Fátima Barros
Veste um fato de bom corte que a faz parecer uma advogada da série Boston Legal. Fátima Barros ri desta sugestão. Tem uma noção apurada do que implica ser a directora da Católica Lisbon School of Business and Economics. O que, evidentemente, contempla dar entrevistas nas quais se traça o perfil, sorrir de forma espontânea como se fosse fácil fazer tudo ao mesmo tempo (ou, pelo menos, possível), envolver os colegas que passam e assistem ao aparato das fotografias para que sintam que eles são parte do que ali acontece.
Não, ela não é individualista. Mas sim, foi ela que chegou ao topo. Que é um modo de dizer que pôs a Católica no Mapa.
Como? “É muito importante a qualidade e a dedicação dos professores. É muito importante a ligação às empresas, que traz para dentro da escola uma componente prática que é muito valorizada pelos alunos, e que ajuda à colocação no mercado de trabalho. Temos um número de empregabilidade altíssimo porque temos um departamento que se chama career service, de desenvolvimento de carreiras, que prepara os alunos para a sua inserção no mercado de trabalho.” A Católica integra pelo quinto ano consecutivo o ranking do Financial Times das melhores escolas de formação de executivos (45º lugar numa lista de 50), e aparece no quarto lugar no ranking de empregabilidade.
No princípio, Fátima Barros queria ser arqueóloga. Antes de a entrevista começar, a assistente chega com água e café. Pousa sobre a mesa um cartão que diz que ela é Dean da CLSBE.
… estava a dizer que esta entrevista é para si mais arriscada. Pelo facto de ser uma entrevista pessoal?
Não é arriscada, é mais difícil. No dia-a-dia, estou com o meu chapéu de directora da Católica Lisbon [School of Business and Economics]. Estou preparada para falar sobre o que fazemos, sobre os nossos sucessos, as nossas dificuldades. Não estou preparada para falar de mim.
Esbarrei num muro de artigos sobre a directora da Católica Lisbon. Não sei sequer em que ano nasceu.
Nasci em 1963. Tenho 47 anos.
A informação sobre si de que disponho resume-se ao doutoramento em Lovaina, a passagem pela London School of Economics (LSE), os pontos curriculares mais marcantes. Queria conhecer a mulher que tem este percurso.
Nasci em Castelo Branco. Sou uma mulher da Beira, como gosto de dizer. Vivi até aos nove anos nas Termas de Monfortinho.
Come-se aí bela caça.
Estudei em colégios internos, porque para se ter acesso a uma boa educação, nas zonas do interior do país, não havia outra solução. Tive que ganhar uma certa autonomia cedo. Fiz o meu percurso, em Abrantes, em Castelo Branco, em colégio de religiosas, internos. Vim para a Universidade Católica quando tinha 17 anos.
O que fazia o seu pai?
Era natural de Castelo Branco. Geria a Companhia das Águas da Fonte Santa, todo o complexo hoteleiro e de águas minerais.
Era formado em Gestão?
Não, tinha o liceu.
Mas fez-se.
Completamente. Foi uma pessoa com uma vida difícil. Perdeu o pai muito cedo, quando tinha 18 anos. Era o mais velho de cinco irmãos, teve que trabalhar.
Segue o seu percurso?
Não, morreu tinha eu 25 anos, estava em Inglaterra.
Dê-me o quadro familiar para perceber porque é que não é estranho que tenham ido para colégios internos estudar.
Os primos, os netos, fizemos todos o mesmo percurso. Eu tinha uma expectativa extraordinária do que era um colégio interno, lia os livros da Enid Blyton. Mas não foi fácil. Três filhos a estudar fora, uma educação privada, com internato. Foi claro desde o início que era o melhor investimento que podiam fazer para nós. E foi, de facto.
Mas não havia qualquer indicador de que estavam a formar e a investir numa futura líder. O que é que se dizia, o que é que se pensava?
A minha mãe ainda era viva quando assumi estas funções. Creio que para ela, que acompanhou o meu percurso, não foi estranho. O meu pai, não sei o que é que pensava. Quando decidi sair de Portugal, quando tinha 24 anos, para fazer o doutoramento, já isso era uma ruptura, uma aventura. Eu própria não tinha a noção de que alguma vez ia ficar à frente da faculdade.
