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Anabela Mota Ribeiro

Inès Sastre

03.06.14

Inès Sastre tem uma beleza de gioconda – misteriosa, profunda. Em pessoa, é como nas fotografias e nos filmes – belíssima, misteriosa, profunda. Tem uma voz grave, um corpo fino. Nasceu em Valladolid, completa 35 anos em Novembro. Vive em Paris. Tem um filho de dois anos por quem está visivelmente apaixonada. É um dos rostos da Lâncome desde 1996. No cinema, começou a trabalhar com Carlos Saura aos 13 anos; Antonioni fez dela a musa de “Para além das nuvens”. É embaixadora da Unicef. Licenciou-se na Sorbonne em Literatura Francesa. Fala fluentemente francês, inglês, italiano e espanhol, claro. Falou em espanhol, e da importância da língua materna. Acedeu em ser entrevistada durante 30 minutos na limousine, em sossego. Acendeu três cigarros. Foi extraordinariamente simpática e disponível. Riu muito. De tudo e de si própria.

 

Fazemos a entrevista em espanhol? É-lhe mais confortável? Fala em espanhol com o seu filho?

Falamos uma mistura de espanhol e francês. Tenho baby-sitters portuguesas, que lhe falam em português, e o pai fala-lhe em italiano. A língua materna é muito importante. O meu filho nasceu em França e anda na escola em França. Mas comprei uma casa em Espanha, antes do seu nascimento. Quero que o Diego tenha contacto com a sua raiz. Estou há muitos anos a viver no estrangeiro, e este Verão foi importante estar dois meses em Espanha.

 

Porquê?

Para retomar contacto com os meus amigos e com a minha própria língua, e fazer as coisas que se fazem em Espanha no Verão. Estou há 18 anos fora, vivendo entre Londres e Paris, sobretudo em Paris; profissionalmente, é importante estar em França.

 

O que é que sente como sendo casa?

Casa é onde está a minha família mais próxima: o meu filho e eu. Em qualquer lugar do mundo.

 

Quando faço uma pesquisa sobre si na internet diz-se sempre que é espanhola. Porque é que se sente espanhola? O seu tipo físico é muito francês.

Francês, italiano – fiz muitos filmes italianos em que fazia papel de italiana. Não me sinto exclusivamente espanhola. Sinto-me europeia. Sempre gostei do conceito de viagem, de aprender com outros. Não só ao nível da língua, mas da cultura, dos costumes. E sempre fui camaleónica, adaptável.

 

Foi educada nesse contexto?

A minha mãe educou as suas duas filhas de uma forma muito espanhola: sempre quis que fôssemos independentes. Em Espanha, a educação é austera, mas dá a possibilidade e a independência de questionar a vida que se tem. O melhor presente que a nossa mãe nos deu foi uma certa estrutura.

 

Como é que a sua mãe reagiu quando, aos 13 anos, Carlos Saura a escolheu para fazer o seu primeiro filme?

Agora que sou mãe, penso novamente na sua atitude. Ela deu-me uma enorme liberdade e confiança. Teve que deixar a minha irmã em Espanha, com o meu pai, e foi comigo para a Costa Rica três meses. São decisões muito difíceis e corajosas. Ser pai ou mãe é uma das coisas que dão mais medo. Porque é sempre preciso tomar decisões. A minha mãe disse-me: “Eu não posso trabalhar por ti; por isso, é uma decisão tua”.

 

Era uma grande responsabilidade, posta sobre os seus ombros. Muito precocemente.

Sempre fui muito precoce. Era uma menina muito responsável.

 

A sua mãe reconhecia-a como sendo especialmente bonita?

Nunca me educaram desse modo. Havia uma absoluta ausência de vaidade física em nossa casa. E não me sentia nada bonita. Eu era muito tímida. Acho que comecei a falar quando fiz o primeiro filme.

 

A falar em público, quer dizer.

