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Anabela Mota Ribeiro

Andie MacDowell

15.07.14

Quando cheguei, ela estava na esplanada, com uma luz magnífica a incidir-lhe na cara. Era igual à Andie MacDowell dos filmes e da publicidade. Muito bonita. Uma mulher a quem a vida que viveu aparece na cara. Sem amarguras e ressentimentos, com substância e serenidade. Cinquenta e um anos!, uau, custa a crer que ela tenha 51 anos. Veste uma camisa azul índigo, um jeans Seven, uns saltos altíssimos. Primeira surpresa: ela é muito alta. E continua estreita, magra, como a menina que foi.

Não nos falámos. Ela estava a trabalhar, e eu esperaria pelos meus trinta minutos de entrevista, que eram daí a duas horas. Andie MacDowell saiu e quando a reencontrei ela era a mulher sofisticada que se espera que seja. Com um vestido preto, muito Jackie O, e uma aplicação a fio de prata. Maquilhada qb. Os caracóis tinham desaparecido para dar lugar a um cabelo liso, volumoso, rigorosamente penteado.

Os cabelos. Depois da entrevista, ela disse-me: “Gosto tanto do seu corte de cabelo! Queria poder ter o meu cabelo curto como o seu. Já imaginou, depois de anos com este cabelo comprido?”. Disse-o como quem dá um suspiro, e parecia genuína.

Tinha sido o mesmo quando nos sentámos para a conversa. Eu mudara de vestido, desde que chegara ao Vale Abraão, onde Andie era convidada do Douro Film Festival (pela simples razão de estar calor). Mas ela percebeu a troca. “Não nos vimos já? Estava diferente, há pouco, quando chegou”. Atenta, muito simpática, amável. Que necessidade tinha uma estrela de cinema de elogiar uma jornalista, uns anos mais nova? Talvez seja, simplesmente, a sua natureza.

 

 

… gosto do seu vestido!, é muito feminino.

 

Obrigada. Podemos começar por falar de vestidos, é sempre um bom tópico! Teve este tipo de conversa com a sua mãe?

A minha mãe sempre usou batom vermelho, essa é uma das minhas memórias mais fortes. Ela morreu quando eu tinha 23 anos, perdia-a muito cedo.

 

Batom vermelho. Ou seja, era uma mulher confiante.

Acho que era clássica, apenas. Tinha um estilo muito simples. Esse era o seu modo de ser elegante. O batom vermelho era muitíssimo popular naquela época. A minha irmã, de quem sou muito próxima, também usa batom vermelho, sempre!

 

Você era a beldade da família? Sentia-se assim? É um ícone de beleza.

As minhas irmãs são lindas. Continuaria a dizer que não sou a beldade da família… À medida que envelheço, sinto a responsabilidade de ajudar outras mulheres a sentirem-se bem com a idade que têm, por existir este peso na sociedade.

 

Hollywood é feroz com as mulheres, especialmente depois dos 40...

É um fruto da nossa cultura. Mas tem havido alguma mudança. Uma das coisas que admiro na filosofia da L’Oreal é a associação a mulheres mais velhas. Na companhia trabalham com a Jane Fonda ou a Diane Keaton, que são, pelo menos, dez anos mais velhas do que eu. Alguém retirou uma frase minha do contexto, de uma entrevista, na qual eu teria dito que não havia problema nenhum com o envelhecimento em Hollywood. Isso não é totalmente verdade. Mas não me quero fixar num aspecto negativo, quero pensar naquilo que é positivo.

 

Como vê as suas fotografias de miúda de 17 anos, modelo?

Fazem-me rir! Adoro estar perto de gente jovem. Num dos trabalhos que fiz recentemente, uma série em duas partes para a Life-Time, baseada nos livros da Patrícia Cornwell, interpreto uma mulher muito poderosa, forte e dominadora, sem moral, uma Procuradora do Ministério Público, candidata a governadora, que age como um homem mau, que dorme com vários homens, sem qualquer laço emocional. Mas voltando atrás: contraceno com um miúdo, acabado de se formar na North Carolina School of the Arts, de 23 anos; é tão agradável a energia das pessoas desta idade, a sua perspectiva, a forma de ser.

 

Mas insisto: quando olha para quem foi, o que é que vê?

