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Anabela Mota Ribeiro

Curso de Cultura Geral - 18 Mar 2018

19.03.18

Graça Correia é arquitecta, fica impressionada com esta frase de Edgar Allan Poe: “A tradução de um outro autor permite-nos encontrar de um modo mais claro a nossa própria escrita. Um jovem poeta que estude o modo como Rilke escrevia os seus sonetos, aprenderá mais se tentar traduzi-lo, do que se escrever um ensaio sobre o tema”. É uma frase que levanta questões importantes e que tem várias ramificações: como é que se aprende e como encontrar a nossa voz, a nossa escrita. Ou seja, como integramos o nosso ritmo no curso dos dias, numa continuidade histórica? Como integramos uma multiplicidade de referências e fazemos com elas uma constelação que é nossa, própria?

De certa maneira, estas questões são centrais ao trabalho de Tiago Rodrigues, actor e dramaturgo, director do D. Maria. Basta pensar no modo como trabalha os clássicos, da Bovary de Flaubert a Shakespeare, como é que de um corpo a corpo, em que se aprende com o coração além de se aprender com o cérebro, se faz uma obra nova. O terceiro convidado é o escritor José Gardeazabal. Meio Homem Metade Baleia é o seu último livro, depois da estreia em 2015 com História do Século XX. Há no livro um diálogo com Moby Dick, há no universo de referências de Gardeazabal o fuzilamento de Goya e a execução pintada por um artista chinês contemporâneo, Yue Minjun.

Então, dito num italiano torto: Ki Fatxiamo Noi Kui [O que fazemos nós aqui]? A arte é uma forma de responder a esta pergunta?

 

A lista de Graça Correia, arquitecta

  1. Aprender com pintores, escultores, designers nas Belas Artes. Ter Fernando Távora como mestre. Frase de Fernando Pessoa: "sem a loucura, o que é o homem, mais que a besta sadia, um cadáver adiado que procria?" (Poema D. Sebastião, Mensagem);
  2. Laurie Anderson: O SuperMan ou Bright Red (trabalho com Brian Eno); em Progress, aka The Dream Before, usa Walter Benjamin, os Irmãos Grimm (Hansel e Gretel), Paul Klee;
  3. Eduardo Souto Moura: fui sua colaboradora quando saí da faculdade, continuamos a trabalhar e comunicar. Aprendi com ele a noção de continuidade histórica;
  4. Paul Auster. Por causa do acaso e das nossas escolhas;
  5. Frase de Edgar Allan Poe que transponho muitas vezes para a arquitectura: “a tradução de um outro autor permite-nos encontrar de um modo mais claro a nossa própria escrita. Um jovem poeta que estude o modo como Rilke escrevia os seus sonetos, aprenderá mais se tentar traduzi-lo, do que se escrever um ensaio sobre o tema”;
  6. Viagem a Nova York em 1991: uma exposição de Robert Mapplethorpe no Whitney Museum; um bailado de Trisha Brown com música de Laurie Anderson e cenários de Donald Judd;
  7. Bill Viola: fui propositadamente a várias cidades ver instalações. Rinascimento Elettrónico, que vi no Palazzo Strozzi em Florença, deixou-me em transe;
  8. Ruy Athouguia;
  9. É difícil explicar a sensação que se vai tendo quando se constrói e, para mim, a arquitectura só acontece quando se constrói;
  10. "A alegria é a coisa mais séria da vida": frase do Almada Negreiros que há vários anos está no ambiente de trabalho do meu computador.

 

A lista de José Gardeazabal, escritor

  1. Camus: O Estrangeiro e A Peste. O regresso a Camus com Kamel Daoud em Meursault, Contra-Investigação (à volta de O Estrangeiro); 
  2. Kurt Vonnegut: Matadouro Cinco;
  3. Beckett e Tchekhov. A presença e a palavra em contraste em À Espera de Godot. O final de A Gaivota como síntese do que é o teatro. A literatura que ilumina e a literatura que salva. A arte como espelho e consolo da realidade;
  4. Goya, El Tres de Mayo de 1808. Yue Minjun, The Execution, 1995;
  5. Mulheres de Atenas de Chico Buarque, Romaria de Elis Regina, e Cantiga do Fogo e da Guerra José Mário Branco: os discos dos pais. A língua portuguesa em África;
  6. Amália e Barco Negro. O fado e a palavra poderosíssima;
  7. A pé do East Side ao West Side de Nova Iorque: da riqueza à pobreza, em meia tarde. Ouvir um sermão na Memorial Church, em Harvard Yard. Os reis magos: "They returned home by another way";
  8. "I have a dream": o discurso Martin Luther King. O Memorial de Lincoln e o Memorial do Vietname em Washington;
  9. Anna Akhmatova na fila da prisão. A esperança na palavra, na literatura;
  10. Musil e Thomas Mann: o longo e substantivo declínio europeu, até hoje. A ideia de literatura pensante.

