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Anabela Mota Ribeiro

Pedro Marques Lopes

27.11.14

Pedro Marques Lopes é um reformista que odeia revoluções, e que leva a vidinha com um sorriso. Diz o pior possível do PSD que Pedro Passos Coelho encarna. Pode dizer bem dos sociais-democratas que se chamam socialistas personificados por António Costa. Capitalista, faz comentário político na SIC-Notícias e na TSF, escreve para jornais. Tem um patoá que mistura Chico Buarque, tacos de golfe ou Burke na maior das calmas.

  

“Vivemos na ilusão da mudança, de que um objecto ou uma decisão mude radicalmente a nossa vida”. Isto é uma descrição dos Suaves Portugueses. Parece muito adequada ao dia de hoje, segunda-feira a seguir às primárias do PS.

Pois é.

 

Depois da vitória retumbante de António Costa, sobretudo para a esquerda, há a ideia de que agora é que vai ser.

Vivemos tempos tão desesperados que alimentamos a ilusão de que alguém nos vai salvar. Não concordo que seja só para a esquerda. A vitória do António Costa abre horizontes para outros lados.

 

E, nesse sentido, é um acontecimento nacional.

É um acontecimento nacional, sem dúvida. É nacional porque vai ser um concorrente ao [cargo de] primeiro-ministro. E porque há a expectativa de poder agregar algo que é muito mais abrangente que a esquerda: um grande descontentamento nacional com aquilo que tem sido a governação, com o caminho que está a ser conduzido.

 

Esse descontentamento está muito, também, na direita?

Entra naquilo que convencionámos chamar de centro-direita. Aquilo que está em causa é que o caminho que tínhamos, certo ou errado, foi alterado em termos de composição ideológica e programática e política do país.

 

Está a dizer que este PSD que está no Governo não é o PSD de sempre.

Exactamente. Houve uma quebra, um corte sistémico no partido. Tenho dúvidas se esta direcção representa o eleitorado tradicional do PSD e dos militantes. As máquinas neste momento estão muito “desideologizadas”. Caso as pessoas não se lembrem, o PSD é o partido mais português de Portugal. Foi um partido construído na base da classe média-baixa, da pequena burguesia, do pequeno empresário, do pequeno capital. E do funcionário público, que é algo que agora associamos muito, não sei por que diabo, ao Partido Socialista.

A verdade é que o tecido social que apoia o Partido Socialista e o Partido Social Democrata é similar.

 

Ainda que Costa apanhe hordas de descontentes, na hora da verdade, um social-democrata vai votar num socialista? Existe uma grande diferença entre fenómenos como o do Rui Moreira, que arrebanha descontentes com os partidos, e uma figura como Costa que simboliza, para o bem e para o mal, o partido.

Uma das partes curiosas da campanha do PS foi ver o António José Seguro como um homem do aparelho e o António Costa como um homem de fora do aparelho. É falso. O António Costa, no discurso de vitória, disse que era militante desde os 14 anos. Mas o facto de ser um homem do aparelho não quer dizer que seja um cacique. Os partidos existem e há pessoas, e muito bem, que fazem carreira dentro dos partidos, que pertencem a uma máquina. Agora, os partidos não se podem transformar em máquinas de empregos e de poder, isso é outra história.

 

Há o aparelho bom e o aparelho mau?

Claro que sim. Esta história do Novo Banco, do banco bom e do banco mau, corresponde ao que está a acontecer na nossa comunidade. Estamos numa tendência de branco e preto que nunca existiu bem em Portugal. Até nos acusavam de ser sempre meias tintas, suaves.

 

O título do seu livro é “Suaves Portugueses (A vidinha com um sorriso)”.

Suaves Portugueses [era visto] como algo mau. Nunca achei isso mau. Gosto muito de suavidade.

 

Quando começou este maniqueísmo de bons e maus?

Tem poucos anos, esta “futebolização” da política e de muitas outras coisas. Prescindiu-se do estabelecimento de pontes. Agora são estes de um lado e aqueles do outro.

 

Passou a haver um horror ao centrão.

Sim.

 

Sobre o qual nos erguemos nos anos 80 e 90.

Ora bem! Acordos de regime: eles sempre existiram em Portugal entre o PSD e o PS. Alguns queridos, outros menos queridos, mas entendidos.

