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Anabela Mota Ribeiro

Paulo e Zé

29.06.19

O Paulo e o Zé formam um casal. Vivem em Lisboa. São professores de liceu. O Paulo tem 34 anos e o Zé 47. Usam aliança e preenchem a folha do IRS em conjunto. Vão juntos à casa da mãe do Paulo. Não vão juntos à casa do pai do Zé. Vão juntos ao supermercado e perguntam à senhora da peixaria como se faz aquele peixe. Não andam abraçados na rua. Os amigos são heterossexuais e homossexuais. Quase não frequentam bares especificamente gay. Não têm um discurso panfletário. Dizem que vivem bem a sua condição homossexual. Têm uma gata chamada Vitória. Têm fotografias um do outro e da família espalhadas pela casa. Gostam de livros. Têm um blog onde falam do que sentem (o Zé diz que o blog é mais alimentado pelo Paulo do que por ele). Riem juntos, sonham juntos, decidem juntos (embora o Paulo seja mais mandão e o Zé goste que decidam por ele). O Paulo gostava de ter um filho, o Zé não. Ambos gostavam de casar. Ambos sentem que formam com o outro uma família. Diferente da sua família de origem.

Os amigos straight, quando têm mais confiança, perguntam-lhes como é a sua vida de todos os dias. Nós perguntámos o mesmo. 

 

 

Podem apresentar a vossa família de origem? Para perceber o vosso conceito de família e esta família que agora formam.

Zé – A minha família de origem é do mais tradicional que se possa pensar.

Paulo – A minha também.

Z. – As nossas famílias são muito parecidas ao nível do que pensam, inclusive sobre a homossexualidade, e na forma como estão constituídas. 

P. – A grande diferença é que a minha família é muito grande. Tenho muitos irmãos. Somos bastantes chegados. Se não os visito, reclamam. O Zé nunca conheceu o meu pai. Conhece a minha mãe.

Z. – Curiosamente, ou não, o pai do Paulo faleceu mais ou menos na altura em que faleceu o lado feminino da minha família (a minha mãe e a minha irmã). Isso juntou-nos um pouco. Senti muito fortemente aquela perda, e o Paulo também. Aquelas datas, anualmente, marcam o nosso calendário.

 

Dão-se com a família do outro?

Z. – Dou-me bem com quase toda a família do Paulo. Não sinto em nenhum momento – desconhecendo eles a nossa situação real, ou seja que vivemos em união de facto – que me excluam. Nem à mesa, nem no café, nem naquilo que é preciso fazer durante o dia.

P. – Não há piadas sobre o que poderemos ter… Toda a gente na minha família sabe que moro com o Zé há seis anos, que há mais tempo ainda fazemos férias juntos. Sempre que vou à aldeia, o Zé também vai (a não ser que não possa).

 

É um jogo tácito?

P. – Às tantas não sei se é ignorância, se é um silêncio para não tocar na ferida.

Z. – Percebo a aceitação da situação de anormalidade que existe. Mas ao mesmo tempo, não se toca no assunto, não se procura saber mais. Aceita-se como está, e está bem. E depois há aqueles comentários que nos fazem sorrir; quando a mãe do Paulo diz: “Levem isto”. E não: “Leva”. A utilização do plural… Não é uma coisa que se dá só ao filho, mas que se dá também ao outro. “Precisam disto? Quando é que vêm?”. Coisas perfeitamente normais – normais em qualquer outro relacionamento. Não consigo perceber se esconde algum conhecimento além daquilo que se diz. Da parte do meu pai, não existe conhecimento de todo. Tenho pena que o Paulo não o conheça.

 

Porque é que tem pena?

Z. – Olho para ele com um sentimento de defesa. Para o proteger da sua condição de cardíaco, de pessoa de 80 e qualquer coisa anos que se enerva com a mais pequenina das coisas. Sinto obrigação de o preservar de qualquer aflição. Se tivesse necessidade de o confrontar com isto, haveria um momento de recusa – natural – e até de rejeição, que seria ultrapassada. Já no resto da família que ainda sobrevive, conhecem o Paulo, e sabem.

 

Isto leva-nos novamente à família de origem. No percurso heterossexual, estuda-se, casa-se e procria-se. Que expectativa havia, e que cada um tinha, em relação às vossas vidas?

Z. –A minha irmã era mais velha, casou e teve filhos. Comigo, sim, “quando é que casas?, já tens namorada?”. Nunca senti necessidade de ter descendência. Nunca, por vontade minha, tentei reproduzir o modelo que tinha em casa. E continuo sem sentir, para mal do Paulo, que gostaria de adoptar [uma criança].

P. – Eu senti pressão de outra forma. Sou beirão, de uma zona isolada e o facto de ter querido estudar e de os meus pais me terem dado essa possibilidade, fez com que tivesse vivido muito pouco com eles. Tornei-me muito independente. Nunca lhes dei conta da minha vida. A verdade é que interiormente foi muito complicado assumir-me, perceber o que sentia, saber que possivelmente nunca teria filhos – naturalmente ou que não poderei adoptar.

 

Antes de assumir para si mesmo, desconfiava que a sua inclinação não coincidia com a norma?

P. – Não tinha noção do que sentia, do que é que era. Apesar de, agora, retrospectivamente, [risos] perceber que sempre fui! No décimo ano, percebi que existia amor entre homens. Pela revista Kapa. Se calhar, era aquilo que me perturbava… Lentamente fui-me adaptando à ideia. Vim para Lisboa, ainda tive uma namorada no primeiro ano da faculdade. Pensei que se calhar era bissexual, se calhar as coisas ainda não estavam bem definidas… Depois achei que não valia a pena continuar a enganar-me.

 

Falem-me dessa fase em que ainda não têm a certeza do que são. Ou seja, do reconhecimento e da aceitação da orientação sexual.

P. – Eu queria provar a mim próprio que não era nas mulheres que teria a metade que me faltava. Nunca, sequer, houve entre nós [a minha namorada e eu], concretização sexual.

Z. – No meu caso, é a mesma coisa. Saí de casa cedo. Aos 17 anos fui trabalhar para outra zona do país. Nasci no distrito de Santarém e fui para Faro. Os comentários à minha volta faziam-me pensar nessa hipótese. Os outros tinham namorada, iam ao bailarico… As tentativas que fiz eram no sentido de ser como eles, e não de me sentir bem comigo próprio. E fui lendo, e fui vendo o mundo ao meu redor.

 

O que é que leu?

Z. – A primeira coisa que li foi A Sombra dos Dias do Guilherme de Melo. Percebo que aquela…

P. – Pulsão?

Z. – Aquela instabilidade que sentia, aquele desconforto, não era só meu. Deve ter sido isso que me deu forças para assumir: “Sou diferente, vou ser diferente, vou ser como sou”. Nunca fui de me violentar, de me obrigar a fazer coisas.

 

Seriam quem são hoje se tivessem ficado na aldeia? Se tivessem ficado, teriam feito um casamento convencional, mantendo uma vida íntima dúplice?

P. – É bem possível. Eu nunca quis lá ficar. Também por causa disto. E por querer estudar, conhecer mais coisas. Odiava a aldeia. A relação com o meu pai também não era fácil. Mais tarde, passei a gostar da paisagem, do rio, das montanhas. Refugiava-me a ler e a escrever, e a olhar para as pedras. Uma vez fiquei a olhar a água, (havia uma albufeira) uma meia hora. Aquilo revoltava-me muito.

 

Nunca lhe ocorreu suicidar-se?

P. – No secundário, sim. Houve outros factos: aquilo a que agora se chama bullying. Era bastante gozado, ostracizado, e não fazia por tentar provar o contrário. Eu não tinha consciência do que era.

 

Quando era gozado chamavam-lhe maricas? Estou a tentar perceber concretamente as razões por que se metiam consigo.

P. – Sim. Havia um nome…, que nem vou pronunciar, que odiava. Então, quis sair. Em Castelo Branco o espaço era maior, o anonimato era maior, não conhecia ninguém – era começar do zero.

 

As pessoas à volta chamavam-lhes esses nomes, e é pela Kapa que sabe que há amor entre homens? Não tinha os jogos masturbatórios da adolescência?

P. – Tinha, tinha. Mas era ignorância pura.

 

Ignorância ou recusa?

P. – Eu nunca tinha ouvido a palavra homossexual. Não imaginava que fosse possível ter uma família com um homem. Não foi uma recusa – pelo menos consciente, não foi. Não tinha modelo nenhum. Era mesmo ingenuidade. A leitura do artigo foi uma revelação incrível! Além de não ser o primeiro, também não sou o único! – pensei. [risos] Tinha 16 anos.

 

É demorado o tempo de maturação íntima. Até à universidade, quando falou disso pela primeira vez, ainda viveu uma certa ambiguidade. O que é que era terrível?, pensar como é que ia dizer à sua mãe?

