice.

 

O seu mundo era feito dessas referências?

Já era crescidinho quando trabalhei com a Amélia. Era uma referência. Não a conhecia. A Eunice, sim. Tinha trabalhado com ela na televisão, na rádio, em várias coisas. Em três anos fiz tudo o que havia para fazer. Não havia miúdos. Era preciso um miúdo para uma coisa qualquer, marchava eu.

 

Não ficou um miúdo insuportável, com excesso de atenção?

Não. Sempre fui tranquilito. Nunca fui vedeta, nunca me subiu. Não vou dizer que não era engraçado chegar à escola e a malta toda conhecer-me. Era o aluno mais famoso da escola, não é? Em Moçambique, além da notoriedade, havia inveja. Uma vez fui proibido de ir a uma festa. Um amigo – que ainda hoje é meu amigo – proibiu-me de ir ao aniversário dele. As meninas estavam todas muito eufóricas, porque eu ia à festa… Mas nunca fui peneirento.

 

Era giro?

Em puto, era. Muito pequenino, loirinho, cabelo liso. Só aos 16, 17 anos dei um pulo, cresci. Nas imagens da RTP Memória: aquele brilho no olhar, aquela garra…

 

Donde é que vinham? E a confiança.

Não sei. A minha mãe era uma pessoa divertida. “Mãe, um dia quando for rico, monto-lhe um negócio”. Era uma agência de viagens. Para a minha mãe poder organizar, organizar viagens aqui e ali. Eu andava sempre com a minha mãe. Morávamos em Carcavelos. “Amanhã vamos ao Monumental comer um gelado”. E era uma aventura! Vínhamos de comboio ou autocarro. “Vamos ao Galeto!” O meu pai era diferente. Calmo.

 

A sua mãe encenava esses momentos, fazia deles uma festa.

Sim. Eu gostava muito de viver. Se me dessem um papelinho, eu gostava do papelinho, do brinquedo, de uma porcaria qualquer. Ir lá atrás é meio-estranho, é meio-esquisito. Uma pessoa sente que já é outra coisa.

 

É o filho mais novo.

Houve uma fase em que era muito “eu e a minha mãe”. A minha mãe acompanhava-me a trabalhos. A estúdios, Tóbis, RTP, Emissora Nacional. Era o menino da mamã!

 

Era a mãe babada acrítica ou era do estilo “nunca está bem”?

Era babada. Tudo o que eu fazia, era para ela motivo de orgulho. Transpunha para mim aquilo que gostaria de ter feito. Gostaria de ter sido actriz. Quando foi para o Teatro Experimental de Cascais, fez um papel pequenino na Casa de Bernarda Alba. Morreu há muitos anos. 

 

Não realizou o sonho de ser actriz por causa do casamento?

Foi por falta de oportunidade. Fez teatro amador. O meu pai ajudava, mas era incapaz de saltar para um palco. O sentido de humor que tenho vem do meu pai. Era dos que faziam tudo pela calada. Apanhei isso. O meu filho, vejo agora, é igual. Não sei se é bom. É muito fechado e reservado. Eu sou assim. Não tenho problema em abrir o jogo e falar consigo (que não conheço de lado nenhum) sobre tudo e mais alguma coisa. Mas depois há umas zonas onde ninguém entra.

 

Foi uma aprendizagem que teve de fazer desde pequeno? Para demarcar o território do miúdo a quem acham graça e do miúdo igual aos outros, de porta fechada.

Sim. E sou assim por feitio. Sou do estilo: em vez de passar por ali onde sei que me vou chatear, vou dar a volta ao quarteirão. Pago para não me chatear. Se houvesse uma instituição “Você não quer ser chateado?”, eu pagava uma quota mensalmente! Para não ter de levar com as coisas que me chateiam.

 

É mais actor, mais encenador?

Não acho que seja mais esse ou o outro. Senti que podia ser mais útil enquanto encenador, pela iniciativa que posso provocar. Enquanto actor, faço aquilo que me mandam fazer, ou fico à espera que me convidem; a minha sorte fica em mãos alheias. 

