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Anabela Mota Ribeiro

Nuno Amado

10.03.14

Nuno Amado não é um personagem bigger than life. Desses excessivos, que vemos nos filmes e lemos nos livros, cuja lenda os precede, cuja ambição os cega. Nuno Amado é um homem normalíssimo, que tem confiança qb nele próprio, que faz do trabalho um valor seguro. Uma pessoa normalíssima que preside a um dos maiores bancos comerciais em Portugal. É um desses homens que não precisam de usar sapatos por medida para se sentirem importantes.

É um homem de equipa, equipa, equipa – a repetição é dele. Por acaso é o líder, mas só se sente, genuinamente, uma parte da equipa. E está longe de estar contentinho da vida com o facto. “Se me tivesse perguntado, mesmo quando acabei o curso, se poderia estar onde estou hoje, eu diria: muito, muito, muito pouco possível. Não estava no meu cenário”. Mas está. Está onde está por causa de “trabalho, boas decisões, sorte e alguma ambição. 

É especialmente amável, modesto, humilde. E ao mesmo tempo firme, seguro, directo ao assunto. Constantemente devolveu-me a pergunta que lhe tinha feito – o que é raro. (De onde é que você é?, Qual é o filme da sua vida?, Você não acha?, coisas assim). Porquê é que o fez? Talvez tenha, simplesmente, interesse pelo outro. O que não quer dizer, exactamente, que tenha desinteresse por si.

Não é por insegurança que repete que acha a entrevista um equívoco, ou sem interesse. Pode ser, simplesmente, por não gostar de estar no centro do palco. Cerca de três anos depois da primeira abordagem (somos ambos persistentes…), concordou em revelar-se além do discurso técnico que lhe conhecemos. Ainda bem que o fez. Como pode não ter interesse a história de um homem que deixa às filhas a noção de que é preciso dormir bem com a sua consciência?

Não estavam outros à volta. Encontrámo-nos sem equipas. Começámos, por causa de um quadro que estava sobre as nossas cabeças, por falar de pintura. 

 

 

... então namorou um quadro da Menez.

Os namoros são demorados, às vezes. Éramos novos. Estava casado há pouco tempo – foi, portanto, há 25 anos – e tentei chegar a um quadro da Menez, através de um filho dela. Mas não havia “farinha”. [riso] Não se comprou. Quando não se pode, não se compra. Comprei um recentemente.

 

Nunca desistiu de ter esse quadro?

Nunca desisti de ter um quadro da Menez de que gostasse.

 

O que já é revelador de si, da sua persistência.

Talvez. Não parecendo, mas insistir. A técnica, às vezes, não é: quero, quero e vou conseguir. A técnica é: dar tempo, e o tempo ajuda. Foi o caso.

 

O que é que representou para si este reencontro com a peça da Menez?

Ter uma coisa bonita de que gosto, e ter tido a oportunidade de a comprar.

 

Devo dizer que consta no mercado que é dos menos peneirentos dos presidentes de instituições bancárias.

Conheço outros que, realmente, não são.

 

O que quero saber é quem é esta pessoa que não tem necessidade de afirmação por esta via.

Não tenho nenhum interesse em me afirmar. Não preciso! [riso] Não sei mesmo porque sou assim. Talvez por educação, por trabalho, por sentir que as pessoas atingem determinados pontos porque merecem, ou porque tiveram sorte, ou porque estavam no momento certo. Tenho necessidade de competir. Não tenho necessidade de me afirmar para ser o primeiro da fila.

 

Quando se compete é para ser o primeiro da fila.

Para tentar ser o primeiro da fila. E irrito-me quando não consigo. Mas não é por ser o primeiro. É para concorrer, para conseguir fazer coisas que os outros não fazem, para pertencer a uma equipa que pode funcionar bem. Talvez tenha necessidade de afirmação colectiva.

 

Emilio Botín e outras figuras do banco, como Horta Osório, são extraordinariamente carismáticas. O senhor entrou no banco em 97 e a sua ascensão foi muito rápida. E isto num estilo que é o oposto do que descrevi. É “o discreto”.