Se me perguntar o que é que pensei, desde miúda, pensei que queria fazer a diferença. A Madame Curie, por exemplo: tenho imensa pena de não ter sabido Química, de não ter gostado de Química. Foi alguém que conseguiu marcar a diferença. Eu li muito.
Era isso que a tomava, o desejo de ser como Madame Curie, como os protagonistas dos livros que lia?
Não sei explicar, mas sempre achei que queria fazer a diferença. Ter sido boa aluna ajudou a ter a noção de que podia chegar onde queria. Mas as coisas foram sempre acontecendo, nunca planeei.
Estamos a falar de coisas que são essenciais à liderança, que são fundamentais para os vossos alunos: como é que se ensina a fazer a diferença, a ser um líder motivado e motivador das suas equipas? Estou a pensar nisto a partir de si.
Eu era uma académica que dava aulas e fazia investigação. Quando fui convidada para ser directora da Católica [CLSBE], não estava nada à espera. Quando comecei a estudar Economia talvez tenha pensado que um dia gostava de trabalhar numa empresa, e que gostava de nessa empresa ter responsabilidades. Nunca gostei de planear o futuro, gosto de ser surpreendida.
É preciso conforto e confiança para gostar disso, para lidar com o imprevisto.
Não queria ter problemas financeiros, preocupar-me se no final do mês o ordenado ia chegar ou não. Não tendo esse sobressalto, tudo o resto aconteceu sem ser planeado.
Vamos voltar à menina que foi para colégios internos.
A menina que se portava mal [riso].
Tem um ar tão bem comportado que não consigo pensar que alguma vez foi destravada.
Fazia muitas partidas. As nossas tropelias eram muito infantis e inocentes, mas demos algum trabalho.
Como é que aquilo a marcou? É diferente estar num colégio interno, é uma forma de socialização diferente, de integração num grupo.
Habituei-me a viver em comunidade. Quando me tornei directora das licenciaturas, em 2001, que foi a minha primeira experiência de gestão, criei o Fim-de-semana do Caloiro, que hoje é uma instituição. Resolvi organizar um fim-de-semana na Serra da Estrela em que os alunos convivem uns com os outros. (Adoro passear na montanha. Ir para os Alpes no Verão, com a família. Este ano fizemos o tour do Mont Blanc, sete dias de mochila às costas, da França para a Suíça, da Suíça para a Itália.) Dormem em camaratas, fazem actividades desportivas em conjunto, e isso cria um laço entre eles. É completamente diferente ver este grupo na sexta-feira e vê-los na segunda-feira. Tento transmitir-lhes duas coisas importantes: para a montanha ninguém vai sozinho, e na montanha o mais forte ajuda o mais fraco. É isso que quero que percebam. Durante a vida de universidade, vão ter que trabalhar em conjunto, e os mais fortes vão ajudar os mais fracos.
Foi para o colégio com que idade?
Fizemos a primária em Monfortinho. Tínhamos uma escola primária onde estavam todas as crianças da povoação, algumas com dificuldades muito grandes, económicas. Talvez na altura não tivesse tanta consciência, mas havia uma diferença de tratamento.
Era a filha do senhor director.
Exactamente.
Qual foi a primeira coisa que conquistou pelos seus méritos?
Foi ter boas notas e o meu avô dizer aos amigos, muito feliz: “Ela é melhor que os rapazes”. Foi o melhor elogio que tive na vida.
O seu avô diria hoje: “Ela é melhor que os professores homens”. A verdade é que durante muito tempo teve que lidar com a circunstância de ser uma ela entre muitos eles.
Mas fui sempre bem tratada. Senti mais o facto de ser mais nova que a maior parte dos meus colegas, do que o facto de ser mulher. Ser mulher nunca foi um factor que sentisse que pesava.
No dia em que falamos foi conhecido o Nobel da Economia.
Muito poucas mulheres foram galardoadas. Isto quer dizer qualquer coisa.
Muitas das economistas que estão hoje no topo têm uma vida pessoal bastante singular. Raramente tiveram uma família.
E isso é regra.
Infelizmente é regra. É um ambiente competitivo onde a dedicação tem que ser grande. Torna-se difícil na altura em que é preciso escolher. E já sabe o que é que as mulheres escolhem.
