Quest. Natal - Joana Carneiro
Qual o presente que mais gostou de receber? A Pipi das Meias Altas, uma gravata Hermès, Dinky Toys? João Talone indicou um lanche com o Avô quando aprendeu a ler…
Não me lembro de um presente material de preferência… O melhor presente é estar com a minha Família no jantar de consoada. É o único dia do ano em que há a garantia de todos os irmãos (e respectivos) estarem juntos.
Alexandre, o Grande, disse a Diógenes Laércio que este lhe podia pedir o que quisesse… Mas o filósofo respondeu apenas: “Quero que saias da frente porque me tapas o sol…”. Se lhe fosse dado a escolher o que quisesse, o que seria? (Paz, Amor e Saúde não contam!!)
Paz, Amor e Saúde não contam... isso dificulta a resposta. Nesse caso, mais tempo com a minha Família.
Um Natal celebrado fora da família: compras para a ceia no mercado de Rialto, um passeio de gôndola ao cair da noite, o labirinto de ruas e canais por uma vez deserto. Poderia permitir-se esta ousadia?
Não digo radicalmente que não…, mas a verdade é que o Natal é sinónimo de Família. Um momento espiritualmente elevado passado com aqueles que mais significam para mim. Irei com entusiasmo ao mercado de Rialto em muitas outras alturas do ano.
Um Natal celebrado em Família: os ciúmes entre irmãos que confirmam Abel e Caim, a cobiça sexual da cunhada como num filme de Woody Allen, os familiares que cobram os divórcios e os fracassos com impiedade. O Natal pode ser uma interminável lista de horrores. Que horrores pode contar?
Horrores, até a data, felizmente nenhuns. No entanto, devo confessar que é uma altura conturbada: são muitas as ocasiões sociais que frequentamos e nem sempre é fácil manter o espírito que queremos.
Outro Natal celebrado em família: a cozinha cheia de aromas, a caminhada até à missa do Galo, a excitação das crianças e dos presentes. «A vulgaridade é um lar», dizia Pessoa… O que é que no Natal é para si um lar?
- O momento em que nos sentamos à mesa para jantar o delicioso bacalhau cozinhado pela minha Mãe.
- Ao longo das nossas vidas, a nossa Mãe sempre nos pediu para fazermos uma peça de Natal. Só muito mais tarde compreendi o seu objectivo: que oferecêssemos – os irmãos - qualquer coisa aos outros – restante Família. Lembrando em retrospectiva as várias performances, admito que foram momentos únicos, imagens de um verdadeiro Lar.
Maria de Lourdes Modesto gosta de fazer um bolo inglês para uma pessoa querida. Júlio Machado Vaz ofereceu uma página do seu diário a Eugénio de Andrade. Que presente gostaria de fazer com as suas mãos? Para oferecer a quem?
Infelizmente ainda não encontrei um talento assim. Invejo o facto de a minha Mãe fazer uma ginginha extraordinária que oferece no Natal; o facto de a minha irmã Teresa desenhar e pintar incrivelmente – por isso temos todos direito a receber o seu talento tantas vezes. Talvez não me importasse de ter a vocação e a capacidade de compôr música para oferecer à minha Família e amigos.
“Do céu caiu uma estrela”, de Capra, ou “Fanny e Alexander”, de Bergman? A Menina dos Fósforos ou os personagens de Dickens? Pai Natal ou Menino Jesus? Abrir os presentes depois da Ceia ou na manhã de 25?
“Do céu caiu uma estrela”, os personagens de Dickens, Menino Jesus, abrir presentes depois da Ceia com a minha Família e no dia 25 com a Família do meu marido.
No Natal, as crianças escrevem intermináveis listas de presentes que gostariam de receber. O que constava da última lista que escreveu?
Nunca escrevi uma lista. Se escrevesse, definitivamente pediria mais tempo.
“Entre por essa porta agora, e diga que me adora, você tem meia hora para mudar a minha vida”, canta Adriana Calcanhotto. Já esteve a pontos de mudar a sua vida em meia hora? E por acaso isso coincidiu com as Festas?
Sim, já pensei em mudar a minha vida muitas vezes em meia hora, num minuto até. Durante as Festas não penso tanto nisso: estou em família e esqueço com facilidade a minha outra vida.
O pior de começar o ano é: perceber que nada mudou? Ter de fazer uma dieta drástica para combater os estragos da saison? Perceber que a sogra, o rival e o medíocre continuam por perto?
Tenho uma sogra fantástica e quero muito que continue por perto durante muito tempo. Se tenho rivais, não os conheço e nunca penso negativamente no que me rodeia. A palavra “medíocre” não entra com frequência no meu vocabulário. Infelizmente, estou sempre a fazer dieta, por isso nada muda por começar o ano.
Ficar mais magro, deixar de fumar, inventar mais tempo para os filhos… As resoluções de Ano Novo entraram no anedotário universal! Já alguma vez cumpriu alguma? Quais são as fazíveis para 2008?
O meu Pai teve, há anos, a fantástica ideia de criar um quadro em que todos escrevemos os nossos objectivos, a curto, médio e longo prazo. A passagem de ano é a altura em que nos traz o dito ficheiro para recordarmos esse momento, reflectirmos onde estamos e para onde queremos ir, com muitas gargalhadas pelo meio – quando somos confrontados com a impossibilidade de certas ideias – e muitos sorrisos de satisfação – quando percebemos que realizámos muitos desses objectivos. A verdade é que já cumpri algumas dessas resoluções.
Para o ano novo vinha mesmo a calhar: um carro novo, um emprego novo, umas coxas novas, o Chico Buarque a morar no bairro, uma secretária parecida com a Laetitia Casta? Uma vida nova?
Uma vida nova, não. Tenho tido uma sorte extraordinária ao longo dos meus 31 anos; a Felicidade tem tocado com abundante generosidade a minha vida pessoal e profissional. Uma vida nova, não, mas mais atenta ao que realmente é importante para mim.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2007