Não faço uma análise ou estudo da minha cara. Eu olho para o meu espírito, a minha mentalidade. A melhor maneira de envelhecer é não ficar demasiado focada em pequenas coisas, como as rugas. Penso em mim como um todo, na minha evolução como pessoa, no conhecimento que adquiri. Não fico parada, resumindo-me ao aspecto físico.

 

Faz referência à beleza interior, à importância do carisma. Mas para entender melhor de onde vem essa beleza, é necessário saber quem é.  

É importantíssimo reconhecer quem somos e ser capaz de estar em contacto com quem somos. É preciso entender se os sonhos e desejos da jovem que fui ainda são os mesmos, se correspondem aos que tenho hoje em dia.

 

Fale-me dos seus sonhos, dos que realizou e não realizou.

Queria muito ser mãe e queria ser actriz. Sempre fui muito maternal. Algumas mulheres já nascem com essa vontade. Não sei se é uma predisposição, não sei se é genético. Diria que a minha beleza interior vem de ser uma boa mãe, e do significado que isso tem para mim. Não acho que se deva ter filhos, a não ser que essa seja uma prioridade. Ser mãe vem antes do meu trabalho, antes de qualquer outra coisa. As pessoas que me são próximas dizem-me frequentemente que sou uma óptima mãe. É nisso que espero distinguir-me, em ser uma mãe presente, que ajuda os seus filhos a tornarem-se independentes. Devemos educá-los para que sejam como os pássaros, para que possam voar.

 

É difícil para os seus filhos serem os filhos da Andie MacDowell?

Bem, eu tornei a vida deles a parte mais importante das nossas vidas… Eles nem sequer viram alguns dos meus filmes. E não têm a menor dúvida de que são a minha prioridade.

 

Porque lhes diz, porque eles sentem?

Porque é isso que eu faço. Em casa, a vida gira em torno deles, não de mim. Em casa, não é sobre o meu trabalho ou sobre a Andie MacDowell.

 

Como conseguiu isso? Imagino que não seja fácil deixar a Andie MacDowell do lado de fora...

 Não é difícil de todo. As pessoas do sítio onde vivemos sabem todas quem eu sou, mas conhecem-me como a mãe dos meus filhos.

 

Que idades têm os seus filhos?

A minha filha mais nova tem 14, tenho uma filha com 28 anos, que vive em Nova Iorque, e o meu filho tem 23, acabados de fazer. Já só tenho uma a viver em casa.

 

É para os seus filhos o mesmo tipo de mãe que a sua mãe foi para si? Nem sempre as relações entre mães e filhas são idílicas...

Uma das coisas que se aprendem, sendo mãe, é trazer aquilo que foi positivo, as coisas boas de que gostámos, e adicionar aquelas de que sentimos falta. É a oportunidade de fazer à nossa maneira. Todos cometemos erros... E isso é outra coisa importante: aprender a perdoar.

 

Como é que aprendeu a lidar com a sua imperfeição?

Uma das coisas que aprendi foi que, se faço um disparate, e me sinto péssima por tê-lo feito, e sou dura comigo mesma por isso e não me perdoo, estou a ensinar aos meus filhos que eles não podem cometer erros. Se cometo um erro, e o reconheço, estou a dizer aos meus filhos que podemos cometer erros, e reconhecê-los, e perdoar a nós mesmos. Essa é outra grande conquista dos 50: redescobrir quem somos, sem perder aquela pessoa que fomos, (a criança, a adolescente de 17 anos). O coração é o mesmo.

 

Com a mesma vitalidade?

Às vezes, ainda melhor. Muito daquilo que somos foi adiado, porque estivemos a cuidar de outros. Agora existe uma oportunidade de cuidar de nós mesmos.

 

Agora eu!”

“Agora quase eu!” [risos] Tudo isso faz parte de uma evolução que é muito, muito bonita. Acho fundamental encontrar o tempo para olhar para dentro e dizer: “O que é que quero mesmo? O que é que não fiz?”.

 

E questiona-se sobre os fracassos?

Acho um desperdício de energia, ficar presa nos fracassos. A não ser quando não se aprende a lição, e aí é preciso pensar um pouco sobre as coisas. A única maneira de crescer é meditando na possibilidade do que está para vir.

 

Revi ontem imagens de “Sexo, Mentiras e Vídeo”. Para tentar perceber o que mudou, de há 20 anos para cá. A sua expressão não se alterou muito... Não parece aquela mulher reprimida.