Gostava de voltar ao comentário do seu avô e perguntar se foi educada para ser uma igual.
Não havia razão para se esperar que um rapaz fosse mais longe ou tivesse mais sucesso. Sempre recebemos os maiores incentivos, para ir o mais longe possível. Mesmo no colégio de freiras, extremamente conservador, nunca senti que estávamos a ser educadas para ser donas de casa, e não para ser profissionais de sucesso. Lembro-me de a minha avó ter algum desgosto de não fazermos croché [riso].
Como é que eram as mulheres da sua família?
Eram mulheres com muita garra. Se for ver a minha irmã, a minha prima, vai encontrar profissionais de sucesso. O meu pai teve uma doença prolongada, um cancro, e a minha mãe foi a força motora. Se o meu pai sobreviveu dez anos foi graças a ela, os médicos nunca lhe deram tanta esperança de vida. Imagino o que deve ter sido para a minha mãe a incerteza; como é que ia criar, educar três filhos, que tinham de ir para a universidade? Felizmente o meu pai sobreviveu até ao meu doutoramento, e a minha irmã mais nova estava na faculdade, já avançada.
Nunca viu a sua mãe baixar os braços? A vulnerabilidade dela era qual?
Fisicamente era muito doente. Tinha uma doença reumática, deve ter tido dores horrorosas, e nunca demonstrou isso. Depois de o meu pai falecer foi-se abaixo. Foi a grande quebra. Mas depois vieram os netos.
Quando é que baixou os braços no seu percurso?
Isso nunca senti. Há sempre batalhas para lutar. O ano em que o meu pai faleceu, o ano em que vivi em Londres, foi muito difícil para mim. Partilhava um quarto com uma colega, e nem sequer tinha um momento para estar sozinha. Da saída do metro até casa, chorava. [comove-se] Ao fim destes anos todos, ainda fico desta maneira.
Estava a fazer o seu luto.
Estava numa das melhores universidades do mundo, tinha tudo à minha frente, mas foi um ano muito triste.
Temos uma evidência, que não é baseada em estudos, que nos indica que muitas vezes os melhores alunos do curso, aqueles que se destacam, têm no seu passado uma história de perda do pai ou da mãe. Há uma orfandade que os leva a ganhar uma maturidade mais cedo, a combater mais.
Sente que envelheceu de um dia para o outro com a perda dos seus pais?
Sim. Sofre-se uma amputação.
Isso dá uma tenacidade diferente. E aprende-se a lidar com a adversidade de uma maneira diferente. O que é importante, depois, na maneira como se está profissionalmente.
Creio que sim. E aprende-se a aproveitar muito os momentos que são bons, e a relativizar os problemas.
Permite-se emocionar-se porque na sua geração as mulheres já podem ser líderes e sensíveis ao mesmo tempo? Já não têm de ser damas de ferro?
Absolutamente. Já chorei à frente dos meus colegas. Não de todos, de alguns. Chorei de raiva, mais do que de outra coisa. Costumava dizer assim: “A grande vantagem dos homens é que não choram”.
Mas é verdade ou não que as mulheres já têm permissão para se emocionarem sem serem olhadas de viés?
Hoje as mulheres não precisam de ter uma carapaça de agressividade para desempenhar funções de liderança. A Dama de Ferro, como era conhecida a Margaret Thatcher, precisava dessa agressividade para sobreviver num mundo que é tipicamente masculino. Não sinto nem nunca senti isso. Pelo contrário, até sou uma pessoa pouco agressiva. O que não quer dizer que em certos momentos não tenha também que adoptar uma posição mais firme.
Usou o cabelo curto. Perguntei-me se precisaria de mostrar um visual mais tipicamente executivo, com blazer, apagando traços de feminilidade que desviam a atenção da competência pura e dura.
Toda a vida tive o cabelo curto. O meu marido gostava muito de me ver com o cabelo curto. O que é que mudou com o facto de ser executiva? Alguns quilos a mais. A instituição que represento exige uma certa apresentação, do blazer ao cabelo.
A Católica, no fundo, mantém-na num ambiente relativamente fechado. Nunca esteve numa escola ou numa universidade pública, num ambiente marcadamente heterogéneo.