A falar. Mesmo em privado, falava muito pouco. Era uma miúda excessivamente, quase doentiamente, tímida.

 

Em que é pensava nesses anos silenciosos, de quase reclusão?

Num monte de coisas. Lia muitíssimo, tinha uma vida interior incrível. Brincava comigo mesma. Este trabalho deu-me a possibilidade de comunicar com o mundo exterior, com as pessoas. Para além de ter sido uma coisa de destino.

 

Mas era uma forma de comunicar a partir da sua beleza, e não a partir do seu mundo interior.

Ah, acredito que reflectimos o que somos.

 

É uma mulher lindíssima, mas misteriosa. Não é fácil adivinhar o que se passa dentro de si.

Porque guardei da infância uma parte mais minha! [risos] Através dos meus filmes, das minhas fotografias, é possível saber de mim, ainda que seja de um modo silencioso.

 

A quem revela a sua vida interior? A quem mostra o que se passa dentro de si? No fundo, pergunto com quem tem relações de grande intimidade.

Tenho muitas. Como todas as pessoas, tenho um círculo mais pessoal, em que me conhecem de um modo mais humano. Quem é a “Inesita” de verdade? Nem toda a gente a conhece. Mas sou muito transparente. Não gosto de mostrar o que não sou.

 

É muito significativo que as outras mulheres a apreciem, apesar de ser um ícone de beleza. Não há uma relação de competitividade.

Disseram-me, quando comecei a trabalhar com a Lancôme, que há sempre que pensar que as minhas clientes são mulheres. Eu não estou aqui para roubar o marido a ninguém! [risos]

 

Portanto, não pode ser demasiado sexy.

Não. Nem sequer o sou. [Parecer demasiado sexy] iria contra a minha natureza. O meu último perfume para a Lancôme foi um projecto muito pessoal; quis projectar a imagem de uma mulher bonita, moderna, forte, com um filho; que não seja lamechas e que seja simpática.

 

Uma mulher que pode tomar conta de si própria. E que conta com as suas vulnerabilidades, com as suas fraquezas...

Claro, claro.

 

Assumir as fracturas, as perdas é uma coisa importante? Não cultiva o estilo da “super-mulher”…

Não cultivo, não. Um amigo meu francês, que é um grande actor de teatro, disse-me que a falha, a pequena debilidade, é o mais charmoso, o que mais toca. Uma mulher perfeita? Isso não seria interessante.

 

Descobriu a sua timidez doentia como uma coisa tocante? Um ponto vulnerável e, ao mesmo tempo, uma qualidade distinta...

Eu não descobri. Fui evoluindo, fui crescendo, fui fazendo coisas. Mas creio que há uma parte do carácter que se mantém intacta. E é o que parece agradar às pessoas. Posso ser muito segura de mim própria e outras vezes não. Fico num quase pânico! “Como é que posso fazer algo tão público, sendo tão tímida?”. Tenho vontade de sair a correr, fugir. Mas ficar é também uma forma de ultrapassar a dificuldade, de desafiar-me.

 

Quando vê as fotografias das campanhas ou de produções de moda, reconhece-se completamente, ou reconhece-se mais em fotografias tiradas lá em casa?

Na maioria dos trabalhos, consigo ficar próxima daquilo que sou.

 

Existe um desfasamento entre a personagem pública e a pessoa privada?

Às vezes, dizem coisas sobre mim, não sei quê, não sei que mais, e fico incrédula: “Que é isto? Que estão a dizer de mim?”.

 

Como se falassem de outra pessoa, uma pessoa fictícia?

Sim. Mas não posso evitar que tenham uma opinião sobre mim, que pensem que a minha vida é isto ou aquilo. Nem posso explicar ao mundo inteiro quem é que verdadeiramente sou. 

 

Porque é que sentiu necessidade de estudar na Sorbonne, e depois em Oxford?

