Viena
Klimt é um dos pintores mais amados de sempre. Quadros como O Beijo ou a comovedora imagem de uma mãe e do seu filho são ícones reconhecíveis no mundo inteiro. É dele também o Retrato de Adele Bloch-Bauer, vendido em 2006 por 135 milhões de dólares – uma das peças mais caras de sempre.
Nascido em Viena, Klimt é um nome que se aprende a revalorizar na sua cidade. Porquê revalorizar? Porque, por um lado, parece que os seus quadros estão demasiado reproduzidos, gastos, banalizados. Por outro, chega-se a Viena, vê-se de perto a sua técnica, a diversidade de registos e fica-se siderado. É um grande pintor, que felizmente conheceu grande reconhecimento em vida.
A obra está espalhada por diferentes museus e instituições da cidade. Encantatória.
Freud é um dos mais famosos vienenses de todos os tempos. O pai da psicanálise vivia no centro da cidade e recebia os seus pacientes em casa. A casa é visitável e tem muito que ver, apesar de parte substancial do espólio ter seguido para Londres onde o famoso médico terminou os seus dias, fugido da perseguição nazi. Através da colaboração da amiga Maria Bonaparte, Freud conseguiu levar consigo o mobiliário (incluindo o famoso divã), a colecção de peças arqueológicas, objectos do dia a dia.
O que há em Viena? Todo o mobiliário da sala de espera, o bengaleiro, um enigmático baú, a bengala, o chapéu à entrada da casa. Estes objectos são doações de Anna, filha dilecta do médico, após a morte do pai, para que a casa-museu de Viena não ficasse completamente destituída da alma de Freud. Há uma outra coisa preciosa: uma série de fotografias gigantes coladas nas paredes que mostram como é que o espaço era ocupado. Por coincidência, pouco antes da mudança, tinham sido tiradas.
O prédio continua a ser um banal prédio de habitação, e ao entrar parece, justamente, que estamos a entrar na casa de uma pessoa que conhecemos, e não num museu ou sequer no espaço de uma pessoa essencial para a compreensão do mundo moderno.
Arthur Schnitzler é um escritor enorme, autor de obras como A história de um sonho, adaptada ao cinema por Kubrick no filme De olhos bem fechados (com Tom Cruise e Nicole Kidman). O seu universo coincide em muito com o da cidade. Mas dizer isto é redutor. O seu universo é o da natureza humana, o do inconsciente, o das pulsões sexuais. Freud disse-lhe, a propósito da peça de teatro A Menina Else: “Ficou-me a impressão de que o senhor sabe por intuição – a partir de uma fina auto-observação – tudo o que tenho descoberto em outras pessoas por meio de laborioso trabalho”.
Por alguma razão, o cineasta Max Ophuls fez de Viena a cidade dos seus filmes. Quase todos se passam num mundo em transformação, de sentimentos à flor da pele. Um dos mais belos filmes de todos os tempos Carta de uma Desconhecida passa-se em Viena. Mas também A Ronda, que é filmado como se fosse uma valsa. Em Madame de…, há brincos que vão a Viena e voltam. E há os duelos de Liebelei… Todos estão disponíveis em DVD e são obrigatórios para se entender Viena. Persiste na cidade este espírito: o de um mundo que está quase a desaparecer e de outro que se anuncia. Viena está no equilíbrio destes dois mundos, e isso vê-se nas ruas da cidade. Coexiste o lado imperial e a modernidade. O excesso e a compostura. O passado e o futuro.
A Secessão Vienense foi um movimento artístico que começou no final do século XIX e que teve a sua máxima afirmação no começo do século XX. O pintor Klimt foi uma das figuras cimeiras do protesto contra uma sociedade atávica, conservadora nas artes, como Viena era então. O seu estilo Art Noveau – Jugendstil arrasava a pompa e o barroco do passado recente, defendia uma arte mais próxima das formas vivas.
Uma das obras essenciais do colectivo é o museu da Secessão, um edifício branco, com folhas douradas na fachada e na cúpula (parece um planetário), que contrasta brutalmente com o estilo imperial dos edifícios circundantes. É neste espaço que está uma obra belíssima de Klimt: o friso de Beethoven.
