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Anabela Mota Ribeiro

Somos Douro: um balanço

14.12.18

Desde há semanas que penso no Somos Douro. Junho parece longínquo e, no entanto, foi ontem. Folheio o álbum de quase três semanas no Alto Douro Vinhateiro, na fotografia a nossa expressão é a de pessoas felizes.

Passou meio ano.

Entretanto a filha da Tatiana Salem Levy, que estava nos primeiros meses de gravidez, nasceu. A Maria Mota ganhou mais um prémio pela investigação do parasita da malária. A Ana Margarida de Carvalho foi publicada no Brasil, com sucesso. Há novo romance de Richard Zimler e uma antologia de poemas de Pedro Mexia. Os chefes de Estado reunidos em Paris para assinalar o armistício da Primeira Guerra levam-me até às configurações da Europa nos últimos 100 anos, traçadas por Fernando Rosas. Os nomes de Sophia de Mello Breyner, Miguel Torga, Aquilino Ribeiro levam-me aos dias gloriosos em que dezenas e dezenas de pessoas (crianças e jovens incluídos) ouviram falar destes autores, autores que nos ajudam a saber quem somos e a interrogar o mundo. As celebrações dos 20 anos do Nobel de Saramago estão agora em fase de conclusão. Fernando Pessoa, a literatura, a arquitectura, a História e o Património são uma marca identitária sublinhada no Somos Douro. Fizemos desenhos sobre desenhos rupestres, convidámos jovens a olhar e a pôr o Douro no mapa. Conjugámos os verbos:

Ser / Pertencer

Aprender / Fazer

Descobrir / Partilhar

Trabalhámos muito, percorremos um serpenteado de caminhos, pensámos uma região, envolvemos pessoas da região, levámos pessoas até à região. Não uso um plural majestático por usar, falo de um colectivo, disseminado pelos 19 municípios da CIM Douro, que, com a equipa da CCDR-N e a Liga dos Amigos do Douro, se empenhou na organização do festival, e participou nele.

Em Junho lançámos uma semente. Vou partilhar convosco o essencial deste processo de inseminação.

Pensei um programa a partir do enunciado que me foi dado pelo prof. Freire de Sousa, do qual recebi total liberdade e confiança no meu trabalho, o que agradeço muito. O objectivo era criar um programa que agitasse o Douro, que tivesse os jovens na mira e que incluísse um fórum que respondesse ao repto lançado pelo Prof. Miguel Cadilhe em Dezembro de 2016. A partir daqui, concebi um programa, configurei a sua expressão nos 19 municípios, dei-lhe uma identidade e coerência internas, dei-lhe a forma de festival multidisciplinar assente em conversas, roteiros, espectáculos e oficinas. Isto seria um modo de celebrar o Alto Douro Vinhateiro distinguido pela UNESCO. 

Neste projecto ambicioso, participaram pessoas de várias áreas e saberes, de inquestionável qualidade e reputação nacional. Pedi-lhes que me ajudassem a interpretar e valorizar o desenho do Somos Douro, e, nalguns casos, que me ajudassem a encontrar os melhores interlocutores, as pessoas mais qualificadas para determinados trabalhos; caso do politólogo Pedro Magalhães que me indicou o nome do Prof. Patrício Costa da Universidade do Minho para coordenar a sondagem do Somos Douro.

Parênteses: o resultado da sondagem, que teve, além da coordenação de Patrício Costa, o empenhamento da Daniela Monteiro, pode ser consultado aqui. 

Se conto isto, faço-o para dizer que há nomes visíveis e há também nomes que não vêm a público, mas que são indispensáveis para o bom curso dos projectos. Há um trabalho de formiga, infatigável, perseverante, nos meandros das instituições: este trabalho corresponde às fundações, aos pilares, à ossatura de projectos como o Somos Douro. Não consigo trazer as dezenas de nomes de pessoas que trabalham nas câmaras municipais e equipamentos de cada município, mas posso afirmar com certeza que sem elas, sem o seu contributo, isto não aconteceria assim. Então, publicamente, quero agradecer aos autarcas e suas equipas que acolheram o festival e se mobilizaram para que a população pudesse usufruir de cerca de 30 iniciativas. Vou mencionar os municípios por ordem alfabética: Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Lamego, Mesão Frio, Moimenta da Beira, Murça, Penedono, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca, Torre de Moncorvo, Vila Nova de Foz Côa, Vila Real. Muito, muito obrigada.