 

Agora são vistos como um conluio para a negociata.

É verdade. A dimensão da derrota de António José Seguro [é expressiva], porque foi a primeira vez que um discurso populista foi tentado num partido do sistema. Foi um discurso contra os interesses instalados, pela regeneração do sistema político. Foi um discurso que se diz não-político mas que é violentamente político. E não resultou. Isto diz-nos alguma coisa.

Voltando ao banco bom e ao banco mau: a dicotomia “eles e nós”, que já existia com Sócrates, foi potenciada com este Governo. A dada altura, não consigo identificar quando, foi apontado, como algo importante politicamente, que o PSD se transformasse num partido de direita, ou, pelo menos, de um nós contra eles. Vejo alguns semi-ideólogos deste Governo com um discurso que me parece tirado do Tea Party.

 

Está a falar de quem?

Bruno Maçães...

 

Mas isso conta?

Conta. Bruno Maçães, Miguel Morgado, são eles que dão um enquadramento ideológico ao Governo. Pelo menos dão um enquadramento ideológico a Pedro Passos Coelho.

E surgiu a imprensa de tendência. Estou a falar do Observador. É um jornal muito bem feito sob um ponto de vista jornalístico e que tem uma opinião completamente dirigida a um segmento eleitoral, que é reduzido ou quase inexistente.

 

Mas que conta porque mexe com milhões?

Acho que não. É um mito. Os homens de negócios, dos milhões, pensam, pensam muito bem...

 

Não pensam é de um ponto de vista político e ideológico, é isso?

Claro. Ainda bem. Um empresário quer ganhar dinheiro. Eu sou um capitalista, acredito mesmo na capacidade da ambição. Há limites... O greedy is good simboliza uma falta de limites éticos para a actividade empresarial. Mas acredito que o facto de querer ganhar dinheiro com a minha actividade é bom para a comunidade.

Quando digo que não há um suporte ideológico para aquilo que se está a passar, para a governação portuguesa, digo que isto é feito no ar. Não tem uma correspondência com a realidade portuguesa, com os sentimentos das pessoas. A base sólida de votantes corresponde, ainda, a essa “futebolização” da política. Eu voto no PSD porque sim. Eu voto no PS porque é o partido em que sempre votei. É a história do Costa.

 

Uma coisa de clubes, quase. Os meus pais eram PSD, os meus pais eram PS, e eu reproduzo isso.

É quase clubístico. Farto-me de ver pessoas que dizem: “Eu sempre votei PS, eu sempre votei PSD”, no matter what.

 

O voto não é tão errático assim.

Em Portugal, e em muitos países, o voto não é nada errático.

 

Vai haver uma reconfiguração à esquerda depois desta vitória?

A mim, até me dá vontade de rir quando se faz o discurso de que António Costa vai unir a esquerda. António Costa está muito mais próximo do Partido Social Democrata tradicional do que do Bloco de Esquerda ou do Livre ou do Daniel Oliveira. Então do PCP... Vai unir a esquerda, mas que esquerda? Ele é muito mais do centro.

 

Quando as pessoas do centrão mudam a orientação de voto, vão para onde?

As pessoas saem do voto do PSD ou do PS normalmente para a abstenção.

 

A canção de hoje para Costa podia ser, Hoje é o Primeiro Dia (do resto da tua vida)?

Do Sérgio Godinho. Hoje é o primeiro dia do resto da vida dele em muitos sentidos. Tem três ou quatro desafios importantíssimos. O primeiro é mostrar que tem um discurso e uma linha, que tem uma ideia. O que não fez, ainda. Estas eleições foram terríveis nisso. Por um lado, teve esta coisa extraordinária: alguém chegou e bastou ter chegado para ganhar um partido. Simplesmente porque António José Seguro conseguiu dizer tudo mal.

 

Perdurou durante algum tempo a ideia de que Costa, o traidor, tinha aparecido pelas costas com uma faca para desapossar Seguro.

Viu-se o que resultou disso. Esse discurso era tão patético, tão patético... Tornou-se patético dois dias depois de António Costa ter avançado porque passados dois dias começou a aparecer muita gente a apoiar António Costa. Estas eleições provaram que não houve traição nenhuma. Mas António Costa tem que mostrar um caminho. Não pode mais estar calado.