Temos um grande presidente do grupo, e um administrador delegado, o Alfredo Sáenz, que tem um perfil low profile.  Não deixa de ser óptimo porque é low profile. As boas equipas têm de ser complementares. Eu tinha uma boa relação de complementaridade com o António [Horta Osório]. As equipas não se desenham à imagem do líder. Há aspectos do líder que são óbvios: ambição, ambição por liderança, focada em resultados, cultura de eficiência, controlo de riscos. Tudo isso, dentro desta casa, temos. Mas as formas [de o afirmar] divergem. Eu não gosto de ver só eucaliptais, nem só manchas de pinheiro; a diversidade é boa.

 

Imagino que tenha demorado algum tempo a sentir-se bem na sua pele, nesse seu estilo menos espaventoso… E a confiar que ser discreto não era desmerecedor.

Não vou responder a essa pergunta. Vou só dizer que a confiança que tenho é muitas vezes acompanhada de desconfiança. A dúvida é uma coisa que tenho muitas vezes. Não sou iluminado – ao contrário. Muitas das coisas que fazemos, duvido que as façamos bem. Não tenho um excesso de confiança. Tenho confiança qb. Em termos de percurso, estou bem onde estou, mas também estava bem onde estava há quatro anos atrás. Estou a ser sincero.

 

No mesmo ano, em 2006, ascendeu à vice-presidência e à presidência. Deve ter sido para si um ano emocionante.

Foi, foi emocionante.

 

Descreva-me o que sentiu. Não tanto os factos, que esses já os conhecemos.

Senti que o António Horta Osório fez o percurso que gostava [de fazer] e que, na minha opinião, merecia. E que me deu a oportunidade de liderar este banco. O que eu não sabia é que seria num período tão difícil como aquele que estamos a viver. Mas deu-me essa oportunidade. Vi isso naturalmente. Nem deslumbrado, nem medroso. Naturalmente. (Espero não lembrar o treinador do Sporting!

 

Como é que ele diz?

Ele diz “Naturalmente!” Os cómicos, os Gatos Fedorentos, é que o imitavam ao dizer esta palavra à maneira dele…) Portanto, achei natural a mudança. 

 

Quando percebeu que ele ia sair, achou “natural” que isso apontasse a sua subida?

Até ao último momento nem pensei no tema.

 

Como assim, se era o vice-presidente?

Até ao último momento não pensei no que seria o banco sem o António Osório como presidente executivo.

 

Porquê?

Achei que esse era um tema para o António Osório e para o grupo, não era um tema para o Nuno Amado nem para o Francisco António nem para ninguém. Não tinha de pensar. Tinha de fazer a minha função.

 

Isso não bate completamente certo com aquele que compete.

Mas é verdade o que lhe digo. Pode não bater certo, mas foi assim. Gosto de concorrer, de competir; mas acima disso gosto de trabalhar em equipa. A minha juventude foi passada na escola e num clube na minha terra em que jogava basquete. Vejo-me mais como uma parte da equipa – com mais responsabilidade, menos responsabilidade – do que como uma estrela, no sentido desportivo do termo. Equipa, equipa, equipa. Pensei na equipa e não na sucessão.

 

A experiência no desporto foi marcante na forma como trabalha em equipa, e mesmo na sua formação pessoal?

Foi. Foi.

 

Não é especialmente alto. 

Sou baixinho, tenho 1 metro e 70.  

 

Nunca se sentiu inibido por não ser o mais alto, num desporto onde os desportistas são, normalmente, altos?

Não. Nuns anos fui o capitão. Não fui um capitão demasiado mandão, apesar de ter os meus repentes.

 

Ainda em 2006, uma das razões porque não pensou na sucessão foi estar na vice-presidência há pouco tempo? Estava ainda verde?

Está a obrigar-me a pensar na minha vida… Tomei decisões profissionais acertadas, e outras menos acertadas, em momentos decisivos, e não me recordo de ter pensado como é que podia ir à função do meu chefe. Até hoje. Talvez não faça parte da minha maneira de ser. Antes de estar aqui já tinha tido experiências em que, a prazo, poderia ocupar esse lugar; mas nunca me posicionei dessa maneira. Às vezes é negativo. Não acha? Um excesso de ambição pode ser negativo. 