Ao longo de meses extraordinariamente ocupados, contactei individualmente as dezenas de pessoas que participaram, expondo o figurino do Somos Douro e condições genéricas de participação; era uma abordagem curatorial que desde logo me permitiu sentir uma reacção calorosa. Pessoas tão ocupadas quanto o vice-reitor da Universidade de Lisboa, António Feijó, Pedro Mexia, assessor cultural do Presidente da República, ou o fadista Camané, que imediatamente disse sim ao desafio de interpretar dois fados com alunos do Conservatório de Música de Vila Real, estas e outras pessoas tinham disponibilidade para participar.

Logo depois fiz a ponte com a equipa da CCDR-N, coordenada pelo Vítor Devesa, com a Julita Santos, que fez a produção executiva, e as equipas de cada município que agilizaram as mais diversas questões, sobretudo de carácter orçamental e logístico, garantindo assim que o festival acontecesse meio ano após o seu anúncio. Por vezes, e apesar de não ser meu hábito o acompanhamento destas questões, acompanhei muitas delas de perto. Porquê? Porque me senti profundamente envolvida com o Somos Douro e com a responsabilidade que assumi quando o Prof. Freire de Sousa me convidou para ser comissária.

Ser comissária, como eu o entendo, não é apenas dar a cara, estar presente; é definir uma estratégia, assumir uma identidade, fazê-la acontecer. Gerar, acompanhar o parto e depois os primeiros passos da criança. 

Tenho noção de que muitas das pessoas que participaram, que fizeram esforços de agenda, que baixaram generosamente o seu cachet, o fizeram atendendo à relação pessoal que tenho com elas e à confiança que depositaram no projecto. Mas outras eram para mim desconhecidas e vieram também. Agradeço muito, por ordem de entrada no festival, a Camané, Orquestra de Câmara do Conservatório Regional de Música de Vila Real, Bárbara Reis, Capicua, Pedro Santos Guerreiro, Rita Ferro Rodrigues, Pedro Mexia, Leonor Baldaque, Bernardo Pinto de Almeida, Ana Margarida De Carvalho, Tatiana Salem Levy, Alberto Correia, Aquilino Machado, Serafina Martins, Maria Manuel Mota, María Salgado, António Feijó, Cláudia Costa Santos, António Belém Lima, Ana Vaz Milheiro, Richard Zimler, Joel Cleto, António Sá, Manuela Correia, Eduardo Souto Moura, Graça Correia, Carlos Mendes de Sousa, Carlos Pazos, Ana Luísa Amaral, Irene Flunser Pimentel, António Carvalho, Maria de Jesus Sanches, Fernando Rosas, António Jorge Gonçalves, Sofia Marques Da Silva, José Luís Peixoto, Álvaro Fernandes Andrade, Camilo Rebelo, Tiago Pimentel, Ângela Nunes, João Pinto Coelho, Filipe Raposo, Ana Brandão, Bandas Filarmónicas da Região, Patrício Costa, Daniela Monteiro.

No caso do Fórum Jovem, a equipa da CCDR-N interveio de forma mais directa na escolha do modelo organizativo, entregue à Territórios Criativos, e no convite aos jovens participantes. Foi um importante momento de reflexão. Pela minha parte, escolhi os dinamizadores de cada mesa, por serem nomes de enorme saber e prestígio no espaço mediático e cultural. São eles Bárbara Reis, jornalista e ex-directora do Público, Capicua, rapper e doutorada em Sociologia, Pedro Santos Guerreiro, jornalista e director do Expresso, e Rita Ferro Rodrigues, apresentadora de televisão e fundadora da associação feminista Capazes.

Abro já aqui um parêntesis para falar da causa feminista, que me é tão cara. Falei há um ano da preocupação com a paridade de género; faço agora as contas e concluo que ela não foi exacta, mas é equilibrada. Entre os participantes do Somos Douro, há 24 homens e 20 mulheres.

Isto abre espaço para falar da presença da Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, defensora das quotas, como eu, no encerramento do Fórum Jovem.