P. – Aos meus pais. Sim, era isso. O que é que lhes digo?, como é que enfrento os meus irmãos, as pessoas da aldeia? Era como tirar o chão dos pés. Tive vários vezes o desejo de desaparecer, esvair-me, esfumar-me. Cortar os pulsos, tomar comprimidos, atirar-me à linha do comboio, sei lá…

Z. – Eu nunca tive qualquer ideia de acabar comigo. Se calhar porque o meu percurso me permitiu não ter. Depois dos nove, dez anos vivi pouco tempo sob a alçada dos meus pais. Passei a viver num colégio, onde era gozado. Mas sempre associei aquela gozação ao facto de não ter jeito para jogar futebol.

 

Soube cedo?

Z. – Muito cedo. Os primeiros encontros tive-os na adolescência. Encontros fortuitos no colégio. Não consigo decidir até que ponto foram decisivos. Quando deixo o colégio e no Algarve tenho acesso a outras ofertas, faço claramente escolhas. É quando decido não me violentar e fazer o que os outros queriam que eu fizesse. Tive um relacionamento heterossexual que até durou algum tempo, que foi consumado e que era até interessante; mas não me preenchia. Havia ali alguma coisa que não batia certo. E acabou. Sem trauma.

 

Como é que se conheceram e perceberam que o outro era “o tal”?

P. – Fomos colegas de faculdade, embora tenhamos frequentado cursos diferentes.

Z. – A minha licenciatura é tardia.

P. – A primeira vez que nos cruzámos foi num almoço na cantina. Mas eu tinha uma relação. Estávamos em universos diferentes. Reencontrámo-nos em 2001.

Z. – Eu passei por um período muito conturbado na minha vida. Tive um relacionamento muitíssimo infeliz, que acabou muitíssimo mal. Foi um dos factores que me fez sair do Algarve. Aquele desencanto fez com que não contemplasse a hipótese de ter outro relacionamento. Centralizei-me no estudo, no trabalho. 

 

Esteve ligado à produção de espectáculos. Os homossexuais, durante muito tempo, eram “os artistas”. E o modelo eram as bichas histriónicas, a bizarria, a excentricidade. Um modelo diferente do gay que temos hoje em dia. Viveu de uma maneira socialmente diferente a sua orientação sexual?

Z. – Acho que não. Mesmo na actividade anterior, sempre fui uma figura muito discreta. Isso não condicionou a maneira como eu me via ou como os outros me viam. Os estereótipos de que estamos a falar – o cabeleireiro, o designer: aceita-se que sejam homossexuais – mantêm-se hoje em dia.  

P. – Há vários modelos. Já não é só o da bicha histriónica.

Z. – Mas o estereótipo só é quebrado quando as pessoas são directamente confrontadas com ele. Toda a gente aceita que o cabeleireiro do salão da esquina seja homossexual, e só ultrapassa o choque quando o talhante também é homossexual.

 

É o estereótipo do homossexual que tem profissões que são tradicionalmente femininas. Para si, há uns anos, o modelo disponível era o do artista?

Z. – Nunca me identifiquei com as plumas. Tive sempre uma aversão à ostentação da homossexualidade dessa forma folclórica. Tenho a impressão que as pessoas que vão por esse caminho também se violentam um pouco: é uma tentativa exagerada de afirmação. No seu dia a dia, sem estarem outras à frente, não são assim.

P. – Ou não. Se calhar são mesmo assim.

Z. – É como se vivessem 24 horas por dia num palco. Não me identifico.

P. – Eu também nunca me identifiquei com as plumas. Há faces mais visíveis e menos visíveis. Para os vizinhos, os mais visíveis são mais facilmente catalogáveis. E desenvolveu-se muito esse estereótipo que não corresponde à realidade; há homossexuais que não suportam plumas.

 

Voltemos ao momento em que se encontraram verdadeiramente.

P. – Foi um processo muito calmo. No princípio achava que era mais uma relação, que não ia dar em nada, que cada um seguiria o seu caminho. Mas pelo conhecimento mútuo, e pelo facto de ambos procurarmos uma estabilidade emocional, as coisas foram-se desenvolvendo. A partir de certa altura foi tácito que tínhamos uma relação.

Z. – E depois surgiu a hipótese de morar juntos. Não foi planeado. Começámos por fazer férias juntos. A colega e amiga que partilhava casa comigo saiu…

P. – E eu vim para cá. Mas também nos perguntámos: “Todos os dias a viver juntos, como é que vai ser?, a aturarmo-nos…”.  

 

De que é que tinha receio?

P. – Que não nos suportássemos. Mas não, não se estragou nada. E a nossa vida é do mais comum que pode haver.

 

Como é que é a vossa vida?

P. – Não há tarefas “isto é o Paulo que faz, isto é o Zé que faz”. É em função do nosso dia a dia. Se o Zé está fora, sou eu que cozinho. Agora estou eu numa fase mais complicada e é o Zé que cozinha e trata da casa.

 

Num casal straight, na generalidade dos casos, elas lavam a casa de banho, eles arrumam a louça. Há tarefas de homem e tarefas de mulher.

Z. – Na casa dos meus pais, sempre ajudei. Aspirava quando era preciso aspirar, limpava o pó. Nunca olhei para isso como um trabalho que a mulher faz. O meu pai fez isso ao longo da vida, e não era homossexual.

P. – Nesse ponto não eram tradicionais.

Z. – Reconheço que era atípico: mas era o meu modelo. Aqui em casa, o Paulo não põe a máquina a lavar. [Paulo olha com surpresa]

Puseste alguma vez? [risos] Há uma partilha, sem pensar e sem cobrança. Há entreajuda, “vai fazer o que tens a fazer, que eu faço”.

 

E a gestão do dinheiro, que é um tópico quente na vida de qualquer casal?

P. – Dividimos as despesas. Com a diferença de que o Zé ganha melhor do que eu. Há momentos em que ele quase me sustenta. 

Z. – A nossa luta tem a ver com o facto de eu às vezes fazer compras e não colocar os tickets para a partilha, e ele insistir em dividir.

P. – Não temos conta conjunta. Eu sou professor, mas sou contratado, não estou estabilizado.

Z. – Eu, além do ensino, estou numa empresa de formação. Mas sou professor de profissão. Fazemos as compras em conjunto. As senhoras da peixaria atendem-nos com um ar brincalhão que só as peixeiras têm, e que nos faz perceber que elas sabem quem têm pela frente…

P. – Ou então és tu que pensas que é assim.

 

É uma questão que se levanta muitas vezes? Se os outros percebem que são um casal?, que são homossexuais?

P. – Sim.

Z. – Nunca penso nisso.

P. – Dê-me exemplos concretos.

 

Chega ao conselho de turma e pergunta-se se os seus colegas percebem que é gay, se os seus alunos percebem que é gay?

P. – Nunca estive dois anos seguidos na mesma escola. Como sou contratado, salto. Normalmente não falo do assunto. A não ser com alguém com quem sinta confiança. Também não evito o assunto. Se vier a talhe de fouce, eu falo. Não é um aspecto importante, quer com os alunos, quer com os colegas. Ao cabo de alguns meses, vão percebendo que há ali alguma coisa, têm suspeitas…

 

Percebem como?

P. – Pelos meus gestos, pelas minhas reacções.

 

Alguma vez se viu ao espelho para tentar perceber se a sua gestualidade era reveladora da sua orientação sexual?

P. – Sim, várias vezes. Lembro-me perfeitamente de ter perguntado ao Zé qualquer coisa acerca da minha voz… Se se percebia.

Z. – Mas aí, estamos no domínio dos estereótipos: o homossexual tem de ter uma voz de cabeça, fina, tem gestos mais delicados… Mas isso, em mim, tem a ver com a educação: sou uma pessoa formada, não sou grunho, tenho algum requinte na minha postura. Se as pessoas entendem ler nesses gestos um sinal da minha homossexualidade, problema delas. Estou a falar de gestos de todos os dias. Depois, há outros. Mas aí estamos a desviar novamente a conversa para as plumas.

 

Desde quando usam aliança?

P. – Há um ano e tal. Era uma coisa que jamais iria usar! [risos] Mas depois, fui eu que a propus ao Zé. Havia coisas que eu associava ao modelo heterossexual. A aliança, a fidelidade, o viver juntos.

 

Porquê essa recusa do que é convencional?

P. – Era alguma revolta contra esses modelos. Porque eu não podia cumpri-los! O que me estava reservado…

Z. – Não podia ser transformado nesses símbolos.

P. – Não podia casar, não podia ter descendência... A aliança era a cereja no topo do bolo!

 

Era também uma forma de vingança? Por ser excluído daquilo.

