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Anabela Mota Ribeiro

Curso de Cultura Geral - a minha lista

02.11.18

1- Aprender a ler e a escrever com cinco anos, numa boa escola pública. Requisitar livros da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian que parava em Vila Real. Ter gosto em aprender. Adquirir as ferramentas fundamentais.

 

2- Ler o "Diário de Anne Frank" com 12 anos. Lê-lo de novo, ao telefone, com a minha irmã mais nova, 20 anos mais tarde. Visitar o anexo em Amesterdão muitos anos mais tarde com a minha sobrinha. O melhor e o pior da humanidade que estão ali, as vítimas e os carrascos. Pensar na importância de contar histórias, a História, de não deixar que se esqueça o que não pode ser esquecido. E ver isto numa cadeia de relações familiares.

 

3- Ver "Fanny e Alexander" de Ingmar Bergman, com 13 anos, e não perceber. E não esquecer, e ver outras vezes pelos anos fora, e perceber melhor, e nunca decifrar completamente. Ver antes disso muitos Charlot, Bollywood e Westerns. Ver depois disso filmes do Renoir, Rossellini, Ozu.

 

4- Trabalhar em rádio desde cedo. Ouvir rádio desde sempre. Lidar com tardes intermináveis, com o tédio, com o vazio, pacientar. Prestar atenção ao mundo através do som, da voz sem rosto. Prestar atenção às relações amorosas por causa das canções. Aprender sem perceber que estava a aprender o mundo.

 

5- Ouvir "Chega de Saudade" aos 17 anos. Sentir-me em casa numa casa (a Bossa Nova) que é muito longe da minha, no tempo e no espaço. Venerar Tom Jobim.

 

6- Viajar sozinha, estar a sós com cidades como Paris, Amesterdão, Florença, Rio de Janeiro, Pompeia, Nápoles, com muitíssimo pouco dinheiro, com pouco mais de 20 anos e 30. Ensinou-me a importância da solidão, a disponibilidade para o novo, o acaso, o diferente.

 

7- Escutar as centenas de pessoas que entrevistei, atentar na música de cada um, nas palavras usadas, na construção frásica, no âmago de cada ser humano. Aprender a receber o que nos dão, em forma de palavras, histórias, ensinamentos, espelhos onde nos revemos ou que rejeitamos. Praticar a empatia. Acolher a diferença. Ser um receptor, ter dois ouvidos e uma boca, falar menos. Além da disciplina de trabalho que isto implica, que é um pilar fundamental de quem sou. Perguntar, ouvir e escrever: três verbos fundamentais. Ouvir a voz dos outros para conseguir ouvir a minha. E traduzi-lo na escrita. 

 

8- Ter sido aluna de Maria Filomena Molder, na faculdade. Ter estudado com ela Dante, Baudelaire, Chillida, ter descoberto com ela, porque lido de maneira diferente, Goethe, os gregos, os mitos, a arte, um poeta como Mandelstam. Afinal, havia uma maneira de pensar que eu compreendia e onde as portas se abriam, e que me dava fôlego para fazer os meus caminhos. Gratidão infinita.

 

9- Machado de Assis, um milagre, a biografia e o génio. Estudar "Memórias Póstumas de Brás Cubas" no mestrado. Ler muitas, muitas vezes e descobrir sempre o tanto que me havia escapado.

 

10- Ter a quem perguntar. Aprender-me na ligação com o mundo, com os outros, como pessoa política, cidadã. Usar tudo o que está acima e mais para interrogar o mundo, para me pôr em causa, para me refazer. Ouvir como se fosse um mantra: "Falhar, falhar sempre, falhar cada vez melhor", de Beckett. Saber que há pessoas como o Eduardo Lourenço.