 

Não tinha pensado que íamos começar pela Menez…

Foi você que começou, não fui eu. Disse que gostava muito da Menez.

 

A Menez pode ser lida como um preâmbulo. Interessa-me o que daí decorre. O que trazia preparado para o arranque era: quem era esta pessoa antes de ser o presidente do Santander Totta?

Sou o Nuno Amado, 52 anos, português, torreense, uma pessoa normalíssima. Que, em número de horas, se calhar, já trabalhou muito mais do que muita gente durante a vida inteira.

 

Porque é que trabalhou tanto? Quem é que lhe incutiu esse valor?

É do meu pai e da minha mãe. A minha mãe, que tem 77 anos, ainda hoje trabalha mais do que a maioria das pessoas que conheço. Se conhecesse a minha mãe… É extraordinária.

 

O que é que ela faz, se posso perguntar?

Pode, pode. Tem um pequeno hotel, agora deixou a parte da alimentação. Tem uma residencial e continua à frente do negócio. Não precisa, posso garantir-lhe, mas é a vida dela. O meu pai faleceu há um ano e tal. E acompanhava-a, no trabalho.

 

Foi assim que se habituou a olhar para eles, como dois trabalhadores infatigáveis?

Foi. Demais. Porque a vida não é só trabalho. A vida é trabalhar e desfrutar alguma coisa. Sou muito mais equilibrado.

 

Tiveram-no só a si?

Sim, sou filho único.

 

Qual é a primeira recordação que tem?

Por acaso, tenho algumas recordações antigas. De estar numa mesa com muitos empregados. Gostava de estar com eles. O cozinheiro, os ajudantes do cozinheiro. Eu ia ter com eles, pequeno, ao almoço e ao jantar, ouvir as histórias. Que idade tinha?, quatro, cinco. Lembro-me da mesa, da cozinha, e daquele momento de confraternização.

 

A capacidade de trabalho dos seus pais e a sua tenacidade deixaram que marca?

A noção de que há que fazer o que é preciso fazer, e não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje. Uma cultura de trabalho e uma cultura de dever, de que gosto muito. Eu acho que em Portugal muita gente – demasiada – tem os direitos à frente dos deveres. Na minha casa, os deveres estão à frente dos direitos. O dever, a honestidade, são aspectos fundamentais que têm que ver com a minha educação.

 

Conte-me mais coisas da sua infância. Que menino é que era?

A minha infância? Praia! A minha paixão são as ondas. Ainda este domingo, estava nortada e mar mau, água gelada, e tive de tomar banho! Em Santa Cruz, a minha praia. Os meus pais não tinham tempo para mim. Os meus pais sempre me educaram bem, nos valores correctos, mas sem tempo. Não passavam férias comigo, trabalhavam tanto… Mas tinha muitos amigos. Na escola fazem-se muitos amigos – não sei se fez…

 

Fala com alguém sobre sentimentos?

Não muito. Não, não falo. A não ser com a minha mulher. Normalmente não é preciso [falar com outras pessoas sobre sentimentos]. [Falar com ela] chega, é suficiente.

 

Lembrei-me novamente do miúdo para quem os pais não tinham tempo. Houve a cultura do trabalho, mas não a do sentimento expresso, ou até da ternura.

Talvez seja uma boa análise. Não quero aprofundar, mas talvez esteja correcta.

 

Não quer aprofundar? Não olha para dentro de si?

Não vale a pena aprofundar. Não se pode perder muito tempo com assuntos resolvidos. Bem resolvidos. Acho que é isso. Eu próprio já pensei. Nós funcionamos assim: andamos à volta, à volta, à volta de empresas que já não podem dar mais. Vamos para a próxima! Vamos para o próximo ponto.

 

Saber pôr um ponto final, é uma coisa que sabe fazer?

Neste grupo, é uma coisa que toda a gente tem de saber fazer. Na minha vida… Sei mais profissionalmente do que pessoalmente.

 

É um rochedo?

