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Anabela Mota Ribeiro

Curso de Cultura Geral - 8 Abril 2018

09.04.18

Nos últimos anos de vida, o escritor Scott Fitzgerald viveu com uma jornalista, jovem, para quem compôs um curso de cultura geral, onde estavam as obras que ele achava que ela devia conhecer. Ela, Sheilah Graham, condensou a experiência no livro College of One. Foi um curso para um, para uma, e foi uma tentativa de fixar um cânone. A ideia é desafiadora: o que deve constar numa lista assim? Quais são as obras a partir das quais podemos dizer que uma pessoa é culta? Outra coisa é pensar nas referências particulares, nas obras, encontros, livros, experiências que formam cada indivíduo. Isso implica um entendimento de cultura mais abrangente e menos circunscrito à erudição. É daqui que parto para este programa. Muitas vezes há uma coincidência entre o Aristóteles ou a Capela Sistina, entre os indisputáveis do cânone, e os nomes apontados nas listas particulares. Muitas, muitas vezes, não. E as obras apontadas são, sobretudo, peças que tiveram um efeito detonador, um encontro que possibilitou uma expansão do mundo. É com esta imagem de granada e de revelação que começo a conversar com o historiador Rui Tavares, a antropóloga Antónia Pedroso de Lima e Maria Mendes, curadora de documentários.  

 

A lista de Antónia Pedroso de Lima, antropóloga

  1. 25 de abril: despertar da consciência política;
  2. Crescer em Alvalade, adolescência no final dos anos 70/80: os amigos, os cafés, os jardins, o rock português;
  3. A música dos pais: cantores portugueses de intervenção, Jazz, MPB e ópera; a minha música: Beatles e Rolling Stones, Pink Floyd, Doors, Tom Waits. Os concertos: o jazz de Cascais, o Ser Solidário do José Mário Branco, o regresso aos palcos do Miles Davis;
  4. Teatro/ Cinema: O Círculo de Giz Caucasiano de Brecht e A Mãe de Gorki e Brecht. Providence e Hiroshima, meu Amor de Alain Resnais, Ter ou Não Ter de Howard Hawks;
  5. Viver fora do país: Barcelona/Tarragona;
  6. Livros: Cem Anos de Solidão de Garcia Márquez, Memorial do Convento de Saramago, Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, Esteiros de Soeiro Pereira Gomes; O Pregador de Erskine Caldwell, Condição Humana Philip Roth, Americanah de Chimamanda Ngozi;
  7. Estudar Antropologia;
  8. Fazer pesquisa etnográfica: aprender/compreender como “os outros” vivem estando com eles;
  9. Viagens: os EUA, o Egipto, Bali, o Atlas em Marrocos;
  10. Organização de festival Olhares do Mediterrâneo – Cinema no Feminino. Misturar amigos, cinema, antropologia, feminismo, cidadania, luta pela igualdade e divertimento.

 

A lista de Maria Mendes, curadora de documentários

  1. Na infância, conviver com pai mais velho e um ambiente muito distinto dos amigos;
  2. Ler Lavoura Arcaica (1975) do Raduan Nassar na adolescência;
  3. O Casamento, romance do Nelson Rodrigues (1966), lido aos 14, a pedido da escola (contra alguns pais, não os meus);
  4. Documentário Santiago, do João Moreira Salles (2007);
  5. Música brasileira, Milton Nascimento, Minas Gerais, que é hoje a ponte com a memória e o país;
  6. Os vinis do Tom Jobim, que dão rumo quando sinto saudade de casa;
  7. O Evandro Teixeira e o fotojornalismo brasileiro, que me abriram os olhos sobre a política e o detalhe;
  8. O cinema do Eduardo Coutinho, indo ao contrário do que era a televisão;
  9. A vida em Londres como choque com o Rio de Janeiro, e o produto disso;
  10. A exposição Photography and Architecture, no Barbican.

 

A lista de Rui Tavares, historiador

  1. Álbum A Arte Maior de Chico Buarque;
  2. Regresso à Arrifana, no Ribatejo. Uma coleção incompleta da revista Tintin. 1975?;
  3. Regresso a Lisboa, regresso à Arrifana. Tom Sawyer de Mark Twain lido em cima das árvores. Il Cappotto de Alberto Lattuada baseado em Gogol. 1981;
  4. Regresso a Lisboa. A biblioteca municipal da Penha de França: os anarquistas, Proudhon, e uma vida de Tolstoi. 1985?;
  5. A Guerra das Salamandras, de Karel Čapek e uma viagem ao outro lado da cortina de ferro. 1986?;
  6. O Barão Trepador, de Ítalo Calvino 1990;
  7. O Queijo e os Vermes, de Carlo Ginzburg 1991;
  8. O Naufrágio do Minotauro, de Turner, no museu da Fundação Gulbenkian 1993;
  9. A História Trágico-Marítima e as coleções de folhetos de cordel da BNL, 1994-95;
  10. Os documentos da Inquisição de Évora e da Real Mesa Censória na Torre do Tombo, 1996-98.