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Anabela Mota Ribeiro

Luís Campos e Cunha

09.11.14

Tarde de calor. A universidade deserta. O gabinete cheio de livros. Luís Campos e Cunha, num retrato alternativo: o filho de um militar, o rebelde que usou o cabelo à Jimi Hendrix, o artista que expôs quadros abstractos em Nova Iorque. O jovenzinho que atira a professora: “Não estou para aturar isto”. O rapaz sensível às injustiças que treme como varas verdes mas que não consegue deixar de dizer o que pensa. O homem que tem a sorte de poder ser livre e dizer o pensa. O filho de um pai que acha que ele tem a obrigação de retribuir ao país o investimento que este fez nele. E por isso, também, foi ministro. O amigo de Constâncio e Guterres. O católico que tem mais dúvidas que certezas. O apaixonado pela arte que prefere jantar com artistas a professores de economia. O pai de três filhos a quem passa princípios estritos. E o que inventa tempo para estar com eles.

Campos e Cunha. O ministro das Finanças que bateu com a porta ao cabo de quatro meses? O ex-vice governador do Banco de Portugal? O professor de Economia? Sim, mas talvez pela ordem inversa. “Ser ex-ministro, como ser ex-vice governador, faz parte do meu currículo, mas não faz parte do meu cartão de visita. Sou professor de Economia, essa é a minha vida”.

Tem uma voz arranhada, por vezes áspera. Mas ilumina-se quando sorri. É um homem novo. Tem 54 anos. Parece ter mais. Começámos por aí.

  

É visto como uma pessoa mais velha do que na verdade é. Fale-me da sua relação com a idade.

Sempre foi assim. O que me perturba não é a idade em si, mas a noção de que, à medida que o tempo passa, o número de opções vai diminuindo. A sensação de que a vida é mais finita do que a gente pensa, e a aceleração do tempo, são estranhas. Já não há tempo para certas coisas: plantar uma árvore e desfrutar da sua sombra e da copa – a árvore leva 50 anos a fazer. Às vezes sou apanhado nessa armadilha. À parte disso gosto de celebrar os meus anos.

 

Porque é que acha que as pessoas lhe dão mais idade?

Talvez por causa da minha aparência física. Por ter um ar sisudo. Sou tímido e procuro retrair-me na minha abordagem do mundo e da vida. Mas quem me conhece, sabe que não sou assim.

 

Como eram as suas fotografias de criança?

Parecidas com as do meu filho mais velho! Não tenho muitas: as fotografias eram raras, dispendiosas. O meu pai fazia bem fotografia.

 

Era um menino precocemente envelhecido? A partir de que momento a sombra da sisudez se abateu sobre si?

A minha vida foi toda marcada pelo facto de o meu pai ter sido militar. O que levou a que, nos anos 50 e 60, estivesse sempre em mudança. Nasci em Luanda mas podia ter nascido na Índia ou em Timor. Saí de lá com um ano. Vivi em Moçambique, Mafra, Santa Margarida, Lisboa, Coimbra, um pouco por todo o país. Se pensar que estive em Nampula com 14 anos, tomava conta da minha irmã que era três anos mais nova, cheguei a receber o ordenado do meu pai e pagar as contas, e num redor de 5000 km não tinha ninguém que conhecesse há mais de seis meses…, imagina a forma rápida como tive de amadurecer. Penso que desempenhei bem as minhas funções. Inclusive recusei vir para Lisboa para ser operado…

 

Vamos devagar. Tudo isso é romanesco…

Não havia telefones e viajar era difícil. O meu pai foi para Nampula, eu pedi muito e fui ter com ele. Num período em que veio cá [metrópole] com a minha mãe, que estava doente, fiquei lá sozinho. Não me atrapalhei particularmente. Estava no quinto ano do liceu. Parti o braço e tive que ser operado. Havia um problema: quem é que tinha capacidade para autorizar a minha intervenção cirúrgica – porque eu não era maior. Para falar com o meu pai, havia comunicações rádio que iam do Estado Maior em Lisboa para o Estado Maior em Nampula.

 

Porque é que quis ir ter com o seu pai?

Dava-me bem com ele. Hoje dou-me muito bem com a minha mãe, mas com 14, 15 anos, um rapaz dá-se melhor com o pai. Com estas bolandas todas, eu não seria uma criança fácil… Seria impensável os meus filhos terem este amadurecimento precoce.

 

Essa sisudez tem que ver com uma austeridade militar que o seu pai lhe passou?

O meu pai não era um militar típico. Deu-me sempre uma grande liberdade. A única coisa que me impôs foi não ir para o Colégio Militar – para onde foram vários amigos meus, porque receava que eu fosse para a Academia Militar. Hoje reconheço que fez bem. Não tenho a certeza que me tivesse dado bem lá. Eu tinha 10 anos, e julgo que um pai tem direito de dizer a um filho, com essa idade, para onde é que ele deve ir. O meu pai teve uma vida difícil. Era um excelente aluno e não foi para engenharia porque o pai morreu cedo. Foi para a Academia Militar porque era o único sítio onde podia prosseguir os estudos sem sobrecarregar a família. Sempre me transmitiu valores de austeridade. Ou seja, não gosto de gastar dinheiro mal gasto, não sinto necessidade de ir passar férias às Caraíbas – passar férias no campo, em Portugal, é mais calmo e simpático para mim. A ligação à terra e alguma inflexibilidade em matéria de princípios devo-o a ele e fico satisfeito por isso.

 

Porque é que tinha uma relação tão próxima com ele?

A minha mãe, mais tarde, foi ter connosco. Toda a gente fala da Guerra de África, toda a gente fala dos militares, mas ninguém fala das famílias dos militares do quadro permanente. Aqueles que têm agora entre 45 e 55 anos foram muito marcados. Mas [naquele tempo], para a família militar, aquilo era relativamente comum. Eu sabia que se acontecesse alguma coisa, como aconteceu, seria imediatamente apoiado.

 

Como é que viveu lateralmente essa guerra?

Na altura não me apercebi. Hoje percebo que foi mais fundo… À porta de minha casa, passavam ambulâncias que vinham do aeroporto para o hospital militar. Praticamente todos os dias a capela militar, que eu via de casa, estava iluminada – o que queria dizer que estava lá um soldado morto. Nunca estive numa situação de guerra, nunca ouvi tiros, nunca peguei numa arma, mas vi as consequências da guerra. Isso talvez tenha feito de mim, não direi um pacifista, mas um homem que odeia a guerra. É a consequência e a fonte das maiores injustiças. A invasão do Iraque, por exemplo, perturbou-me bastante. Tenho uma profunda repulsa pelo presidente Bush, pela sua violência particularmente gratuita.

 

Tinha curiosidade em espreitar na capela e ver o morto?

Julgo que nunca o terei feito. Mas convivi com muitos milicianos, jogávamos às cartas, xadrez, e um ou outro morreu. De repente, saber que determinada pessoa tinha morrido… Era chocante porque tinha estado 15 dias antes a jogar as cartas com ele. Via muitas pessoas mentalmente perturbadas – eram conhecidos como “os apanhados do clima”.

 

Perguntava pela curiosidade em ver a face da morte. Era como se a morte rondasse a sua porta, sempre. Mas isso é diferente de sentir a morte de alguém.

O primeiro encontro que tive com um morto foi na Igreja da Boa Hora e tinha seis ou sete anos. A certa altura enganei-me e fui ter à zona mortuária em vez de ir para a catequese. Estava lá um homem morto e ainda hoje me lembro da imagem. Durante muitos anos foi o único contacto directo que tive com um morto. Depois tive, infelizmente, a experiência da morte de pessoas próximas, mas já era adulto. Só se sente verdadeiramente o que é a morte quando alguém muito próximo morre. Sentimos que, em certo sentido, parte de nós também morreu. Uma certa vivência morreu ali. É uma história que fica interrompida – não há mais daqui para a frente.

 

Quem é que lhe incutiu esse sentido de responsabilidade?

Era uma coisa natural, era a força das circunstâncias, e isso tem muito peso. Ia comer à messe, tinha um empregado que tomava conta da minha roupa e da casa; um mês em que o meu pai esteve fora mais tempo, fizeram-me chegar o ordenado e paguei o empregado. Estas coisas, só me apercebi de que eram fora do comum quando tinha 30 anos. Quando tive filhos. Só então percebi que estava muito mais preocupado com eles do que o meu pai poderia estar comigo; ou então estava e não me dizia.

 

Tinham uma relação tácita ou mais verbalizada? Do que falavam?

De tudo. Podia ser um livro ou o que se tinha passado no dia anterior. Tinha a ideia de que os problemas são para ser resolvidos e têm solução. Eu gosto de resolver problemas. Meus ou de outros. Sou um problem solver. Gosto de pensar as coisas de uma maneira original: porque é que é assim e não de outra maneira? Isso estava sempre presente [entre nós]. Sempre questionei tudo. Levou-me também a nunca ter sido marxista. Nunca fui comunista, nem simpatizante.

 

O seu pai era de direita?

Não. Aliás, esteve ligado ao 25 de Abril. Esteve no coração da revolução, antes e depois. Era o elo de ligação, basicamente, entre os homens do 25 de Abril e Costa Gomes – de quem foi chefe de gabinete. Ele confiava muito em mim, sempre me tratou como um adulto. Fui talvez a pessoa mais nova em Portugal que soube que o 25 de Abril ia acontecer. Porque ele disse-me. Não disse que seria no dia 25 de Abril porque isso nem ele sabia. Mas estava para embarcar para Angola no dia 5 de Maio e confidenciou-me: já não vou embarcar para Angola, porque dentro de dias vai haver uma revolução.

 

Usou essa expressão?

Não sei se disse revolução, se sublevação, se revolta. Pode ter sido: o movimento vai para a frente. “Daqui a uns dias, ou estou a trabalhar com o Costa Gomes ou estou na Trafaria (que era a prisão militar). Em qualquer das circunstâncias, vais estar aqui a tomar conta da casa”. E assim foi. Não festejei o 25 de Abril na rua porque fiquei em casa, a tomar conta.

 

Que idade tinha?

Tinha 20 anos, e dois irmãos mais novos – era o homem da casa. Durante toda a vida usou-me como confidente. Habituou a chamar-me à parte para me falar dos aspectos fundamentais da vida dele.

 

Ouvia-o para ter o seu conselho ou porque precisava de um interlocutor?

Muitas vezes queria saber a minha opinião sobre o assunto. Por exemplo: quase todos os discursos do Costa Gomes foram escritos pelo meu pai. Eu era a pessoa que os lia. “Olha, está aqui o discurso, vê lá o que achas”. Umas vezes terá aceitado as minhas sugestões, outras não. Ser chefe de gabinete do Costa Gomes não era fácil – ninguém percebeu Costa Gomes, nem mesmo o meu pai. Punha problemas de consciência graves para ele. “Em todos os discursos aparece democracia pluripartidária ou democracia representativa ou democracia parlamentar” – qualificava sempre democracia; “se o Costa Gomes cortar esta expressão, saio”. E nunca cortou. O meu pai sentiu que se não cortava a frase era porque ele era necessário lá.

 

Não é tão comum quanto isso olhar para um filho como um igual. Normalmente as relações são mais assimétricas.

Julgo que ele tinha confiança em mim. Sabia que eu não falava sobre as coisas. A seguir ao 25 de Abril, isso era muito importante. Nessa altura, toda a gente andava a trair toda a gente, ou quase.

 

Recupero o começo da nossa conversa: o facto de parecer mais velho. De certo modo, talvez isso passe por ter sido um menino precoce. O seu pai sempre o tratou como adulto.

Talvez. Os meus anos de teenager não foram fáceis. Nem sequer era bom aluno. Quando estava quase a chumbar, estudava e passava. Na universidade fui bom aluno, na pós-graduação fui excelente aluno. Mas no liceu fui sempre insubordinado.