O grupo fascinante da Secessão teve diferentes expressões artísticas, e não estava isolado. Freud e a Psicanálise, a filosofia de Wittgenstein, a arquitectura de Otto Wagner, o mobiliário de Hoffman, a literatura de Schnitzler… A pergunta que se impõe é: como foi que tanta coisa aconteceu em Viena em apenas dez anos?
10 coisas a não perder em Viena
1 – Uma instituição vienense, a sacher torte é um sumptuoso bolo de chocolate servido com natas. O original come-se no hotel que lhe dá nome, o Sacher. O ambiente é requintadíssimo. Perfeito às cinco da tarde. Com chá ou champanhe. www.sacher.com
2 – O arquitecto Otto Wagner assinou algumas das obras mais emblemáticas da cidade no início do século XX. Percorrer Viena em busca do trabalho de Otto Wagner pode ser um excelente programa para quem tem paixão pelo belo e pela modernidade. Duas peças, pelo menos, são imperdíveis: os pavilhões/estação de metro e uma célebre fachada de azulejos ornamentada com flores de tons róseos. Fica fora de mão, mas vale mesmo a pena.
3 – As criações do austríaco Helmut Lang. O estilo é urbano, depurado, nos antípodas no italiano vistoso. Um outro conceito de sensualidade. Há duas lojas na cidade. www.helmutlang.com
4 – Passear pelos jardins de Viena. Os jardins contíguos ao Belvedere, antiga casa de campo da família imperial, são de buxo, desenhados com rigor. Mas no centro da cidade há pequenos jardins mais desalinhados. Roseirais encantadores. Árvores de tons belíssimos no Outono.
5 – Ir a Viena e não ir à ópera é um pecado capital. Mesmo para os que não são melómanos. Áustria é a pátria de Mozart (encontrá-lo-á por toda a parte, em toda a espécie de merchandising), e de alguns dos maiores génios da música. Os bilhetes estão frequentemente esgotados, mas é possível comprar lugares de última hora, de pé, por cinco euros. É normal encontrar pessoas de vestido comprido e de smoking. www.wiener-staatsoper.at
6 – Os museus da cidade têm um óptimo acervo (não esquecer que Viena era uma das sedes do império austro-húngaro). Há um bairro inteiro só com museus. Uma vez que está em Viena aproveite para ver pintores austríacos. Dois nomes indispensáveis: Kokoschka e Egon Schiele.
7 – A confeitaria Demel é, praticamente desde a sua fundação, no século XVIII, uma página de um conto de fadas. É uma sucessão de salas, de paredes forradas a espelho e talha dourada, escolhida pela alta sociedade vienense como espaço de encontro. Os bolos são superlativos (há quem defenda que a pastelaria vienense é inultrapassável). Talvez se coma aqui o melhor apfelstrudel do mundo – sem exageros. www.demel.at
8 – O que são as thonet? São cadeiras de madeira curvada, com assento de palhinha, muito populares no século XIX. O nome deriva do seu criador, o alemão Michael Thonet, que fez na capital austríaca parte substancial da sua carreira. A thonet, fabricada em série e vendida a preços acessíveis, recebeu o cognome de “cadeira de estilo austríaco”. www.thonet.de
9 – A Palmhouse é uma estufa contígua ao palácio Schoenbrunn. O pavilhão de vidro é imenso e abriga diferentes temperaturas e espécies de plantas. O restaurante é altamente recomendável, além de bonito. Conte com palmeiras por todos os lados, paredes de vidro para os jardins, mobiliário moderno, e reze para que o dia esteja bonito.
10 – Os cafés de Viena são tantos e tão bonitos que o difícil é escolher qual é o nosso. Há o café frequentado pelo filósofo Wittenstein, há o café dos artistas, dos músicos, dos políticos, das pessoas de todos os dias. Os bolos são sempre de cair para o lado. As pessoas juntam-se a discutir e a ler jornais. Sugestão: não repita um. Há sempre um ainda melhor para descobrir.
Publicado originalmente na revista Máxima.