 

Ao mesmo tempo que se afirma como oposição, tem de dizer de que forma é oposição…

Ele vai afirmar-se como oposição. As pessoas estão demasiado chateadas com o Governo. Estão muito expostas a apoiar alguém que diga: “Nós não vamos fazer o que estes senhores estão a fazer”. Quase que basta. Vivemos uma circunstância particular. Os últimos governos não disseram ao que vinham. Limitámo-nos todos a passar cheques em branco aos últimos governos. Há algo que está a acontecer, e se os políticos não percebem, vão ter um desgosto enorme. Não se podem repetir as brincadeiras de três dias antes das eleições se dizer que não se vão cortar salários ou pensões, e passados 15 dias cortá-los.

 

O eleitorado não aguenta mais a quebra de confiança?

Diz-se que são os negócios, que são os escândalos que têm adulterado a relação entre os representados e os representantes; isto tem feito muito mais! Tem sido muito mais grave que os eventuais negócios, a corrupção. Se isto se volta a repetir vamos ter um problema grave, sistémico.

 

Tornemos aos desafios de Costa. Afirmar-se na oposição com um caminho, um discurso definido…

E desistir de um discurso de pisca-pisca. O PS tem sempre esse problema: pisca o olho à direita e pisca o olho à esquerda. Não faz sentido.

 

Costa não vai ao centrão?

Não, ele tem é que ter um discurso. E esse discurso tem que ser o dele.

 

Como é que vai fazer isso se não piscar o olho aos descontentes do PSD?

Não precisa de dizer: “Descontentes do PSD, isto é para vocês. Esquerda, isto é para vocês”. Isso é impossível de fazer. Os projectos políticos falam por si.

É importante que ele apresente um projecto político até para gerar uma boa dicotomia, para que o PSD se consiga reafirmar e buscar aquilo que é a sua génese. O caminho ideológico do PSD hoje ninguém sabe qual é.

 

Pode ser chamado de neoliberal? É normalmente disso que é apelidado.

Não, é um liberalismo de badana, de quem só leu metade do livro. Não consigo ver-lhe uma lógica. Umas vezes interfere demasiado no funcionamento do Estado da economia, outras não. É uma confusão sem nome. Há um traço brutal neste governo: incompetência.

 

É o que vai ficar dele?

Não, infelizmente não é. O que vai ficar é um terramoto social e de mudança de algumas coisas que estavam estabilizadas na nossa comunidade. Mas o que o provocou – ao contrário do que muita gente diz, que é uma ideologia – é sobretudo incompetência.

 

Acha que não sabem o que estão a fazer?

Conheço o discurso: “Estão a acabar com a classe média porque querem”. Acho que não. Acho que não percebem o que estão a fazer. “Olha, isto aconteceu...”, acabar com o pequeno comércio, com os restaurantes, com as obras públicas.

No entanto, essa incompetência convive com algumas pessoas que considero excelentes ministros. Obviamente que olho para Paula Teixeira da Cruz ou Nuno Crato e ainda estou para perceber como é que alguém se lembrou de os levar para ministros. A Paula Teixeira da Cruz é um autêntico fenómeno.

 

É próxima de Passos desde sempre. Do ponto de vista ideológico.

Não é bem verdade. Mas pouco importa. Eu não levava os meus tios para ministros, alguns deles, se fosse primeiro-ministro. Essa proximidade, a mim, diz-me muito pouco. Ela e Nuno Crato (ponho os dois no mesmo barco) são o símbolo de uma coisa que tem prejudicado muito o nosso país: tudo o que está para trás é uma porcaria, vamos fazer tudo de novo.

Percebo isso em Nuno Crato porque vem da extrema-esquerda. Ainda deve ter essa raiz maoista, revolucionária, virada ao contrário. (Subitamente a extrema-esquerda maoista está em todo o lado!) Em Paula Teixeira da Cruz, é só incompetência.

 

Quais são os ministros bons?

Paulo Macedo é um exemplo de competência...

 

Estou a perguntar por aqueles que vão sobreviver, escapar ao fim deste ciclo.

O que quer dizer muito. Jorge Moreira da Silva, Paulo Macedo, António Pires de Lima. Aquela crise de Portas [no Verão do ano passado] ajudou a melhorar um bocadinho o Governo [riso].