 

Insubordinado? Porque é que era insubordinado?

Fui para a rua do primeiro ao sétimo ano por mau comportamento. Uma das vezes uma professora estava a ser injusta com um colega, eu levantei-me e disse-lhe que não estava para aturar aquilo, que não admitia injustiças! O meu colega não sabia o que fazer, ela pôs-me na rua. No dia seguinte apareceram (quase) todos de gravata preta. Era incapaz de não responder a um professor se achava que devia responder. Tremia como varas verdes, mas não podia ser de outra maneira. Era uma questão de personalidade e feitio.

 

Intervir ou não era sempre um combate? Citando o seu pai, dizia que os corajosos não eram os que não tinham medo, eram aqueles que eram capazes de controlar o medo.

Os que não tinham medo numa situação de guerra eram inconscientes. O meu pai, quando jovem, teve medo de ter medo. Quando esteve pela primeira vez debaixo de fogo percebeu que era capaz de controlar o medo e ser o comandante das suas tropas. Isto deu-lhe confiança para toda a vida. Estava responsável por 100 homens e tinha 23 anos.

 

Essa rebeldia surpreende. Porque temos de si a ideia de que é um homem muito bem comportado. O que é que o fez atinar?

Continuei exactamente na mesma. Quer dizer, tenho 54 anos, não tenho 17, não posso fazer o mesmo. Estou mais profissional. Mas nunca deixei de dizer o que pensava. Se for preciso escrevo. Não devo nada a ninguém, não vejo porque não há-de ser assim. A razão porque sou professor universitário é porque gosto muito desta independência. Foi uma coisa que o meu pai me transmitiu: que tenho obrigação de dizer aquilo que penso, e dizê-lo publicamente.

 

Obrigação?

Os meus estudos foram em parte pagos pelo povo português, cheguei onde cheguei porque o Estado pagou parte da minha formação. Acho que ele tem razão. Tenho uma obrigação moral [de dizer o que penso]. Se estou numa situação de total independência, tenho esse imperativo categórico. Tenho a sorte de poder ser uma pessoa muito livre. Se estivesse à frente de uma empresa, a minha primeira obrigação seria fazer com que a empresa progredisse, tivesse lucros, tinha responsabilidade perante as famílias dos trabalhadores. Neste caso, não tenho negócios, sou livre como um passarinho.

 

O seu pai ainda era vivo quando decidiu sair do governo. Falou com o seu?

Nessa altura o meu pai já estava muito doente e passou uma boa parte do tempo no Porto. Teve um cancro, lutou até ao fim. Não podia falar muito ao telefone…, mas é evidente que falava com ele.

 

À luz do que o seu pai lhe ensinou, era seu dever aceitar ser ministro.

Sempre achou que se eu fosse convidado devia aceitar. Noutras circunstâncias em que recusei, ele achou que não estava a cumprir os meus deveres éticos. Era uma questão de retribuição: tinha obrigação de pôr os talentos que me tinham sido dados ao serviço dos outros.

 

Aceitou ser ministro, também, por causa dele?

Não sei responder a essa pergunta. Não me senti obrigado a aceitar. Até porque tinha 50 anos, era uma pessoa madura. Sempre pensei pela minha cabeça, e continuo a pensar. Pode ser num sentido mais subtil e longínquo, porque tive esta educação.

 

Porque é que aceitou?

Hesitei. Mas conhecia bem os problemas do país do ponto de vista macroeconómico, tinha um conjunto de ideias e abordagens para esses problemas, tinha a cabeça arrumada e achava que podia dar uma contribuição. Foi essa a razão.

 

Quando saiu, estava lá, também remotamente, essa inflexibilidade em relação aos princípios que o seu pai lhe incutiu?

A minha vida toda foi sempre assim. Perdi muitas coisas, em alturas até em que era difícil, por obediência aos princípios. Trabalhos que me encomendavam, dizia: “Esse trabalho não faz sentido, não faço”. E tenho três filhos, a minha mulher é professora… Foi duro. Quando tinha 40 anos tinha uma vida particularmente apertada. Mas nunca deixei de dizer “não” quando achava, em consciência, que assim devia ser. O mesmo se passa com a minha mulher. Talvez por isso estejamos casados há 30 e tantos anos.

 

Porque é que tiveram filhos tão tarde?

Foi a vida. Tinha 23 anos quando casei, estava para ir para os Estados Unidos para me doutorar e mal tínhamos dinheiro para nos sustentarmos em Nova Iorque. No princípio dos anos 80 Portugal estava na maior das crises, não havia um tostão, nem sequer da família, tínhamos de nos desenvencilhar. Não tínhamos qualquer hipótese de ter um filho. Estava casado há sete anos quando nasceu o meu filho mais velho.

 

Vamos, então, para NY. Mudou a sua vida?

Mudou. O facto de me ter doutorado é importante, mas à medida que o tempo passa, percebo que ter sido em NY e não no meio do far west foi importantíssimo. Como todos os filhos de militares, que vivem só de um salário, nunca tinha viajado. A primeira vez que fui aos Estados Unidos foi para doutorar-me. Foi um choque brutal. NY tem tudo no seu mais alto grau e pode ser-se qualquer coisa. Desde um pedinte no metro até um banqueiro. Aproveitei tudo ou quase. Estudei com vários prémios Nobel, mantive uma boa relação com os meus professores. E mantenho: de cada vez que vou a NY, estou com eles, janto com eles. Trocamos cartões no Natal, telefonamo-nos de vez em quando.

 

Quando sublinha que foi aluno de vários Nobel, que mantém relação com eles, é evidente a sua satisfação. Por pertencer a um grupo de elite?

António Sérgio falava nas elites de serviço; tenho procurado esse espírito de elite de serviço. Quando estive em NY, ainda não eram prémio Nobel, eram apenas professores conhecidos. Especializei-me naquilo que a minha universidade tinha de melhor – macroeconomia e economia internacional. Estava a lidar com uma das fábricas de pensamento nessa área.

 

Essa convivência confirmava a sua auto-estima – era aí que eu queria chegar.

Vencer em NY é um certificado de que posso vencer em qualquer sítio – foi importante para a confiança, para ultrapassar uma timidez que eu tinha.

 

Mas parece uma timidez pouco insegura…

Percebo isso que está a dizer: normalmente, uma pessoa respondona aos professores não é tímida.

 

Quando defende um colega que mal conhece, há nisso uma afronta ao professor – o colega, a injustiça de que é alvo, é o pretexto para esse jogo. Tem em si a confiança suficiente para ousar – e defende outros que estão mais desprotegidos.

Sempre aconteceu. Com 15, 16, 17 anos vendi estereofonias aos amigos, dei explicações, vendi enciclopédias para comprar o meu primeiro gira-discos. Um dia, a senhora da empresa de enciclopédias foi malcriada com um velhinho que estava ao meu lado. Foi de uma ordinarice esmagadora perante aquele sujeito que não tinha defesa. Quando se voltou para mim, virei costas e disse que não estava para a aturar. No dia seguinte mandei-lhe os papéis (o kit para poder vender enciclopédias) com um pacotinho de chá! Foi sugestão do meu pai.

 

Em NY floresceu a sua relação com as artes plásticas.

Fui tirar cadeiras de pintura e história de arte. Fui seleccionado para os jovens artistas de Columbia University. Tive a minha exposição.

 

Como eram os seus quadros?

Eram abstractos. Eram interessantes. Eu não tinha um tostão. As tintas, os pincéis, as telas tinham um preço exorbitante para mim. Um dia, precisei de comprar telas e não tinha dinheiro. Fui ao Harlem a uma casa de roupa em segunda mão e comprei casacos e calças de veludo, que tinham deixado de se usar, de uma cor só; desmanchei-os e forrei as placas de madeira com aquilo. A professora achou que eu tinha uma grande imaginação, mas era a necessidade a aguçar o engenho. Mais tarde, vários artistas famosos pintaram sobre veludo!

 

Quem eram as suas referências?

Jean Michel Basquiat.

 

Basquiat era um protegido de Andy Warhol. Alguma vez foi ao Studio 54, o espaço mítico dessa geração?

Nunca tive curiosidade. Já estava um pouco decadente, mas hoje arrependo-me de não ter ido. Era uma referência, era como ir ao Empire State Building. Além do Basquiat, o Keith Haring. Pintava no metro aqueles seus homenzinhos estilizados. Não era conhecido, claro. Uma vez saí do metro a ver se conseguia tirar a cartolina em que ele pintava… Daí a dois anos, era famosíssimo. Hoje valeria uma fortuna.

 

Onde começa a relação com a arte?

O meu pai pintava. Era um pintor tradicional, naturalista. Tinha jeito, mais jeito do que o filho.

 

Pintar era um refúgio. Mas a arte nunca foi um caminho para si.

Costumo dizer que entre o computador e a memória devo ter para aí dez exposições. Noutra encarnação talvez seja artista. E acho mais divertido conviver com artistas do que com professores de economia. Às vezes são um bocadinho enfadonhos… [riso] Tenho bons colegas e amigos. Mas o lado radical, cutting edge, inovador, fascina-me. É um universo mais imprevisível.

 

Se não foi sempre bom comportado, não chegou a ser um rebelde…

Tinha um cabelo à Jimi Hendrix – os meus amigos de faculdade ainda se lembram de mim assim. Nunca fui marxista, como lhe disse. Estive mais perto de ser hippie. Ainda andei na associação de estudantes, mas achei aquilo religioso: havia as capelinhas do PC, dos maoístas, dos trotskistas… Ainda fiz parte de um grupo meio hippie que andava pela Praça de Londres, existencialista.

 

Não frequentavam exactamente os caveaux…, mas que música ouviam, que filósofos liam?

Lia-se o Sartre, obviamente. Nunca achei grande graça à pessoa, mas gostava de o ler. Boris Vian. Devo ter lido o “Crime e Castigo”, que é um livro pré-existencialista, em Nampula, com 14, 15 anos. Mas isto não durou muito, talvez um ano. Torna-se também uma religião. Nunca tive capacidade para estar em rebanho. Não me importo de ter uma opinião solitária. Perco muitas vezes, mas paciência. Estou habituado a estar em minoria e não me sinto desconfortável.

 

Tem inclusive uma certa desconfiança em relação ao rebanho e às maiorias…

Ai isso tenho.

 

É católico?

Sou.

 

É amigo de António Guterres e Vítor Constâncio. Católicos. Pertenciam ao grupo da Capela do Rato.

Sou amigo dos dois. Mas o nosso encontro dá-se mais tarde. Eles tinham 30 anos e eu 20 – fazia diferença.

 

Foi Guterres que o convidou para Ministro das Finanças?

Não disse que me tinham convidado para Ministro das Finanças. Ele já o disse à frente de várias pessoas – não creio que seja um grande segredo. Mas não foi para Ministro das Finanças.

 

Apesar de ser seu amigo, recusou.

Certamente que o facto de ser meu amigo pesou, mesmo depois de ter dito que não. Pus-me à disposição dele e ajudei-o a constituir o seu gabinete de economia. Depois fui para vice-governador do Banco de Portugal.

 

Porque é que recusou?

Tinha 40 e poucos anos. Não tinha maturidade. E do ponto de vista familiar a minha mulher estava a tirar o doutoramento – era a minha vez de ajudar em casa com tempo e disponibilidade.

 

Isto era a propósito do catolicismo e da importância que isso tem na sua vida.

Fui educado segundo a religião católica. Espero não ser um grande pecador, mas não tenho uma prática religiosa normal. Não vou à missa, não me confesso. A não ser que se seja tocada por uma fé muito grande – que não tenho – não sei se alguém pode estar plenamente convencido de que Deus existe. Em matéria religiosa, as dúvidas são para mim mais importantes do que as certezas. Mesmo que Deus exista, os limites ao conhecimento não nos permitem perceber o que é isso de Deus. Ou se Deus se importa connosco. A resposta dos católicos é Jesus Cristo, que se fez homem e era filho de Deus. Tenho consideração por alguns grupos religiosos católicos, mas não por todos.