P. – Também. Por ser excluído e por me sentir excluído. E ver os colegas à volta a casarem…

Z. – Termos optado por usar a aliança é mostrar que aquilo que temos é mais do que aquilo que a maior parte das pessoas julga ter. Muitas vezes, têm apenas no símbolo, mas não têm na realidade. É o caminho inverso: casam-se, recebem a aliança e as coisas correm mal. No nosso caso, as coisas correram bem e depois fomos buscar o símbolo. 

P. – O amor é eterno enquanto dura. Fiquei vacinado com relações que me deram uma absoluta descrença. Não achei que fosse possível ter uma relação estável, duradoura.

 

Porque era uma relação homossexual?

Z. – Não.

P. – Também. Achava que os homossexuais eram muito promíscuos, de um modo geral.

 

Esse é outro estereótipo.

Z. – As coisas não podem ser vistas assim! Os homossexuais são promíscuos e os heterossexuais não são!

P. – Claro. Cada pessoa é uma pessoa.

Z. – Numa relação heterossexual oficializada, o erro de casting é mais difícil de corrigir. Tem que se levar o erro até ao fim ou até a corda rebentar.

 

Não têm de lidar com o falhanço social que um divórcio representa.

Z. – Exactamente. Não é reconhecido e, por isso, não existe. 

P. – O facto de a relação não ser conhecida, levava a que existissem muitas mais, sem qualquer compromisso ou cumplicidade, que não a do mero interesse físico.

 

Têm uma diferença de idade de 14 anos. Como é que a sentem?

Z. – Tenho um temperamento que não tem nada a ver com a minha idade. Tenho agora 47 anos. Um dos pontos que leva a que a nossa relação seja tão boa é o sentido de humor.

P. – Rimos um do outro, rimos um para o outro. E, no exterior, há muita coisa que comunicamos sem ser preciso falar. Pelo olhar, um toque na perna, no ombro. Temos um sentido de humor sarcástico.

 

Riem de quê?

P. – Em casa rimos de nós próprios. De qualquer coisa que eu disse com a voz mais aguda! [riso]

Z. – Uma palavra que se disse mal.

P. – Ontem querias dizer palitos e disseste outra coisa qualquer!

 

É diferente nascer em 75 e ser gay hoje ou nascer em 61 e viver esta condição há 20 anos.

P. – No meu caso, não foi muito fácil. Para os que vieram depois, os dos anos 80, foi mais fácil; e será mais fácil para os nascidos nos anos 90. Na última década, a internet funcionou com uma auto-estrada!

Z. – As diferenças de percurso e aceitação têm também a ver com a questão do espaço físico em que se está. Ter 47 anos e morar numa zona urbana dá-me algum à-vontade para não estar tão preocupado com o que dizem sobre mim como estaria há um tempo atrás. Estou perfeitamente definido no que sou.

 

A vossa senhoria faz comentários?

Z. – Não. Quando lhe comuniquei que ia partilhar a casa, terá dito: “Cada um faz o que quer dentro da sua casa, não tenho nada a ver com isso”. Se acontece cruzar-me com um habitante do prédio, ele pergunta-me como estou e logo a seguir pergunta-me como está o Paulo. “Está bom?, e o Paulo, como é que está?”. Perguntam e nomeiam-no. Há uma associação que fazem, não em termos conjugais. Para eles coabitamos, mas não enquanto casal.

 

Partilham a mesma casa e usam aliança, e acham que os seus vizinhos não percebem que são um casal?

Z. – Acho.

P. – Acho que é isso. Se andássemos de mãos dadas, as pessoas reagiriam de outras formas. Actos de intimidade no exterior, chocam, ferem, provocam e causam muita irritabilidade e susceptibilidade. Como não vêem esses actos, há uma dúvida… Já toda a gente viu que usamos aliança.

Z. – E já toda a gente nos viu ir às compras juntos, voltar com as compras juntos.  

P. – Lidam connosco com imenso respeito.

 

Têm vontade de se tocar em público?

P. e Z. – Às vezes.

P. – Ir na rua e dar a mão. Ou abraçar. Não poder fazer isso não me deixa fora de mim, mas, bolas, porque é que não posso?

 

Por que é que a vossa opção é não o fazer?

P. – Da minha parte é uma atitude de defesa. Para não ser apontado.

Z. – Estava a lembrar-me do beijo que demos quando te fui deixar à escola, e que foi visto por não sei quem; ficaste incomodado com isso? Eu não.

P. – Descobri, anos depois, que os alunos tinham visto e todos sabiam que o professor era homossexual.

 

Essa cena tão banal – ir levar o outro no emprego e despedirem-se com um beijo nos lábios – não a fazem habitualmente. Ou se fazem, que consequências, na prática, é que tem?

P. – Há uma aprendizagem que fazemos: tem de ser às escondidas! Para não nos rotularem. Quando estamos na aldeia não nos tocamos – ponto!

Z. – Também nunca vi nenhuma das tuas irmãs ter uma manifestação de carinho com um dos teus cunhados.

P. – Não sei se pela presença da minha mãe…

 

Frequentam restaurantes e bares gays? A vantagem nesses sítios é não terem o dedo apontado.

Z. – Sim. Mas quando saímos, não fazemos essa selecção. A bares especificamente gay, fomos meia dúzia de vezes.

P. – Não me sinto mais à vontade nesses sítios, porque há uma fome no olhar que me retrai.

Z. – É isso e é outra coisa: como não vamos muito, somos olhados como estranhos. Sinto isso tanto num bar gay como noutro onde não tenhamos hábito de ir.

 

Gostavam de poder casar?

P. – Sim, muito. Acho que o Zé também. Talvez me desse mais força para contar. Para falar explicitamente com os meus irmãos sobre isto. De poder dizer às minhas colegas que não é uma mulher... O que é que acontece? “A tua mulher, e não sei o quê…”. Eu fico a olhar, rio-me e não digo nada. Quando as coisas evoluem, digo: “Olha que não é uma mulher”. Normalmente as pessoas reagem bem.

 

O que é que teme realmente que aconteça se falar sobre isto com a sua mãe e aos seus irmãos? Que riscos correm?

P. – Fazer sofrer. Pela franqueza, destruir, ou confirmar a destruição das expectativas que tinham em relação a mim.

Z. – No campo profissional, no nosso caso específico, não há nenhum receio. Consideramo-nos bastante competentes e não creio que pudesse vir alguma chantagem. Na empresa onde estou a coisa não é dita, mas também não é desdita. E acabei de ser promovido.

P. – Não é mentira. É ocultação. Se somos mais abertos, estamos sujeitos a uma reacção homofóbica ou de segregação. Viram as costas – há colegas que fazem isso.

Z. – [num tom irónico] Temos pena…

P. – Mas [lidar com isso] depende de como estás emocionalmente.

 

No Natal, como fazem?

P. – A nossa família desfaz-se e cada um vai para a sua família. A minha mãe diz-me sempre para levar o Zé, e eu digo-lhe: “O Zé tem pai”.

Z. – Eu nunca deixaria o meu pai sozinho por muito que gostasse de passar o Natal com o Paulo e a família dele. Está com 81 anos, é provável que não possa passar muitos mais Natais com ele.

 

As vossas discussões e tensões enquanto casal são por causa de quê?

P. – [risos] Tivemos uma por causa de comida, aqui em casa, e a outra, foi na rua, logo no princípio; teve que ver com horários ou com o que íamos fazer. Temos algum problema com as decisões: quem é que decide, e decide fazer o quê.

 

Quem decide é uma maneira de perguntar quem é que manda?

P. – Não.

Z. – É porque eu não gosto de tomar decisões. O Paulo é mandão, mas isso é de família… [risos]

P. – Não gosto de assumir a decisão sozinho, e depois ele não gosta, e a culpa foi minha.

 

Vou fazer uma pergunta que vai parecer preconceituosa: porque é que acham que são homossexuais?

P. – Basta olhar para um episódio de quando eu tinha seis anos… Tive um colega a dormir na mesma cama que eu. Foi uma excitação emocional que não consegui explicar. E depois, com 13, 14 anos, tomarmos banho nus na ribeira, e ver o corpo dos outros…

Z. – Não é uma escolha. Há algum processo interno que é espoletado na perspectiva de estar com um homem e não com uma mulher. E nisso, não há um interruptor. Quem é que ainda hoje pensa que isto é uma escolha?

P. – Eu posso escolher casar ou não, enganar ou não. Eu não posso escolher aquilo que sou.

Z. – Eu e o Paulo somos extremamente felizes como somos. E nenhum de nós escolheu: vou ser desta maneira. É como somos. Sou muito feliz com e por causa do homem que tenho a meu lado.

 

Se pudessem casar, assumiriam completamente a vossa relação?

P. – Penso que sim. Fazemos IRS em conjunto e todos os anos me perguntam se sou casado; digo que não, que vivo em união de facto. Para umas coisas conta, para outras não.