Estive. Formei-me na Católica, fiz o mestrado na Universidade Nova. Lovaina, apesar de ser a universidade Católica, tem todas as características de uma universidade pública na Bélgica. E a London School of Economics é uma escola pública. Pode dizer-me que são escolas de uma elite intelectual, sem dúvida. Mas repare que tínhamos meios sócio-económicos muito diversificados.
Tendemos a entrevistar as pessoas quando estão na sua fase madura, mas é preciso perceber que percurso fizeram até chegar onde as encontramos. Que coisas marcaram os seus anos formativos?
O mais importante foi uma certa orientação. A minha professora de francês deu-me um livro para ler, o Cem Anos de Solidão. Pouca gente conhecia esse livro.
Achei que ela lhe ia dar a Simone de Beauvoir, Memórias de Uma Menina Bem Comportada, título irónico para a mãe do feminismo.
Há alturas em que se lê Sartre, os Existencialistas e por aí fora, mas o García Márquez é que foi diferente naquela fase minha vida. Mais tarde, a passagem por Lovaina deu-me uma diversidade multicultural, muito enriquecedora. Talvez seja uma das razões pelas quais motivo estes jovens a sair de Portugal.
É uma das suas frases que fazem títulos. Quando todos falam da fixação de talentos, fala da importância de terem uma experiência internacional.
Tendo livros à sua volta, tem abertura para o mundo. Mas há no português um grande provincianismo, mesmo hoje. Somos poucos, conhecemo-nos todos. As pessoas neste país valem pelo nome que têm, pela família de onde vêm, pelos sinais que ostentam. Quando saímos para fora de Portugal somos confrontados connosco próprios.
E com o mérito, nosso e alheio.
Valemos apenas pelo que somos e pelo que fazemos. Aprendi sobretudo a humildade. Em Portugal estávamos num ambiente privilegiado, no sentido em que éramos a franja educada da população.
Uns happy few.
Muito poucos e com muitos privilégios. Ser licenciado ainda representava um certo privilégio. Ouvi de um professor extraordinário, na Bélgica (que todos os anos é um dos candidatos ao Prémio Nobel), que éramos uns privilegiados por termos tido a possibilidade de estudar; e que em vez da arrogância, porque éramos mais educados do que outros, devíamos ter a humildade de reconhecer que a sociedade tinha investido em nós. Foi uma mensagem importante e que gosto de recordar aos meus alunos.
Foi em Lovaina que começou a acreditar que ia longe?
Não, em Lovaina comecei a acreditar que os outros sabiam muito mais que eu. A sensação de que estava no meio de gente muito boa, de que ia ter que trabalhar muito para conseguir estar ao nível de todos... (Não havia Skype, não havia Internet, havia correio, o telefone era muito caro. Aquele que hoje é meu marido, na altura era meu namorado, e ficou cá. Encorajou-me imenso a partir e estivemos quase quatro anos separados, casando a meio.
Ouviu nessa altura o seu avô. Se era melhor do que os rapazes, porque é que havia de ficar?
Isso nunca teria aceite. Foi ele a encorajar que saísse. Já tinha uma grande experiência internacional. É italiano.
Ah! Estava a pensar que português seria esse que, há 20 anos, estimulava a mulher a sair do país, sem ele…
Já tinha vivido na Bélgica, não tinha grandes saudades de viver na Bélgica.)
Então, quando é que começou a acreditar que podia chegar onde quisesse?
Fazer um doutoramento é uma prova muito difícil, sobretudo há 20 anos. Escrever uma tese significa escrever um trabalho original, acreditar que vamos conseguir ser originais, e desenvolver isso. É um trabalho com momentos de grande frustração, em que todo o trabalho de dias vai para ao caixote do lixo. E é preciso recomeçar. Tinha dias em que achava que a minha vida era uma miséria [riso]. Fui dando um passo de cada vez.
Há um desenvolvimento pessoal fantástico. Em Lovaina, não sei com quantos Prémios Nobel me cruzei – quando se tem 24 anos, é um deslumbramento. Era um ambiente muito democrático entre professores, secretárias, alunos de doutoramento, o que tem influência na pessoa que sou hoje. As hierarquias existiam, mas não eram estanques. Ninguém se importava com o que o outro vestia, qual era a história que trazia. Tínhamos um objectivo comum: chegar ao fim.