 

É um católico atípico.

Sou muito atípico. Sou culturalmente católico e tenho muito respeito por quem acredita. Dei aos meus filhos educação religiosa, dei-lhes essa oportunidade, não os isolei. Mas eles fazem o que entenderem. Têm os instrumentos para poder recomeçar a qualquer altura, se assim o quiserem.

 

As amizades com Guterres e Constâncio…

Não tem nada que ver com a Igreja Católica.

 

A estrutura pessoal de todos é a de um católico. Guterres fez voluntariado desde cedo. Estiveram ligados à Sedes – como o senhor.

Nesse sentido, sim. Mas não nos encontramos na igreja – é o que quero dizer. Conheci-os relativamente tarde.

 

Doutorou-se com 31 anos e foi catedrático cerca de dez anos mais tarde. O que é que representou para si e para o seu pai ter conseguido isso?

Era o que ele gostaria de ter sido. O meu pai foi um aluno excepcional. Não foi investigador porque não pôde. Isso marcou-me muito, e a ideia de que temos de criar oportunidades. Não há nada mais cruel do que deixar uma pessoa perder oportunidades. Uma perda para ele e para o país. Julgo que temos que acompanhar os filhos dos mais pobres, para que eles não sejam pobres como os pais. O ensino devia ter esse papel; infelizmente não tem tido.

 

Está ligado à Sedes por essa razão? Há em si uma tentativa de vingar e honrar o seu pai.

Estou na Sedes por dever cívico. Faz parte da minha educação. Mas não vivo a pensar o que é que o meu pai faria se estivesse nas minhas circunstâncias. Penso mais nos meus filhos, no exemplo para os meus filhos. Mais vale quebrar que torcer é uma ideia que me acompanhou e tenho procurado passar-lhes isso.

 

À luz desse “mais vale quebrar que torcer”, não é tão estranho assim que tenha saído do governo ao cabo de quatro meses…

Provavelmente tem razão, a conclusão é sua, mas não devo falar desse período. O que digo e faço é usando informação pública, nunca refiro conversas que tive nessa altura. Tudo o que tem saído, não tem sido pela minha boca. Nem sequer é para as minhas memórias porque não tenho intenção de as escrever – não guardo papéis, não tomo notas, não tenho sequer instrumentos para as escrever.

 

Envelheceu nesses quatro meses?

Nesses quatro meses vi um lado da vida que conhecia mal. Uma coisa é conhecer as pessoas, outra coisa é estar no governo. É como a Alice no País das Maravilhas quando passa o espelho: o mundo altera-se. Embora eu conhecesse as pessoas: estive no inner circle dos Estados Gerais do António Guterres, não participei senão episodicamente nas Novas Fronteiras mas sempre que me pediram dei o meu contributo ao Partido Socialista. Aliás, estive filiado a seguir ao 25 de Abril.

 

Nunca teve verdadeiramente ambição política?

Não. Acho que uma pessoa, se tem ambições políticas deve inscrever-se num partido. É aí que se faz a carreira política. O que é diferente de dizer que no governo têm de estar só pessoas do partido – não é verdade. Mas nunca fiz nada nem me posicionei com o fim de ser convidado para. Tal como tenho uma carreira académica, e para isso doutorei-me, fiz o meu trabalho na universidade até ser catedrático, se uma pessoa tem ambições de ser alguém na política, mete-se num partido e vai a votos.

 

Aceitou, apenas, por dever cívico?

Por dever cívico e porque achei que podia fazer diferente e melhor. Por ter uma ligação com o Partido Socialista e porque estavam lá pessoas que conhecia.

 

Arrepende-se desse passo?

Se eu soubesse o que sei hoje, obviamente seria irresponsável uma pessoa aceitar o cargo de Ministro das Finanças para estar lá quatro meses. Fui, honestamente, para quatro anos. Mas também fui com a disposição de, se necessário, estar apenas quatro meses. É a única maneira de se ser ministro.

 

Desde o princípio, tinha decidido que não engolia sapos?

Não ia fazer papel de bobo – julgo que não fiz, nem ninguém me acusa disso, nem estou a acusar os outros de o terem sido. Essa é a minha postura e ali não foi diferente. Não estou a acusar ninguém e conheci pessoas com imaginação, capacidade de trabalho, espírito de sacrifício – não foram só más experiências.

 

Fiz uma pesquisa no Google sobre a sua saída. Fala-se muito da polémica resultante da acumulação da reforma do BdeP com o ordenado de ministro. A questão está estafada. Mas interessa-me saber até que ponto o incomodou o facto de a sua imagem pública ter sido maculada.

É evidente que foi um momento difícil. Os meus amigos não alteraram a imagem que têm de mim – isso era o mais importante. Sempre tratei desse problema com as pessoas relevantes – desde o primeiro-ministro – com toda a transparência. Ninguém foi surpreendido. Deixe-me contar o seguinte: a minha saída do BdeP… Tinha feito um trabalho de adaptação de todos os departamentos que estavam sob a minha supervisão à nova realidade.

 

O período era o de transição do escudo para o euro. Três anos antes, três anos após.

As fronteiras entre departamentos e a sua organização alteraram-se todas nesses seis anos e ficaram aptos à nova realidade. Tinha feito um trabalho interno de preparação do banco na área da política monetária e na gestão de reservas, que muito me orgulha e que pôs o banco numa posição de grande prestígio dentro do sistema europeu de bancos centrais. Tinha consciência de que tinha feito um bom trabalho. O governador queria que eu continuasse; embora tivesse esse direito, a ministra [Ferreira Leite] decidiu que não continuaria. Podia ter sido reconduzido no tempo do Guterres e não quis.

 

Porquê?

Estávamos à beira de eleições e achei que podia macular o BdP nomear um vice-governador numa altura em que o governo era mais de gestão. Falava-se muito de jobs for the boys e eu não era boy de ninguém. E gostaria de ter sido reconduzido – não escondo. Saí mal. Somos um país pequeno, e quando alguém tem um trabalho reconhecido internacionalmente, como era o meu caso, é muito importante haver continuidade. Os meus colegas vice-governadores conheciam-se há 20 anos. Chegar lá uma pessoa mais nova do que eles, um outsider…, é muito difícil entrar nesse clube – especialmente vindo de um país tão irrelevante quanto Portugal.

 

Sentiu como sendo uma injustiça não lhe renovarem o mandato?

Mais do que uma injustiça, foi mau para o país, foi uma estupidez. É importante que estes mandatos perdurem para além dos governos. É por força do prestígio das pessoas que lá estão – e não pelo país, que é muito pequeno­ – que Portugal pode ter a capacidade de influenciar alguma coisa. Mas já passou. A controvérsia: foi muito desagradável, houve muito populismo e pessoas interessadas naquilo. Eu não fui tido nem achado na alteração do sistema de reformas – ao contrário do que foi dito, maldosamente. Nem sabia os detalhes.

 

Estava a tentar perceber como isto o corroeu.

Foi atirada muita lama para cima. Claro que não gostei.

 

Este episódio foi fundamental para a decisão da sua saída?

Não, não foi. Um dia a gente pode conversar sobre isso…, daqui a uns anos. Implicaria a conversa de coisas que se passaram e cujos contornos nem eu conheço totalmente. Tudo aquilo foi politicamente motivado por razões mais obscuras e estranhas. Devo dizer que foi mais doloroso para mim, e exigiu mais disciplina, a introdução de certas medidas – o aumento de impostos ou o congelamento das progressões dos funcionários públicos, por exemplo – do que o outro aspecto. Fez-me dormir muito pior.

 

Explique isso melhor.

Tenho uma relação com o poder estranha. Acho que tenho imaginação para dissecar um problema e propor uma solução diferente. Há outras coisas em que sou inapto: não sou capaz de cantar, nunca soube jogar futebol. Uma pessoa com este espírito precisa de poder. Para poder resolver. Mas o poder em si é uma coisa que limita a minha liberdade. Saber que há pessoas dependentes de mim, além dos meus filhos, é uma coisa de que não gosto. Ser livre é não ter ninguém dependente.

 

O poder, ao mesmo tempo que lhe dá a liberdade de resolver, retira-lhe liberdade de viver.

Em certo sentido, é isso.

 

O que se diz de si, numa linha, é que é filho de um militar. Um filho seu diria que é filho de um académico? É assim que se vê? É assim que quer ficar?

Eu sou um professor da universidade – é esse o meu cartão de visita. Às vezes apresentam-me como ex-ministro. Ser ex-ministro, como ser ex-vice governador, faz parte do meu currículo, mas não faz parte do meu cartão de visita. Sou professor de economia, essa é a minha vida. Há uns tempos entrevistaram a minha filha sobre mim. Disse coisas engraçadas: que lhe transmiti princípios muito estritos, mas que sempre tive tempo para ela. Que lhe disse muitas vezes que não. Acho que ela apanhou a ideia…

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2008

Júlia Pinheiro (2005)

06.11.14

Marco encontro com a apresentadora da «Quinta dos Famosos» num restaurante do coração de Lisboa. Ela chega em cima de uns sapatos altíssimos, forrados de um tecido exuberante, e ocorre-me que poucas mulheres poderiam usar aqueles sapatos, tão estilizados, sumptuosos, originais. Porque exigem uma personalidade forte. Está constipada e queixa-se da traição! Tomou a vacina e não era suposto que isto acontecesse. Ao longo da conversa, envolve-se na sua pashmina, fala dos filhos e do marido, dos projectos de vida que esboçava quando era uma menina, fala da sua auto-estima como o bem mais precioso, da autenticidade como segredo do seu sucesso. Quem é Júlia Pinheiro? Estudou Literatura, mas sempre quis ser jornalista. É provavelmente a mulher mais famosa da televisão que neste momento se faz em Portugal. Conduz a Quinta com um prazer manifesto, como aconteceu com A Noite da Má Língua, Praça Pública ou Noites Marcianas. E o prazer, como se perceberá, é para uma condição. Conheçam-na e reconheçam-na nas próximas páginas.

 

 De que é que acha que é feita a relação entre as pessoas? Quais são os nós, os pontos nucleares?

O que fica provado com a Quinta é que as pessoas se agrupam na procura das afinidades. Aquilo de que eu gosto, de que tu gostas, do que são as nossas experiências passadas. Com o passar do tempo, logo a seguir às afinidades, vêm as diferenças. Tudo o que se construiu numa primeira teia começa a rebentar e aparecem outras cumplicidades, que têm a ver com o carácter, a capacidade de tolerância, a confiança. Acho que também há alguma tensão erótica e aquela chama indefinível que acontece entre as pessoas. Provavelmente, o que vai acontecer no final do jogo, como na vida, é que pessoas com quem simpatizamos muito, mas que não conhecemos muito bem, quando temos oportunidade de estar perto, acabamos por não gostar delas. A maioria de nós, e disso também padeço eu, fazemos juízos à distância.

 

Embirrações de estimação, amores que são projectivos...

Completamente. Não há nenhuma razão para isso, mas pronto, às vezes fazemos juízos, não gosto de fulano, não gosto de beltrano. Depois, por qualquer razão conhecemo-nos e é uma coisa completamente diferente.

 

A história de amor com o seu marido (Rui Pêgo) cabe nessa descrição...

Eu tinha por ele uma admiração profissional grande. [O Rui] já era uma referência lá na [Rádio] Renascença, e foi embirração absoluta no momento em que o conheci. Tratou-me com a displicência dos grandes em relação aos pequeninos... E reza a lenda que terá comentado com a pessoa ao lado, o Henrique Mendes, quando me afastei furibunda: «Esta miúda é gira, vou casar-me com ela».

 

E como é que é possível seduzi-la? A que é que é sensível?