 

Custou-nos um bocado caro.

O problema é esse. Custou-nos no bolso e contribuiu muito para a descredibilização e para o desprestígio dos políticos. Aquele irrevogável não se pode fingir [que não aconteceu].

 

Foi muito mais que uma anedota.

Sim.

 

Qual é a canção de Pedro Passos Coelho que começa hoje?

Arriscaria o The End dos Doors, mas acho demasiado violento. O que está por trás da canção é mais violento do que propriamente o fim.

 

Passos vai cair ou não na sequência do caso Tecnoforma? E se se mantiver, em que condições é que se mantém?

Espero que não caia na sequência do Tecnoforma. Espero que o Tecnoforma não inquine o processo político. A pior crise política é a que nos impede de falar sobre política.

 

Neste caso, não falamos de política enquanto falamos de promiscuidade entre negócios e política, e de prestígio, e de moral? Não são questões menores.

Falamos de política na questão ética, na questão dos princípios, não há dúvida. Mas o que era importante discutir neste momento era o que estamos a fazer com a escola pública, com a justiça, com a segurança social, a nossa relação com a Europa. Era muito mais útil ao país discutir isso do que discutir se Passos Coelho tem ou não boa memória, que é o que está em causa.

 

No imediato acha que…

Acho que não vai acontecer nada.

 

Morreu aqui a aparência de homem que carrega os sacos de plástico do supermercado, o das férias na Manta Rota?

Pedro Passos Coelho, nesse aspecto, é profundamente genuíno. Ele é mesmo a pessoa que gosta de ir para a Manta Rota, é mesmo a pessoa que gosta de levar os sacos. O que ele perdeu foi aquela imagem de absoluta confiança [que havia nele], esse lado da seriedade.

 

Ele até podia estar mal acompanhado, mas conseguia passar incólume... era a imagem que havia.

Exactamente. Havia o lado bom e o lado mau. O lado mau era o Relvas, e Passos era o bom. Isso é impossível, duas pessoas tão próximas... Essa deificação de Passos Coelho acabou. É pena ter acabado dessa maneira, mas quem constrói uma imagem de impoluto tem que estar preparado para que qualquer problema polua de uma maneira definitiva a sua imagem.

É um bocadinho português, gostamos de construir homens ideais. Temos pouca capacidade para conviver com as nossas fraquezas. O Costa é um exemplo, agora é o salvador. Ei-lo que vem dos céus!

 

Esperamos um messias desde o D. Sebastião.

E tivemos vários. Tivemos na nossa História tipos extraordinários. Tivemos Infante D. Pedro, o Príncipe Perfeito.

 

Já lá vão uns séculos.

Pois [risos].

 

O Tecnoforma vai ficar para Passos como o BPN ficou para Cavaco, como o Freeport para Sócrates? Não estou a fazer um juízo sobre a culpabilidade ou não culpabilidade destes casos. Estou a perguntar se isto não passa a ser uma pastilha elástica que se cola na sola do sapato e que não sai.

Sem dúvida nenhuma. O drama deste tipo de casos é que estão sempre em aberto. E enquanto estão em carne viva, e estão sempre em carne viva, não podemos discutir mais nada. Isto cria um clima de permanente suspeição, de permanente falta de crença nas pessoas.

Gostava que este caso nunca tivesse acontecido, e tenho que dizer isto: foi Passos Coelho que o provocou.

 

Como assim?

Se Passos Coelho tem dito naquele dia: “Eu, mil contos? Nunca na minha vida!”, toda a gente perceberia. Não ia dizer: “Não me lembro”. Não sabia se estava em exclusividade ou não... Fez uma gestão super inábil. Mas estas histórias das Tecnoformas eram muito dos anos 90. Empresas grandes foram envolvidas, sindicatos. Todos os partidos. Fundos. Formar pasteleiros que nunca iam ser pasteleiros. Queremos esquecer esse passado, mas o passado não é assim um país tão distante. E está a surgir. Finalmente – e isso é que mancha definitivamente – “ele também fez parte desse processo”. Se calhar não fez nada de mal, mas andou lá. Toda a gente fazia, mas ele também fez.

 

Não falámos ainda de uma pessoa que, desde a vitória de Costa, deve estar a afiar as espadas, Rui Rio.