Vou fazer novamente a pergunta. Quando é que acreditou que podia chegar longe? Estou a perguntar por uma injecção de confiança que a faz perceber que fazia a diferença.
Quando defendi a tese fiquei felicíssima. Quantas mulheres tinham doutoramento em Economia em Portugal? Pouquíssimas. Quando volto para Portugal sinto-me uma pessoa que já fez uma coisa extraordinária. Que já fez qualquer coisa de diferente. E depois tudo são pequenas conquistas. Quando começamos a conseguir publicar os nossos trabalhos internacionalmente, cada uma dessas publicações é um feito.
Uma pergunta muito americana: “What makes you run?”. Para algumas pessoas é o dinheiro, para outras é o prestígio, o reconhecimento. No seu caso não foi o dinheiro, ou teria ido para as empresas.
Quando vim para a universidade, não foi o dinheiro [que me fez optar], mas o salário era muito competitivo em relação ao que se pagava no mercado. Ganhava 90 contos. Era muito bom para alguém que estava a começar. Ser assistente, que era muito prestigiante, dava-me uma liberdade enorme. Foi durante esses dois anos que decidi que queria sair, e a maneira era fazer o doutoramento. Os Estados Unidos não foram uma opção; era longe, o meu pai estava doente, o meu namorado estava em Lisboa.
A vida pessoal a intrometer-se nas decisões.
Sem dúvida. Quando emigrei, a Universidade Católica apoiou o meu doutoramento. Meu e dos meus colegas – pagava o nosso ordenado de assistente. Em Lovaina, partilhava um apartamento, não vivia em condições de luxo, mas vivia razoavelmente. Em Londres, o custo de vida é altíssimo, o escudo desvalorizava todos os meses, e cheguei a levar sandes para a universidade porque comer na cantina era demasiado caro. Nesse mesmo ano ganhei uma bolsa da Comissão Europeia, e aí fiquei rica!, tão rica quanto um estudante de doutoramento pode ser. Fiquei com condições para viver sem preocupações.
E o catolicismo era um lar? No sentido em que há sempre esse ambiente em que é educada, e que investe em si. Primeiro é um investimento dos seus pais, quando a põem em colégios internos com religiosas. Depois, da Universidade Católica.
O mais importante, em cada instituição em que estive, é a existência de um quadro de valores de referência. Em Lovaina isso sente-se menos, estamos num ambiente mais heterogéneo. Na LSE o ambiente é agnóstico. Na Bélgica ia muitas vezes à igreja quando sentia solidão, à procura da tal área de conforto.
Estava a pensar o que seria a sua carreira, e também a pessoa que é, se não fosse essa espécie de casa em que sempre se reconhece – o ambiente católico.
Não sei se teria sido muito diferente. A minha mãe era muito católica, o meu pai não tanto. Os colégios acentuaram isso. Nem sempre de uma forma positiva. Mas essa dimensão continua a ser importante. E todos precisamos, não necessariamente do catolicismo, mas de um quadro de referência.
No princípio estávamos a falar do que faz uma pessoa líder. Quais são as suas características pessoais e profissionais que fazem de si líder (além deste percurso que já detalhámos)?
Nunca quis ser chefe de turma. Sempre vi as pessoas que queriam ser líderes como as pessoas que na escola queriam ser os chefes de turma. Talvez tenha tido, sem me aperceber disso, comportamentos de liderança, no sentido de influenciar os colegas, de querer mudar coisas. Sempre tive um sentimento muito forte contra a injustiça, no dia-a-dia, no colégio, no liceu. Sempre fiz coisas com entusiasmo e paixão. Encontro sempre uma forma de me motivar, recarregar energias, ganhar coragem de ir para a frente. Não sei se foi essa a característica que fez de mim uma líder.
A determinação?
Talvez. Sempre fiz tudo o que tinha para fazer o melhor que podia.
Quem é que nunca quis desiludir?
Certamente os meus pais. E hoje os meus filhos.
Tem dois filhos.
Um rapaz com 16 anos, o Vasco, e uma rapariga com 14 anos, a Laura.
Como é que consegue ser uma mulher casada, mãe de dois adolescentes, directora de uma das melhores escolas do mundo, viajar o tempo todo, e ainda ter tempo de escolher o pó-de-arroz certo?