Ele persistiu, persistiu, persistiu; e há um elemento decisivo: a enorme capacidade de ternura. Sobretudo nos homens, quando é manifestada de uma forma transparente, é comovedora. Casar apaixonada, no estado em que eu estava é uma bênção e uma recordação inolvidável. Passado o tempo da paixão, e já lá vão 20 anos de vida em comum, o olhar de absoluto reconhecimento daquilo que sou e não daquilo que pareço, e que ele reconheceu no primeiro minuto... É esse o segredo da nossa longevidade.

 

É fácil olhar para si como uma mulher furacão, por causa da garra, do tom efusivo; mas é também, claramente, uma mulher que se realiza no espaço familiar.

Ele viu isso. Antes de mim. As pessoas intimidam-se um bocadinho com essa primeira bateria de certezas, de intimidação e autoridade. Como tenho opinião, pareço muito conflituosa. Depois há a outra, que detesta conflitos, que não é nada autoritária, que gosta de coisas tranquilas. Adoro uma grande festa, mas prezo imenso o meu silêncio – dêem-me uma cadeira, uma linha de água e um livro e estou para ali seis meses.

 

A diferença entre o privado e o público sempre existiu?

Sempre. Quando conheci o Rui estava à procura da minha identidade profissional. Queria ser jornalista e tinha a certeza de que a televisão era o meu meio, mais do que qualquer outra coisa.

 

Era o fascínio da televisão?

Sim. Era também a ideia de ser testemunha das coisas, estar perto sem ser protagonista. Estava lá, via e podia contar. Eu não tinha nenhum projecto para me casar, nem ter imensos filhos. Sou filha única e costumava dizer aos meus pais que ia ser uma péssima dona de casa, que não contassem com netos...

 

Era uma afirmação contra o conforto da vida burguesa?

Era uma espécie de contestação. O meu pai é profundamente conservador, a minha mãe é mais de cabeça aberta. Foi ela que impulsionou isto tudo.

 

Telefona-lhe a dizer: «Mãe, convidaram-me para este projecto»?

Sim. Ficou muito zangada quando soube que ia apresentar a Quinta. «Que horror, que raio de programa é esse?!». Eu disse-lhe: «Tem calma, isto é diferente, é um programa que tem uma componente mais lúdica e brincalhona». Agora, acha divertidíssimo. A Quinta é muito transversal. Há miúdos de quatro anos e velhinhas de 90 que gostam. O problema da transversalidade é que há coisas das quais não vale a pena falar. No outro dia dizia: tenho aqui tantos ganchos bons, a homossexualidade, aqueles que ainda falam no Salazar...

 

Voltemos à Júlia cortada ao meio, à do espaço privado e à do espaço público.

Tenho a consciência de que aquilo que sou cá fora não interessa por aí além, interessa mais o que sou lá dentro. Tudo aquilo que a televisão projecta é efémero, relativo, consumido e deitado fora. O que importa é o que está lá atrás para nos sustentar. Começo a fazer televisão um bocadinho tarde, com 30 anos, e com a noção de que tenho de fazer um boneco, que é o boneco da televisão. Depois há a verdade das coisas, que fica em casa.

 

Mesmo em televisão, o seu percurso não é linear. Quem a via na «Noite da Má Língua», diz agora que é uma vendida, que está a fazer isto por causa do dinheiro, do sucesso, que isto a desconforta...

Não tenho desconforto algum. Em televisão, se trabalhamos para um grande público, temos que nos adaptar às regras desse consumo. Não posso pretender chegar ao prime-time, que em média tem um milhão e meio a dois milhões de pessoas, e encaixar ali um formato altamente selectivo, com mensagens culturalmente díspares e imaginar que vou ter sucesso, que as pessoas me entendem... O que é que posso fazer? Tento fazer um formato de grande entretenimento, com uns brilhozinhos, que consiga congregar ali todos. Conseguir este equilíbrio...

 

Qual é o segredo do sucesso? É pela graça, é pelo humor que faz a ligação entre os diferentes públicos?

Não sei se é bem a graça. Tenho mesmo muito prazer naquilo que faço, e a autenticidade é meio caminho andado. Depois, tento tocar as pessoas todas sem ofender ninguém. Sou muito espontânea, nada do que digo está escrito. Sei que quando as coisas me saem na hora, podem resultar bem. Aquilo tem a temperatura do momento. Estou contentíssima com aquela história de pormos o burro a falar. A crítica bate-me desalmadamente, estou-me rigorosamente nas tintas. A ideia não é minha, é da Gabriela Sobral, [produção], e eu desenhei um bocadinho o que o burro ia dizer. Estávamos excitadíssimas por causa do Schrek e o burro foi conseguido para a miudagem. Resultado: quando chego à TVI, tenho uma fila de meninos, os filhos dos funcionários todos da TVI, os amigos dos filhos dos funcionários, para ver o Pavarotti.

 

E os seus filhos?

Os meus filhos acham graça. O meu filho não acha graça nenhuma ao Pavarotti, mas delira com a Quinta. Mas não são muito ligados ao que faço.

 

Quando vai levar os seus filhos à escola, as pessoas estão à espera que seja a Júlia Pinheiro da Quinta ou já a conhecem como a mãe daqueles meninos?

A mãe dos meus filhos. Eles têm o mesmo núcleo de amigos desde o infantário e as pessoas são muito tranquilos, sabem que sou uma mãe normal: que vou, que trago, que levo, que me preocupo, vou um bocadinho menos às reuniões de pais do que os outros porque são sempre em horários impossíveis para quem trabalha nestas coisas. Quando apareço à hora de saída no colégio, causo algum frisson, que os embaraça muito. Mas também sou discreta e deixo-me ficar no carro.

 

Eles gostariam que fosse uma mãe igual às outras?

Em certos momentos, sim. Se vamos ao supermercado, posso ser muito abordada, muito beijada...

 

Mas continua a ir, a comprar os detergentes?

Completamente! Tenho um regime doméstico um bocadinho pesado, mas muito feliz. Tenho uma empresa que arruma a casa todos os dias, mas quem trata de tudo o resto sou eu e o resto da família.

 

Decide o que vão almoçar, jantar, essas coisas?

Não só decido, como faço.

 

Lembro-me de a ouvir nas tardes da Rádio Renascença. O modo de comunicar não é substancialmente diferente, ainda que tenham passado cerca de 15 anos e tenha militado em projectos distintos. Quais são as principais características do seu poder de comunicação, o que é que a distingue dos outros?

Nessa altura, forjei a Júlia-comunicadora. Fui percebendo com o tempo que comunicava bem com o público que estava em casa, passivo, que precisava de ser mimado, animado e um bocadinho provocado. Tive muita sorte na Rádio Renascença, que me permitiu imediatamente voar com as minhas próprias asas. A Praça Pública tinha um tom jornalístico. Aliás, fiz sempre os híbridos, não se sabia bem se aquilo era informação se era entretenimento. Tenho o que se chama a qualidade camaleónica. Sempre que me é dado um projecto, reflicto um bocadinho sobre a pele que vou vestir; mas as bases são sempre as mesmas: a autenticidade, a capacidade de reagir no momento, elucubrar o que está em discussão.

 

Lê bem as pessoas e a situação, é isso?

É um pouco isso. Com o tempo, e com o «Sic 10 horas», descobri uma coisa que não sabia que tinha: a capacidade de ouvir. Descobri que era meio caminho andado para a coisa funcionar bem. Acabo por gerir as conversas ouvindo o outro. Às vezes levo escrito um leque de perguntas e não as faço. Aquilo que as pessoas dizem é muito mais interessante do que a expectativa que levo. Acho que é esse o segredo: apanhar a bola do outro lado, no momento exacto, com garra. Acho que é isso que tem corrido bem.

 

Nesse tempo da Rádio Renascença, voltando ao seu projecto de vida, imaginava que um dia seria o que é hoje?

Não. Ainda não existia a Christiane Amanpour [jornalista da CNN], mas o que eu queria ser, era exactamente isso. Ser repórter, estar nos sítios, fazer documentários. Depois percebi que não ia ser assim e adaptei-me. Há um momento em que podia ter feito uma opção pelo jornalismo e achei que não valia a pena.

 

Por qe é que enveredou por este lado quando os dois eram possíveis?

Com 30 anos, tinha que fazer um percurso na redacção da Sic que já não fazia muito sentido para mim.

 

Tinha que desbastar todo o preconceito.

Exactamente. Havia um preconceito contra as pessoas que fazem entretenimento. Percebi que a redacção da Sic é muito masculina e que dificilmente poderíamos, as mulheres, furar ali dentro. Quando fui para Sic, pensava: «Agora vou pôr o pé no piso da informação e vou ser pivot». Pertenço à geração para quem as grandes referências eram a Maria Elisa, a Margarida Marante, o Miguel Sousa Tavares. Quem me contrata para a Sic é a Maria Elisa; quando me sento à frente da Elisa..., ainda hoje sinto os joelhos a tremer.

 

É tão extraordinário pensar que pode ser insegura... Porque não é nada essa imagem que as pessoas têm de si.

Não fui insegura, estava nervosa! Mas convenci-a imediatamente! Estava sobretudo esmagada pela presença dela, que é uma mulher muito interessante e muito inteligente. Era difícil, depois de um ano de Praça Pública, (embora tenha corrido muito bem e o programa seja considerado uma referência), crescer e ganhar asas ali. Nunca seria pivot, embora tenha feito curso de pivot e tudo.

 

Exigia para si o protagonismo, a excelência?

Não tenho essa noção, essa necessidade de ser a melhor. Talvez seja um grande defeito meu, mas não sou perfeccionista. Quero fazer bem, mas não batalho para ser a melhor de todas. Tenho uma coisa que é talvez o traço mais forte da minha personalidade, e que é uma tremenda auto-estima! Acho que sou fantástica, olho para o espelho: «Eh pá, és bestial»!

 

Desconfiamos sempre quando as pessoas dizem isso assim, é como se se quisessem convencer a elas próprias...

Não é o caso. Ao longo destes anos, a crítica não tem sido benevolente comigo, e se não tivesse esta espécie de pele coriácea, podia ter ficado abalada. E nunca fiquei. Tirando a primeira crítica, que me doeu muito, do João Gobern, que me conhece tão bem. Nesse dia disse: «Nunca mais choro por uma coisa que dizem sobre mim», e nunca mais chorei. Resultado, tenho a certeza que estou a fazer o melhor que posso e sei na altura. Se calhar podia ter feito uma série de coisas que tornariam o momento mais brilhante, mas se ficar bem feito e for eficaz, fico feliz. Não vivo na ansiedade da aprovação de coisa nenhuma, não preciso da aprovação de nada nem ninguém.

 

Foi uma criança muito reforçada? Tem esta auto-estima desde miúda?

Muito reforçada. Talvez por ser filha única tive sempre a convicção de que era profundamente amada. E isto é um traço muito importante, que faz de mim uma pessoa segura, muito forte (sendo que sou muito frágil noutras coisas), muito centrada.

 

É o que mais tenta incutir nos seus filhos, essa noção de que são amados?

Não há dia nenhum que não diga a todos [às gémeas de 11 anos e ao rapaz de 16] que gosto devastadoramente deles. É talvez o legado mais importante dos meus pais e aquele que transmito com mais intensidade e mais militância. Aquilo que, como educadora, tento passar todos os dias, (além dos valores, para que sejam cidadãos de corpo inteiro e pessoas com cabeça para pensar), é uma profunda noção do amor, é a noção de que há um reduto onde nada acontece e onde estarão sempre seguros e salvos.

 

Podemos de alguma maneira conhecer essa Júlia-privada ou esquiva-se sempre?

A Júlia privada é a mesma do que a pública, mas num downsizing de estridência e exuberância!

 

É assim porque não consegue ser de outra maneira? Acontece chegar a casa e pensar: «Por que é que fui tão estridente, por que é que não fui mais sossegada?».