Z. – A aceitação do contrato, chamando-lhe casamento ou outra coisa qualquer, traz a garantia de que a sociedade passará a olhar para estas uniões num plano de igualdade. Que as pessoas têm as mesmas obrigações e os mesmos direitos. Isso é que é ser um cidadão de pleno direito. Se eu não puder visitar o Paulo se ele estiver hospitalizado, se me impedirem de dar o acompanhamento que uma esposa dá ao seu marido ou vice-versa, não estou a ter os mesmos direitos que outro cidadão. Se tiver esses direitos, as outras pessoas olharão para mim como um cidadão igual. E terei mais facilidade em dizer-lhes: sou assim.

 

Porque é que gostava de ter um filho, por acaso adoptado?

P. – Não sei se é o desejo de ter descendência. O principal é ver crescer um ser e agir sobre a educação dele, (de uma forma que não posso fazer enquanto professor, por exemplo). E dar afecto e receber afecto de outra forma.

Z. – Acho que deve ser dada a possibilidade às pessoas de o fazer, se assim entenderem, mas para mim não é uma questão essencial.

 

Querer ter um filho é ainda um resquício da família tradicional?

P. – É possível. Os meus irmãos têm todos descendência…

 

Como resolveria a ausência de referências femininas na vida da criança?

P. – Dizer que falta a figura da mãe é um falso argumento. O mais importante é o equilíbrio afectivo, a ternura, a presença e a atenção que podemos dedicar à criança. Modelos femininos não lhe faltariam, não a privaríamos desse convívio. Além de que, numa relação homossexual, os papéis masculino-feminino resultam numa coisa anacrónica. Não reproduzimos os papéis típicos de uma relação heterossexual. Acho que é mais saudável uma criança crescer com dois pais numa relação harmoniosa a desenvolver-se na presença de uma mãe e de um pai numa relação tumultuosa.

 

Voltando ao conceito de família: qual é o vosso?

P. – Os dois formamos uma família.

Z. – Significa partilhar, ajudar quando o outro precisa.

P. – E comunicar – sendo que eu tenho um problema de comunicação.

Z. – É ralhar com ele quando ele come depressa demais.

P. – É identificar os defeitos de um e de outro. É sobretudo a partilha. 

 

 

 Publicado originalmente no Público em 2009

 

Paulo Branco (s/ Manoel de Oliveira)

24.06.19

O princípio do mundo de Manoel de Oliveira e Paulo Branco aconteceu em 1981, com Francisca. Um mundo que se fez entre a genialidade de Manoel e a loucura de Paulo. Cresceram desmesuradamente, os dois. Discutiram como só se pode discutir em família. Reconciliaram-se depois de fúrias em que apetece comer o chapéu, em caso de se usar chapéu – e Manoel usa, e Paulo também. Admiraram-se com uma admiração de amantes. Pela criação, pelo cinema. Acabaram a fazer puzzles cada um para seu lado – como num filme de Orson Welles. O fim de um mundo aconteceu em 2004, com O Quinto Império. Sem este encontro, eles não seriam os mesmos.

 

A sua vida mudou depois do encontro com Manoel de Oliveira?

O encontro com o Manoel foi o ponto decisivo que determinou a minha carreira de produtor. Tinha-me cruzado uma ou duas vezes com o Manoel, quando frequentava, em Portugal, alguns cineastas mais velhos do que eu. Mas a relação de amizade e confiança começou com a exibição em Paris do Amor de Perdição. Em Portugal, a passagem em televisão, em episódios, foi um desastre. O filme foi massacrado. Consideraram que a carreira do Manoel estava acabada. Depois de uma célebre projecção privada, em que estava presente a Maria Helena Vaz da Silva, o Jorge Martins e eu, decidiu-se a estreia em Paris, na sala do République, a que tive acesso.

 

Como foi recebido em Paris?

Foi o primeiro sucesso de crítica internacional de um filme português. Transformou a visão que em Portugal se tinha do filme. Muitas pessoas que o tinham criticado, ao reverem-no, mudaram de opinião. O Vasco Pulido Valente disse: “O Sr. Manoel de Oliveira deve filmar sempre que quiser em Portugal” – não sei se foi bem esta frase, mas o sentido era esse. Eu tinha produzido o Oxalá, do António Pedro Vasconcelos, e duas ou três coisas em Paris. O Manoel perguntou-me se eu queria assumir a produção do Francisca. Foi o começo de uma carreira que permitiu esta dimensão internacional aos dois.

 

Quando é que percebeu que Manoel de Oliveira era um cineasta à parte?

Quando era estudante e estagiário no Perdido por Cem, fui a uma projecção do Benilde ou a Virgem Mãe. Quando se vê um filme como Benilde, apetece descobrir mais profundamente a obra do autor. A fulgurância d’A Caça, o génio d’O Passado e o Presente, já não falando do Douro [Faina Fluvial] e do Aniki Bóbó… Vi o Amor de Perdição em Paris já com essa estranheza: como é que o Manoel de Oliveira pode ser tão atacado em Portugal?

 

Francisca, mais do que o Amor de Perdição, inaugura um novo ciclo, e encerra, para Manoel, um longo exílio interior. Era especialmente notória a vivacidade de Manoel, uma certa fúria de fazer?

A rodagem do Francisca foi, para mim, uma aprendizagem completa. O Manoel tinha já um passado e desafiava todos os limites, ultrapassava-nos no prazer do risco, na energia que conseguia transmitir. O Amor de Perdição teve muitos problemas de produção e tinha demorado três ou quatro anos a filmar-se; havia a imagem do Manoel como realizador impossível. O Francisca era um desafio enorme para uma jovem equipa, para um produtor sem nenhuma experiência. Nós tínhamos de estar à altura da sua exigência.

 

Manoel tinha um domínio absoluto do que se passava no plateau?, do que queria fazer? E conseguia passar isso às pessoas?

Conseguia sobretudo criar uma dinâmica, e todos os problemas eram ultrapassados. Podia passar dias a contar histórias das filmagens do Manoel de Oliveira! A certa altura, no Francisca, escolheu os móveis para uma cena com o Diogo Dória; e mesmo antes de filmar disse: “O tampo não pode ser este, tem que ser mármore branco.” Fui ter com ele: “Demora-se mais um dia ou dois para encontrar outro tampo... O Manoel é que escolheu os móveis”. “Está bem, escolhi, mas agora estou a vê-los todos juntos, e não funciona”. Podia pensar-se que era um daqueles caprichos que ele tinha, mas quando se vê o filme percebe-se que é indispensável que o tampo seja branco. No que é essencial, ele era de uma enorme exigência. Percebe-se que estamos a tocar no osso. Se não filma, é porque é mesmo uma coisa de que não pode prescindir em termos autorais.

 

Todo o processo criativo é solitário. Oliveira precisava de um interlocutor? Foi isso, também, que viu em si?

Quando eu recebia os guiões, estava tudo descrito, mas depois o que ele fazia não tinha nada a ver! [risos] Ele viu-me como um parceiro e muitas vezes como um interlocutor.

 

Como é que funcionava essa parceria?

Às vezes discutíamos quais eram os projectos que deviam avançar. O Non, [ou a Vã Glória de Mandar] foi um projecto de que me foi falando durante dez anos… Um dia, achei que tinha capacidade de avançar. O Vale Abraão foi numa altura em que ele queria fazer uma adaptação da Madame Bovary; “Não se esqueça que o [Claude] Chabrol já está a fazer uma adaptação”, “Não há problema, faço isto nos tempos actuais.” Pegámos no carro e fomos a correr falar com a Agustina [Bessa Luís]. Em relação ao Soulier de Satin, foi-me transmitido pelo Frédéric Mitterrand que o François Mitterrand queria apoiar um projecto do Oliveira. Escolher o Soulier de Satin, em 1984, era uma espécie de provocação, porque o [Paul] Claudel era um autor de direita e vivia-se em pleno socialismo. Quando o Jacques Lang soube que era essa a adaptação, confirmou [o apoio] mas em condições extremamente complicadas – o apoio da França não podia ultrapassar 25% no financiamento do filme. Foi então que fui a Milão, com meia dúzia de fotografias, e consegui o financiamento restante! O filme já estava em rodagem!

 

Como é que se consegue financiamento para um filme a partir de umas fotografias?!

O filme foi uma grande batalha. Havia grandes pressões sobre o Manoel de Oliveira para não se associar a mim. Era um período turbulento de conflitos entre mim e o António Pedro Vasconcelos. Mas o Manoel teve a percepção de que o projecto não se podia fazer com dinheiro português, tinha que ter um grande financiamento internacional; e eu era a pessoa mais bem situada para o fazer.

 

Não parece que o dinheiro seja uma coisa fundamental para Oliveira. Que nasceu rico.