 

Tem trabalhado nos últimos anos com a produtora UAU e o seu parceiro preferencial tem sido o José Pedro Gomes. Porquê?

É importante fazer o repertório que temos feito, mais não seja para captar público, para termos gente. Lembro-me de ir ao Teatro Monumental e de aquilo estar esgotado! Mil e tal lugares. E lembro-me dos anos em que o teatro não tinha ninguém. Representei muitas vezes para 10 espectadores, cinco, três. As pessoas gostam de teatro; é preciso dar-lhes aquilo que elas querem. Ou, pelo menos, arranjar a maneira de não as afastar. Aí, entra o meu lado de encenador. Quando via um texto e acreditava nele, pensava: “Gostava de ver este espectáculo”. Sou um público normal.

 

Quando vai a Londres ver peças, é com esse intuito? Pesquisar, perceber o que pode encenar cá.

Às vezes vou ver por ver. Quanto ao prazer de ser actor, a grande mudança é o “Arte” [de Yasmine Reza]. Eu estava numa de representar o menos possível.

 

Antes do “Arte”, houve “O que diz Molero”, de Dinis Machado, adaptado por Nuno Artur Silva. Não lhe provocou o mesmo impacto?

Considero o Molero uma peça de encenador. O Austin lê 20 páginas do relatório do Molero e o Mister Deluxe comenta e diz de vez em quando: “É óbvio”. [riso] Provavelmente é a coisa mais bonita que fiz na vida. O “Arte” foi um texto que me reconciliou com o grande prazer de representar. É uma síntese do que pode ser o teatro de qualidade e o sucesso de público. Curiosamente, é uma peça de que a Yasmine Reza não gosta muito. Aquilo saiu-lhe da mão, ganhou asas.

 

Alguns personagens escaparam-lhe da mão? Chateia-o que o grande público olhe para si apenas como o Toni? O gajo do bairro, com esquemas, algo mânfio.

As pessoas distinguem. Numa classe mais “piupular” é mais comum essa identificação. Se um cromo tipo Toni me vir na rua, acha que eu faço parte do grupo. O público que vai ver, percebe que o que fazemos é um boneco.

 

O boneco, com gestos, expressões e uma grande dose de improvisação, compõe-no como? Onde é que apanha aquilo?

Veículo privilegiado: a observação. Sou muito observador. Se alguém me perguntasse como está vestida, qual a cor dos olhos?..., pô, não sei. Num assunto de crime, sou péssima testemunha. Mas observo coisinhas, pormenores, relações, os “filmes” que passam no café. As refeições, faço-as sozinho, rápido, em pé; mas naquele bocadinho que estou ali, percebo muita coisa. E para um actor tudo é matéria.

 

Estar em cima do palco, e desde cedo, é um desafio. “E se eles não gostam de mim?”

Muitas vezes penso isso. E com a noção de que não gostavam. Provavelmente eu também estava a fazer coisas em que não acreditava…

 

Falo de uma rejeição mais profunda…

É muito violento para um ser humano. Lidar com a exposição e com a rejeição. É um susto. Sempre tive esta coisa: a minha profissão é tudo. Se me saísse o euro-milhões era incapaz de deixar de trabalhar. Ia aproveitar para viajar. Não ponho a hipótese de não fazer nada como actor ou encenador. Se não fizer nada, não sou útil. Não tenho justificação para estar. 

 

[já depois de desligado o gravador, António Feio acrescenta]

 

Quero ir a Las Vegas, ver os cinco melhores espectáculos do mundo. Tenho de ir ver isso porque depois, se calhar, não tenho tempo… Isso já me irrita. Querer fazer isto porque amanhã, se calhar, já cá não estou.

 

De vez em quando desata a falar como o Toni. Dizer “um gajo mara”, como disse em off, é muito diferente de dizer “porque depois não tenho tempo”.

Um gajo marar… Pois. Mas a ideia que está por detrás é: tenho urgência. O tempo está contado. Fazer isso a correr porque amanhã não posso – isso não!, não faço. Amanhã eu posso! Se não puder, paciência.

 

 

Publicada originalmente no Público

António Feio morreu em  2010

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