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Anabela Mota Ribeiro

Jacinto Lucas Pires

11.11.15

Jacinto Lucas Pires escreve romances, contos, peças de teatro, filmes, música. O seu mais recente romance, “O verdadeiro ator”, venceu o Grande Prémio de Literatura DST 2013 e foi publicado nos EUA. Mantém o blogue “O que eu gosto de bombas de gasolina”.

 

“Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya”, de Jorge de Sena: “Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso. É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós”. O que deseja para os seus filhos, para o país, no novo ciclo que se anuncia?

Desejo um país onde a esperança não seja a palavra proibida, a palavra dos loucos, mas o terreno concreto de onde partem as ideias, as escolhas, a acção. Desejo um país com mais igualdade e mais abertura. Um país com voz europeia, onde o debate de ideias possa juntar outra vez paixão e seriedade, profundidade e clareza. Onde a representação política seja realmente a missão de honra de servir o bem-comum.

 

Acredita deveras que será um novo ciclo? Parecemos exauridos. Como encontrar/alimentar a garra dos dias inaugurais? Estamos atados no “a gente vai levando”, de uma canção brasileira?

Não é o gerúndio que nos ata. Acho que é antes uma forma de medo. Uma estranha forma, entre o “medo de existir” de José Gil e o “medo de ser feliz” de Fernando Mamede. Medo de sairmos de nós para desatar os nós. É notório que a austeridade que a coligação Passos-Portas-Troika impôs ao país tem tornado mais literal e mórbida a nossa famosa “saudade do futuro”.

 

Como? Pode falar mais do medo e do cansaço?

Como se o futuro estivesse morto e enterrado, e agora só nos pudéssemos preocupar com a mercearia… Esse cansaço tem muito a ver com a desesperança que se sente. Corremos, exauridos, e para onde? Como sabem os maratonistas, o melhor da maratona é chegar. Mas quem nos meteu neste corrida da austeridade não propõe sequer uma meta… No imediato, penso que pode haver um novo ciclo se, à esquerda, formos capazes de ver para além das diferenças — na busca de um novo “dia inaugural” para Portugal e para a Europa.

 

Como é que Portugal pode ser mais competitivo, crescer mais, acumular mais capital? O mais provável é que não haja resposta para isto. Mas isso é aceitar que somos um país que não se governa nem se deixa governar, como dizia Júlio César. Que emenda?

O discurso de que “não há alternativas” é que não é possível. Um país de inclusão e igualdade, onde todos sintam que “fazem parte”, é um país com muito mais hipóteses de pôr boas ideias a mexer, de conseguir crescimento, desenvolvimento e de estabelecer pontes eficazes com o mundo não europeu. A questão não se põe em termos de “acumular capital”, mas de como restabelecer laços de confiança entre as pessoas, como regenerar a democracia. Como construir uma ideia de país com pessoas dentro, em vez de números.

 

BES, PT: é possível compreender os últimos anos sem passar por esta ruína? O que é que ruiu ali?

Acho que isso é daquelas histórias que — mesmo depois de termos todos os movimentos contabilizados e explicados — só vamos mesmo perceber quando alguém escrever um romance a sério sobre o assunto. Uma coisa assim de fôlego, como o “Libra” de Don DeLillo.

 

Quais são os grandes desafios da próxima legislatura? Pagar a dívida, resolver o problema da justiça, dar alento ao quotidiano das pessoas? Outras prioridades?

São desafios grandes e graves. Primeiro, dar — nem é alento – uma visão do país que queremos ser, o Portugal para onde queremos caminhar. Depois há a questão de como resgatar a democracia na fase pós-PSD/PP: na educação, na saúde, na justiça, na cultura, e em geral na relação permanente dos representantes políticos com os seus representados. Por fim, encontrar uma voz nossa na Europa que possa, juntamente com outros países, mudar a União no sentido de uma maior democracia europeia — desde logo, lutando contra o absurdo que é ter uma união política onde é “inconstitucional” governar à esquerda.

 

Quer apostar em cenários?, vitórias, derrotas, coligações, protagonistas?

Como eleitor, apostarei na vitória da esquerda europeísta — contra os “merkelismos” e os “orgulhosamente sós”.

 

As palavras “empobrecimento” e “pobres” podem ser reconduzidas a uma disputa político-partidária. Mas a questão foi concreta na vida de muitas pessoas. Aprendeu a viver com menos?

Quem trabalha na área da cultura ou das artes, sabe que o que sempre foi difícil ficou ainda mais difícil nesta legislatura. Também sabemos que sem imaginação não há identidade, e que a imaginação é uma luta concreta e diária, e por isso não desarmamos. O país está mais pobre, sim. Não só porque há mais desemprego e mais pessoas a sofrer dificuldades económicas, mas também porque há menos tempo para o que interessa e porque vamos perdendo, colectivamente, a capacidade da esperança e a disponibilidade para olhar o outro como um de nós.