Às vezes penso isso. Mas tem a ver com o prazer, com o facto de me entusiasmar. Tenho um entusiasmo infantil completamente deslocado para uma senhora da minha idade.

 

Tem quarenta e...?

E dois. Não imagina o meu comportamento diariamente no meu local de trabalho, digo coisas impensáveis a toda a gente, pelo puro prazer de ser desalinhada. Gosto muito desta minha atitude da festa e da alegria, aquele número do blasé não é para mim. Na TVI sabem sempre quando estou porque se ouve a minha voz num gabinete qualquer, às gargalhadas e a dizer disparates. Também sou assim em casa, mas numa dose mais tranquila. Percebo que queira tocar qualquer coisa que ainda não apanhou daquilo que sou...

 

Daquilo que é também.

Daquilo que sou também. Mas não é muito mais do que isto que lhe estou a dizer, de facto. Sou tranquila quando tenho que ser tranquila, carinhosa quando tenho que ser carinhosa. E sou exuberante e desmiolada também, em todos os planos da minha vida. Sendo que aquele que para mim é o mais importante, aquele onde sou mais eu, é, de facto, o privado.

 

 

Publicado originalmente na Revista Selecções do Reader’s Digest em 2005

 

 

 

 

 

Vera Nobre da Costa

05.11.14

O encontro é ao meio-dia, no último andar de uma casa que durante anos foi sua: a McCann Erikson. A casa onde fez parte substancial do seu trajecto. Onde era número dois. Quando em 93 a rival Young & Rubicam a convidou para ser número um, Vera Nobre da Costa era ainda verde. Não tinha experimentado o travo da responsabilidade absoluta. É isso que marca o amadurecimento. Em 93, a Young era a 11ª empresa do ranking. Há um ano e meio, quando a publicitária vendeu as quotas e passou o testemunho, era a primeira.

De regresso à McCann, em moldes que nas próximas páginas se explicitam, recebe-me num dos últimos dias do ano. Para lá da parede de vidro anunciava-se um temporal. Ao longo de duas horas foi possível ouvi-la nestes termos:

«Consegui uma distância muito grande em relação às empresas com quem trabalhei. Nunca me desiludiram porque nunca estive iludida com elas. Sempre trabalhei para multinacionais e sempre considerei que as multinacionais eram entidades de que me ia servir para determinados fins e que se iam servir de mim para determinados fins». Mas também nestes: «É uma ferida tão grande estar interessado em alguém e esse alguém não estar interessado em nós... Ou querer prosseguir uma relação e de repente perceber que o outro não está interessado... É inaceitável: não há nada pior que uma pessoa ser rejeitada. Em relação ao amor, à amizade, ao que quer que seja. O pior que há é ser rejeitada ou ignorada. Sempre tive o pavor de ser ignorada. Tenho essa fraqueza».

Vera Nobre da Costa é formada em Psicologia. É publicitária desde 72. Começou por trabalhar na área de estudos de mercado na Lintas. Passou pela Cinevoz. Na McCann chegou a directora geral-adjunta e a vice-presidente. Na Young foi presidente. Fez o que fez porque queria provar a si mesma que era capaz. E ao pai, «Olhe, afinal, eu também sou capaz». O pai era um homem sério que chegou a ser primeiro-ministro quando o governo de Mário Soares caiu. Tem uns 50 anos de que muito se orgulha. É casada e tem uma enteada. Gosta de ler, da pintura de Van Gogh, da música de Mozart, de viagens e de golf. E agora, gosta também de jardins.  

 

Gostava que me falasse da sua família goesa.

Não sinto praticamente nenhuma influência goesa em mim, a não ser fisicamente. Alguns traços têm reminiscências indianas: os olhos, a nascença do cabelo. A minha família goesa veio para Portugal na pessoa do Alfredo da Costa da maternidade, meu bisavô. Era ginecologista, médico da família real e notabilizou-se no seu tempo. Casou com uma senhora Andresen de ascendência dinamarquesa. (Curiosamente o meu marido também é Andresen, somos primos em segundo grau). Tiveram nove filhos. À parte a mobília indo-portuguesa que havia na casa dos meus bisavôs em Sintra, onde íamos tomar chá aos domingos, a influência indiana é abstracta e teórica.

 

O facto de o seu bisavô ter sido uma figura venerável foi marcante para a família?

Foi. Os meus bisavôs viviam na Lapa na casa onde é hoje o Colégio das Escravas. A família vivia toda lá, na altura as famílias viviam todas juntas. A casa tinha cerca de 50 pessoas: vários tios-avós que eram solteiros, outros que eram casados e que tinham filhos, o meu pai, a minha tia, os meus avós. Quando o meu bisavô morreu, novo, a família ficou sem dinheiro. A casa era inviável, era praticamente um quarteirão inteiro, e foi vendida por 2000 contos. A minha bisavó acabou por ser a figura mais marcante, a verdadeira matriarca da família. Viveu até muito tarde, com muitos filhos solteiros.

 

Era possessiva?

Acho que sim. Sabe uma coisa curiosíssima? Sou a última pessoa da família quer do lado Nobre quer do lado Costa. Não há mais ninguém. Eu não tenho filhos, a minha tia Vera, irmã do meu pai, não tem filhos, e os meus tios, irmãos do meu avô, também não.

 

É uma família que estanca. Não é assustador, quando pensa nisso?

É. Quando era mais nova não pensava nada nisso. À medida que vou envelhecendo, (tenho 50 anos), faz um bocado de impressão. Não há ninguém, directamente, a quem passar o legado espiritual, familiar, intelectual, etc. O fio não é contínuo. Mas neste momento não há hipótese. Nem de passar as coisas boas nem as más. Há uma interrupção. É uma família interrompida.

 

Há ainda a ironia de esta família ser a do fundador de uma maternidade.

Uma tia-avó, filha do meu bisavô Alfredo da costa, deu-se ao trabalho de fazer uma genealogia da família. É um livro cujo original me veio parar às mãos. Embora tenha sido feito há 40 e tal anos, não houve qualquer alteração. Eu já existia quando ela o fez, estou mencionada, e acaba por ser a história da família, uma vez que acaba em mim.

 

Frequentou o colégio das Doroteias, recebeu uma educação cuidada. Foi a clássica menina de boas famílias educada para casar e ter filhos?

O meu pai teve um desgosto enorme quando nasci, estava à espera de um rapaz, o herdeiro, o continuador da história da família. Contam que o meu quarto era azul. A minha mãe incutiu-me os valores femininos. O meu pai sempre me empurrou para uma vida independente. Tive a chave de casa aos 15, 16 anos. Fui viajar pela Europa com amigas do colégio aos 13, 14 anos. Sempre insistiu que eu tirasse um curso superior, e foi sempre muito rigoroso, por exemplo, na atribuição de dinheiros. Fui educada não num espírito de abundância, mas de rigor; as coisas tinham de ser ganhas e não oferecidas. Na altura, evidentemente, não gostava, mas hoje em dia agradeço muito.

 

Como era a relação com o meio, um meio de meninos bem, de uma burguesia instalada, quando não se dispunha do mesmo?

Eu dispunha, nunca tive privações. Mas aos meus amigos era-lhes atribuída uma semanada automaticamente, eu tinha de trabalhar. Para lhe dar uma ideia, os meus pais tinham uma segunda casa no Estoril, onde se passavam os fins de semana e as férias de verão; eu tinha como incumbência lavar e aspirar a piscina e ajudar a minha mãe em casa.

 

E da sua mãe, herdou o quê?

Herdei da minha mãe uma feminilidade, o gosto por estar arranjada, cuidada, por vestir bem. Sou uma dona de casa exemplar. É evidente que tenho apoios, mas tenho muito gosto na casa, em ter as coisas impecáveis. Não sou capaz de viver numa casa que tenha desarrumação e sujidade. Faço a gestão da minha casa como faço a gestão de uma empresa. Na família fazem imensa troça...

 

Sabe o que tem no frigorífico?

Ah, completamente. Destino todos os dias o que é o almoço, o jantar, e aproveitam-se restos! A minha mãe é muito assim, ainda. Controla a casa, ela própria está sempre chiquíssima. Se chego de repente para almoçar, sem a prevenir, ela está, não como os ingleses dizem «overdressed», mas sempre com uma camisola a dar com as calças. É muito «soignée», até mais do que eu.

 

Quando era pequena, espreitava-a no ritual da feminilidade, no recanto das pinturas?

Não. Eu era muito maria-rapaz, as minhas brincadeiras não tinham nada que ver com as das meninas. Esta feminilidade comecei a ter quando percebi que podia seduzir, pelos 13, 14 anos. Nunca me fascinou vestir-me com a roupa da minha mãe.

 

Foi uma paixão que lhe provocou o desejo de ser sedutora?

Quando eu tinha 13 anos, estávamos em 1965, não é? Os ídolos da altura eram a Sylvie Vartan, a Françoise Hardy. Era a época áurea das festinhas dançantes, em casa de uns e outros, aos sábados e domingos à tarde. Todos nós levávamos os discos de 45 rotações e dançávamos. Começa a haver um jogo, que nem sequer é sexual, é um jogo de sedução.

 

A sexualidade despontava mais tarde, nessa altura.

Dançávamos de cara encostada ao som de uma música e aquilo era uma emoção! Estava completamente fora de questão uma actividade sexual.

 

Quando é que teve a noção de que era bonita?

Acho que nunca fui bonita. Era gira, animada, espertalhota. Era o que na altura se chamava um borracho. Bonitas eram outras, a Rita Matos Chaves, que ganhou o concurso internacional das teenagers. E depois entra-se nos jogos de sedução que são típicos dessa idade.

 

Isso contrastava com a rigidez de educação das Doroteias?

Estava sempre no quadro de honra, mas era péssima em comportamento. Fui suspensa duas vezes. Estive dez anos nas Doroteias, até ao quinto ano de liceu, sem nunca me encaixar muito bem. Havia uma dissonância entre o discurso em casa e o discurso no colégio, e isso fazia-me confusão. Lembro-me de termos feito uma novena porque o Henrique Galvão tinha assaltado o [paquete] Santa Maria, e em casa o meu pai tecia comentários cínicos sobre o assunto...

 

Disse que a sua vida passou a ser muito mais divertida a partir dos 17 anos, altura em que se tornou independente e começou a ganhar dinheiro. O tema do dinheiro acaba por ser recorrente no seu discurso e no seu percurso, ainda que nunca tenha sido uma carenciada. Foi o seu Grito do Ipiranga?

Estava a tirar o curso de Psicologia e arranjei um trabalho eventual – fazia entrevistas, coisas assim. Vivia em casa dos meus pais, o dinheiro não era viver, era para ter umas coisas que o meu pai não me dava. O Ipiranga foi quando comecei a trabalhar a sério, aos 20 e tais. Casei entretanto. Casei aos 21.

 

Não sabia.

Foi antes do 25 de Abril. O meu marido entrou para a tropa imediatamente, para o curso de oficiais milicianos, onde não ganhava dinheiro. Estávamos numa casa cedida pelo meu sogro, não pagávamos renda, mas tudo o resto era por nossa conta. Não tínhamos nenhuma ajuda financeira, vivíamos do meu ordenado.

 

Não era comum uma mulher sustentar a família.

Diria que eu era completamente inserida socialmente até aos 20 anos. Fazia o que os meus pares faziam, havia uma aprovação social. A partir de certa altura houve uma bifurcação. Entre os nossos amigos, havia muito poucas mulheres interessadas em fazer uma carreira. Todas começaram a ter as suas famílias, e as actividades profissionais eram mais na área da decoração, ou tratavam de crianças, ou eram tradutoras, ou secretárias. Coisas ditas para as meninas.

 

E para se entreterem, não havia o sentimento de carreira implicado nisso.

