Hamptons
Um autocarro que não é só um autocarro.
Celebridades, financeiros de Wall Street, artistas independentes, new yorkers na sua inesgotável diversidade, usam o autocarro para chegar aos Hamptons. Não um autocarro qualquer. O Jitney.
Tudo se processa assim: a partir das cinco da tarde, em diferentes pontos de Manhattan, começam a amontoar-se grupos de pessoas à espera do autocarro. Aparentemente, é uma paragem de autocarro banal. Não fosse a frequência não ser a habitual (empregadas domésticas mexicanas, emigrantes recém-chegados do Paquistão). A frequência é composta por uma fauna cool.
Elas combinam carteiras Chanel com havaianas, skinny jeans e tshirt, um Rolex ou um Cartier no pulso, um anel protuberante e unhas dos pés pintadas de laranja fosforescente. Os homens são bonitos, musculados, vestem um casaco de carapuço da Gap; outros usam um fato Armani e têm o ar de quem leva a semana a ser eficiente.
Muitos falam inglês com sotaque. São convidados daqueles que têm casa nos Hamptons. Uma vez lá, andam de bicicleta, autocarro, nos carros dos amigos.
Indispensável: reservar bilhete no autocarro, por telefone ou internet. É certo que se não o fizer, fica em terra.
Duas a três horas depois, dependendo do trânsito de fim de tarde, chega-se ao destino.
Você disse Hamptons? Mas para que ponto dos Hamptons?
O que se designa por Hamptons é uma longa língua de terra, onde os nova-iorquinos têm as suas casas de fim-de-semana e de férias. Mas faz diferença se a casa é em Southampton ou em East Hamptons. Diferença de preço, de estatuto social, de luxo à vista.
O ponto mais selecto no mapa é East Hamptons. É aqui que têm casa os detentores de grandes fortunas. Empresários. Os grandes decoradores. Os desportistas de excepção. Gente do cinema. Os estilistas que transpiram América (Ralph Lauren, Donna Karan e Tommy Hilfiger são epítomes dessa América).
É normal que lhe digam que têm a casa há 20 anos, há 15, há 11, quando os Hamptons não estavam na moda e aquele era apenas um refúgio do bulício da “grande maçã”. É normal que lhe digam que se o mercado imobiliário não estivesse em crise já teriam vendido a casa, porque os Hamptons estão infestados de pessoas... Mas a verdade é que não vendem, e todos os fins de semana regressam a East Hamptons.
O centro da “aldeia” tem lojas de luxo que encontra também na Quinta Avenida. Tem mercearias finas onde se encontram vinhos exclusivos, massas italianas, granola brasileira. Fruta biológica, legumes biológicos, pão biológico. Todos os produtos parecem saídos directamente da quinta (é essa a ideia) e exprimem uma preocupação crescente com o ambiente (e uma adesão à moda do organic, claro). Os bares e restaurantes são fancy, mas suficientemente descontraídos para que os homens usem indiscriminadamente casaco ou calção de banho e não se sintam deslocados.
Vá ver os lagos. São adoráveis. Atente nos pequenos cemitérios, que aparecem amiúde. Muitas das placas são de mortos na Segunda Guerra.
Diz-me como é a tua casa, dir-te-ei quem és
As casas têm um estilo vitoriano. São enormes, dominadas pela madeira e idênticas entre si. O que faz a distinção é a decoração.
Jamie Drake, o famoso decorador, responsável, por exemplo, pela renovação da residência oficial do mayor de Nova Iorque, exibe no seu website uma casa que decorou nos Hamptons. Larry Laslo é outro decorador de excepção que assina casas dos Hamptons. Pesquise nos respectivos sites e conheça algumas das propostas e tendências.
Peguemos num caso/numa casa, do site de Drake.
A decoração aposta em peças clássicas (como uma réplica de uma estátua da deusa Atenas) e uma peça de arte tão arrojada quanto um veado sado-masoquista (ou seja, revestido a cabedal, com um fecho de alto a baixo, com os olhos de fora). As flores não devem faltar – girassóis. A combinação dos motivos de leopardo com azul-turquesa é infalível e confere ao ambiente sofisticação e modernidade. A cozinha é espaçosa e é usada ao pequeno-almoço. A televisão está sintonizada num canal de informação e não raro no Bloomberg (It’s the economie, stupid!).
O exterior tem árvores de hibiscos estranhamente regulares... São manicured, esclarecem. A água da piscina é aquecida. Nas imediações, um bosque acentua a noção de se estar longe de tudo (e está; pelo menos o suficiente para que a rede de telemóvel seja diminuta).
Os quartos: se imagina que se parecem a quartos de hotel de charme, engana-se. Embora seja charmosa, a decoração tem identidade vincada, não é um espaço neutro onde cada hóspede é despejado. É um espaço cuidado para que qualquer hóspede se possa sentir em casa nos dias em que ali está. Os sabonetes e cheiros são Jo Malone, a roupa de casa é de irrepreensível qualidade (invariavelmente branca).
www.drakedesignassociates.com/
Porque é que os Hamptons são exclusivos?