Além da presença de Rosa Monteiro, tivemos também connosco o então ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, no primeiro dia do festival.

Do ponto de vista institucional foi feito um trabalho de divulgação, nomeadamente junto dos gabinetes do Presidente da República e do Primeiro Ministro, e estabelecidas parcerias que enriqueceram o festival. Permitam-me destacar reuniões com Maria Manuel Leitão Marques, Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, da qual resultou a acção In.Code, e também com Ana Mendes Godinho, Secretária de Estado do Turismo, que teve a ideia de declinar o concurso Ponha Portugal no Mapa do Turismo de Portugal num programa destinado a jovens youtubers da região duriense. Outras parcerias: com Teresa Calçada, directora do Plano Nacional de Leitura, Pilar del Río, presidenta da Fundação José Saramago, Javier Rioyo, director do Instituto Cervantes, Bruno Navarro, director do Museu do Côa. Foi especialmente frutuosa a nossa relação com a Ordem dos Arquitectos, secção regional norte, com a sua presidente, Cláudia Costa Santos, juntos fizemos um importante roteiro de arquitectura.  

A quase integralidade destas acções foi feita com um orçamento reduzido e assumido pela CCDR-N, na qualidade de entidade que tem a obrigação de cuidar do bem Douro – Património Mundial. Desde o princípio, pedimos aos autarcas que nos cedessem espaços e meios logísticos, apoio no terreno, ajuda para a mobilização de públicos, mas dissemos que o encargo financeiro para eles seria nulo ou muito, muito reduzido. Creio que foi assim.

Tenho a certeza de que concordam comigo se disser que, nestas condições, só com uma equipa eficaz todas as peças se conjugam. Além de agradecer à equipa da CCDR-N, gostaria de agradecer muito especialmente à Julita Santos. Ela é uma máquina! Sem este acompanhamento directo, município a município, que ela fez, laboriosamente, num período anterior ao festival, fazendo centenas e centenas de quilómetros, fazendo dezenas e dezenas de reuniões com autarcas e representantes autárquicos, e passando incontáveis horas ao telefone com eles, não haveria Somos Douro, este Somos Douro.

Mas um programa precisa chegar a muitas pessoas. Não só aquelas a quem se dirige num plano imediato, mas a pessoas que, através de diversas plataformas, acedem ao que se passa naqueles dias, naquela geografia. Gostaria de destacar, pelo seu alcance nacional e relevância, entrevistas na Antena 1 (programa de João Gobern e Margarida Pinto Correia), na TSF (Nuno Domingues), duas páginas e chamada de capa no Jornal de Notícias (texto de Helena Teixeira da Silva), e uma página na revista do Expresso (por Valdemar Cruz). Já agora: o post mais visto, no decorrer do festival, no meu Facebook foi com Richard Zimler em Torre de Moncorvo, e alcançou cerca de 11 mil pessoas.
O Somos Douro foi muito intenso, fisicamente desgastante, mala às costas, frio e calor, uma compreensão do tempo elástica. Entre 1 e 17 de Junho percorremos 19 municípios. Para mim foi um reviver da minha geografia (cresci em Vila Real), fez-me conhecer pessoas, aprender tanto. O fôlego era retomado com a gratificação de perceber que o festival fazia diferença. Talvez pela primeira vez, acontecia qualquer coisa que dava uma unidade àquele extenso mapa, que não deixava ninguém de fora, nenhum município. Com esta distância, depois de tudo maturado, arrisco dizer que a inclusão foi mesmo a ideia capital, aquela que para mim sobressai.

Como comissária do Somos Douro interrogo-me: um festival assim, medra? Se uma actividade medrar, uma que seja, se um destino for diferente por causa daqueles encontros, descobertas, fruição, potencialidades, que alegria. Se ficar uma centelha desses dias, se isso for um detonador de qualquer coisa, que mais se pode pedir? Chega?, não chega. Mas no mundo imperfeito em que vivemos só podemos empenhar-nos no impossível, e ver adiante a criança que nasce, o reconhecimento que chega, o andar continuado. Com a certeza de que a terra é fértil.

 

Texto lido no encerramento do Somos Douro, a 14 de Dezembro de 2018, em Santa Marta de Penaguião.