Ele procurava não saber nada desse aspecto. E com razão. A partir do momento em que dá a luz verde para avançar, a responsabilidade é do produtor. Realmente, eu estava numa embrulhada muito grande. O projecto arrancou, filmámos uma parte em 35mm e as outras três em 16mm. No meio da rodagem, comíamos todos no Tobis Bar, que pertencia ao pai da minha secretária, a Carmo, de maneira a ter crédito; nem dinheiro tínhamos para táxis, andávamos todos de metro! E continuava-se a rodar. Peguei em meia dúzia de fotografias, e fui a Milão. Era a primeira vez que eu ia a um mercado internacional, e às oito da manhã, cheio de energia, encontro uma pessoa a quem disse que estava a filmar Le Soulier de Satin, um projecto fantástico, de quatro horas, que ia estar em Cannes! “Quanto é que tu queres?”. “Preciso de dinheiro para acabar o filme”. “Quanto? Vem cá, e assinamos”. Era o Menahem Golan, que tinha a Cannon, e que estava no mercado a avançar por todos os lados. Era um personagem enorme, e ficou com os direitos internacionais do filme. Fez um contrato com o Godard num guardanapo!

 

Como é que esbarrou com a pessoa certa?

Não faço ideia! Foi daquelas coisas. Soube que nessa noite ele tinha tido acesso a um crédito, no Credit Lyonais, de cem milhões de dólares para investir em filmes. Eu fui a primeira pessoa que apareceu depois de ele ter tido a notícia! Por isso é que há um negativo do Soulier na MGM.

 

Circula também uma história, sua, com contratos feitos em guardanapos ou derivados… Quando soube que John Malkovich vinha para O Convento, começou fazer contas na toalha do restaurante para saber onde é que ia buscar o dinheiro para lhe pagar.

Isso acontece muitas vezes, é! [risos] O Soulier de Satin foi uma aventura estrondosa. Estivemos em Cannes, com a quarta parte do filme; a sala esvaziou-se, mas a crítica foi muito boa. Antes disso, negociei com o [Gian Luigi] Rondi a passagem em competição em Veneza da versão integral. O Golan ficou todo contente! Essa confiança que havia entre o génio do Manoel e a minha loucura permitiu criar esta dimensão internacional do Oliveira, sempre muito combatida em Portugal, e que felizmente começa a ser reconhecida.

 

Acha que o incomoda o desdém com que por vezes é tratado em Portugal?

Há todo um reconhecimento internacional e sobretudo um reconhecimento nacional; e há uma mágoa, que nunca desaparece, por achar que é tardio ou que não é suficiente. Eu não queria muito falar do Manoel agora. Com a idade, a memória começa a ser selectiva. E a memória do Manoel é muito selectiva. Lembra-se de coisas muito precisas, de há 30 ou 40 anos, que não correram bem… O Manoel não chegou lá sozinho, há colaboradores que está a esquecer, e isso é pena – não estou a falar da colaboração comigo. Eu tenho o meu trajecto, tenho também uma ligação forte com outros realizadores, o que provocou a certa altura...

 

Ciumeira?

Alguma ciumeira, penso eu.

 

Agustina escreveu: “Eu não creio que Manoel de Oliveira ame o sucesso (…) Ao Manoel de Oliveira agrada irritar ou decepcionar, porque disso tira uma espécie de glória íntima”.

Acho que isso não é verdade. O Manoel sempre gostou do reconhecimento, como qualquer grande artista. E à medida que o foi tendo, cada vez gostava mais desse reconhecimento e achava que o merecia.

 

Quais são os grandes temas do cinema do Oliveira? O sexo é uma questão central? É um cineasta, sobretudo, do domínio do simbólico?

A diversidade de projectos existentes é enorme. Há dois temas extremamente importantes; eu não diria directamente o sexo, mas tudo a que ele chama “os amores frustrados”, a análise dos convencionalismos e das suas subversões; a outra coisa, cada vez mais presente, é uma reflexão sobre o que é que somos nós como identidade, como país. Isso vê-se no Non, ou na ligação ao Padre António Vieira, a uma certa literatura – como o Camilo [Castelo Branco]. O Manoel tinha a noção que não tinha dito nem mostrado um décimo daquilo que queria.

 

Do mundo que tinha dentro dele.

Daí essa pressa, o querer filmar todos os anos, a necessidade de arrancar com um projecto mal acabasse o outro. A grande angústia do Manoel é que não dependia, nem depende, só dele próprio. Para filmar, depende de muitos condicionalismos que lhe escapam. O período pior, aquele em que o senti mais envelhecido, foi o dos Canibais. Não tinha preparado nenhum outro projecto e senti-o perdido. O ritmo do Manoel acelerou-se muitíssimo a seguir aos Canibais; foi aí que começou a dizer: “Não tenho tempo para contar tudo o que quero contar”.

 

No Non, já estava o universo do Padre António Vieira, e há cerca de vinte anos entre esse filme e o “Palavra e Utopia”. É como se os seus autores, as suas questões estivessem lá desde sempre e fossem depois declinadas de formas diferentes, em diferentes filmes.

É. A minha relação com ele permitia-lhe essa tranquilidade: saber que todos os anos podíamos fazer um filme juntos.

 

Em relação ao sexo, ocorrem-me duas imagens famosas: uma é um dedo que penetra uma flor, no Vale Abraão, e a outra é o frango que é posto na mesa e que está completamente esventrado, no Amor de Perdição. São muito explícitas sexualmente. Esta explicitação é surpreendente num cineasta como Oliveira?

O Manoel é sobretudo um cineasta do desejo. Há situações dessas praticamente em todos os filmes, umas mais mórbidas que outras. Lembro-me de uma [cena] do Vale Abraão: o gato, o olhar do gato, o acariciar do gato, naquele diálogo entre a Leonor [Silveira] e o João Perry, um em frente do outro… Há uma sensualidade no cinema do Oliveira absolutamente fantástica, e é isso que faz, também, a sua modernidade – como é que ele consegue transmitir em cada um dos seus filmes essa vida, esse desejo...

 

Fala do sexo como uma expressão de vida?

É. E isso escapa-nos quando lemos o argumento. Tinha muita dificuldade, no princípio, em arranjar financiamentos por causa disso. Os argumentos do Manoel de Oliveira de maneira nenhuma transmitem a genialidade dos filmes. Apesar de ser a mesma história [a que aparece no argumento e no filme], é completamente transformada. No caso d’A Carta, mesmo a equipa, durante as cinco ou seis semanas de rodagem, não percebeu nada do que se estava a passar; penso que a própria Chiara [Mastroianni] não percebeu o que se passava no filme. E quando o vi fiquei fascinado! Como é que o Manoel, mais uma vez, nos enganou! É um verdadeiro mágico.

 

Leonor Silveira, Leonor Baldaque, Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve são presenças mais ou menos recorrentes. Surgem como uma encarnação do desejo. Que importância é que têm no universo de Manoel?

Ele precisa delas. Ele inventou-as para filmar. É preciso não esquecer que a Leonor [Silveira] é uma invenção do Manoel de Oliveira. A Beatriz [Batarda] começou n’ A Caixa, e antes, fez uma aparição no Vale Abraão. Aparece n’ A Caixa numa altura em que o Manoel e a Leonor se tinham zangado. É uma espécie de pequena vingança do Manoel, ir buscar a prima! E nunca a Beatriz se pareceu tanto com a Leonor como no último plano d’ A Caixa. A relação do Manoel com a Leonor é muito particular...

 

É verdade que a rodagem de Vale Abraão foi especialmente tensa?, que estiveram na iminência de ficar sem protagonista?

Eu tive que ir de repente [para o Douro], porque o Manoel estava no hotel e a Leonor estava na gare, [para regressar de comboio a Lisboa]! A intensidade com que o Manoel vivia as filmagens, a certa altura tornava-se insuportável, sobretudo para uma miúda, que interpretava uma Bovary… Tive que me instalar na Régua. Não intervinha. A minha única preocupação era que o filme se fizesse. Acho que essa tensão foi extremamente forte, e graças a isso a maneira como o Manoel filma a Leonor no Vale Abraão é insuperável.

 

O facto de ele ser tão mais velho, permitia-lhe uma volúpia, que, de outro modo, seria quase atentatória.

Claro...

 

Há nestas relações, inclusive na sua com o Manoel, uma dinâmica de relação conjugal, e portanto de permanente tensão, sedução, maravilhamento.

Uma relação como a que tive com o Manoel, estes anos todos, ultrapassa a relação realizador/produtor. Estabeleci uma confiança e cumplicidade que, enquanto durou, permitiu a existência de todas estas obras-primas. O Manoel, a certa altura, achava que eu não lhe dava a atenção que era devida, ou que fazia filmes que não percebia porque é que os fazia. Não percebeu que, muitas vezes, eu fazia outros filmes para poder manter o ritmo de trabalho que tinha com ele. Ele pensava o contrário – o que é compreensível, porque nem ele me fazia perguntas nem eu explicava.

 

O cinema de Manoel de Oliveira tem a aura de obra críptica...