Eu não era aquela mulher reprimida! As pessoas gostam de assumir que o papel que interpretamos num filme é aquilo que somos. Se assim fosse, eu estaria com imensos problemas, já que a última personagem que representei é uma pessoa verdadeiramente horrível! [risos] Vi o filme recentemente, porque o passaram no [Festival de] Sundance, no seu vigésimo aniversário. O Steven Soderbergh estava lá, o Peter Gallagher e a Laura San Giacomo também, e foi divertidíssimo. Se eu fosse analisar a minha cara, diria que à medida que se envelhece perdemos gordura na cara, baby fat. As caras emagrecem, a estrutura óssea torna-se mais evidente. Não se pode combater a natureza, nunca se vai ganhar essa batalha.

 

Fez psicanálise? Fala como uma mulher que se redescobriu a si mesma na psicanálise.

Sim, li muitos livros desse género. Sou uma grande fã de Carl Jung. Fiz alguma psicanálise. Não estou a fazer terapia neste momento, mas fiz em momentos em que tive assuntos sobre os quais precisava de falar, e centrar a atenção em mim. E faço muito yoga. É tão importante para sentir o meu corpo equilibrado, o sangue a fluir… Sei que tenho que fazer exercício, que tenho que comer de forma equilibrada.

 

Faz dieta o tempo todo? Ainda não tocou no chocolate e nos biscoitos que vieram para a mesa.

Eu não chamaria dieta ao que faço. Ontem à noite comi uma sobremesa maravilhosa! Não consigo comer açúcar o tempo todo, sei o que me fará… Como de uma forma inteligente.

 

Sei que perderam a sua mala no aeroporto, ontem... Confesse: em que peças pensou, especificamente?

Nem sequer perderam, mas disseram que tinham perdido. Foi horrível! Pensei apenas na minha responsabilidade. Porque tenho um trabalho para fazer aqui, e se não tivesse nada que vestir, que poderia fazer? Se a mala não tivesse aparecido, eu tinha um par de calças de ganga e uma t-shirt, com que vinha no avião! Seria difícil fazer um trabalho responsável com um par de calças de ganga e uma t-shirt.

 

Esse vestido que traz, e que felizmente não se perdeu, é maravilhoso. É muito clássico. Mas depois tem uns detalhes modernos...

Muito obrigado. Tenho-o há muito tempo, gosto muito dele.

 

É a sua forma de ser ousada? Como pôr batom vermelho.

Sim. Eu não uso batom vermelho. Sou mais uma pessoa de batom com cor natural.

 

Desde que me lembro de si, no cinema, reparo que os seus dentes não são perfeitos... Adoro o facto de nunca os ter corrigido.

Isso é interessante... Eu não gosto de dentes perfeitos. E gosto muito dos seus, são óptimos!

 

São imperfeitos, tortos. O que quero saber é se alguma vez pensou corrigi-los?

Não, sinto-me confortável assim. Acho que os dentes imperfeitos têm mais encanto! E são naturais. Acho um pouco desinteressantes, os dentes muito certos, perfeitos.

 

As entrevistas fazem parte do seu trabalho; mas se eu não lhe fizesse pergunta nenhuma, de que gostaria de falar?

Depende. Para uma entrevista sobre a L’Oreal, diria que uso mesmo o RevitaLift, uso as tintas para cabelo, acho que o rímel deles é o melhor e que os batons são óptimos. Se fosse minha amiga, de que gostaria eu de falar? De si, mais do que de mim.

 

Então, pergunte-me qualquer coisa!

O que faz para se divertir? Ou que o sonhava ser, em miúda? Que coisas são importantes para si?

 

Respondo-lhe a seguir. Mas diga às leitoras como responderia a essas questões, centradas no que absolutamente lhe interessa. Com o que é que sonhava quando era pequena, além de ser actriz e de ser mãe?

Adoro cavalos! Quando eu era pequena queria ter a certeza de que haveria cavalos perto de mim, e queria viver numa quinta, no campo, com terra.

 

Mas isso é o oposto da vida glamourosa!

Eu sei! Mas era isso que queria. Gosto de qualquer coisa que seja substancial, como apanhar maçãs e fazer doce com as minhas maçãs! Ir apanhar morangos, estar com gente do campo, plantar vegetais.

 

 

Publicado originalmente na Máxima em 2009