A afiar as espadas, não estará. Há dois processos que estão a decorrer. Há as pessoas do PSD que querem levar Rui Rio a uma candidatura à presidência para que ele nunca seja candidato a presidente do partido.

 

Parêntesis. Durão já está arredado?

Sim, ninguém no seu juízo perfeito pensou em Durão Barroso. Uma vez dirigi-me a um político, um homem muito experiente: “Você acha que Durão Barroso podia ser mesmo candidato a Presidente da República?”. Respondeu-me: “Os políticos de elevada estirpe são todos egocêntricos. Ele olha para si próprio e diz: ‘Já fui primeiro-ministro, já fui presidente da Comissão Europeia, porque diabo é que não podia ser Presidente da República?’”. Aquilo que para nós é óbvio – ele estar associado à pior crise europeia, o ter fugido [para Bruxelas e ter abandonado o cargo de PM] – [não é para ele]. Também sei, da vida, que é muito difícil alguém dizer, mesmo os amigos íntimos, e os políticos não têm amigos íntimos: “Ó, pá, tu és maluco, pá”.

 

Os políticos não têm amigos, têm interesses?

Não, não acho. Na vida do político que quer ser primeiro-ministro ou Presidente da República, [é preciso] estar tão focado nesse objectivo que há inevitavelmente uma instrumentalização de quem está ao lado. É uma tarefa tão gigantesca, que abrange tantas coisas... Se há palavra mal utilizada nos meios políticos é amigo. É a coisa mais conspurcada que há na política. A palavra amigo na política é utilizada para limitar.

 

Para limitar?

Eu nunca diria mal de uma acção do seu Governo ou da sua câmara porque sou seu amigo. Se diz que fez mal, não é minha amiga. São todos amigos.

 

Vamos voltar a Rui Rio. Repare que não disse facas, disse espadas. Afiar espadas.

Nem aventais, não falou em aventais.

 

Costa, Rio... Quais são os poderes, entre eles o maçónico, que neste momento estão numa agitação, a tentar perceber qual é o seu lugar?

São os de sempre. Agora é que António Costa vai ter amigos. Tem uma vantagem, é um homem experiente. Bom, quanto a Rio. Estão a tentar empurrar Rui Rio para a presidência, o PSD quer afastá-lo da corrida à liderança, isso é evidente. Rui Rio e presidência da República são duas coisas que não rimam. Depois há o outro lado do PSD que o quer levar a líder do partido. É muito mais provável a segunda do que a primeira. Mas não tenho a certeza, primeiro, que Rio queira ser líder do PSD, segundo, que lhe estendam uma passadeira para ser líder.

 

Quando se fala da ascensão de Costa à liderança, e de Rio, pelo lado do PSD, fala-se de um entendimento que seria possível. Dizer isto é uma forma de estender as passadeiras.

Isso é verdade. Haver uma estabilização, ou pelo menos um acordo em relação a certas mudanças que têm que ser feitas (entre elas, a justiça), é necessário. Esse acordo seria impossível com Passos Coelho e António José Seguro. E será impossível entre António Costa e Pedro Passos Coelho, impossível! Tem que haver um refrescamento eleitoral, da legitimidade dos líderes. Mas há pessoas no PSD, que ainda têm muito controle sobre o aparelho e os militantes, que não se revêem em Rui Rio.

 

Está a falar de Marques Mendes?

Não, de todo. Marques Mendes, desde que mudou de carreira, e é porta-voz/comentador do Governo, está distante da política, e não regressará. Marques Mendes conta pouco neste momento dentro do PSD. Há uma coisa que é verdade: quem se colou a Pedro Passos Coelho durante estes três anos não tem futuro político próximo dentro do PSD. O PSD vai ser muito cruel com esta herança. E o PSD é mais cruel nas rupturas do que o PS.

(Esta, provavelmente, é a primeira vez que o PS tem um corte profundo. Acabou-se o “segurismo”, mesmo. Se é que existiu.)

 

E Rio?

É possível que surja. Mas Rui Rio, de cada vez que aparece, causa problemas a ele próprio e às pessoas que estão a pensar apoiá-lo.

 

Porquê?

Fico assustado quando o vejo dizer que é preciso deitar tudo abaixo, que está tudo mal.

