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Anabela Mota Ribeiro

Pedro Norton

11.01.16

É um gestor que tem estados de alma. É um gestor que não se inibe de os confessar. É um gestor que seria infelicíssimo se passasse o dia a falar de números. É um gestor que aponta na agenda os filmes que passam na Cinemateca.

Pedro Norton sentou-se na cadeira do número dois da Impresa depois das férias. Apontam-no como o sucessor de Balsemão. Ele recusa e é veemente. É o vice-presidente convidado para substituir Luiz Vasconcellos. Fez toda a carreira no grupo. Acompanhou o nascimento da SIC Notícias, a reformulação do Expresso. Tem uma coluna na Visão. Escreve no blogue Geração de 60. Dizem que tem uma visão ampla e transversal da área dos media.

É o vice-presidente que injecta sangue novo. Usa barba de três dias. Não usa gravata. Tem um cinto da Massimo Dutti que deve ter custado, no máximo, 50 euros. É um rapaz fino que sabe que não é preciso vestir roupa cara para estar bem. É um homem modesto que escolhe um jornal que não é do seu grupo para dar a primeira entrevista. A primeira entrevista desde a nomeação, e, de certo modo, a primeira em que fala na primeira pessoa. Não seria de bom tom. E ele conhece bem as regras do decoro. 

Encarna uma nova geração, com alguns tiques de vocabulário que lhe são próprios – quando diz que o colégio é super-elitista, ou que aquele acontecimento foi super doloroso. Mas não pretende ser super. Não faz o número do pobrezinho que fez da fúria uma ferramenta. Tem a tranquilidade dos privilegiados. Exerce o poder com confiança. Se dizem que ele é bien né e que Balsemão o escolheu por ser “um sobrinho”, é para o lado para onde dorme melhor.

Não se fazem apostas quanto ao seu futuro. Não é por causa do talento. É por causa do que ele escolhe. E pode escolher o que quiser.

 

 

Começo por um aparente fait-divers: o seu gosto pelo cinema mudo sueco. Parece uma excentricidade de uma figura que ao mesmo tempo é fanática do Benfica, e, sobretudo, vice-presidente de um grupo que gere milhões.

Para já, é preciso dizer que é uma blague... De facto gosto muito de cinema, gosto particularmente de cinema mudo e acho graça ao cinema mudo sueco. Esta brincadeira do cinema mudo sueco teve a ver com uma reunião em que eu disse que ia sair mais cedo porque queria mesmo ir à Cinemateca ver um filme. Deve ter sido coisa do Henrique Monteiro, que normalmente é quem põe a circular esses boatos [risos].

 

Foi ver o quê?

Tenho ideia que foi um Sjöström qualquer.

 

O Sjöström é um realizador sueco que aparece como actor, já velho, num filme do Ingmar Bergman, “Morangos Silvestres”. Conte-me como é que começou a ver cinema.

Vejo cinema desde que me lembro [de mim]..., desde que fui ver o “Bambi” com a minha mãe, para aí com cinco anos, e saí destroçado com a morte da mãe do “Bambi”. Lembra-se? Foi uma primeira confrontação com a ideia da morte, e ainda mais, da morte da mãe. Tenho ideia que ela apercebeu que fiquei perturbadíssimo e que saímos antes do fim do filme. Não é propriamente uma coisa que me tenha traumatizado, mas quando me pergunta por uma primeira impressão forte de cinema, é essa.

 

Era a sua mãe que o levava ao cinema?

Tenho boas recordações de ir ao cinema com o meu pai, também. Na adolescência, passei a ir regularmente sozinho. Tive um longo período de espectador absolutamente normal. Mais tarde comecei a interessar-me por coisas à margem dos circuitos comerciais. Há ali um filme que me marca, do [cineasta japonês] Ozu, “Primavera Tardia”, que fui ver um bocado ao engano…

 

Nesse filme há, na relação entre uma filha e um pai, uma incestuosidade latente.

Talvez eu tenha olhado para isso com mais ingenuidade [risos] e não me tenha apercebido desse lado perverso...

 

Estou a provocar o filho de uma psicanalista!