Sempre me interessou estudar. Comecei a trabalhar muito jovem, e estudar é um reposicionamento no mundo real, com gente da nossa idade, com problemáticas da nossa idade. Era importante não perder essa etapa da minha vida. Tive muita gente contra, que dizia: “Nunca mais voltas a trabalhar, as pessoas vão esquecer-se de ti!” E voltei a filmar, contra todas as expectativas! [risos] Arrisquei, e foi difícil, naquela altura.

 

Trabalhava em moda e cinema, ao mesmo tempo.

Decidi estudar com base numa convicção pessoal profunda. Passava diante da Sorbonne e pensava que tinha que entrar ali. Havia um instinto muito forte. Hoje em dia sinto a mesma necessidade de me reposicionar no mundo real. Se não levar o meu filho ao colégio posso perder o sentido da realidade. Sou a mamã que vai ao colégio, que vai ao supermercado…

 

Como era a relação com os seus professores e colegas? Porque não era uma simples colega...

Claro que era.Eu não era tão conhecida assim. O meu primeiro contrato com a Lancôme foi em 96 e comecei a universidade em 92.Já tinha chegado ao quarto ano, e diziam-me: “Chegaste até aqui, não podes desistir!”

 

É previsível que volte a mergulhar na literatura? Os livros são um refúgio?

Provavelmente. Não é de estranhar ter escolhido estudar literatura, era também uma maneira de evadir-me, mentalmente. Não gosto, nunca, de pensar no futuro.

 

Porquê?

Sou uma pessoa mais do dia-a-dia. Quando uma pessoa projecta demasiado o futuro, perde o momento, perde surpresas, perde coisas que a vida pode dar. É importante estar aberto para aceitar a novidade, a mudança.

 

O que mudou na sua vida com o nascimento do seu filho?

Tudo. É muito difícil explicar o sentimento de ser capaz de dar vida a alguém, de ser responsável pela vida de alguém. Pessoal e profissionalmente mudou muita coisa. O que estava em primeiro ou segundo planos, passou a estar em terceiro, quarto…, nem sei. Agora é Diego, Diego, Diego! E há certas coisas que voltamos a encontrar da nossa infância que podemos reviver com um filho.

 

Que recordações da sua infância revive com o seu filho?

Muitíssimas. Por exemplo, sempre gostei muito de regras, que haja horários, um certo rigor. Gosto que se reze à noite, gosto de cantar para ele, gosto de ler-lhe livros. Eu mesma sou muito infantil! Acho que acabamos por reproduzir as coisas mais positivas, e não as negativas. Há pouco telefonei-lhe e disse-lhe: “Diz à mamã que gostas dela”, e ele respondeu: “A mamã foi embora” – e tem dois anos!

 

Está amuado porque teve de ausentar-se?

Sim, sim. “A mamã saiu”...

 

Para ele, não é uma das mulheres mais bonitas do mundo, é simplesmente a sua mãe. Falemos da sua beleza: quando é que percebeu que era bonita?

Quando na escola me disseram, tinha 12 anos, “Fizemos uma votação e tu és a mais bonita da turma”. Eu??? Não era de todo consciente da minha beleza. Às vezes surpreende-me que me olhem num restaurante; as pessoas gostam muito de falar, de contar coisas… E eu gosto que me contem!

 

Encarna a amiga, a irmã, a pessoa que tem disponibilidade para ouvir.

Adoro ouvir as histórias das pessoas. Gosto de sentar-me num café e olhá-las... Apaixona-me. No final, as histórias são sempre as mesmas!

 

São histórias de amores...

Desamores! [risos] De triunfos, de derrotas. Toda a gente se engana, eu e os outros, e acho que a vida não é fácil, nessa matéria...

 

Não resisto a pedir-lhe que partilhe connosco alguns dos seus segredos de beleza…

Regularidade, credito muito na regularidade. E no desporto, e nos gestos básicos de beleza. Duches de água fria, cremes, hidratação, beber água.

 

 

 

Publicado originalmente na revista Máxima em 2008