 

O afastamento da população em relação à política não é novidade. Exercer cargos públicos pode transformar-se numa nódoa, facilmente, no currículo de uma pessoa? Como fazer a renovação e reaproximar o cidadão da res publica?

Essa é uma questão complexa, que tem causas para lá da política. Há, no nosso tempo, nesta sociedade, uma tremenda falta de espírito de comunidade, um défice da ideia de pertença. As razões primeiras pelas quais as pessoas não vão ao teatro ou ao cinema não são muito diferentes das razões por que não vão a comícios ou até às urnas. Deixámos de saber estar em modo “cidade”, uns com os outros, de viver a vida ao vivo. Também a política se vai tornando um assunto “à la carte”, de gente cada vez mais fechada dentro do menu dos seus interesses específicos — como consumidores fechados nos auscultadores do seu portátil ou telemóvel — e cada vez menos disponível para o assunto do todo da sociedade (que é o que define a política).

Mas é verdade que, muitas vezes, as instituições não parecem ter como desígnio a res publica, essa “coisa comum”.

 

Pode explicitar?

Darmo-nos ao respeito não é escondermo-nos atrás de muitos degraus, burocracia, opacidade, aparelhismos. É estarmos disponíveis e procurarmos melhorar sempre. Claro que essa percepção também passa pela ideia essencial de que a democracia serve para alguma coisa: para uma mudança efectiva, para uma responsabilização efectiva.

 

O mundo não é o que era. Veja-se o que aconteceu na China, com a bolsa a provocar tremores de terra. Nos EUA há o aparente entretém Trump enquanto Obama faz grandes mexidas. Mais grave que tudo, a Europa a desmoronar-se? A crise de refugiados é um sintoma disso? 

A crise dos refugidos é uma nova dimensão da grande crise da Europa. Depois da terrível machadada na ideia de solidariedade e de união que foi a Alemanha pôr sobre a mesa de discussão europeia a saída de um país-membro do Euro, agora a questão põe-se sob a forma de muros, fronteiras fechadas e desculpas “pragmáticas” para atitudes xenófobas. Claro que, neste caso, o problema de fundo é a guerra na Síria. Mas o défice democrático na União Europeia é que está por trás da resposta fraca e a más horas perante crises de diferentes tipos.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em Setembro de 2015 

 

 

Paulo Cunha e Silva

11.11.15

Paulo Cunha e Silva é formado em Medicina. Entre outros cargos, foi director do Instituto das Artes e conselheiro cultural da embaixada de Portugal em Roma. É vereador da cultura na Câmara do Porto.

 

“Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo” – Fernando Pessoa. Pode falar-me de alguns dos sonhos do seu mundo? 

Não sei se o sonho comanda a vida ou se a vida comanda o sonho, talvez que a verdade se encontre no epicentro destas duas possibilidades. Mas não posso acreditar numa vida sem sonho, numa vida dedicada à gestão de um quotidiano determinista e causal. O sonho, mesmo que não se concretize, é o motor secreto da mudança. Um mundo sem sonho é um mundo condenado à sua previsibilidade e anomia. Sonhar é preciso, e é preciso perseguir o sonho, por mais inconcretizável que pareça.

 

O que se aprende nos livros, no cinema, na arte é muito diferente do que se aprende na vida?

Não encontro descontinuidade entre os livros, o cinema, a arte e a vida. Posso encontrar extensão, complementaridade. Nunca entendi a cultura como uma segunda natureza. A cultura é uma natureza expandida e estendida. Nesse sentido, o livro, a obra pode levar-nos a um lugar mais distante, a um ponto de observação simultaneamente mais lúcido e descontínuo – inspirador na capacidade que tem de nos provocar o espanto.

Frequentar e confrontar os territórios que a cultura nos propõe é munirmo-nos de novos instrumentos para encarar o mundo.

 

Há 40 anos tivemos um Verão Quente, com o país a rasgar-se. Que memórias tem desse tempo?

Nessa altura vivia em Braga. O meu pai era juiz e não sendo, obviamente, um opositor do regime, nem um manifesto antifascista, era alguém que olhava para a política e a sociedade com uma ironia tão crítica e desassombrada que lhe dava um estatuto de certa benevolência por parte de todas as forças políticas. Nunca esteve preso, não teve fugir, não foi saneado. Seria mais de direita do que de esquerda. Não tinha nenhuma medalha de mérito ou de demérito revolucionário para ostentar. Não terá gostado das minhas leituras marxistas aos 12 anos. Conta-se que num assomo de fúria me terá ameaçado de ser deserdado, não pela minha frequência de juventudes radicais, mas pelo universo literário da revolução que eu ia frequentando de uma forma crescente e visível.

Nesse ano, o que mais me marcou, porque o vi acontecer à minha frente e não na televisão, foi o assalto à sede do Partido Comunista (em Braga).

 

Que impacto teve esse episódio em si?

Nunca tinha assistido à violência a irromper à minha frente, como se houvesse uma espécie de fúria das multidões, uma acefalia do comportamento das massas que nunca tinha encontrado nos indivíduos. Nesse dia, eu que era de certa forma filho da prática da justiça e da administração que dela faziam os tribunais em nome do Estado, fiquei com medo da justiça popular. Fiquei com medo da cegueira da praça pública. E aprendi.