A minha intenção inicial era ser psicóloga. Tirei a especialidade e comecei a trabalhar no Hospital Júlio de Matos. A minha entrada na publicidade foi completamente fortuita, e mais uma vez, como diz você e muito bem, por razões financeiras. Ofereceram-me numa agência para onde fazia trabalhos eventuais três ou quatro vezes mais o ordenado que estava a ganhar no hospital. É evidente que era irresistível, e além disso precisava.

 

O seu caminho bifurca-se aí?

Sim. Nos jantares de amigos as meninas ficavam de um lado a falar de assuntos ditos femininos, os homens do outro a falar de desporto ou de política. Eu estava fascinada com o trabalho e comecei a ter outros interesses. Senti-me desinserida. Acho que me separei, não por problemas com o meu primeiro marido, com quem me dou lindamente, mas numa atitude quase revolucionária. Eu não estava mal no casamento, eu estava mal com a vida que tínhamos. O mundo com que me dava não era um mundo adulto. Era um mundo de gente imatura como eu para quem o mundo adulto é o mundo dos pais. Quando comecei a trabalhar descobri que havia uma data de gente com quem eu dialogava, que me ouvia, para quem as minhas opiniões tinham interesse; eram pessoas que já tinham uma vida adulta e de uma classe social diferente.

 

Quando estava casada, ainda antes de experienciar esse tempo de rebelião, tinha a ideia de ter filhos, de se dividir entre a carreira e a família?

Nunca foi uma opção no sentido «Não, eu não vou ter filhos». Foi ficando para trás porque havia outras coisas que me interessavam mais. Estava fascinada e entretida com o meu dia a dia, tão rico em acontecimentos e estímulos novos. Depois de me ter separado, tive um período de quase vinte anos, em que evidentemente tive pessoas na minha vida, mas nunca encontrei uma com quem me apetecesse fazer uma família. A certa altura, por volta dos 40, o relógio biológico dá sinal... Mas não tinha uma pessoa com quem me apetecesse ter filhos, e além disso, entre os 40 e os 49, estava no auge da carreira. Se tivesse conhecido antes o meu marido actual, o João, se não tivéssemos casado tão tarde, com ele teria tido filhos. Mas a vida não foi construída assim. Quando casámos eu tinha 43 e ele 50 e tal.

 

Um casamento, uma vida refeita depois dos 40, depois de um tão longo interregno, não é muito comum. E tem um brilho quando fala nele... É o amor da sua vida?

Completamente. Se não fosse assim, nunca teria casado. Nunca senti necessidade de casar. Os homens têm necessidade de viver com mulheres porque precisam delas.

 

O que é o casamento?

É a partilha. Dos interesses, dos problemas, das alegrias, do dia a dia. O casamento vale a pena quando essa partilha é feliz. Foi muito gratificante a descoberta do fim da solidão. A solidão nunca foi um peso. Tenho mais dificuldade em estar com pessoas do que estar sozinha. Habituei-me a ir sozinha para o estrangeiro, a jantar sozinha no restaurante, a ir sozinha ao teatro, a um concerto, a um cinema.

 

E gostava?

É claro que é preferível ir com alguém. Mas não tendo uma pessoa para ir, prefiro ir do que não ir. O que descobri com o João foi realmente o bom que é partilhar estas coisas todas. Foi uma descoberta tardia. Mas quando se é muito novo não se tem maturidade para apreciar isto. Aos 20 e tal anos somos profundamente egoístas, centrados em nós, está a vida toda pela frente. Somos invencíveis. Vamos ficando mais humildes à medida que os anos vão passando. Percebemos que há doenças, contrariedades, infelicidades.

 

Quando é que ficou mais humilde? Quando é que percebeu que nada do que conquistou, ainda que tenha sido a pulso, a tornava invencível, porque é vulnerável ao que todos somos?

A minha época de arrogância acabou aos 33, 34 anos. Não foi nenhum acontecimento específico. Foi simplesmente a observação da vida. O perceber que as coisas são relativas. Mesmo o triunfo profissional. Vou dizer-lhe uma coisa: consegui uma distância muito grande em relação às empresas com quem trabalhei. Nunca me desiludiram porque nunca estive iludida com elas. Sempre trabalhei para multinacionais e sempre considerei que as multinacionais eram entidades de que me ia servir para determinados fins e que se iam servir de mim para determinados fins. Nunca tive grandes desgostos, como certas pessoas têm. As pessoas constroem, mitificam, acham que vão ser apreciadas pela sua personalidade, pela maneira como se esforçam, e não é assim.

 

Mas o que vulgarmente se diz é que para as pessoas conquistarem o topo têm de se entregar de alma e coração, dar o litro, etc.

Tudo isso é verdade. Mas eu nunca me entreguei de alma e coração a empresa nenhuma nem a entidade multinacional nenhuma. Entreguei-me de alma e coração a projectos pessoais, que coincidiam com projectos empresariais, sim senhor, porque queria o sucesso, o prestígio, o poder. Queria provar a mim própria que era capaz de fazer as coisas. Nunca foi por causa da empresa A ou B. E nunca estive à espera que me dessem reconhecimento. Sempre batalhei pela minha remuneração. Percebi que se não batalhasse, ninguém me vinha dar absolutamente nada. Muita gente cai nesse logro. Acham que por se dedicarem muito, por trabalharem muito, são automaticamente reconhecidas e gostados. Esquecem-se que nas empresas as caras mudam, vêm outras, o historial perde-se, e perde-se todo um investimento de anos de trabalho.

 

Agora percebo o que dizem quando dizem que é uma pragmática.

É preciso encarar estas coisas de modo muito pouco emocional. Nunca trabalhei para as empresas. Trabalhei para projectos onde eu estava. Não tenho qualquer amargura, sobretudo em relação ao projecto mais comprido. Estive dez anos aqui na McCann. Mas quando saí da McCann ainda estava verde. Nunca tinha tido a responsabilidade a 100% de uma empresa.

 

Estava verde porque não tinha tido a responsabilidade total. Essa é a grande diferença?

É. A grande diferença é essa: de repente não tem ninguém a quem recorrer. Só se tem a si. As decisões têm de ser tomadas por si, boas ou más, difíceis ou fáceis, e a responsabilidade em última análise é sua. O peso da responsabilidade é o que faz o amadurecimento. Esse peso é um adicional que as pessoas só realizam quando o têm nas mãos. Não há férias, nem fins de semana, nem pausas na responsabilidade.

 

E a coisa do «Será que sou capaz»?

Ah, tive imensas dúvidas. Mas encaro sempre a vida como... Uma vez no Egipto fui à Grande Pirâmide; é uma subida penosa, escura, cheira mal, falta ar. Você vai subindo. Sabe que não é obrigada a subir até lá cima, que pode descer a qualquer momento. Mas há aquela coisa do «Vou mais um degrau, vou conseguir mais um degrau». E depois diz «Não, vou-me embora, já não aguento, isto é tão desagradável». Mas continua a tentar. A vida é um bocado assim. Sou capaz ou não sou capaz? E se não se é capaz, pode-se passar para o degrau de baixo e não cai o mundo por cima!

 

Mas isso é outra coisa que não se sabe até se experimentar.

Exactamente. O desafiar-nos a nós próprios para ir mais longe faz parte de determinado tipo de personalidades. Eu sou muito inquieta e isso é uma espécie de condição de existência. Essa necessidade de forçar.

 

Nos momentos em que se sente mais inquieta, em que se pergunta se é capaz, a quem é que seria capaz de recorrer?

A ninguém. A ninguém. Nunca tive muito essa sensação do «Estou em baixo, estou perdida, não sei o que é que hei-de fazer». Sou muito combativa. É evidente que já me correram mal coisas, mas pragmaticamente tento analisar porque é que aconteceu e não falhar segunda vez.

 

Quando descobre que agiu mal, que a culpa foi sua...

Fico lixada. Tenho imensas reacções de fúria e de irritação comigo própria, mas não me lembro de ter tido uma reacção depressiva. Sou tão combativa... É como se fosse uma bola que dá logo um salto para o outro lado. Perdi imensas batalhas, mas não tenho a sensação de ter perdido a guerra.

 

A título pessoal é capaz de confessar a uma amiga «Ele deixou-me, estou triste e infeliz».

Ah, já foi assim! Os desgostos de amor são feridas narcísicas terríveis. Graças a Deus que há imensos anos não tenho um desgosto de amor! Mas é evidente que os tive. Os 30 anos são uma fase tão ingrata. Ainda não se tem a maturidade dos 40 e já não se tem a frescura e a ilusão dos 20. É uma ferida tão grande estar interessado em alguém e esse alguém não estar interessado em nós... Ou querer prosseguir uma relação e de repente perceber que o outro não está interessado... É inaceitável: não há nada pior que uma pessoa ser rejeitada. Em relação ao amor, à amizade, ao que quer que seja. O pior que há é ser rejeitada ou ignorada. Sempre tive o pavor de ser ignorada. Tenho essa fraqueza.

 

Porquê?

Não sei.

 

O poder que conquistou é uma forma de dizer «Estou aqui, não podem ignorar-me»?

É. É uma maneira de dizer ao meu pai «Eu também sou capaz». Já não está vivo..., mas a um nível inconsciente julgo que continua a ser assim, «Olhe que afinal eu sou capaz».

 

Porque é que teve necessidade de lhe afirmar isso?

O meu pai era impaciente com inteligências menores. Nunca foi bom a ensinar porque se impacientava imediatamente. Eu era péssima a matemática, ele tentava explicar-me problemas de matemática que eu pura e simplesmente não conseguia apreender! A minha inteligência não é virada para o exercício da matemática. Ele era o padrão inalcançável, tinha excelência no que fazia, sabia de música, lia imenso, era informado, com uma personalidade muito forte.

 

Ele dizia-lhe que é inteligente?

Ao contrário, achava que eu era completamente burra. Para ele, ter tirado Psicologia foi um golpe. A Psicologia não era considerada. Eu deveria ter tirado Engenharia, Advocacia.

 

Uma coisa de homens. E já agora meteu-se na publicidade que é um mundo de homens.

Exactamente. O meu pai ficou surpreendido quando constatou que afinal a profissão que ele pensava ser uma brincadeira, podia dar frutos. Não só ao nível do dinheiro como de uma mediatização que a certa altura existiu. E existiu comigo porque sou mulher.

 

E por ser bonita.

Mais fácil de fotografar.

 

Não é isso. Teve de impor-se num mundo de homens sendo bonita e assumindo a sua feminilidade. Era uma dificuldade adicional.

Há sempre o chavão da loura burra..., ainda que eu não seja loura.

 

E outro pior, o de subir na horizontal.

Há esse chavão, «Ela consegue porque faz isto...». O que, aliás, influenciou a minha atitude para uma excessiva rigidez. Era uma maneira de me defender de qualquer alusão. Acho que passei incólume. Não acredito que se diga que fiz a minha carreira à custa de seduzir alguém. Hoje já tenho uma idade que me permite ser calorosa. Posso dar dois chochos a uma pessoa, acho que não me fica mal.

 

O seu pai alguma vez lhe disse explicitamente que tinha orgulho em si?

Nunca. Foi sempre muito reservado nos seus afectos. Acho que gostava de mim, claro, e que tinha, sobretudo ultimamente, não admiração, mas algum reconhecimento pela minha vida e pela minha existência profissional. Às vezes eu percebia que ele tinha orgulho, sobretudo quando terceiros lhe iam falar de mim. Mas fazia troça... De prémios que ganhava, de promoções. Estava na Young & Rubicam há três, quatro anos, e levei-o lá. Quando acabou a volta pela agência virou-se para mim e disse: «É formidável, a menina controla, vê-se que isto é uma empresa afinada». Mas disse isto com ar espantado! Não sei se pensava que aquilo era um vão de escada, uma coisa com quatro ou cinco pessoas. A partir daí olhou com mais respeito para a minha actividade. Mas nunca explicitou admiração.

 

Seria óptimo poder recorrer ao pai num momento em que se sentia mais insegura. Por outro lado, não podia mostrar àquele pai, a quem queria dar provas da sua capacidade, que estava em baixo.