Rochedo? Não. Sou mais uma esponja. Não tenho a certeza. Não sou de grandes afectos, expressos fisicamente… Sou muito emotivo, mas como vem, vai. Passo as páginas rapidamente.

 

É muito emotivo. Tem facilidade em expressar essa emoção?

Se é um bom filme…, choro! Não choro muito, mas tenho de controlar a emoção.

 

Quais são as cenas de filmes que o comovem mais? Os reencontros, as despedidas, as perdas.

As despedidas. Então ”As pontes de Madison County”…, lembra-se daquela cena…?

 

Da mão na maçaneta da porta…

À chuva… Essa. Há quem não goste do filme. Quando era novo, (não lhe disse), quando andava a estudar, era um cinéfilo de filmes normais. Não era um cinéfilo de filmes intelectuais. Consegue dizer qual é o seu filme preferido? Pessoalmente não consigo. Qual é o seu filme preferido?

 

Neste momento, é o “Madame de…” do Max Ophüls.

Não sei quem é. Você é dos cinéfilos da Cinemateca! Não representa o país! [riso]

 

Vamos ao que interessa: porque é me perguntou qual é o meu filme preferido?

Porque adoro falar de cinema.

 

Queria saber porque é que me está a devolver a pergunta.

Porque a quero conhecer melhor. E é claro que conhece pouco o que se passa no país! Pertence a uma elite. Frequentemente não sei os nomes dos actores, nem dos realizadores, nem dos filmes. Gosto muito de confrontar os outros com as suas opções em matéria de cinema.

 

O que é que gosta, de perceber a diferença?

Porque é que gostou disto, porque é que não gostou daquilo – o cinema é um bom espelho, é uma boa forma de conhecer a outra pessoa.

 

Os livros, as viagens, o cinema, essas conversas enviesadas, deixam-nos perceber muito sobre quem é o outro. Qual é o seu caso?

Gosto mais de cinema do que de livros. Mas leio. E viagens, gosto. 

Um dos filmes que mais gostei de ver foi “Violência e Paixão”, do Visconti.

 

“Senso”, no título original. O que acontece nesse filme é que uma condessa perde a identidade, a coluna, tudo aquilo que é, por causa de uma paixão funesta. E por um homem que não vale nada, um canalha. Porque é que gosta do filme?

Vi-o no Estúdio 444. Revi-o duas vezes recentemente. O ambiente, o ritmo, a representação, a decadência… É um mundo decadente. Também gostei de ver “A Águia da Estepe”, de Akiro Kurosawa. Vi-o no Apolo 70, veja lá há quantos anos foi. Você viu esse filme?

 

Fale-me do tempo em que ia ver filmes ao Apolo 70.

Ah, tinha um livrinho... Vivia na Elias Garcia, e ia uma, duas vezes por semana, às vezes mais, à sessão das seis e meia/um quarto para as sete. Ainda não reencontrei esse livrinho, tenho de o procurar na casa dos meus pais. Contém as minhas anotações, as estrelas que dava a cada filme.

 

Era claro para si que iria tirar um curso superior e que viria para Lisboa estudar?

Sim. 

 

Qual era a sua expectativa e a dos seus pais em relação à sua vida?

Era tirar um curso superior e fazer uma carreira profissional. Nunca foi o de seguir o pequeno negócio dos meus pais, nunca, nunca.

 

Sendo trabalhadores tão aplicados, poder-se-ia pensar que se empenhavam numa coisa que ficava para o filho.

Nunca me vi assim. Eles? Nunca lhes perguntei.

 

Porque é que não quis aquilo?

[pausa] Nunca pensei assim. O meu objectivo sempre foi: desenvolver a minha carreira, os meus projectos, em Lisboa. (Isto foi em 1980). E um dia mais tarde voltar para Torres Vedras, ou ter uma actividade na minha terra. Sempre foi isto que esteve na minha cabeça, e é isso que vai acontecer – acho eu. Pensei casar-me com uma certa idade, casei-me um ano antes. Pensei ter uma experiência determinada, tive-a. Tenho tido essa sorte: de ter planos e de os cumprir.