Achei o filme essencialmente bonito. Depois há outro filme do Max Ophüls, “Carta de Uma Desconhecida”; pode achar-se insuportavelmente romântico, mas aquela viagem, naquele comboio de brincar, com as imagens a passar por trás…

 

Para quem não conhece o filme: é uma viagem fictícia, que permite passar por cidades que, na infância, e através de postais, ela “visitava” com o pai. O que descubro nesses filmes que menciona é a melancolia.

Melancolia talvez seja a palavra-chave. A melancolia é um estado de alma que me atrai. Não sei se tenho um fundo depressivo, não me compete a mim fazer a minha auto-análise. É um estado de alma em que me revejo.

 

Era um rapaz que gosta de cinema. Mas, muito preconceituosamente, e olhando para o quadro familiar e social, era improvável que viesse a ser um cineasta. Era mais previsível que viesse a ser um gestor.

Acho que tem razão. A questão de seguir um percurso completamente diferente nunca se chegou verdadeiramente a colocar. Porque se calhar nunca a coloquei. Fazendo uma análise a posteriori, na prática, acabei por seguir o óbvio, que era o exemplo do meu pai. O meu pai toda a vida foi gestor. Achei uma maçada terrível o curso de Gestão, a Universidade Católica. Não sou muito de desistir das coisas, e o que comecei, acabei. Sem grande brilhantismo, mas também sem grandes tropeções.

 

Recém-formado, a primeira experiência profissional foi num banco.

Fui fazer banca de investimento para o Banco Essi. Foi uma experiência verdadeiramente aterradora! Tive algumas dúvidas existenciais, “eu não quero ser isto”. O dia todo sentado a falar de números... Tinha latente, dentro de mim, muitos interesses que nunca tinha tido oportunidade de exprimir do ponto de vista profissional; mas era claro que lhes queria dar espaço. Eu seria infelicíssimo se fosse gestor de um banco, seria infelicíssimo. E acabei por fazer uma síntese entre, como você diz, aquilo que era suposto que eu fizesse, que era ter uma carreira de gestão, [e os conteúdos]. Também lhe devo dizer que não tenho nenhuma recordação de os meus pais me terem dito que tinha que ser isto ou aquilo.

 

A pressão não era taxativa. Em todo o caso…

Talvez fosse latente. Consegui essa síntese, escolhendo uma área de aplicação na área da gestão que me dá imenso espaço para me sentir mais completo, mais realizado. Não devia dizer isto, porque me desvaloriza profissionalmente, mas acho que não me apetece ir trabalhar para mais nenhuma área, não me vejo a ser gestor de mais nada.

 

Como é que reproduz no quotidiano os ritmos do seu pai?

Do meu pai, herdei sobretudo a coisa mais importante: um quadro de valores. E dentro desse quadro, alguma exigência comigo próprio, que depois tem tradução na vida profissional. Sou um gestor muito diferente daquilo que o meu pai foi; nesse sentido não acho que exista uma reprodução do que quer que seja.

 

Nesse quadro de valores, tem o quê? Capacidade de trabalho, rigor, honestidade? É disso que fala?

É.

 

Foi ao seu pai que telefonou quando foi..., o escolhido – vamos dizer assim?

Acho que não telefonei a ninguém.

 

Não me diga que os seus pais souberam pelo jornal!

Não me lembro bem, mas seguramente não peguei no telefone. Não faz, de todo, o meu estilo.

 

O seu estilo parece ser o do tímido e contido. Pavão é a palavra que menos vai consigo. Em todo o caso, imagino que os seus pais sentiriam contentamento por si.

Com certeza que falei com eles, não sei dizer se mencionei alguma coisa antes. Mas o impulso não foi pegar no telefone como…, como é que se chamava?, o Dias Loureiro: “Pai, [sou ministro]... ”.

 

Tem medo do ridículo e do embaraço.

Acho que sim, acho que sim.

 

Isso faz-nos olhar para trás, e perceber como é que foi sendo, ou foi-se transformando, nessa criatura contida, reservada e melancólica.

Tenho alguma dose de esquizofrenia, não sou contido e reservado em todas as situações.

 

Sabe-se que tem o Benfica para dar azo à irracionalidade.