Uma das minhas principais dificuldades em aceitar este cargo em 2004, e já vou no terceiro mandato, foi considerar que os meus filhos eram muito pequenos, e que deveria dar-lhes mais atenção. Quando o reitor me dizia que conseguia ir para casa às seis da tarde, sabia que não ia conseguir. Assim que me embrenhasse nisto as coisas iam tornar-se mais complicadas. Mas aceitei também porque fui muito encorajada pelo meu marido. Os miúdos eram pequenos, a minha mãe já estava doente (nos últimos tempos estava connosco), e tive que equilibrar várias coisas ao mesmo tempo. Mas quando olho para trás vejo uma filha que tem um orgulho enorme em eu ter as funções que tenho. O meu filho uma vez, pequenino ainda, fez um desenho com uma flor e disse: “Mãe, gosto de ti porque tu gostas de trabalhar”. Do lado deles há este reconhecimento, faço uma coisa de que gosto.
E que não é uma coisa qualquer.
Exactamente. O meu marido dá-lhes bastante apoio, há alturas do ano em que tem mais disponibilidade que eu. Por outro lado, quando não estou na faculdade, estou em casa. Sentem que estou presente. Apesar de às vezes estar a trabalhar, estou presente.
Há cinco anos que a Católica está nos rankings e é consensual que deu um grande salto consigo. Foi uma determinação sua, decidiu que a escola ia estar no ranking? Ou foi uma consequência de um trabalho que foi desenvolvendo?
O meu mérito é fazer o que os meus colegas me dizem para fazer.
Está a fazer género.
Não é. Nós somos uma equipa. Posso ser um bocadinho a força que empurra, o rosto da equipa, mas os resultados que conseguimos foram os resultados de um trabalho de equipa. Quando comecei, os meus antecessores já tinham feito um trabalho extraordinário, de preparar o terreno para aquilo que viríamos a fazer depois. Começámos a trabalhar nas acreditações internacionais, e todos nos incentivámos uns aos outros. A grande força desta escola é a união que existe entre as pessoas.
E a rivalidade com a Nova, também funciona como uma força motora?
Completamente. E para eles a mesma coisa. A rivalidade com a Nova é, para ambas as escolas, a chave do nosso sucesso. Se não competíssemos tão ferozmente não teríamos atingido as posições que atingimos hoje internacionalmente. É aquilo a que se chama os benefícios da concorrência.
Concorrência que é uma das suas áreas de estudo, desde o doutoramento.
Teoria de jogos – é o que usamos muito, e que nos ajuda a tentar antecipar o próximo movimento do nosso concorrente. Mas também somos parceiros [da Nova], temos um programa de doutoramento em conjunto.
É um número de equilibrismo entre a concorrência e a parceria.
É. E funciona bem, tem sido uma força de grande desenvolvimento para as escolas.
Com que impressão é que acha que as pessoas vão ficar depois de conhecerem esta Fátima Barros?
Muitas vezes estou a falar sem reflectir muito sobre o que estou a dizer. Não sei. Muita gente que me conhece, os meus colegas, conhece as minhas histórias. Fora da universidade, não sei se as pessoas terão interesse em saber. Tenho dificuldade em achar que alguém tem interesse em conhecer a minha vida, por isso é que é tão difícil falar dela.
Pessoalmente tinha interesse em saber como é que esta mulher, tão nova, tinha conquistado isto. O que é que a fez assim.
Uma das características que me têm ajudado em alguns dos sucessos que temos alcançado é que não tenho medo de falhar. Muitas vezes as decisões são arriscadas. Um bocadinho de loucura ou de coragem, não sei qual será mais forte... Mas não tenho medo de falhar. Tenho sempre a perspectiva do tentar. Não tenho medo de receber um “não”. No limite recebo um “não”, mas não sinto que isso seja uma derrota para mim. Essa é a grande diferença, por exemplo, entre os homens, que na sua tomada de decisão estão sempre em jogos de poder. Receber um “não” ou não conseguir atingir um determinado objectivo é visto como uma derrota pessoal. Posso sofrer, mas não vejo isso como uma derrota pessoal. E felizmente temos tentado e temos conseguido. Muitas vezes, isto falta em Portugal.
Monta. Como é que se chama a sua égua?
Princesa da Graciosa [riso]. Um nome muito pomposo.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2010