 

Queria conquistar o seu espaço, a sua autonomia, e singrar na sua escolha. E só depois ser o filho pródigo que regressa a casa.

Talvez seja. Nunca pensei nisso assim, mas pode ter sido.

 

Disse de um modo enfático “os meus projectos”, “a minha carreira”. Acentuou o pronome, como quem diz “a minha vida”.

É verdade. Sempre fiz as opções dessa forma. A maioria dos amigos de juventude continuaram lá, sempre quiseram isso. Eu quis outra coisa – talvez por isso que está a dizer: para vincar a diferença e a separação. Acho que me afirmei em relação aos meus pais. Como? Através da minha carreira, do meu percurso.

 

Mas antes disso, na escola, como foi?

Fui aluno do quadro de honra. Mas sempre descontraído. Andava nas RGA’s. Nunca fui marrão. Para mim foi fantástico o período de 1974, 75, 76, de activismo.

 

Era um dos alunos que falavam nas RGA’s?

Era um dos que complicavam as coisas! Foi giro.

 

Olha-se para si como um que resolve, soluciona, e menos como um que complica.

Participei em acções interessantes. Mas não vou contar. Daquelas que eu diria aos meus filhos: não faças! Escrever numas paredes. Colar cartazes. Eu tinha quase 17 anos no 25 de Abril, e vim para Lisboa no ano seguinte, em 75. Apanhei a revolução com toda a força nas escolas. No ISCTE, onde andei, nunca conseguimos ganhar a Associação de Estudantes. O nosso partido era o PSD, o MRPP e um bocadinho o PS. Um arco.

 

Como foi a vinda para Lisboa?

Ganhei uma alergia, veja lá! Só pode ter sido da poluição da cidade.

 

Mantém o sotaque da terra.

Do lado do meu pai. Também é da província, onde falam muito depressa, e com este sotaque – que eu só sinto quando me ouço, em gravação.

 

Apesar de tudo, está em Lisboa há anos suficientes para o ter perdido. Porque é que não o perdeu? É expressão de um apego a essas raízes?

Espero que sim.

 

É uma sensação de pertença àquele lugar?

Pode ser.

 

O que quer também dizer que aquilo não tem nada de incomodativo para si.

Não! Incomodativo é estar aqui, em Lisboa. Aquilo é muito melhor, natural. Você de onde é que é? A mim não me passa pela cabeça viver em Torres Vedras, mas aqui é mais incomodativo. Tem uma tensão, um ritmo, dificuldades que num meio pequeno, perto de Lisboa, com acesso a tudo, não há. Não tenho uma casa em Torres, tenho uma casa em Santa Cruz. Não é um projecto ter uma casa em Torres. A casa em Santa Cruz é a casa na terra.

 

[longo suspiro]

 (Está a doer?

Não, mas acho que não tem interesse.)

 

Explique-me porque é que foi estudar Organização e Gestão de Empresas, e não escolheu uma coisa como Direito ou Economia?

Não sabia para onde havia de ir. Vim fazer um teste de orientação profissional no S. João de Brito.

 

Que foi o Colégio onde o Horta Osório estudou.

Foi. Mas não nos encontrámos. Ele é mais novo do que eu. Eu estava na dúvida entre Economia, Gestão e Engenharia. Gostava muito desses temas…, coisas de homens, exactamente. O teste, surpreendentemente, deu em primeiro lugar Diplomacia – que eu nem sabia o que era. Em segundo lugar Gestão e também Engenharia.  

 

Não é surpreendente, a Diplomacia. Muito do que faz, e do seu perfil, passa pelos consensos que promove.

Estou de acordo. Mas não no sentido tradicional da diplomacia, do networking e tal. Passo por isso. Provavelmente é um dos meus defeitos, não fazer networking nem viver para isso.

 

Olha para isso como uma espuma dos dias, coisa superficial?

Não, não. Acho que é importante, acho que vale muito.

 

Porque é que não faz? Não tem paciência para aturar certas pessoas e conversas?