Ah, claro. Mas nunca gostei de mostrar que estou em baixo, a qualquer pessoa.

 

Isso não é, de certo modo, estar sempre sozinha?

Se calhar é. Mas sou filha única; o que marcou a minha infância e adolescência, mais do que o mimo, foi o facto de não ter irmãos. Pode ter primos, amigos, vizinhos, mas a verdade é que a seguir ao jantar não tem ninguém com quem falar. Quem tem irmãos tem uma presença permanente. A minha companhia era a minha imaginação. E a leitura. Isso dá um hábito de introspecção. E como lhe dizia, não me incomodo de estar sozinha.

 

A sua melhor amiga vive no estrangeiro.

A Teresa. Falamos imenso ao telefone.

 

Falam de quê?

De tudo. Desde os trapinhos que comprámos na véspera... Aliás, temos situações extraordinárias! Eu compro fora e ela também. E muitas vezes, sem nos falarmos, compramos as mesmas coisas! Vamos muito ao mesmo estilo, e as lojas são sempre as mesmas. Hoje em dia a partilha de confidências é mais serena. Há uns anos era divertidíssima!, contávamos coisas íntimas uma à outra, tínhamos grandes ataques de risota à conta de terceiros e daquilo que nos ia acontecendo.

 

Um pouco como o encontro das quatro amigas na série «O Sexo e a Cidade», em que se fala de sexo e de sapatos Jimmy Choo?

Não sei se a nossa vida era tão atribulada como a delas!... E temos muitos outros interesses de que falamos. Este ano encontrámo-nos em Amesterdão para ver a exposição Van Gogh-Gauguin. Eu fui visitar jardins... É uma faceta da minha vida que não conhece.

 

Como é que aparece o interesse pelos jardins?

Estive nove anos presidente da Young & Rubicam e de repente fiquei farta. Fiquei farta. Tive uma necessidade absoluta de mudar de vida.

 

Ficou farta como?

Fiquei farta da responsabilidade, fiquei farta da publicidade, fiquei farta do trabalho do dia a dia, das pessoas, da empresa, de tudo. Senti que a minha imaginação estava a emperrar, que não estava a funcionar com frescura. E macei-me. Resolvi acabar. Achei que podia sair, a Young & Rubicam era a agência número um, estava tudo em óptima condição. Organizei a minha saída, a passagem de poderes, vendi as minhas acções. Saí em Julho de 2001. Estive um ano e meio sem estar ligada a empresa nenhuma, a minha única actividade profissional neste período foi dar aulas. Tive necessidade de não fazer absolutamente nada. De esvaziar a minha cabeça de uma ocupação continuada. Portanto, li, viajei, tirei cursos de jardinagem.

 

Mas porquê a jardinagem?

Para meter as mãos na terra. Não sabia absolutamente nada de jardins, não sabia o nome de uma planta, nunca tinha plantado, nunca tinha podado. Descobri o prazer de ver uma planta que eu cuido, adubo, observo, dar flor. Em particular as orquídeas. Podem dizer que é um disparate, que é muito melhor estar à frente de uma empresa e ter sucesso. Em termos de intensidade de prazer, não é. Mas eu já tive o prazer do sucesso, esse assunto está arrumado.

 

O prazer do sucesso é o quê? É deitar-se a pensar «Que bom, tenho sucesso»?

O prazer do sucesso é completamente afrodisíaco. É o prazer de perceber que aquilo que pôs em prática resultou, que os objectivos foram conseguidos.

 

Fala nisso num tom inebriante.

Ah, mas é. A carreira das pessoas tem um triângulo: o poder, o prestígio e o dinheiro. Quando começa a carreira o vector mais importante é o dinheiro. Quando atinge um patamar em que o dinheiro já vem com a posição que alcançou, tem o segundo patamar, que é o prestígio. A partir daí quer o reconhecimento, quer que a comunidade olhe para si como sendo uma pessoa de referência. Quando esse patamar está atingido, quer o poder. O poder é o sentido da responsabilidade absoluta. É poder mexer as peças. O que aconteceu foi que realizei que aquilo afinal não era tão importante assim.

 

E agora, o que é que quer fazer à vida? Está de regresso?

Penso estar aqui três, quatro meses em regime intensivo. Há um objectivo concreto, que é dar uma volta à McCann. Vai absorver-me a tempo inteiro até ao final de Março, penso eu. Não ponho de parte continuar ligada à McCann, embora não queira dedicar-me em regime exclusivo, executivo e com a tal responsabilidade do dia a dia. Quero continuar a ter tempo para ler, dedicar-me à jardinagem, viajar, jogar o meu golfe.

 

Lamenta não ser uma criativa?

Não. Gerir uma empresa deste tipo e lidar todos os dias com a criatividade dos outros é uma forma de ser criativo. Interessa-me mais a floresta que a árvore. Interessa-me o todo, pôr na rua um produto criativo bom. Deu-me muito gozo estar numa empresa que pôs na rua campanhas como o Código de Barras de Timor. Quando vi na televisão os jogadores de uma equipa de futebol entraram em campo com as camisolas de Timor vestidas, devo dizer que estava em casa e me vieram as lágrimas aos olhos. Senti que uma boa ideia pode ter um efeito devastador. Se quiser, é conseguir pôr a publicidade ao serviço de alguma coisa menos fútil. A publicidade, se pensar em que é que muda o mundo, não muda em nada, não contribui em nada para que o mundo seja melhor. Tem um cariz de futilidade. No fundo, está a lidar com consumo. A nossa actividade é persuadir comercialmente as pessoas. Quando olha e analisa a coisa assim... é poucochinho.

 

 

Publicada originalmente no DNa do Diário de Notícias, em 2002

 

Rita Barros (sobre o Chelsea Hotel)

03.11.14

O Chelsea Hotel, onde vive, funciona como uma amostra microscópica de NY?

O Hotel mudou muito desde que há um ano o gerente e sócio maioritário, Stanley Bard, foi “despedido”. Stanley Bard foi o responsável pela ideia de haver uma mistura enorme de gente, desde o artista falido ao banqueiro, o músico na moda e o fora de moda, o jovem criador com sonhos de se tornar no novo bad boy e o vagabundo. Desde há um ano que o hotel deixou de aceitar residentes de longa duração, o que tem um impacto neste “caldeirão de cultura”.

 

Poderia trabalhar das nove às cinco? Como se tornou numa pessoa criativa?

Presumo que nove às cinco seja trabalhar para uma companhia, coisa que nunca fiz. Sempre trabalhei como freelancer. No meu próprio trabalho não tenho horários e os dias acabam por ser bem mais longos. Não penso que uma pessoa se torne criativa. A criatividade e a necessidade de mostrar o trabalho fazem parte da própria identidade e de uma maneira de encarar o mundo e de viver nele.

 

Que impacto teve NY na sua actividade criativa? Pode falar do encontro com a cidade?

Foi fascinante. Cheguei em 1980 e fui viver para o East Village, na altura o centro de uma nova visão artística que passava pela música, performance, pintura e moda. Era excitante sair à rua e assistir ao espectáculo diário duma cidade em plena ebulição. À noite, os clubes eram grandes catalisadores para a energia de uma nova geração. Tudo parecia possível.

 

As imagens dos famosos habitantes do Chelsea Hotel são retratos de personagens: excêntricos, singulares, fascinantes. São também pessoas de todos os dias, normais e previsíveis?

Os vizinhos que eu fotografava, apesar de terem um ar extravagante, eram pessoas tão normais quanto o resto. Sempre tive mais receio dos alucinados que se comportam como gente normal e que se chocam com as excentricidades previsíveis.

 

As suas imagens têm duas vertentes: os retratos e a paisagem. O que é que procura quando fotografa pessoas? Registar o lado documental - por exemplo, o trabalho sobre os 15 anos no Chelsea Hotel? Capturar a alma, o génio, a singularidade daquele que tem pela frente?

Os retratos e a paisagem e naturezas mortas (que tenho vindo a fazer) têm um lado subjectivo. Há uma escolha (de enquadramento, de luzes, de composição) que tem como finalidade criar um ambiente específico: um momento que transmite uma ideia. No caso do Hotel, os retratos contam a história de um colectivo complexo, com várias sub-realidades, que funciona com as suas próprias regras. Nas naturezas mortas há um trabalho sobre a ideia da ausência que pode ter contornos ligados à solidão.

 

A solidão, a dependência, o sexo são temas fulcrais nas vidas das pessoas que habitam o Chelsea Hotel? Parecem, muitas vezes, uma condição de um certo desequilíbrio sem o qual não se pode criar... Concorda?

Não, não concordo. O desequilíbrio não é sinónimo do criativo. O sindroma Van Gogh, no meu entender, tem sido explorado demais. Cortar a orelha não implica ser-se génio. A solidão, a dependência etc., fazem parte da vida humana, sobretudo em grandes centros urbanos. No Hotel diria mesmo que é o oposto. Há uma verdadeira comunidade de entreajuda dentro do prédio. O lobby é um verdadeiro salão onde as pessoas se encontram e ficam nas poltronas à conversa. O anonimato funciona como uma escolha e não forçosamente como sinal de desespero. O colectivo não é repressivo e tem uma dinâmica humanista.

 

Vive há muitos anos no quarto onde Arthur C. Clark escreveu 2001, que daria origem ao filme de Kubrick. Como é o seu quarto? E como era o quarto da sua infância?

Quando me mudei para o quarto/apartamento 1008, ele estava decorado com o mau gosto típico de certos quartos de hotel. Livrei-me de tudo e criei um espaço à minha medida com paredes de várias cores e o conforto necessário para quem passa bastante tempo em casa a trabalhar. O quarto da minha infância era espaçoso; decorado com um papel de parede de pequenas flores cor de rosa em fundo branco, com janela e porta para uma varanda, com vista sobre o jardim e o mar ao longe. O quarto era dividido com a minha irmã.

 

 

Publicado originalmente na revista LA Mag em 2008. 

 

Sara Maia

02.11.14

Sara Maia é pintora. 

Nasceu em 1974. Formou-se em artes plásticas no Ar.Co. Vive e trabalha em Lisboa. 

Mais informação no site http://saramaiapaintings.wix.com.  
 
Esta entrevista acompanhou a exposição da artista na Sala do Veado, em 2007. 
  
 
 
Estes quadros foram produzidos no espaço de um ano. Há um salto enorme em relação à fase anterior, cuja representação era mais profusa, dispersa, de uma diferente complexidade. As alterações são temáticas e formais.

Há uma concentração nestes quadros que não havia nos anteriores. Estão mais directamente relacionados com o que se passa na minha vida. Mais próximos daquilo que sou, e, nesse sentido, menos velados, menos codificados.

 

Parece, justamente, que desvela o assunto e que avança straight to the point. Esse processo foi deliberado?

Foi acontecendo. Talvez por estar neste momento mais concentrada, e até mais encontrada, comigo própria. Não é preciso conhecer a minha biografia para compreender o enredo destes quadros. Mas a vida está intrinsecamente ligada ao trabalho e ao resultado do trabalho.

 

N’ O Colo, o primeiro a ser pintado, anuncia-se já uma ruptura. Todavia, as criaturas são ainda metamorfoseadas – processo constante nas séries de anos anteriores. Trata-se de uma sereia e de uma cauda feita com a espuma do mar? Ou é uma cauda feita de véu de casamento? São dois homens? E isso interessa?

Não interessa saber exactamente o que lá está. Interessa que diga alguma coisa às pessoas e fale com elas. Penso que esta é a imagem mais clara de toda esta série. O Colo fala de um apoio afectivo. Um deles já não tem pernas e está coberto por um véu rendilhado, muito delicado. Pode ser uma cauda de noiva, ou de sereia... Mas é um modo de tornar visível a sua fragilidade, e o requinte com que precisa de ser cuidado. O outro tem um pé entrapado, pelo que não se move com agilidade. Ou seja, um não sobrevive sem o outro, ou corre o risco de ficar amputado, e ambos se sentem constrangidos nessa dependência.

