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Anabela Mota Ribeiro

Normandia

26.01.14

Os Guarda-Chuvas de Cherbourgé um clássico da história do cinema. O filme é integralmente cantado, mas chamar-lhe musical é aprisioná-lo num rótulo. É um objecto inclassificável, uma das histórias de amor mais bonitas e mais tristes de todos os tempos. Os Parapluies (como é conhecido) revelou em 1964 Catherine Deneuve, em início de carreira, novíssima, com uma beleza de porcelana. Cherbourg, a localidade, em plena Normandia, não permanece tão encantadora quanto no filme, mas é irresistível fazer a “romaria” em homenagem aos Parapluies. Se não o conhece, compre o DVD. Para abrir o apetite, veja excertos no youtube. A cena da despedida, na estação, é comoventíssima, daquelas de fazer chorar as pedras da calçada.

 

Tudo começou no dia 6 de Junho de 1944, o dia D, como ficou conhecido. As tropas americanas desembarcaram nas costas da Normandia e deram um impulso decisivo na guerra contra a Alemanha nazi. Há quem vá à Normandia exclusivamente para ver de perto essas praias e fazer esse circuito. São americanos, sobretudo americanos, que vêm visitar as pedras tumulares dos seus antepassados e reconstituir os movimentos do desembarque na praia. Arromanches é uma das praias mais visitadas para esse efeito, mas há várias. Nas imediações há dezenas de cemitérios e memoriais que evocam aqueles que perderam a vida durante o conflito. Ver um cemitério na Normandia é ver uma extensão considerável de relva, onde se alinham milhares e milhares de cruzes brancas. Muito impressionante. Ali fica bem vivo o tamanho da carnificina. Há cemitérios americanos, franceses, ingleses, alemães – aqueles que, em quantidade, morreram na Normandia.  

 

Quando perguntaram a Flaubert quem era Emma Bovary, a heroína do seu romance, que afogava o tédio em sucessivos amantes, o escritor respondeu: “Bovary c’est moi”. Emma era Flaubert, Emma é cada um de nós: entediados, carentes, apaixonados. Madame Bovary é muito mais do que um livro sobre as desventuras de uma mulher de província: é um retrato sociológico da província. O epicentro da história é Rouen, uma cidade normanda. Visitá-la é uma possibilidade. Ler ou reler o livro é um programa ideal para acompanhar uns dias na Normandia. Tudo à volta parece mais compreensível por causa da obra de Flaubert.

 

Giverny é conhecido no mundo inteiro por causa do museu Claude Monet. O pintor Impressionista instalou-se nesta aldeia da Normandia em 1883 e aí viveu até à sua morte, em 1926. A casa habitada por Monet, transformada em museu, mantém a atmosfera de um paraíso privado. Os jardins são encantadores. O mobiliário é o original (o quarto do artista, por exemplo, está intacto). Há escolhas inesperadas, mesmo num artista para quem o uso da cor e da luz são fundamentais: a casa de jantar está pintada de amarelo vivo e de estampas japonesas. Na aldeia, o Museu de Arte Americana exibe obras de outros artistas (não só americanos) que, por causa do mestre Impressionista, passaram por Giverny e aí viveram e pintaram. www.giverny.org

 

Estância balnear de luxo, cidade charmosa, Deauville faz parte do mapa da França upper class. Coco Chanel passava férias em Deauville e abriu na cidade a sua segunda loja. Charles Trenet cantava no casino. O casino que estava para o norte de França como os casinos da Côte d’Azur estavam para o sul (atrai mesmo os que não jogam na roleta). Rente às praias, Deauville apanha a boémia francesa que vai a banhos, famílias inteiras e respectivas nannies que frequentam praias de barracas às riscas.

 

O segredo da manteiga de Isigny sur Mer não é conhecido; mas a sua reputação não tem limites. Especialmente cremosa e saborosa, um pouco salé, envolvida num papel vegetal ou depositada num recipiente que não se parece com os das manteigas comuns. Toda a manteiga da Normandia é deliciosa, mas a de Isigny é superlativa. Se quiser esquecer as dietas, coma manteiga com pão!…

 

Lee Miller foi uma figura inesquecível no universo artístico da primeira metade do século XX. Foi modelo da Vogue americana, musa e amante de Man Ray, amiga de Picasso e dos Surrealistas, fotógrafa de excepção. Depois de ter fotografado todas as pessoas interessantes do seu tempo, trabalhou como foto-jornalista quando rebentou a Segunda Guerra Mundial. Uma vez que era americana, integrou o corpo do exército do seu país quando este se mobilizou para ajudar a Europa e desembarcar na Normandia. Foi nesse contexto que fotografou as praias do desembarque e cobriu amplamente as situações de guerra para diversas revistas, em especial para a Vogue inglesa. As fotografias são pequenas narrativas do horror que se viveu. Procure nos álbuns dedicados à fotógrafa.

 

Calvados é o nome de uma região da Normandia e é também o nome de uma espécie de aguardente com travo a maçã. É um parente da cidra. (Não esquecer que a maçã é o fruto-rei da Normandia.) Os diferentes chateaux têm produção própria de Calvados e frequentemente fazem provas para turistas; as garrafas que estão à venda são de diferentes preços, alguns bastante acessíveis. Experimente todas para perceber se gosta de mais ou menos ácida, mais ou menos alcoólica, com o sabor da maçã mais ou menos presente.

Na ficção, os amantes de novelas policiais lembrar-se-ão que o inspector Maigret, criado por Simenon, era fã da bebida. Em diversos livros é comum ouvi-lo pedir à mulher, após o jantar, um cálice de Calvados.

 

Como chegar?

O mais fácil é voar até Paris e depois apanhar o comboio até uma grande cidade da Normandia. Caen, por exemplo. A partir daqui, é indispensável alugar um carro para poder passear.

 

Onde ficar?

Procure ficar nos incontáveis chateaux transformados em hotéis de charme ou no equivalente às nossas casas de turismo de habitação rural. Pesquise no google, a oferta é grande.

 

O que comer?

As costas da Normandia são ricas em mexilhões, ostras, coquilles Saint Jacques. Superlativos. E, na Normandia, sê normando: coma camembert, o famoso queijo francês, originário da região. 

 

 

Publicado originalmente na revista Máxima