O Benfica, seguramente. Sou uma pessoa muito diferente no quadro da minha vivência profissional e na vida com a minha família e amigos. Nenhum dos meus amigos dirá que sou contido e reservado.

 

Porque é que sente necessidade desta duplicidade?

Não sei. Talvez haja algum mimetismo de um modelo – o meu pai é muito assim. A historia do “não ser pavão”... Não sou expansivo em nenhuma situação, e então do ponto de vista da expansão de sentimentos, não sou mesmo. No mundo profissional sou mais racional, mais contido. Faço algum esforço por separar as águas. Tenho muitos, e muito bons amigos, e não tendo a fazê-los no universo profissional. São áreas um bocadinho separadas da minha vida.

 

Li coisas quando me preparava para esta entrevista, e várias pessoas diziam que apesar da informalidade no trato, a hierarquia está vincada. Ou seja, todos sabem bem quem manda. Para si, o exercício do poder é uma coisa natural, não tem que ser de um modo autocrático.

Nem posso imaginar isso de outra maneira. Não descuro a importância dos símbolos, dos ritos, mas, no meu caso, não é isso que prevalece. O exercício do poder não tem que ser feito afirmando o poder.

 

O que isso pressupõe é uma confiança em si mesmo. É natural que uma pessoa mais humilde nas suas origens, por exemplo, fique deslumbrado ou inseguro, e que tenda a exercer o poder de um modo mais afirmativo. Para todos os efeitos é um menino “upper class”: não é estranho para si exercer o poder.

Sou privilegiado. Não vou fazer um teatro, fingir outra coisa – acho que isso pesou na minha vida. Acho que Portugal é um país onde isso pesa, e desse ponto de vista é um país muito injusto. Estamos a derivar um bocado na conversa, mas, por exemplo, tive uma educação francófona, e sempre tive um certo desprezo pela cultura americana; a certa altura fui viver para a América, e descobri que aquele cliché da igualdade de oportunidades...

 

Meritocracia, ali, existe mesmo.

Extraordinário! [Nos Estados Unidos] esse tipo de coisas, não sei se não contam, mas não contam, seguramente, tanto. Isso permitiu-me olhar de volta para Portugal e perceber que, de facto, estas coisas ainda contam. O conhecer não sei o quê, o ser não sei quem... Tenho suficiente auto-estima para achar que o meu percurso profissional não se pode explicar só por isso, ou maioritariamente por isso, mas não tenho problema nenhum em dizer que ser privilegiado... facilitou.

 

Francisco Balsemão, para si, não era o Dr. Balsemão; era o tio Francisco, amigo lá de casa.

Desde que vim trabalhar com ele, desde o primeiro dia, tomei a opção de tratá-lo por “Dr.”. Só para desmistificar isto um bocadinho: a minha mãe é amiga dele, mas não era propriamente uma pessoa que passasse a vida em minha casa. É uma pessoa de quem gosto imenso, de quem me é impossível, hoje em dia, dizer que não sou amigo. Mas sou amigo porque acabei por criar uma relação profissional de confiança e de cumplicidade. Acho que terá facilitado seguramente o contacto inicial, a entrada no grupo. O percurso que aqui fiz tem a ver com razões profissionais – não concebo outra hipótese.

 

A parte que foi facilitada tem que ver sobretudo com a confiança? A confiança que ele depositava em si, por saber da sua educação.

O primeiro contacto que tive com ele foi facilitado porque me foi apresentado pelos meus pais. Mas você olha para este grupo e não vê propriamente que seja feito de pessoas que são sobrinhos, ou primos, ou tios, ou amigos. Nomeadamente em relação aos filhos, ele é mais exigente do que é em relação ao resto das pessoas.

 

O que estava implícito na minha pergunta era se sentiu necessidade de afirmar, para si próprio e perante os outros, que não havia qualquer favorecimento.

Palavra de honra que não. A questão nunca se me coloca. Dito isto, que seguramente isso pode ser imaginado, pensado, dito…, é o lado para onde eu durmo melhor!

 

Para um tipo melancólico, é bem seguro de si.

Não sei se sou seguro em tudo. Nisso sou.

 

Porque é que desprezava a cultura americana?