 

O carácter híbrido destas figuras – que são elas? – instala-nos num mundo original, e surreal. De algum modo, sente-se devedora de uma herança Surrealista?

Não, acho que não. O Surrealismo remete para o sonho; e, ainda que as minhas personagens não sejam humanas strict sense, é abordando aquilo que é mais íntimo, e onde não há limites ou regras, que sou mais livre; logo, é uma realidade mais próxima, mais perto do que sou

 

É por parecer uma sereia que me reporta às criaturas das fases anteriores, em que a carne está estilhaçada, em transformação. São criaturas mitológicas. Talvez exprimam o que sentimos, mas não são pessoas como nós.

Mas quando as faço, penso que são pessoas como nós. Talvez porque lhes atribua sentimentos que se possam ver, materializar. Seja pela amputação ou pela construção do corpo, ou pelo véu que é frágil. E é nesse diálogo comigo própria que posso acabar por dialogar com outras pessoas, criando uma espécie de metáforas daquilo que sinto.

 

Se se fizer um buraco na carne (que é, por acaso, uma imagem recorrente nos seus quadros), espreitando, o que é que se pode ver no interior? Além das vísceras, claro.

Mas raramente existem vísceras, se exceptuarmos a Rainha em Campânula de Vidro, onde as minhocas saem alegremente dos buracos... Mas são continuação de vida, expressão de vida. Na Santa das Garrafinhas, onde há um buraco, é como se a carne ficasse transparente e pudéssemos ver o interior... A Santa faz-me lembrar uma fonte e um relicário. Na minha infância tinha relicários em casa. Abria-se uma portinha e dentro punha-se uma vela... Na iconografia religiosa, também há estas campânulas, onde estão os santos. Talvez isto tudo esteja ligado.

 

A campânula remete-nos, a começar pelo título, para a obra de Sylvia Plath. O romance homónimo descreve a asfixia da escritora, num mundo irrespirável, sem canais de comunicação. Suicidou-se, como é sabido, abrindo o gás da cozinha. No seu quadro, a figura está em pleno processo de transformação. A campânula pode ser um casulo?

É uma transformação, sim. E pode ter sido uma espécie de casulo que serve enquanto se precisa de protecção. A Rainha em Campânula de Vidro fala das finas barreiras de vidro que criamos para nos protegermos. Se foram defesas, por um tempo, passado outro tempo transformam-se em barreiras: acabam por tirar o ar. Em vez de protegerem, passam a ser entraves. É como uma planta que cresce numa estufa: se cresce demais, não tem espaço e sente-se sufocada. Aqui, o canal que ela encontra é crescer e transformar-se.

 

Neste quadro há uma referência aos relicários, mas são outros os quadros mais explicitamente “religiosos”. A Santa das Garrafinhas resulta numa crucificação. O Colo e o Retrato com Pai e Mãe são Pietàs alternativas.

Não estou próxima da religião, mas sim da iconografia religiosa. Cresci numa família muito católica, rodeada por toda essa simbologia. Não me ocorreu fazer uma crucificação, até porque, do que me lembro, na História de Arte não há mulheres crucificadas. Pensei que a Santa podia chorar sem lágrimas, como algo contido. Então, há choro nas nuvens e no líquido que escorre para dentro das garrafinhas. A Santa é uma espécie de fonte que enche garrafinhas. É quase uma arqueologia da dor, guardar as lágrimas dentro de garrafas.

 

Mas uma garrafa, entornada, está cheia de sangue... Lágrimas de sangue?

E por que não vinho? Os braços são de pau, não há mãos, mas há flores e uma transformação constante. A garrafa de vinho é a celebração dessa transformação.

 

A Rainha está amputada. Parece saída do “Freaks”, um filme de que tanto gosta. Também faz lembrar os estropiados do Portugal de antigamente, que não tinham pernas e se arrastavam numa base de madeira com rodas. Mas consegue encontrar para todas estas figuras um prenúncio de vida nova... Nem que seja nas flores, que despontam no tronco onde a Santa está pregada...

O filme “Freaks” foi feito a pensar numa crítica feroz ao universo hipócrita de Hollywood e é um conto de fadas para adultos. Todos estes filmes, que comecei a ver muito pequena permitiram libertar-me da representação da menina engomadinha que esperavam que eu fosse e quebravam com um certo verniz das aparências. Quanto à Santa, ela não está pregada, tem um tubo por onde escorre o líquido das garrafas. E é como se estivesse em cima de umas nuvens muito recortadas – umas “nuvens de papel”. Há vida nas flores, ou na água que corre. E há um espaço no peito dela, onde falta um coração. Mas a mim, o que me interessa é a parte humana, cada vez mais, e não a aberração ou o fenómeno. Atrai-me dar uma imagem ao indizível, que se traduz no corpo e nas tensões deste mesmo.

 

Esse espaço assemelha-se a uma vagina. Esta referência ao genital feminino surge, novamente, nas costas da mulher do quadro A Boa Filha. É uma associação consciente: o sexo e o coração serem lugar de uma mesma coisa?

Na realidade nunca tinha pensado nisso, pensei sempre naquele espaço como um altar ou um relicário à espera de ser preenchido. Mas sim, pode associar-se ao sexo, que para mim está sempre ligado ao afecto. Embora, n’ A Boa Filha não seja bem a mesma coisa. É uma sugestão e aparece no vestido de uma Mãe que se afasta.

 

Há uma cena de incesto sugerida nesse quadro. O homem, de apresentação grotesca, insidiosamente põe a mão sobre o seio da filha. E a mulher, voluptuosa, de cabelo hipnótico, afasta-se e não vê, ou prefere não ver.

É uma história. A de uma filha cega. São as melhores! (risos) Porque não vêem e não contam! Não causam tumultos. A Boa Filha está em cima de um banquinho onde tenta ficar à altura dos adultos, nomeadamente do Pai. Ela está cega porque está concentrada nela própria, virada para ela – é uma forma de se proteger. E também de chamar a atenção dos outros. Édipo furou os olhos depois de ter dormido com a Mãe.

 

Se não vê o que tem à volta, só existe o mundo que há dentro dela?

De alguma forma, sim. Sofre de uma cegueira voluntária. Por ser cega, torna-se mais atenta ao que sente, confinada a ela própria; e a escuridão dá-lhe clareza. Convive assim com o que a rodeia.

 

Nos quadros da segunda metade do ano (para apontá-los cronologicamente), a violência, que é imensa, não explode na carne. Não há vestígios de metamorfoses ou de uma abordagem surrealista. A violência está implícita nas relações que as personagens têm entre si.

Há uma diferença em relação ao que vinha fazendo. Nestes quadros falo mais de mim própria, é o que conheço mais de perto, e só posso falar do que conheço. Nestes quadros há seres mais inteiros. Há uma certa...

 

Perversão?

Sim. Há uma tensão latente, uma violência relacional. Não há explosões, ou lutas. Há relações de poder, mas não tão evidentes quanto em quadros anteriores. Pode dizer-se que, não sendo claras, são mais ambíguas. Se existe perversão, não é deliberada.

 

A Fingida transporta-nos para o cinema, nomeadamente para Buñuel (“Belle de Jour”, “Tristana”, “Veridiana”...). É um estranho cenário onde um homem pomposamente vestido, tenta, qual príncipe, enfiar um sapatinho no pé da sua princesa.

N’ A Fingida há uma morte encenada. Uma morte encenada é uma coisa risível! Ela é uma Cinderela transviada, que tem entre as mãos um terçozito à laia de amuleto, e está de olhos bem abertos na esperança que lhe calcem o sapato. Todo o cenário de luto é um fingimento: as velas estão apagadas, as flores são de plástico. A Fingida fala de desejo, e de expectativa em relação ao outro. O sapatinho pode não caber, o pé inchou, provavelmente! Há um lado cerimonioso no homem que lho calça, e um desejo de que o sapato seja calçado... Mas é o momento antes de isso acontecer.

 

As mulheres são mais fragilizadas, ou mesmo vítimas, nestas narrativas?

Não, de todo. Dou sempre a hipótese de as leituras serem múltiplas. Gosto dessa ambiguidade. N’ A Ceia, ela ainda não engoliu o pedaço que está no garfo. Procuro um momento de tensão, e não um já consumado.

 

N’ A Ceia não percebemos se está a falar de um aborto ou de uma relação alimentícia. Está presente noutros quadros a ideia de um amor alimentício, nomeadamente no Retrato com Pai e Mãe.

N’ O Retrato há esse amor alimentício, mas há também uma inversão de papéis – seja pela velhice ou pela dependência. Como se bebessemos todos um pouco uns dos outros. Dar de mamar é um acto imensamente íntimo. Está ligado à sobrevivência e à perpetuação da espécie; mas neste caso está invertido. Há uma filha que, compenetradamente, dá de mamar a uns Pais jovens. Está de olhos fechados, como se, assim, transmitisse o lado sacrificial da maternidade.

 

N’ A Ceia, a alimentação é de tipo bem diferente. No prato há um feto em miniatura, e no garfo um coração.

E se não for um coração? Pode ser... Mas não tem de todo a ver com o aborto. Este quadro trata dos rituais de repetição, de um mimetismo passado de pais para filhos. Está presente na mitologia, quando Cronos come os seus filhos para não ser ultrapassado por estes. E também nos contos infantis, onde os Ogres engolem as criancinhas. Mas é uma cena familiar, apresentada como um jantar romântico e confortável!

 

As crianças têm medo de ser engolidas pelo Bicho Papão. O medo e o exorcismo do medo são indissociáveis desta série de quadros?

Absolutamente. O terror sem rosto é o pior. Ao dar-lhes uma correspondência, uma imagem, é, de certo modo, como se me risse desse medo...

 

Num outro quadro, é uma criança, e não um lobo, que veste a pele de cordeiro... Diverte-se a subverter as regras instituídas, a desmontá-las?

Sim, diverte-me desmontar o instituído. A ovelha negra é representada por uma criança negra. Não é uma imagem política, e muito menos racista. Ovelha Negra em Pele de Cordeiro Branco é um (semi) auto-retrato onde falo da dificuldade em exteriorizar a agressividade. É algo que está intimamente ligado à sobrevivência, e que, bem canalizada, é vital. Mas a necessidade de ser amado faz com que se criem capas de cordeiro..., mesmo que o pêlo seja acrílico. 

 

A farsa, o grotesco, a violência sobrepõem-se a ado burlesco e fantasmagórico que predominava em anos anteriores. Porque é que chamou a esta exposição Dog’s Sleep?

A expressão idiomática inglesa Dog’s Sleep pressupõe uma mise en scène... O título “O Sono do Cão” refere-se ainda ao facto de os cães dormirem em vigília, num permanente estado de alerta. O cão é um animal doméstico, carente, dependente, que assume sentimentos próximos do ser humano. Tem uma sensibilidade apurada, orelha atenta, olfacto sagaz..., por isso recaiu sobre ele a minha escolha.

 

Nesta série, a cor explode completamente. Mas nem por isso deixa de desenhar. Na exposição, promove um diálogo entre a pintura e o desenho, apresentando, a tinta da China, variações das estórias contadas nestes quadros... É uma espécie de escrita desenhada?

Desenhar é em mim uma pulsão. É, e será, sempre fundamental em qualquer coisa que eu faça. Mas gosto muito de explorar as pontencialidades da cor, e de acompanhar, deste modo, a gradação dos sentimentos. A escolha da cor não é evidente. Vai surgindo, por camadas, por tentativas. Mas as emoções, essas também formam um espectro enormíssimo, e, às vezes, contraditório.

 

 

Publicado originalmente no catálogo da exposição de Sara Maia na Sala do Veado, em Lisboa, em 2007.

 

 

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