 

Também há 40 anos, o país recebeu 700 mil retornados, Angola, Moçambique e Cabo Verde tornaram-se independentes. O que é que acha que quer dizer de um país o facto de este ter acolhido sem convulsões sociais uma quantidade tão grande de pessoas?

Foi de facto uma gigantesca revolução silenciosa. A capacidade de um país incorporar em poucas semanas uma população externa que correspondia a quase 15% da sua população interna é surpreendente. É claro que nem tudo foi fácil. Lembro-me do estigma do “retornado” que se colava à pele do “outro” de uma forma muito desagradável.

 

Tem uma história pessoal ligada ao retorno que queira contar?

O meus avós maternos tinham investimentos em Angola, onde nasceram dois tios meus, mas nunca viveram de forma definitiva em Luanda. Com a descolonização, perderam os seus interesses lá. Mas viveram tranquilamente com os investimentos que tinham em Portugal. Todavia, o meu avô vivia numa nostalgia de recuperar o património, sobretudo imobiliário, que tinha ficado em Angola.

Ouvia falar num procurador que tinha tido instruções para vender tudo o que pudesse, mas que subitamente desapareceu sem deixar rasto... Memórias difusas de um tempo em que eu entrava na adolescência. Hoje lamento que não haja mais África na cultura portuguesa contemporânea. E com cultura também quero dizer política.

 

Acha o discurso: “Eles são todos iguais!” uma consequência do estado a que isto chegou? Ou considera que é grave e abre espaço a populismos?

Se fossem todos iguais mas também todos diferentes, a situação ainda passava. O problema é se são só mesmo “iguais”. Chamo a atenção para a configuração do “Eles”. O “Eles” são os outros, os maus, os corruptos. “Nós” somos os bons. Esta formulação é a evidência da fractura entre os políticos e a população. A afirmação é naturalmente populista, mas compete aos políticos criar condições para a sua dissolução.

 

Oficialmente saímos da crise. À esquerda e sobretudo à direita, disse-se que Portugal tinha vivido acima das suas possibilidades e que era preciso aprender a viver de outra maneira. Aprendemos?

Aprender é uma condição muito humana, diria mais, muito biológica. Os humanos aprenderam a aprender. Os seres vivos aprenderam a ajustar-se. Conseguimos aprender, conseguimos ajustar-nos, mas não podemos perder o direito à indignação.

 

Atravessamos um deserto em que todos sabemos o nome do ministro das Finanças alemão ou grego. Antes de mais: considera que é um deserto? Onde fica o oásis?

Para os investidores, o oásis talvez possa ser um índice NIKKEI favorável. Mas olho com tristeza e cepticismo para a captura da política pelas finanças e da cultura pelos fundos de investimento.

 

Se pudesse escrever uma carta a alguém, gritar alguma coisa (um insulto, uma advertência, um conselho, uma declaração) seria o quê e a quem? Pode ser a um político. Pode ser ao mundo. Pode ser mesmo a quem quiser.

Não deixem de gritar. O grito, mesmo o de Munch, é o desconforto do humano, o desassossego do vivo. Gritem, mas também dancem, se puderem!

 

O futuro passou a ser uma ameaça, evitar o perigo uma divisa. É mesmo assim? Quando foi a última vez que usou a palavra esperança?

Pra mim o futuro sempre esteve aberto, o futuro é um espectro de possibilidades. Sem futuro ficamos algemados ao passado, e o passado, mesmo glorioso, não é um lugar que goste de frequentar: muito dos víveres já perderam a validade. A esperança é o vector da vida, e por isso o único instrumento que temos para frequentar o futuro.

 

Pode fazer um curto auto-retrato?    

“Círculo branco sobre fundo negro”, sem referência a Malevitch.

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2015

 

 

 

 

 

 

 

Ler Elena Ferrante

11.11.15

Há muito tempo que um autor não me fascinava como Elena Ferrante. Sou uma de muitos no mundo inteiro, e saber que não estou sozinha no terramoto é bom. 
Tomei como pretexto o lançamento do 3º volume d' A Amiga Genial para promover um Ler no Chiado sobre a escritora italiana. 
Convidei a tradutora, Margarida Periquito, 
a crítica literária Isabel Lucas, que lhe fez uma raríssima e maravilhosa entrevista por escrito (mistério oblige), 
uma notável leitora da Ferrante e não só, a Ana Dias Silva, 
o jornalista cultural da Antena 2 Paulo Alves Guerra, 
e um napolitano que vive em Lisboa e lê a Ferrante desde que ela publica, o Carlo Bifulco. 
Estou muito entusiasmada com esta sessão! Será no dia 12 de Novembro às 18.30, na Bertrand do Chiado. 
Juntem-se a nós!
Ler no Chiado é uma iniciativa mensal da revista Ler e da Bertrand.