O problema das elites, em Portugal, é que não sabem sequer o que é o cinema, confundem cinema com telenovelas! Não percebem porque é que o Manoel de Oliveira é um grande criador, um grande artista. Cada filme era uma batalha. Tínhamos que obter o reconhecimento internacional para que esta cadeia não fosse quebrada, e felizmente os filmes sempre o tiveram, sempre o mereceram. Tínhamos que nos impor cada vez que acabávamos um projecto e começávamos outro.

 

É um cineasta desigual?

É um enorme cineasta. Há filmes mais perfeitos, há filmes menos perfeitos; e há sempre momentos fulgurantes. Mesmo nos últimos, que não produzi. Não vou pronunciar-me sobre eles. A relação acabou na altura em que devia ter acabado, para os dois. Já não seria produtivo continuarmos a trabalhar juntos, por questões que não vale a pena abordar. O Manoel, ultimamente, quis reunir-se mais com a sua família. Achei que a relação estava acabada depois de o Manoel me ter dado sinais de que tínhamos chegado a um momento em que era melhor irmos [por caminhos separados]. E eu interpretei-os.

 

Uma ruptura como esta foi dolorosa, depois de tantos anos de relação?

Para mim, não foi ruptura. O papel do produtor é conseguir dar condições e ser criativo na relação com o realizador; quando achei que já não era criativa a minha relação com o Manoel de Oliveira, acabou. Foi tudo menos traumático. Está bem patente o trabalho que fizemos juntos, a importância que teve para ele e para mim. Daqui a 50 ou 60 anos, o Manoel não sei se estará cá, eu já não estarei de certeza [risos], mas os filmes ficam, e isso é que é importante. O meu nome lá está para apresentar os filmes todos, o que me dá muito orgulho.

 

Viagem ao Principio do Mundo é um filme particular na filmografia de Oliveira. Gosta especialmente dele?

É um filme extremamente pessoal do Manoel de Oliveira. Tenho a recordação de ter feito a última conferência de imprensa do Marcello Mastroianni em vida, sozinho com ele – o Manoel estava a acabar de filmar e não pôde estar. Mais uma vez, era um filme que nas mãos de outro cineasta poderia ser reaccionário – aquela ligação ao país, ao sangue, no argumento, criavam-me algum mal estar. No filme, tudo é transformado pelo olhar do Oliveira, que destrói... Ele no fundo é um revolucionário com ideias conservadoras.

 

A pessoa Manoel interfere com o cineasta Oliveira, ou são dois, separados?  

Quando digo que ele é uma pessoa conservadora com ideias revolucionárias como artista – está aí tudo. É um homem da alta burguesia do Porto, nunca foi engagé; por mais que se tente refazer a história, nunca foi um cineasta do regime, e nunca teve uma posição militante [contra o regime]. Sempre teve respeito pelo poder, qualquer poder, para poder filmar, continuar a filmar. Teve o azar de o regime não querer cinema, desconfiar do cinema – tirando as comédias da Tobis, não há cinema em Portugal até aos anos 60/70. Não que o Manoel o fizesse – nunca aceitaria, nunca faria [encomendas do regime]. Nunca renegou os seus princípios artísticos. Mas, como dizia o João César Monteiro, era um país pequeno demais para o génio do Oliveira. Foi a grande frase do César no princípio dos anos 70.

 

Essas balizas, conservador e revolucionário, batem certo com dois realizadores que habitualmente aponta como preferidos: Buñuel e Dreyer. A subversão de um e o ascetismo do outro.

Claro. Mas o Buñuel, mesmo pessoalmente, nunca foi um conservador. Veja-se a sua relação com o Lorca, o Dalì. Entre os intelectuais com quem o Manoel se dava ressalta sobremodo a presença do Régio; e a Agustina.

 

Manoel “tinha muito de seu” – expressão usada por Agustina para se referir à riqueza de Manoel. O cinema era considerado um devaneio. É irónico que tenha sido o cinema a devolver-lhe o dinheiro que perdeu…

Nos anos 80, por causa das sequelas da Revolução e dos empréstimos, e para escapar às penhoras dos bancos, o Manoel foi obrigado a vender uma casa e a desembaraçar-se das fábricas. Era uma casa que tinha sido desenhada e construída para ele, arte nova, a mais bonita que alguma vez vi no Porto. Foi obrigado a comprar dois pequenos apartamentos onde passou a viver, um em baixo e outro em cima. Tinha quase oitenta anos. Era todo um passado que de repente desaparecia. Um dia veio ter comigo e com um sorriso muito irónico diz assim: “Ó Paulo, eu agora tenho de viver do cinema”. Com um misto de nostalgia e alegria – porque era o grande sonho da vida dele: viver do cinema. Foi uma lição de vida: um tipo que aos 80 anos recomeça tudo de novo, e que não tem nenhum fundo de segurança.

 

Manoel sabia que o seu génio era o que de mais precioso possuía, e possui.

Mas nessa altura não havia qualquer garantia em termos de trabalho. Isto foi a seguir ao Francisca. E a confiança monstruosa que ele tinha em mim – “Ó Paulo, agora temos de andar para a frente”.

 

E confiança nele mesmo.

Completa. Sempre esteve lá. Esse grande cineasta, ter passado por pateadas com o Douro em 1930, a dificuldade que teve para filmar os dois ou três projectos seguintes, o que se passou com o Amor de Perdição em Portugal… Só alguém absolutamente seguro do seu génio poderia ter atravessado tudo isto e fazer depois a obra que fez.

 

 

Publicado originalmente no Público em 2008

 

Estar em Casa 2019

15.06.19

TEATRO SÃO LUIZ

12, 13 E 14 JULHO 2019, SEXTA, SÁBADO E DOMINGO

ANABELA MOTA RIBEIRO & ANDRÉ E. TEODÓSIO

Há muito sol, mas não queremos fazer sombra à praia. Nesta nova edição, Estar em Casa é um brilho, duna, areal, alpendre, barco, avião com mensagem, festa de verão. No âmbito dos 125 anos do Teatro São Luiz, vamos fazer uma celebração imparável e

aberta ao público. Em todos os cantos, uma partilha; em todas as pessoas convidadas, um tesouro. A festa não vai ser linda: VAI SER INCRÍVEL!

SEXTA, 12 JULHO

 20h, Conversa

À VOLTA DESTA CASA, NESTA CASA

com Fernando Cabral Martins, Irene Flunser Pimentel e Jorge Salaviza

Moderadores: Anabela Mota Ribeiro e André e. Teodósio

Começamos por entender que Teatro é este que se encontra entre a antiga sede da Pide e a primeira casa de Fernando Pessoa. Jorge Salavisa, diretor responsável pelo reerguer xtròrdinário deste Teatro, Irene Flunser Pimentel, Prémio Pessoa e a maior historiadora sobre o período político ditatorial português, e Fernando Cabral Martins, escritor e especialista da literatura modernista Portuguesa, vão traçar linhas de pensamento para o entendimento geográfico, temporal e social desta casa.

 

21h30, Cinema

VERDES ANOS

de Paulo Rocha

Exibição da cópia restaurada com supervisão de Pedro Costa

Apresentação: Isabel Ruth

Filme ímpar e importante da cinematografia portuguesa, que foi estreado no Teatro São Luiz e que urge mostrar de forma a repensarmos os processos de urbanização, êxodo e gentrificação dos espaços sociais.

 

21h30, Teatro

ENCICLOPÉDIA X

de Cão Solteiro & Afonso Cruz

Público-alvo: m/18 (consumo obrigatório de cerveja; fuma-se durante o espetáculo)

Uma casa é também um espaço de intimidade e recolha. Neste espetáculo, a casa performa-se enquanto espaço seguro para potencializar experiências de vida até à morte, e o corpo revela-se enquanto casa insegura para a multiplicação de outras formas de vida, fermentadas nos seus ambientes próprios, fazendo da transição a sua casa nómada. E como é verão, não faltam cervejas nesta enciclopédia!

 

22h30–2h

FESTA DE INAUGURAÇÃO

Marta Pedroso + Luís Clara Gomes

Numa casa a celebrar-se, uma festa de aniversário com uma battle entre Marta Pedroso, uma das funcionárias do Teatro mais incríveis e talentosas que nas horas vagas do Teatro é DJ, e o músico Luís Clara Gomes, que não é lá de casa. Este primeiro dia é uma casa de amores diversos e de lutas unificadas. Viva o São Luiz.

 

SÁBADO, 13 JULHO

10h30–0h30

OBRAS DE ARTE

Ana Pérez-Quiroga, Bruno Bogarim, João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira

Durante todo o tempo, encontramos pelo espaço obras de arte dos artistas Ana Pérez-Quiroga, Bruno Bogarim, João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, que pensam o decorativo, a performance, as extensões tecnológicas (com o telemóvel já não é preciso fugir do quarto!), os símbolos identitários e até a produção teatral.