Andei no Liceu Francês a vida toda. Tenho lá o meu filho, o outro ainda não entrou, mas espero que entre. A minha mãe andou lá, o meu avô andou lá. É uma excelente escola, porque dá uma preparação de base boa, passe a imodéstia, mas sobretudo um gosto pela aprendizagem fortíssimo. Estimula brutalmente a curiosidade. Aquilo está transformado numa escola de alguma elite social, mas não era assim. Fui educado 17 anos num paradigma cultural francês, que tende a desprezar a cultura anglo-saxónica. Um americano era uma espécie de um bárbaro, a que não se ligava muita importância.

 

A sua opinião mudou quando foi viver para a América?

Antes disso, fiz um mestrado em teoria e ciência politica, organizado em moldes anglo-saxónicos; despertei para autores e escolas de pensamento que me deram uma perspectiva muito diferente da cultura anglo-saxónica. E depois, tive a experiência de viver um ano e pouco em Boston. Pedi uma licença sem vencimento na SIC e fui. Estive lá de 98 a finais de 99. Foi marcante por essa mudança de atitude em relação à cultura anglo-saxónica, por um lado, e porque descobri o tal país de oportunidades que, até aí, para mim, era um cliché.

 

Boston é uma cidade intelectualmente fervilhante. Isso contou também.

Todos os dias, jantava em casa, saía, ia dar uma volta e as livrarias estavam abertas até à meia-noite. Andava para ali a passear, ia a imensos concertos de jazz, havia cinema extraordinário.

 

Estava sozinho, se posso perguntar?

Não, estava com a minha mulher. Foi uma experiência super enriquecedora a vários níveis, também a esse – acho que é fortalecedora de qualquer relação. Deu-me outra coisa: falava relativamente bem inglês, mas não lia inglês por prazer. E hoje em dia...

 

Ganhou intimidade com a cultura anglo-saxónica.

Se tiver que me definir, tenho hoje um olhar muito mais crítico para o modelo civilizacional francês, em que toda a vida fui educado, do que o contrário. Sou um bocadinho cristão novo nessa matéria!

 

Seja como for, ainda põe o seu filho no colégio francês, e não no colégio inglês.

Gostava que todos os meus filhos tivessem uma boa formação de base, uma vontade de aprendizagem, curiosidade. E isso, o Liceu francês é exímio a fazer. Acho o colégio inglês de um elitismo insuportável, no pior sentido do termo. Já para não falar em colégios de padres... Esse lado ficou-me [do Liceu Francês], um lado vagamente jacobino! Vagamente mata frades!

 

Essa procura da mistura social, “todos diferentes, todos iguais”, é uma coisa que já aflorou algumas vezes na entrevista. Porque é que para si é uma questão tão importante?

Sou um liberal, no sentido clássico do termo; como tal, grande amante da liberdade e da igualdade de oportunidades. Tendo consciência de que venho de um meio privilegiado, e que proporciono aos meus filhos uma vida privilegiada, tenho uma grande preocupação em que eles percebam que são isso. E que, por isso mesmo, é-lhes exigido mais. Não gostava nada que fossem educados num ghetto de meninos privilegiados. A preocupação que tenho com os meus filhos traduz o quadro em que fui educado: os meus pais nunca me mimaram nesse ponto de vista, nós não vivíamos inundados em brinquedos.

 

Desejou coisas que não teve?

Eu e os meus irmãos sonhávamos ter uma televisão a cores, que os miúdos todos do Liceu Francês já tinham. Nós não tínhamos porque os nossos pais não ligavam.

 

O que é que marcou as diferentes fases da sua vida? Ou seja, quando é que deixou de ser miúdo? Quando é que passou a ser jovem? Quando é que passou a ser adulto?

Talvez definisse dois momentos de transição. O fim da infância, ou se quiser, o fim de uma certa infância. Os meus pais viviam na casa dos meus avós, no andar por cima. Tenho recordações muito felizes dessa tenra idade, até aos seis anos. Tinha, e tive durante anos, uma relação fortíssima com o meu avô materno. Era super-afectuoso. A primeira ruptura dá-se quando saí daquela casa – um mundo muito seguro, uma redoma. A minha mãe tinha um espírito de alguma independência, e a certa altura decidiu que não queria viver ali, queria comprar a sua própria casa.