 

A lista de Tiago Rodrigues, director Teatro D. Maria, encenador e dramaturgo

  1. O primeiro álbum dos Pearl Jam, Ten, ouvido no liceu da Amadora;
  2. A antologia de poemas de Fernando Assis Pacheco, Musa Irregular;
  3. O filme Lawrence da Arábia, de David Lean;
  4. Ki Fatxiamo Noi Kui [O que fazemos nós aqui], do Teatro Meridional, numa noite em que falhou a luz;
  5. O romance Madame Bovary de Flaubert, lido aos 15 e relido aos 35;
  6. O romance Anna Karénina de Tólstoi;
  7. O concerto de Caetano Veloso e Chico Buarque em São Salvador da Bahia [Teatro Castro Alves, 1972];
  8. A companhia belga tg STAN;
  9. O espectáculo Germinal, de Halory Goerger e Antoine Defoort;
  10. William Shakespeare, praticamente tudo.

Ler no Chiado no dia da Poesia

14.03.18
No Ler no Chiado vamos conjugar o verbo poetar no dia 21 de Março. 
Com a ensaísta e poeta Maria João Cantinho, a cantora Márcia (que vai trazer poemas-canções) e o jornalista e director do Expresso Pedro Santos Guerreiro. 
Todos são grandes leitores de poesia e pedi-lhes que partilhassem os seus autores e poemas preferidos. O critério principal é mesmo este: que seja uma escolha amorosa, que prevaleça o prazer de falar sobre aqueles versos. 
Juntem-se a nós na Bertrand do Chiado, às 18.30. Eu modero.
 

 

Curso de Cultura Geral - 11 Mar 2018

11.03.18

“Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” Este é o célebre começo do poema Tabacaria de Fernando Pessoa. Os versos são um enunciado sobre um mapa interior, uma relação com o universo, o sofrimento, o sonho como experiência humana. Está aqui a grande interrogação e a grande procura, considera o psicanalista João Seabra Diniz. Há aqui um substrato que vai sendo composto, uma compreensão histórica: vimos de um lugar, temos em nós um contexto cultural, um passado, uma raiz. Somos seres de cultura que pertencem a um lugar, que habitam um tempo que não é unívoco. Seabra Diniz tem intimidade com a poesia de Pessoa, Raul Brandão, T.S. Eliot, Dante.

Martim Sousa Tavares não está naquele meio do caminho de que fala Dante quando começa a Divina Comédia. É muito jovem, estuda nos Estados Unidos para ser maestro, o piano é o seu instrumento. Porém, não é preciso ter os 30 anos do poeta florentino para compreender que temos dentro de nós uma “selva oscura”, um lugar onde precisamos de figuras tutelares, que nos acompanhem na descoberta. O compositor alemão Schumann encarna, para Martim, a ideia de homem bom e artista ideal.

Ana Margarida de Carvalho é escritora. Com os dois primeiros romances venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. Os dois livros têm títulos roubados a autores que são uma referência: Que importa a fúria do mar pertence a uma canção de Zeca Afonso. Não se pode morar nos olhos de um gato é um verso de Alexandre O’Neill. O livro mais recente, de contos, tem o título de um disco de Sérgio Godinho: Pequenos delírios domésticos.

 

A lista de Ana Margarida de Carvalho, escritora

  1. Chico Buarque;
  2. 2001: Odisseia no Espaço (1968) de Kubrick;
  3. Monty Python;
  4. Filmes de Woody Allen e livros de Saramago;
  5. Hamlet, Shakespeare;
  6. A Casa dos meus trisavós que ardeu;
  7. Um conto de Tchékhov;
  8. Zeca Afonso/ Sérgio Godinho/ Fausto/ Jorge Palma/ José Mário Branco;
  9. Manoel de Barros;
  10. Rodin.