 

Qual é que é o seu PSD neste momento? É um conservador que tem dito bem dos socialistas nos últimos três anos.

Não há socialistas em Portugal. O PS é um partido social-democrata. Curiosamente quem tem o nome é o PSD, que também é um partido social-democrata. É bom que se saiba.

Há bocado falávamos do centrão do modo negativo como as pessoas falam do centrão... Eu sou um tipo do centrão. A herança do centrão até há pouco tempo foi uma extraordinária herança. Tivemos um período pós-revolucionário curto, e em 1979 já tínhamos um governo de centro-direita.

 

Ainda que os discursos de Sá Carneiro, lidos hoje, pareçam de um esquerdalho.

De facto, temos um sistema partidário estranho. Temos dois partidos próximos. Pergunte a Mário Soares se não tinha uma brutal admiração por Sá Carneiro... claro que tinha.

 

O que é que deixou de funcionar? Como é que se rasgou essa extraordinária herança?

Até ao ano 2000 estávamos a fazer um caminho de aproximação à Europa vertiginoso. Depois aconteceu o Euro.

 

E depois a crise na Europa.

Sim.

 

Para voltar ao PSD no qual se revê...

Gostava que o Partido Social Democrata tivesse muito mais cuidado no seu recrutamento político. Gostava que se regenerasse na perspectiva de aparecer menos pessoas que, se não fossem deputados, ou não fosse o partido, dificilmente arranjariam emprego nas obras.

 

Está a levantar o problema da qualidade da classe política, e do clientelismo.

Acredito em políticos profissionais. Mas acredito em políticos profissionais que, se não forem políticos, podem ter outra profissão. Que podem sair. O problema é quando se está tão limitado nas decisões que não se tem outra alternativa.

 

Gostava de falar dos 40 anos do 25 de Abril e pegar numa frase que usou no seu livro: “Uma tal sensação de tudo ser possível”. Isto leva-nos ao princípio da entrevista, à ideia de que alguém, de alguma decisão tornar tudo possível, mudar tudo.

Sei que é um tema recorrente no meu imaginário.

 

Esta tristeza, este desencanto que se sente na sociedade portuguesa…

Somos muito dados à tristeza e à melancolia.

 

Estamos especialmente desejosos de “um objecto ou uma decisão mude radicalmente a nossa vida”?

Sim. Se calhar, o género humano, ambiciona esse toque de Midas. Se permanecermos nessa ilusão, nunca mais vamos mudar o nosso destino. Acredito que são pequenos passos que nos conduzem à melhoria da qualidade de vida.

 

Usa recorrentemente a palavra comunidade. Porquê essa e não sociedade? Uma das coisas que falham em Portugal é justamente o sentido de comunidade.

Utilizo-a muito. Temos um grande problema de défice de participação na comunidade. Basta pensar numa assembleia de condóminos, numa reunião de pais. Basta pensar na maneira como nos organizamos para fazer seja o que for. Os bons e os maus perturbam a construção de pontes, perturbam a capacidade de comunicarmos uns com os outros. Isso é vital para a comunidade.

 

Começamos a amadurecer quando esperamos menos os messias e acreditamos mais em pequenos gestos e no nosso comprometimento?

Não. Quanto mais avançamos na idade, mais falamos dos messias, que normalmente são os velhos. Discurso típico: “Os políticos antigamente é que eram bons”. Não é preciso ler muitos livros de História para saber que à antiga não era muito bom. E que os políticos antigos também não eram extraordinários. Mais carne e osso e menos deuses, se faz favor. Até por uma questão de identificação. (Passos Coelho conseguiu uma coisa interessante, uma imagem que se identificava com os valores médios da nossa comunidade).

 

Então o caminho faz-se em pequenas passos? São esses os movimentos, e não os grandes cataclismos?

São as pequenas reformas, as pequenas mudanças. Não sou revolucionário. Odeio revoluções! A revolução estraga mais do que constrói. Acredito nas reformas. Toda a gente agora odeia o termo reformas estruturais: eu acho que se devem fazer reformas estruturais. Se calhar não no sítio onde foram feitas, se é que foram feitas, mas isso é outra questão. Sou um reformador, não sou um revolucionário. Se me posso identificar ideologicamente, é por aí.

 

 Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2014