 

Onde é que era essa casa mítica da sua infância?

No Príncipe Real. Fomos para um apartamento em Campolide, a casa onde, depois, vivi toda vida. Na vida adulta, há um momento obviamente muito marcante, que é a morte do meu irmão. É um momento de ruptura, super doloroso...

 

Que idade é que tinha?

Não foi há tanto tempo quanto isso. Morreu em final de 2001. Era o meu irmão mais novo, tinha menos cinco anos do que eu.

 

No fundo são sempre as perdas...

Que fazem e que marcam os períodos de transição.

 

A atracção pela melancolia vem de trás?

Não vou fazer de meu próprio psicanalista!

 

Fez psicanálise?

Fiz.

 

Era uma coisa mais ou menos normal para si, tendo uma mãe psicanalista?

Absolutamente natural. Sempre foi um tema. Em miúdos, de vez em quando caíamos na asneira de contar sonhos ao jantar, e já sabíamos que vinha dali uma interpretação, normalmente com conotações sexuais, que nos deixavam embaraçadíssimos. Acho que ainda hoje na sociedade portuguesa há um certo preconceito em relação a esses temas.

 

Na série ”Os Sopranos”, o chefe da Máfia não pode contar que frequenta a psicanalista: isso significaria revelar a sua vulnerabilidade. No seu caso, o facto de ser filho de uma psicanalista torna tudo mais fácil.

Não me revejo nesse padrão do macho latino que não tem vulnerabilidades. Claro que tenho! Nesse sentido, não sou bem o Tony Soprano!

 

Fez com um homem ou com uma mulher?

Com um homem.

 

Não ia fazer com a mãe!

Claro!

 

Quando eu digo “com a mãe”, seria fazer com qualquer mulher...

Eu sei. [Essa distância] foi fundamental.

 

Em suma, conhece-se bem, por via da análise.

Eu não sei se me conheço bem. Provavelmente conheço-me melhor desde que fiz a análise. Ninguém se conhece todo, não é?

 

Esse rapaz, que não se conhece bem, porque ninguém se conhece bem, como é que recebeu o convite para ser o “number two”? O que se anuncia é uma ideia de sucessão. Aceitou imediatamente? Sentiu imediatamente que estava preparado?

Começando pelo fim, sim, aceitei sem hesitar. Com alguma imodéstia, acho que me sentia preparado. É sempre bom sentirmo-nos reconhecidos. Por mais psicanálise que a gente faça é sempre bom que nos massagem o ego. Obviamente com o enorme peso da responsabilidade. É um desafio grande, mas isso estimula-me; nesse sentido também me dá alguma tranquilidade.

 

Entre a fúria dos vencedores e a tranquilidade dos vencedores...

A ser dito assim soa um bocadinho a arrogância...

 

O seu motor é mais uma confiança do que a fúria – é isso que quero dizer.

Acho que sim. Não vale a pena estar com falsas modéstias: tem que se querer e tem que se lutar.

 

A sua ambição não tem aquela tradução mais imediata e vulgar de ambição – que é pelo dinheiro, pelo poder, pela afirmação social.

Dito de outra maneira, não é nem do ponto de vista material, nem do ponto de vista social. Não é uma ambição para fora. É uma ambição para mim. É algum prazer no auto-desafio, na superação de limites. Voltando à história do pavão, não sinto que estou a fazer um “acomplishment” para fora de mim.

 

Que relação é que tem com o dinheiro? E que importância tem a imagem que socialmente têm de si?

Não me considero muito rico, nem nada que se pareça, e não é definitivamente o motor que me move. Não sonho ter uma casa maior do que a que tenho.

 

Onde é que mora? No Príncipe Real?

Vivo no Estoril, construí uma casa num terreno que era da minha mãe. A relação com o dinheiro: não gosto de fazer um papel de falso desprendimento, porque acho que ninguém é totalmente desprendido do dinheiro. Sobretudo o dinheiro tem uma componente que me interessa: sinaliza algum reconhecimento pelo trabalho feito.

 

Discutiu sempre os seus contratos?

Não. Sou péssimo. Olhe, quando o Dr. Balsemão me convidou, nem foi tema de que falássemos. Não era a minha primeira preocupação, e também conheço o Dr. Balsemão...