 

A lista de João Seabra Diniz, psicanalista

  1. A descoberta da natureza, a sensação de pertença ao Cosmos. “Não posso ver uma árvore sem espanto... extraio ternura de uma pedra” – Raul Brandão, 1918. “Para ouvir passar o vento já valia a pena ter nascido.” – F. Pessoa;
  2. Ouvir ler, antes de saber ler, é uma experiência infantil muito viva. Ler é a descoberta do segredo dos livros, o encontro com as histórias dos outros;
  3. A descoberta das línguas diferentes da nossa; permite o contacto directo com outras culturas, compreender melhor quem é o homem, quem somos nós, como é a nossa cultura;
  4. A música e a arte em geral. Na infância, ouvir cantar traz o desejo de cantar também. Ouvir falar do bonito e do feio, abre a curiosidade para o mundo da arte e para a qualidade estética das coisas;
  5. Noção de História: a criança que nasce é como um adulto que entra num filme a meio (Umberto Eco). Tem que perceber como são os capítulos precedentes da história em que está a participar;
  6. As opiniões dos outros e a opinião própria. À medida que vamos organizando o nosso pensamento e o nosso mundo interno, confrontamo-nos com os outros e com a sua maneira de pensar e de sentir;
  7. O encontro com a Psicanálise e a atividade de psicanalista. A grande interrogação e a grande procura: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” – Pessoa. O sonho como experiência humana. Uma concepção do tempo: “Time present and time past, Are both perhaps present in time future, And time future, contained in time past” – T. S. Eliot;
  8. O encontro com João dos Santos e o Ano Internacional da Criança em 1979;
  9. O trabalho na Misericórdia de Lisboa com as crianças privadas de meio familiar normal e abandonadas;
  10. O trabalho com adopções.

 

A lista de Martim Sousa Tavares, músico

  1. A cultura começa com a educação; o ambiente cultural que tive em casa tem de ser o primeiro item na lista;
  2. A revelação do abismo da música: primeiro concerto do Grigory Sokolov a que assisti, em Sintra, lá para 2008 / 2009, e a insónia que se lhe seguiu;
  3. A Odisseia (tradução de Frederico Lourenço) em Abril de 2011;
  4. Recordações da Casa Amarela de João César Monteiro: o chamamento, ou despertar de um lado dionisíaco na minha natureza apolínea;
  5. Um mês em Veneza em Setembro de 2009, com uma bolsa de estudo, fui com 17 e voltei com 18 anos. Simbólico pórtico para o mundo adulto (como água que entra em terra seca);
  6. Ser aprendiz na oficina de mestres: Gilberto Serembe, Umberto Benedetti Michelangeli e Victor Yampolsky;
  7. Ainda sobre música: habituar-me e amar viver nesta solidão acompanhada;
  8. Deixar casa (Portugal) aos 21 anos para perseguir um sonho do qual ainda não acordei. (Todos os meus heróis são errantes.);
  9. Descobrir em Schumann o artista ideal e um homem bom. Quanto mais estudo a obra dele, mais me sinto próximo da minha própria natureza. Um pequeno busto dele vigia o meu trabalho no canto da minha secretária; 
  10. A minha obra preferida é aquela que está à minha frente em cada momento. Ou, a profissionalização da paixão.

Curso de Cultura Geral - 4 Mar 2018

07.03.18

Há um aforismo famoso de Picasso que diz: eu não procuro, eu encontro. Quando falamos de cultura, é interessante pensar nos encontros que vamos tendo, nos que se revelam determinantes, nos que desencadeiam novas procuras e novos encontros. Mas isto implica uma disponibilidade para o que se encontra, implica não estar cego numa específica procura, uma abertura ao novo, ao estranho, ao diferente, até àquilo de que não gostamos. Com os convidados desta emissão vou falar de procuras e encontros, de um mapa que vai sendo trilhado.

Vou falar com João Pinto Coelho, que se formou em arquitectura, é professor numa escola secundária em Trás os Montes, e é escritor; o seu primeiro livro Perguntem a Sarah Gross foi considerado um dos melhores livros do ano em 2016; com Os Loucos da Rua Mazur ganhou o último prémio Leya.

Helena Vasconcelos é crítica literária, coordena a comunidade de leitores da Culturgest, a sua estreia na ficção aconteceu com um livro de tributo a Jane Austen, Não Há Tantos Homens Ricos como Mulheres Bonitas Que os Mereçam.

Luís Barreiros é diplomata, viveu em Nova Iorque, Boston, Maputo, Bagdad, Zagreb, Havana. Com a mãe aprendeu a gostar de ler, nas colónias de férias em França e na escola em Inglaterra aprendeu as línguas dos outros, e os conhecimentos que estas transmitem.