10h30

AULAS EM CASA: CESÁRIO VERDE EXPLICADO ÀS CRIANÇAS

por Inês Fonseca Santos

Numa casa também se estuda muito e há quem tenha aulas. O foco desta Escola de Verão está no interior. Todas as aulas são dadas pelos melhores mestres! Nesta aula, Inês Fonseca Santos, poeta e jornalista, explica a obra de Cesário Verde às crianças.

 

10h30

AQUECIMENTO

com Romeu Runa

No segundo e terceiro dia acordamos com aquecimento. Romeu Runa, um dos bailarinos portugueses mais conceituados no mundo, e João dos Santos Martins, um dos nomes da coreografia mais internacionais do momento, oferecem-nos dois aquecimentos diferentes: um servirá para corrermos atrás das bebidas na nossa praia seca no Picadeiro e o outro para dar um pé de dança em todos os momentos musicais. Descubra qual é qual, que o nosso desporto é este bailarico!

 

10h30, Workshop de desenho

DESENHAR PAREDES

com Mariana Malhão

Fora de portas: Centro Nacional de Cultura

Público-alvo: 6-12 anos

Entrada livre, mediante inscrição no próprio dia

Depois das aulas e aquecimento, para libertar ainda mais a cabeça e os braços, temos uns cursos de pintura bem à maneira com as artistas plásticas Mariana Malhão e Yara Kono, que partilham a melhor maneira de os mais pequenos pintarem as paredes. Pronto, na verdade pintam-se folhas. Mas muitas para preparar para o outono!

 

11h

AULAS EM CASA: RACISMO EXPLICADO ÀS CRIANÇAS

por Mamadou Ba

Nesta aula, Mamadou Ba, dirigente da associação SOS Racismo, explica o racismo às crianças.

 

11h, 

VISITA GUIADA

por Margarida Folque Guimarães

Queremos que toda a gente conheça os cantos à casa, temos visitas guiadas de todos os tipos. De quem conhece bem o teatro e as suas histórias a quem o reinventa nas suas músicas e até mesmo a quem o quer vender! Anfitriã: Margarida, uma menina de 13 anos.

 

11h30

Workshop de desenho

DESENHAR PAREDES

com Yara Kono

 

12h–2h

PRAIA SECA

Largo do Picadeiro

Entrada livre

Venha mergulhar (toda a nudez não será castigada) e tomar um drink (não tem

de ser Piña Colada) onde o unicórnio nos banha com o seu arco-íris.

 

12h

AULAS EM CASA PARA ADULTOS: O INTERIOR EM CLARICE LISPECTOR

por Carlos Mendes de Sousa

Como numa casa também se estuda muito e há quem tenha aulas, este ano decidimos estender as aulas de crianças a alunos adultos. O foco desta Escola de Verão é o interior. Todas as aulas são dadas pelos melhores mestres! Nesta aula, Carlos Mendes de Sousa, professor na Universidade do Minho e especialista na obra de Clarice Lispector, fala sobre a escritora.

 

13h

AULAS EM CASA PARA ADULTOS: O INTERIOR DE UMA MÚMIA (A SACERDOTISA EGÍPCIA TABAST)

por Rogério Sousa

O egiptólogo Rogério Sousa explica o interior de uma múmia.

 

14h

Palestra/performance

¿DE QUÉ CASA ERES?

de Ana Pérez-Quiroga

Lembrando que há corpos em constante deslocação, sem paredes e sem teto, por vezes por decisão própria, outras vezes por imposição, encontramos na performance de Ana Pérez-Quiroga decorrente da sua obra ¿De qué casa eres? uma reflexão sobre refugiados e crianças de guerra na experiência da sua mãe arrancada a seus pais e enviada em exílio para a Rússia (os chamados “Niños de Russia”) durante a guerra civil espanhola que deu lugar ao franquismo. A ideia de não se ter casa e o trauma associado a esses momentos.

 

14h

VISITA GUIADA

por Cátia Nunes

Queremos que toda a gente conheça os cantos à casa, temos visitas guiadas de todos os tipos. De quem conhece bem o teatro e as suas histórias a quem o reinventa nas suas músicas e até mesmo a quem o quer vender! Anfitriã: Cátia Nunes, agente imobiliária.

 

14h–20h

CHÁ DE PANELA

Angariação de fundos para NAAAS – Núcleo de Apoio aos Animais Abandonados de Sintra

Público-alvo: todas as idades e carteiras

Todos os dias há leilão e recolha de fundos da NAAAS – Núcleo de Apoio aos Animais Abandonados de Sintra, associação fundamental na recolha, apoio e reintegração de muitos animais, para que possam continuar o seu trabalho incrível de hospedagem, reabilitação, acolhimento e apoio.

 

14h30–19h30

Performance

DANÇA CONCRETA

de Daniel Pizamiglio

Uma performance-visual que se expande tentando encontrar os contornos da sua possibilidade no encontro da dança com a poesia. Materializando-se entre pessoas, objetos soltos e paredes, reclamando todos os fatores para um movimento perpétuo e encontrando paralelismos em todas as formas, o esqueleto emerge como uma obra arquitetónica a osso e fogo!

 

15h

Conversa

CASA-IMPÉRIO REVISITADA

com Joacine Katar Moreira, Pedro Lopes de Almeida e Pedro Schacht

Moderação: Rita Natálio

De diferentes maneiras, Joacine Katar Moreira, doutora em Estudos Africanos, Pedro Lopes de Almeida, doutorando da Brown University, e Pedro Schacht, professor na Ohio University, estudam as mesmas questões: o colonialismo, o racismo, os fenótipos.

 

15h30–18h

CONSULTÓRIOS

Cartas de amor por Isabela Figueiredo

Desenhos de amor por André Tecedeiro

Tarot por Gisela Casimiro

Consultório poético-sentimental por Maria Mendes

Consultório fotográfico por Estelle Valente

As casas, com a alteração dos regimes de produção, são cada vez mais ser locais de trabalho. De consultórios a atelier artístico, no Estar em Casa temos de tudo.

 

16h30

Cinema

NO TRILHO DOS NATURALISTAS: ANGOLA

de André Godinho

André Godinho apresenta o seu filme No trilho dos naturalistas: Angola, documentário onde ficamos a conhecer Angola, país que visitou pela primeira vez em 2013, no encalço do naturalista Luís Wittnich Carrisso. Este, nos anos 1920/1930, percorreu Angola onde efetuou o primeiro levantamento da flora que culminou num herbanário, casa de cristal de muita flora, que se encontra hoje no Jardim Botânico de Coimbra.

 

17h

Conversa

MEMÓRIA DAS CASAS

Joana Mortágua, Mariana Mortágua, Manuela Correia e Marta Mateus

Moderador: Pedro Santos Guerreiro

As conversas, marco importante do ambiente casa, são fulcrais na nossa programação. Sábado e domingo temos conversas a partir da memória da(s) casas(s). A casa onde se começa (as gémeas Joana e Mariana Mortágua tiveram uma mesma casa-corpo da mãe), a casa-Tempo, infância e velhice, que está no filme de Marta Mateus Farpões, Baldios, a casa corpo-próprio, a casa dos pais onde se aprende a ver, a pensar, em comum, em separado, a casa estrutura arquitetónica, a casa espaço político, heterogénea, em desconstrução.

 

17h

VISITA GUIADA

por Vasco Araújo

 Anfitrião: o artista plástico Vasco Araújo.

 

17h30

Teatro/performance

LOST IN CYBERIA PRO1.2

de João Estevens

Debaixo do palco, João Estevens apresenta uma performance que, tendo como grande plano o planeta-casa e como ação a visita de alguns locais por geotecnologia, nos ativa processos naturalizados de saída do planeta como forma de domínio planetário e galáctico. As várias colonizações foram assim feitas por geoestratégia e sequente domínio territorial.

 

18h30

Conversa

IMAGENS DO PASSADO

Com Ana Kiffer, José Gil e Susana Sousa Dias

Moderador: Paulo Alves Guerra

As conversas, marco importante do ambiente casa, são fulcrais na nossa programação. Sábado e domingo temos conversas a partir da memória da(s) casas(s). A professora da PUC-Rio Ana Kiffer, o filósofo José Gil e a cineasta Susana Sousa Dias falam de imagens do passado.

 

18h30

CLUBE DE LEITURA: O ARQUITECTO

de Rui Tavares

Para quem gosta também de falar e quer intervalar o ouvir, o historiador Rui Tavares faz uma leitura conjunta com o público da sua peça O Arquitecto. A palavra a quem a tem!

 

21h

Teatro/performance

A IMPORTÂNCIA DE SER ANTÓNIO DE MACEDO

de Miguel Bonneville

A reposição de espetáculos é uma forma de não deixar cair em esquecimento parte fundamental do património imaterial das artes performativas. A Importância de Ser António Macedo é a primeira obra da sua série em torno de artistas importantes para o seu percurso que neste caso incide sobre um realizador que morreu recentemente e cuja obra foi estranhamente esquecida no país. As casas também são altares e este espetáculo é uma justa homenagem a alguém que nunca desistiu de fazer do seu país enquanto casa, um espaço fantástico.