 

Que é conhecido por ser fona.

Que é conhecido por ser fona! Mas tinha certeza que se me convidava para isto, essa discussão viria mais à frente, como veio. Não foi uma discussão; houve um dia em que entendeu: “temos que falar de massas”, disse-me o que era, pareceu-me bem, tão simples quanto isto.

 

Quando pediu licença sem vencimento na SIC e foi para os Estados Unidos, viveu de quê?

Fui à FLAD e arranjei uma bolsa. Depois o Dr. Balsemão chamou-me e disse-me: “Quero fazer aqui um contrato contigo: pago-te X por cento do vencimento, na condição de teres que voltar, senão, pagas...”. Foi um gesto super simpático, fui reconhecido... O dinheiro nessa altura fez-me bastante falta, não vivia minimamente folgado, e sinalizou algum reconhecimento.

 

Nunca aconteceu meter o cartão no multibanco e não ter lá dinheiro?

Eu nunca passei dificuldades. Mas nunca me senti rico, nem em miúdo. Ser privilegiado permitiu-me ter uma relação mais desprendida com o dinheiro.

 

Funcionava como uma rede? Uma rede que dá conforto.

Com certeza. Há outra dimensão, de que você falava, de reconhecimento social – o dinheiro também serve para isso. Estas coisas são sempre ridículas de dizer, mas não sinto nenhuma necessidade de reconhecimento social desse ponto de vista. Não me considero melhor que ninguém, mas a verdade é que o dinheiro não é um instrumento para qualquer tipo de promoção social – que não procuro.

 

Tem 41 anos. Daqui a 20 anos é normal que a sua vida seja o quê?

Sei lá, passa-me tanta coisa diferente pela cabeça... Do ponto de vista profissional vejo-me, com dificuldade, ou melhor, não me vejo a trabalhar noutras áreas. Portanto, quando penso no meu percurso profissional, continuar a pensar fazê-lo por aqui. Gosto muito, muito, muito do que faço. Divirto-me a trabalhar aqui, com esta cultura, particularmente neste grupo, e não sinto nenhum impulso para mudar... Ao mesmo tempo, tenho uma enorme consciência da transitoriedade destas coisas.

 

Pensei que via isto mais como um começo e não tanto como um cargo transitório. É um mundo que se abre.

As ascensões e as quedas são coisas que me fazem confusão. Já vi tantas vezes pessoas deslumbrarem-se seja por questões económicas, seja por questões profissionais, seja por outro tipo de coisas… Obrigo-me a fazer um exercício de auto comedimento nessa matéria.

 

Tem medo da queda?

Provavelmente tenho. Tento sempre distinguir o essencial do acessório, ter referências absolutamente sólidas, e ter a vida ancorada nessas referências. Respondendo à sua pergunta: daqui a 20 anos, confesso que há dois sonhos meio loucos que tenho. Um, gostava de voltar a viver no estrangeiro; às vezes Portugal é um bocadinho claustrofóbico.

 

Portugal é Campolide!

É um bocadinho Campolide, é! É uma boa imagem! Mas acho que também tenho a obrigação de abrir aos meus filhos os olhos. Gostava que eles percebessem que vivem num penico do mundo, que se quiserem cá viver, óptimo, mas que não seja por falta de consciência que estão aqui num canto. Portanto, se por alguma razão, um dia deixar de trabalhar neste grupo, e como não me estou a ver a trabalhar num banco, uma das hipóteses pode ser trabalhar no estrangeiro. Depois tenho um sonho mais idílico: gostava de me reformar relativamente cedo, e dar mais expressão a interesses que não passam pela vida profissional.

 

Vai fazer cinema?

Fazer cinema, não sei, ver cinema, seguramente mais. Mas talvez escrever. É uma dimensão importante, e que está super atrofiada. Sempre escrevi muito. Chamar-lhe ficção é pretensioso, são coisas para mim. Mas essa dimensão está latente e gostava de a explorar.

 

O seu nome é apontado como o do sucessor do Dr. Balsemão.

Mas é que eu não vejo as coisas, mesmo, nesses termos. Não me compete a mim definir isso, mas acho que este grupo terá que ter uma solução no quadro familiar, como é normal em todos os grupos familiares.