 

A lista de Helena Vasconcelos, crítica literária

  1. A Ilíada e a Odisseia sempre;
  2. Autores: Shakespeare, Camões, Cervantes;
  3. Autoras: Jane Austen, Virginia Woolf, Toni Morrison;
  4. A Viagem - O Mar;
  5. Museus: percorrê-los e almoçar ou tomar chá nas cafetarias;
  6. Música: Hildegard von Bingen, Canticles of Ecstasy, John Coltrane, Love Supreme;
  7. Países: Índia e Moçambique; cidade: Nova Iorque;
  8. Direitos Humanos e dos Animais: sem a sua defesa, sem condições de vida, não existe cultura;
  9. Emoções fortes: ver os Caravaggio na Igreja de S. Luís dos Franceses em Roma, os Tiepolo (frescos em Würzburg e em Veneza);
  10. Estar no Festival de Teatro Clássico - Oresteia - em Siracusa, 2008.

 

A lista de João Pinto Coelho, escritor e professor

  1. A Casa Koshino - Tadao Ando;
  2. Rigoletto (Ah, veglia, o donna, questo fiore) Acto I - Giuseppe Verdi, Francesco Maria Piave (libreto);
  3. Traviata de Lisboa, Teatro S. Carlos, 1958 - Giuseppe Verdi, Francesco Maria Piave (libreto);
  4. Logicomix - Apostolos Doxiadis, Christos Papadimitriou, Alecos Papadatos, Annie Di Donna;
  5. Cem Anos de Solidão - Gabriel García Márquez;
  6. Se Isto é Um Homem – Primo Levi;
  7. As árvores de Birkenau;
  8. O meu encontro com Querubim Lapa;
  9. Shoah - Claude Lanzmann;
  10. Nuit et Brouillard - Alain Resnais.

 

A lista de Luís Barreiros, embaixador

  1. Dos livros que me eram lidos pela minha Mãe ao leitor ávido em que me tornei;
  2. As biografias para jovens (David Crockett ou Madame Curie) e
    Emilio Salgari. As obras completas de Júlio Diniz, integralmente
    lidas nos primeiros anos do liceu e nunca mais tocadas;
  3. A revista "Tintin”. A banda desenhada de Hergé e Hugo Pratt;
  4. As colónias de férias em França, a escola em Inglaterra: a
    aprendizagem de outras línguas e conhecimentos de "outros";
  5. A música clássica da infância a que voltei mais tarde; a
    descoberta da ópera. Os três Bs alemães (Bach, Beethoven e Brahms), os 2 Vs italianos (Vivaldi e Verdi), os Ms de Mozart e Monteverdi;
  6. Elvis Presley, Beatles e Rolling Stones, Simon & Garfunkel (o fabuloso "Bookends"). Leonard Cohen, Chico Buarque, José Mário Branco e Sérgio O Free jazz, os trios de piano (jazz). A Christina Pluhar e L'Arpeggiata;
  7. A incapacidade de desenhar duas linhas paralelas e a exposição
    "100 anos de pintura francesa": o deslumbramento com a pintura;
  8. Os anos 60, a contra-cultura americana, Jack Kerouac e On the Road;
  9. Marguerite Yourcenar;
  10. Maio de ’68 e o 25 de Abril.

 

(Quase) Toda uma Vida - Maria Teresa Horta

01.03.18


Poesia, insubmissão, luta. Nestas palavras está Maria Teresa Horta, poetisa, escritora, jornalista. É uma das Três Marias que escreveram as Novas Cartas Portuguesas (1972), que se empenharam na defesa dos direitos das mulheres e foram perseguidas por isso. Cresceu num mundo em que «as mulheres nem sabiam que tinham direito a ter voz». Por ser mulher, pôde exercer o direito de voto, apenas, e pela primeira vez, depois do 25 de Abril. 
Foi militante do Partido Comunista, tem, desde sempre, um discurso político categórico, um olhar que não condescende com os atropelos à democracia. 
A sua obra poética e em prosa é imensa, admirada, inclui títulos tão marcantes quanto Minha Senhora de Mim (1967) e As Luzes de Leonor (2011).
Nasceu em 1937.

Falo com ela no pequeno auditório do CCB, domingo, dia 11 de Março, às 17h.  
(Quase) Toda uma Vida é um ciclo de grandes entrevistas de vida a personalidades diversas, conhecidas e marcantes da vida portuguesa no último século.