 

22h

Dança/Performance

ASSOMBRO

de Ana Rita Teodoro

Estreia em Lisboa de Assombro, espetáculo de Ana Rita Teodoro que tem como ponto de partida a fantasmagoria histórica que ao mesmo tempo que nos pode restringir também nos pode libertar. Construído a partir de tableaux vivants e de canções do repertório musical tradicional português, evocam-se e reativam-se fantasmas estruturares da identidade de forma a executar uma transgressão escapatória sem ser pela demissão de lidar com esses materiais.

 

23h–0H30

Música/Festa

ANIVERSÁRIO DA MATERNIDADE

por músicos diversos

No final do segundo dia, acabamos com a Festa de Aniversário dos 5 anos da Maternidade, casa-associação embrionária de muitas iniciativas e artistas de diversas modalidades musicais como Filipe Sambado, Luís Severo, Raquel Serra, Jasmim, April Marmara, Calcutá e Vaiapraia. Uma Festa de Verão Alternativa meets Festa de Aniversário com bebidas, foguetes, festa e muita música. Vamos lá cantar os parabéns com Coro da Maternidade, Van Ayres, Aurora Pinho e muitos mais músicos!

 

DOMINGO, 14 JULHO

10h30

AULAS EM CASA: HOPPER EXPLICADO ÀS CRIANÇAS

por Pedro Faro

O foco desta Escola de Verão está no interior. Todas as aulas são dadas pelos melhores mestres! Nesta aula, Pedro Faro, curador e historiador de arte, explica a pintura de Hopper às crianças.

 

10h30

AQUECIMENTO

com João dos Santos Martins

No segundo e terceiro dia acordamos com aquecimento. Romeu Runa, um dos bailarinos portugueses mais conceituados no mundo, e João dos Santos Martins, um dos nomes da coreografia mais internacionais do momento, oferecem-nos dois aquecimentos diferentes.

 

11h

AULAS EM CASA: O SEXO EXPLICADO ÀS CRIANÇAS

por Emílio Salgueiro

Todas as aulas são dadas pelos melhores mestres! Nesta aula, o psicanalista Emílio Salgueiro explica o sexo às crianças.

 

11h

VISITA GUIADA

por Rita e Catarina Almada Negreiros

Anfitriãs: as arquitetas (e irmãs) Catarina e Rita Almada Negreiros (nota que não é de rodapé: o Manifesto Futurista de Almada Negreiros foi apresentado no São Luiz).

 

12h

AULAS EM CASA PARA ADULTOS: DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO

por José António Pinto Ribeiro

Nesta aula, o advogado José António Pinto Ribeiro explica a democracia e o estado de direito (casa comum onde vivemos).

 

13h

AULAS EM CASA PARA ADULTOS: A CASA DE LINA BO BARDI

por Zoy Anastassakis

 Professora universitária e doutora em Antropologia e Design, fala sobre a arquiteta modernista, brasileira de origem italiana, Lina Bo Bardi.

 

14h

VISITA GUIADA

por Cláudia Jardim

Anfitriã: a atriz Cláudia Jardim.

 

14h–20h

CHÁ DE PANELA

Angariação de fundos para NAAAS – Núcleo de Apoio aos Animais Abandonados de Sintra.

 

14h30

Teatro

OS LIVROS DO REI

de Raimundo Cosme/Plataforma 285

Um espetáculo sobre a reconstrução de uma cidade depois de um terramoto, sobre a possibilidade de sonhar o impossível e ainda sobre o papel da arte na construção do amanhã.

 

14h30–19h30

Performance

DANÇA CONCRETA

de Daniel Pizamiglio

 

15h

Conversa

MELANCOLIA E ADULTÉRIO

com António Feijó, Clara Ferreira Alves e Pedro Mexia

Moderador: Susana Moreira Marques 

Na literatura (como na vida real), no dentro de casa há adultério, ciúme, melancolia... António Feijó, professor de Literatura, Clara Ferreira Alves, escritora e jornalista, e Pedro Mexia, poeta e crítico literário, trazem os seus romances e personagens preferidos.

 

15h30–18h

CONSULTÓRIOS

Cartas de amor por Tatiana Salem Levy + Carimbaria

Desenhos de amor por Gwendolyn van der Velden

Tarot por Gisela Casimiro

Consultório poético-sentimental por Filipa Leal

Consultório fotográfico por Estelle Valente

 

16h

Palestra

VERDES NOMES

de António Gouveia

António Gouveia, biólogo e investigador em Biodiversidade e Conservação, fala-nos do nome das plantas. Em Verdes Nomes, partilha com o público a história e a comunicação da ciência, de como os nomes nos revelam tanta informação sobre as plantas que decoram as nossas casas como também revelam muitas curiosidades em torno da forma como foram observadas. Esta é também uma das palestras mais verdes que teremos!

 

17h

Conversa

A MELHOR CASA DE TODOS OS TEMPOS

com Fernanda Fragateiro, Manuel Aires Mateus, Paulo Pires do Vale

Moderador: Bárbara Reis

A artista plástica Fernanda Fragateiro, o arquiteto Manuel Aires Mateus e o ensaísta e curador Paulo Pires do Vale escolhem as melhores casas de todos os tempos.

 

17h30

Teatro/performance

LOST IN CYBERIA PRO1.2

de João Estevens

 

18h

VISITA GUIADA

por Lívia Nestrovski & Fred Ferreira

A dupla brasileira Lívia Nestrovski & Fred Ferreira fará uma visita cantada e acabará o seu percurso num concerto.

 

18h30

Música

LÍVIA NESTROVSKI & FRED FERREIRA

Concerto do duo Lívia Nestrovski & Fred Ferreira que, acabadinhos de chegar do Brasil, vêm diretos do aeroporto para o Teatro fazer-nos cair de amores pelo seu repertório musical.

 

18h30

Conversa

DAR ESPAÇO

com Sheila Khan, Paulo Corte Real, Ana Gomes

Moderador: Nuno Artur Silva

Ana Gomes, política e diplomata, Paulo Côrte-Real, ativista LGBT, e Sheila Khan, professora universitária, doutorada em Estudos Étnicos, discutem sobre a necessidade de dar espaço, abrir à diversidade.

 

18h30

CLUBE DE LEITURA: DICIONÁRIO

de José Maria Vieira Mendes

Oficinas técnicas

Público-alvo: m/12

Para quem gosta também de falar e quer intervalar o ouvir, o dramaturgo José Maria

Vieira Mendes faz uma leitura conjunta com o público da sua peça Dicionário. A palavra a quem a tem!

 

21h

Performance

FROM AFAR IT WAS AN ISLAND. DE PERTO, UMA PEDRA.

de João Fiadeiro

No seguimento, solidários e associados ao fim do espaço Atelier Real, João Fiadeiro apresenta um espetáculo-performance que reativa a herança, o mimetimo, como proto-efeito Kuleshov para evidenciar o processo enquanto estratégia aberta e complexa de criação de comunidades e ontologias diversas bem como espaços de diálogo ou de isolamento simétricos e solidários. Ocupando a sala com os objetos da sua companhia (REAL) que está a ser neste momento objeto de um despejo imobiliário, segue-se um leilão de todos os objetos deslocados e que não têm para onde ir, ou melhor, tal como a performance, os objetos ficarão com quem os levar. Vamos lá adotar!

 

21h30

Cinema

FAMILIENÄHNLICHKEIT

de Jorge Jácome

Jorge Jácome, realizador muito premiado pelo mundo por um trabalho cinematográfico que tem quase sempre como ponto de partida espaços de contingência como estratégia de libertação de desejos, apresenta Familienähnlichkeit. É a estreia de uma incursão poética -visual do realizador como quem está por casa em frente ao computador a montar as suas imagens desejadas encontrando relações familiares entre tudo, como indica o título que é um conceito de Wittgenstein.

 

22h

Teatro

ENCICLOPÉDIA X

de Cão Solteiro & Afonso Cruz

 

23h–1h

FIM DE FESTA NA CASA

João Abreu, Rita Gomes e Ricardo Branco

Largo do Picadeiro

Entrada livre

No último dia a casa é entregue aos MC’s João Abreu, Rita Gomes e Ricardo Branco. Na finissage vamos todos confraternizar e jogar e cantar e dançar nos últimos dias da nossa praia seca.  Depois de dias tão intensos não vai haver chill-out, vai haver chill-in!

 

PRODUÇÃO: CÃO SOLTEIRO

PREÇÁRIO

1 espetáculo €7

2 espetáculos €12

3 espetáculos €15

Descontos com Cartão São Luiz ou Sócio Gerador no bilhete individual