 

Isso para mim é uma grande surpresa.

Porquê?

 

Por tudo aquilo que dissemos. Porque se premeia o mérito, por exemplo.

Isso tudo é verdade, e acho muito bem que o Dr. Balsemão queira ter uma gestão profissional neste grupo. Mas isto é dele e da família dele. Um dia que ele entenda afastar-se, será esquisito que a última palavra não caia sobre [alguém da sua família]. Você usou a palavra sucessão: o dono, e os donos, disto serão a família do Dr. Balsemão. Se a gestão é mais nuns moldes, mais noutra, se a família tem um papel mais executivo ou menos, na altura se verá. Não é uma coisa que me obceque.

 

O que está a dizer é que isto não é uma coisa sua.

Claro que não é. Tenho imensas ligações afectivas a isto. Por mais racional que se seja na vida profissional, é impossível não se ficar ligado a determinadas etapas. Isto está cheio de memórias minhas, de sentimentos, e de bons sentimentos.

 

Significa que não é estranho pensar que daqui a dez anos, se calhar, não está a liderar a Impresa, está é no estrangeiro a fazer outra coisa?

Estou aqui enquanto quiserem que eu aqui esteja, enquanto eu aqui me sentir bem. Não tenho planos para daqui sair. Mas também não tenho a impressão de que preciso de aqui estar para sempre, ou que se algum dia sair isso seja um drama irreparável. Uma das condições fundamentais para gostar de aqui estar, é sentir que gostam que eu aqui esteja; no dia em que essa premissa se alterar, vou deixar de gostar de aqui estar.

 

Leu  “Cidades Criativas” do Richard Florida?

Nunca li. Conheço minimamente o conceito. O António Câmara fala muito nisso.

 

De certo modo, o seu trabalho no grupo permite-lhe fazer a justaposição de elementos (economia e criatividade) de que Florida fala na sua teoria.

Sem dúvida, é isso que me realiza. Tiro partido das ferramentas técnicas que aprendi, com algum sacrifício, e de algum gosto, de alguma sensibilidade, como lhe queira chamar, para aquilo que é a razão de ser deste grupo, a matéria com que lidamos todos os dias.

 

Quando estava a falar dos pontos de viragem da sua vida, falou da passagem da casa do Príncipe Real para a de Campolide e da morte do seu irmão. Sob o ponto de vista profissional, a saída da SIC com Nuno Santos e em ruptura com Rangel podia ter sido um turning point. Tudo podia ter mudado, se o Dr. Balsemão não o convidasse a voltar, passados alguns meses.

A questão colocou-se-me, de uma forma muito quixotesca, como um dever de consciência. Devo dizer que não conhecia o Nuno Santos de parte alguma. Desde então ficou uma cumplicidade; mas não é uma pessoa que eu possa considerar do meu círculo de amigos. Não queria entrar aqui em lavagem de roupa suja, mas o que se passou foi estar a trabalhar com um tipo, que por uma razão que nada tinha a ver com as razões invocadas, foi trucidado e queimado na praça pública, atraiçoado… Foi um click. Eu não me revejo neste tipo de coisas, não ia pactuar com aquilo. Nem pensei muito que consequências é que aquilo ia trazer.

 

Foi um imperativo de consciência?

Nesse caso foi. Volto a dizer que se calhar tenho mais facilidade em poder fazer isto. É um luxo a que me posso dar, e, por isso, não tem mérito especial; a verdade é que não pensei dois minutos.

 

De que é que se orgulha, profissionalmente?

Quer a experiência da SIC Notícias, quer a experiência da transformação do Expresso, são duas medalhas que me coloco a mim próprio de satisfação. Mais do que tudo, fico orgulhoso de ter participado nos dois processos, com equipas muito motivadas, com uma razoável hipótese de aquilo dar para o torto… Olhar para o fim e pensar: “Há aqui um canal de notícias que fica, há aqui um jornal que se estava a abandalhar e que regressou às origens, que se recolocou”…

 

Apesar de tudo, não são coisas que o façam ligar ao pai e à mãe e dizer: “Fiquem orgulhosos de mim!”

Não. Esse impulso nunca tenho.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2008