Uma pessoa é o que é, não é o que se gostava que fosse – ainda que possa evoluir. Eu não quero evoluir mais nesse aspecto, faço o qb. Se eu fizesse mais, se isso me seria positivo? Sim. Mas custa-me fazê-lo.

 

A ida ao S. João de Brito decidiu, em parte, a sua vida.

É verdade. Esse professor foi muito arguto na orientação que me deu. Gostaria muito de ter ido para Engenharia Física.

 

O que é que respondia quando lhe perguntavam, em criança, o que queria ser?

Nada. O que é que gostaria de ter sido, realmente? Um bom jogador de basquete. [riso] Não tenho nem altura nem características. Arrependo-me de aos 30 anos não me ter posto a fazer surf. Não tive nunca a noção: quando for grande quero fazer isto.

 

O seu discurso não é o de uma pessoa especialmente introspectiva, centrada em si mesma. É de uma pessoa que faz, gregária, e cujos prazeres são coisas físicas, ligadas ao desporto.

Algumas sim. Cinema não é físico. De cinema podemos falar por mais tempo do que de mim… Avancemos.

 

Quero saber como começou a sua carreira profissional. Se teve angústias ao relação ao seu valor.

Tenho uma frase que não utilizo muito, mas que utilizo muito comigo: se eu fizer os possíveis e não puder fazer mais… Tenho de viver tranquilo com a minha consciência. Há situações em que isso não é possível e são para mim os momentos de maior stress e intranquilidade. Em termos profissionais não tive nunca nenhum problema. Excepto quando vim para esta função. De facto, entre ser número dois e número um, o passo é muito maior do que aquele que eu pensava. Pensava que fosse normal. Que fosse uma evolução simples. Eu fiz de tudo na banca e sempre me adaptei. Mas a passagem de número dois para número um é um passo difícil – o António avisou-me.

 

O que é que muda tanto?

Há um maior isolamento, e eu sou uma pessoa gregária, como você referiu. É uma função que implica uma solidão maior do que aquela que pensei que existisse.

 

Foi a primeira vez que ficou noites sem dormir?

Eu durmo pouco…, mas nunca tenho noites sem dormir. Saio à minha mãe, que também dorme mal. Coisas genéticas. Tenho estas manchas brancas [nas mãos] do meu pai. Posso acordar às seis da manhã a pensar nos problemas. Não sei se lhe acontece o mesmo…

 

Profissionalmente, o grande marco foi quando entrou em 97 para o Santander? Foi o encontro com este grupo que fez de si a pessoa que profissionalmente é?

Tive dois marcos importantes. Quando fui para o City Bank, em 84/85. Foi a minha entrada na banca, e implicou a opção de sair das auditorias e consultadorias. O segundo marco, foi a entrada no Santander uns meses depois de o António ter ido para o Brasil e me ter convidado. Boas decisões.

 

Decide facilmente?

Estas coisas, decido muito facilmente. Normalmente tenho uma boa sensibilidade, e sigo-a. Tive uma opção difícil quando vim para o banco, até porque tinha outras opções com pessoas que me eram próximas; mas nunca tive dúvida de que esta era a melhor solução. Amigos, amigos, negócios à parte.

 

Era a melhor opção porque vinha ganhar mais, crescer mais?

Vim ganhar menos.

 

Ainda não falámos do peso do dinheiro na sua vida.

Não existe.

 

Sempre teve o suficiente para não ter que se preocupar com isso?

Provavelmente sempre tive o suficiente para não ter que me preocupar com isso. O suficiente era mesmo o suficiente. Até há pouco tempo, gastava muito pouco. Agora gasto um bocadinho mais. Gosto de poupar. Nunca se sabe o dia de amanhã, e faz-nos falta poupança e investimento correcto. Gastar tem para mim uma componente de desperdício de que não gosto.

 

Se era preciso fazer uma summer school, havia dinheiro para isso?