Porque são caros, para começar. Mas também porque funcionam segundo um conjunto de regras que confirmam essa exclusividade e excluem os newcomers. O estacionamento é uma delas.
Para estacionar nos Hamptons, junto às praias (razão que leva muitos nova-iorquinos à zona), é preciso comprar um lugar (são vendidos à temporada). Sucede que os residentes compram a esmagadora maioria desses lugares, e, desse modo, só quem tem casa nos Hamptons pode estacionar nas imediações da praia.
Como fazer quando se está nos Hamptons e não se tem o cobiçado dístico? A opção de alguns é estacionar dentro das cercanias da casa de um amigo. O que só é possível se as pessoas se conhecerem entre si e se os Hamptons forem uma espécie de importação da rede social que têm durante a semana em Nova Iorque…
Por esta razão é que tantas pessoas usam o autocarro para fazer a viagem e, uma vez nos Hamptons, se deslocam de autocarro ou bicicleta.
Os carros são, como em todo o lado, um statement. Há quem tenha um carro pouco potente e modesto para anunciar que é amigo do ambiente e não contribui para a emissão de CO2 (é uma tendência crescente). Há quem tenha carros extravagantes como um Rolls Royce cor de creme, descapotável, ou um Bentley azul royal. O normal é que sejam Mercedes, Mercedes, Mercedes. A marca de luxo Lexus é também popular.
Os carros são a cara do dono. Há os carros familiares (versão: há espaço para crianças e cães), há os carros playboy (estilizados, espalhafatosos, sobretudo para homens que querem impressionar…), há os carros que privilegiam a segurança e ostentam dinheiro com discrição.
À mesa, nos Hamptons
Os almoços, e sobretudo os jantares, são pretextos para festas. Há mulheres que usam um vestido comprido com havaianas, jeans com Manolos, casais de gays e lésbicas cuja cara se parece ao cabo de anos de relação, empresários do ramo imobiliário que confraternizam e fazem negócios, fotógrafos e galeristas de Chelsea, advogados que um dia safaram de um apuro o dono da casa, uma gestora de conta que aconselha um cliente a comprar um Picasso que está disponível na Europa, uma amiga de uma amiga que conhece um russo milionário que tem uma casa para decorar em Belgravia (o mais exclusivo bairro londrinho). All this is about Money. Também sobre sexo.
Há sempre por perto um Adónis musculado, moreno, vigoroso. Há sempre por perto uma mulher bonita, cujo principal talento foi/será fazer um bom casamento. Há sempre por perto pessoas carismáticas, espirituosas, com carreiras conquistadas a pulso, que falam de filmes europeus e das cotações da bolsa, e namoriscam alguém 30 anos mais novo. Tudo funciona em rede, e os contactos são uma matéria-prima preciosa.
Se quiser visualizar estes encontros, pode também espreitar os filmes de Woody Allen; algures, sempre aparece um fim-de-semana nos Hamptons (sobretudo nos filmes que têm Nova Iorque por cenário).
A comida é o que menos importa. Mas haverá opções vegetarianas, light, rosbife, saladas com queijo grego, um requintado chocolate para a sobremesa (uma vez que o cacau tem anti-oxidantes, come-se chocolate negro sem culpa…).
Não se espante se ao almoço os guardanapos forem de papel; e se, apesar disso, tiverem gravado o monograma do dono da casa. Tudo leva as iniciais do dono da casa…
Uma ida à praia
Há praias frequentadas por gays, há praias frequentadas por lésbicas, há praias frequentadas por judeus, há praias para famílias com crianças pequenas, há praias para grupos de amigos que estão no fim da adolescência (e que têm escrito na testa: estou a estudar em Harvard ou em Oxford e trouxe comigo um amigo sul africano, outro indiano e uma holandesa para a casa de fim de semana da família), há praias para grupos heterogéneos.
As praias não são fechadas ou restritas a um grupo ou hotel; e esta divisão não é rígida. Mas cada um sabe qual é o sítio que lhe pertence, onde se sente melhor.
É especialmente agradável que não estejam cheias, que a distância entre uma toalha e outra seja considerável, que a ocupação seja realmente esparsa – outro sintoma da exclusividade.
A água é a do Atlântico; ou seja, não é propriamente quente. O areal não é interminável. A praia, em si, não é genial; mas perto de Nova Iorque, para quem tem vontade de estender a toalha de cada vez que aparece um raio de sol, é de longe a melhor possibilidade. Além de ser chique a valer.
O que vestir? Polo e calção para eles. Camisa de linho, mocassins, entre o estilo 007 e o nova-iorquino intelectual que se afirma, justamente, pelo intelectual e menos pelo físico. Elas vestem um vestido curto e branco que compraram numa feira de artesanato no Brasil, que combinam com umas sandálias rasas da Hermès.
Publicado originalmente na Máxima em 2009