Fiz, e havia dinheiro para isso. Fiz em 75 em Inglaterra. Fui para aprender inglês. Se puder gastar sete, não vou gastar dez. Fui viver para casa de uma família inglesa de classe baixa. E foi a primeira experiência que tive de viver com uma família cujos rendimentos estavam abaixo daquilo que eu conhecia. E com uma cultura muito suburbana. Apesar se eu ser da província, não era suburbano. Impressionou-me mais isso do que a questão dos rendimentos. (O meu pai trabalhou toda a vida, a minha mãe também. A minha mãe não tinha a quarta classe. Fê-la já crescida. Fê-la já minha mãe. A minha origem é claríssima e gosto muito dela). Cheguei lá com duas garrafas de Porto, e nunca pensei que ao fim do dia estivessem bêbedos!

 

Tem memória da sua mãe a fazer a quarta classe?

Tenho. De ter aulas com uma professora para fazer a quarta classe, devia ter uns 35 anos. Eu estava também a fazer, ou já tinha feito, a quarta classe. A minha mãe é uma pessoa com muita força – até demais. Eu vou-me abaixo. Se eu tivesse a força ela… É um caso raro.

 

Disse que era mais equilibrado do que os seus pais…

Sou como o meu pai. A minha mãe é a força motriz, o meu pai era mais equilibrado. Já pensei nisto muitas vezes: tenho um bocadinho de um e um bocadinho de outro. O que é que tenho dela? Capacidade de trabalho, emotividade (habituei-me a não tomar decisões a quente), e alguma da sua força. As pessoas têm de estar bem com elas.

 

É por estar bem consigo que não é deslumbrado com o sucesso? Nem parece complexado por ser provinciano.

Não me considero provinciano. Considero-me uma pessoa que vem da província, e estou muito, muito bem com isso. “Provinciano” tem uma conotação pejorativa: de vistas curtas, tacanho, que dá muita importância aos sinais exteriores. Eu não sou nada assim. Sinto-me é com um apego às origens, à terra e isso é uma parte da minha génese.

 

Como foi o seu primeiro encontro com Botín? Com que impressão ficou?

Que é uma força da natureza. Ambição, pragmatismo, capacidade de decisão.

 

Ele incute isso nos seus? A sua ambição cresceu desde que está no grupo?

Não tenho dúvidas.

 

Estamos a terminar: o que me contaria de si seria diferente se não fosse o presidente deste banco?

Alguma coisa, sim.

 

Estou a perguntar até onde é que se resguarda, até onde é que a função toma conta de si?

Resguardo-me em termos pessoais, políticos, económicos.

 

Além do quadro de Menez, o que é que deixa às suas filhas? É um homem que poupa, deve deixar-lhes também uma boa conta bancária…

Pago todos os impostos que tenho de pagar e praticamente não faço uma optimização fiscal, que poderia fazer. Pergunto-me porquê. Acho que é por dever. Que é que lhes deixo? Princípios. Estar bem com a sua consciência. Sou um privilegiado financeiramente, mas isso não é o mais importante que lhes vou deixar. Digo em casa: hoje estamos bem, amanhã não, hoje estamos numa posição, amanhã noutra. A vida é um ciclo, muitos ciclos, temos de estar preparados para estar hoje num ponto e amanhã noutro.

 

Faz planos para o seu futuro?

[pausa, seguida de sorriso] Tenho um plano para quando me reformar. Até lá, não tenho planos. Já pensei voltar para Torres, mas tenho uma divergência familiar, e a família manda. Mas voltarei para fazer coisas de responsabilidade social, em part-time.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2009

 

Ler Shakespeare

10.03.14

Passaram 450 anos e andamos a repetir to be or not to be, a olhar para a comédia humana, para a tragédia de Coriolano, de Lear, pensamos em Miranda, em Desdémona, em Julieta... Que tem Shakespeare que faz dele um autor tão actual? Porque é que as suas palavras nos tocam, em tantos sentidos? O prof. da Universidade Nova Gustavo Rubim, a psiquiatra Luísa Vicente e o crítico de teatro do Público Tiago Bartolomeu Costa dão algumas respostas no próximo Ler no Chiado. Dia 13 de Março, às 18.30, na Bertrand do Chiado. Moderação de Anabela Mota Ribeiro. Ler no Chiado é uma iniciativa da revista Ler e da Bertrand, todos os meses, na livraria do Chiado.