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Anabela Mota Ribeiro

Anália Torres

21.06.20

Para que serve a Sociologia: «As ciências sociais, de uma forma geral, são a indicação de que somos sociedades auto-reflexivas, exercemos reflexividade sobre as nossas formas de viver em sociedade, sobre as nossas formas de proceder enquanto indivíduos. O que significa que, ao fazermos isso, já estamos a mudar a sociedade em que vivemos. No plano individual em que é que isso se retraduz? Retraduz-se em que podemos intervir sobre a nossa identidade pessoal».

Esta socióloga de excepção, traça um retrato em plano próximo desta sociedade auto-reflexiva. Incide o foco na trama miudinha, inesgotável, obsessiva, complexa da família. Anália Torres investiga formas de conjugalidade, vida conjugal e trabalho, sociologia da família.

Trocou Economia, que começou a frequentar em 72, pela Sociologia. Licenciou-se em 85, doutorou-se em 2001, no ISCTE. É professora no ISCTE. Preside à Associação Portuguesa de Sociologia. Tem extensa obra publicada. Nasceu em 54, é casada, não tem filhos.

  

Gostava de começar por uma citação do Nelson Rodrigues. «Toda a família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo».

Pergunto-me, enquanto a ouço, se a questão da revelação – as pessoas mostrarem o que são, as suas fragilidades e problemas –, não é própria da modernidade... Porque se assume hoje que as pessoas têm direito a coincidir consigo próprias, tentar buscar coisas que estavam escondidas. Nas sociedades tradicionais, as pessoas, se não correspondessem ao modelo pre-estabelecido, eram proscritas. [Ficavam num] Hospício social, condenadas a apodrecer por dentro. Uma das coisas que mudaram, das famílias tradicionais para as modernas, é o direito de as pessoas tentarem fazer o seu caminho: “Afinal o que é que sou?, afinal o que é que quero, afinal eu não coincido com aquilo para o qual me pré-programaram”.

 

Esta liberdade de se ser, corresponde a uma conquista e a uma ousadia. O que é que desencadeia essa transformação?

Tínhamos que ir para a Revolução Francesa...

 

Vai tão atrás?

Diria a Revolução Francesa por causa dos direitos individuais, (e, sobretudo, das mulheres), e da relação entre o herdado e o adquirido. As pessoas nascem livres e iguais em direitos, e isso pressupõe que serão aquilo que fizerem ao longo da vida, pelo seu mérito.

 

Introduz a noção completamente nova da meritocracia.

Claro. Já sabemos que este programa acabou por não ser cumprido. Ou por outra, ainda andamos a tentar cumpri-lo. Mas é muito importante dizer que as pessoas, por nascimento, não têm direitos especiais. Nas sociedades modernas a questão da passagem do património de pais para filhos torna-se secundária. E esse património, aliás, muda. Qual é a herança que um filho recebe dos pais, hoje em dia?

 

Instrução.

É o diploma. Esperava sentado se estivesse à espera da herança dos pais para viver! A passagem de testemunho é feita por via das competências que se dão. É-se menos dependente da vida familiar e conjugal. Há aquilo a que os sociólogos chamam uma “recomposição sócio-económica”, que acaba por ter um efeito grande na vida das famílias. O crescimento das classes médias é importante para um modelo em que as pessoas têm mais liberdade individual. É curioso ver que há mais divórcio nos sectores intermédios...

 

E menos naqueles em que se coloca a questão do património, ou naqueles em que não há nada e precisam uns dos outros para sobreviver.

Exactamente. De um lado, temos um modelo muito protector, vigiado, restrito. Do outro, temos um modelo de risco, em que o desfecho é incerto. As pessoas, às vezes, têm dificuldade em viver neste tipo de modelos mais modernos, mais abertos, de desfechos incertos.

 

Nelson Rodrigues tinha da família uma visão catastrofista. Dizia que “A família é o inferno de todos nós”.

Não tenho uma visão tão negra, mas é verdade que a família tem o melhor e tem o pior. As coisas centrais na vida dos indivíduos passam-se na esfera das emoções. Há nas famílias um sentimento de protecção em relação ao ambiente que nos circunscreve, corresponde ao nosso espaço contentor, quase de recomposição para as agressões do exterior. Há uma coisa que tem a ver com a perenidade das relações: quando há a percepção de que uma pessoa tem que conviver com outra toda a vida, a aceitação dos problemas e dos defeitos tem que ser feita de uma certa maneira.

 

Não podemos escolher outros pais, outros irmãos. Aquelas pessoas vão estar sempre na nossa vida...

A aceitação de coisas de que não gostamos nos outros, mas com as quais somos obrigados a conviver – porque é o nosso pai, é o nosso filho – também acomoda a relação num determinado lugar. Há uma margem de aceitação que tem que existir para haver um mínimo de pacificação na relação. Mas, com todos os paradoxos da chamada Modernidade, tendo eu ouvido muito sobre a vida familiar, acho que as pessoas estão muito mais livres, sentem-se muito mais capazes de fazer a tal tentativa, fazer coincidências consigo.

 

Lida-se melhor com a diferença?

Há uma capacidade para aceitar a diferença, para encaixar realidades que desiludem projectos anteriores. “Bom, não fiz contas que a minha filha fosse lésbica, mas aconteceu e agora tenho que lidar com isto”. Uma aceitação da diferença por via do afectivo, por via das transformações que existem.

 

Qual é a definição de família? É aquela que é atravessada por partilha, confiança, protecção? Acontece muitas vezes que as pessoas da nossa família não são as pessoas com quem temos maior intimidade. Tem a ver com medo de defraudar o outro, contrariar uma expectativa que é criada?

As relações entre pais e filhos são assimétricas, não são relações de igualdade. Mesmo entre irmãos, podemos dizer que são relações de irmandade.

 

Entre irmãos, há casos de uma rivalidade explosiva.

Podem ser muito difíceis. Há sempre a competição pelo amor dos pais. Qual dos dois, dos três, dos quatro é mais... São coisas que invocam o que há de mais arcaico – os psicanalistas e os psicólogos explicam bem isso. Há coisas nas relações familiares que não é suposto dizer-se. As pessoas desempenham papéis. Acho que isso só se percebe com um certo grau de maturidade. Mas, se as relações familiares são marcantes para o bem e para o mal, há hoje mais hipóteses de as pessoas trabalharem sobre essas próprias determinações.

 

A alteração do quadro, a transição desse modelo tradicional para o modelo moderno, é relativamente recente. Em Portugal, tem visibilidade depois do 25 de Abril.

Sim. Tudo começou a revelar-se dos anos 60 para cá: a descida da natalidade, o crescimento do divórcio, nascimentos fora do casamento. A pílula foi muito importante porque permitiu descolar a sexualidade da procriação – sempre existiu [a descolagem], mas a facilidade com que passou a ser gerida é nova. Há coisas que têm a ver com os direitos das mulheres. Aquilo que nos outros países foi acontecendo progressivamente, (a subida do divórcio, este conjunto de alterações), deu-se em Portugal de uma forma mais contraída de 74 para cá.

 

Uma mudança significativa do pós-25 de Abril é a vida em comum sem a “legitimação” desta relação por via do casamento. Mas, a relação, ela mesma, obedece a parâmetros distintos?

Muitas vezes, a expectativa é de um comportamento de igualdade – “Está ali, é o meu colega”. Quando passa a uma situação de conjugalidade, há outros papéis a desempenhar, e aí vêm as famílias...

 

O modo como cada um aprendeu o que é família.

O que é pai, o que é mãe, o que é que deve ser o casal.

 

Num dos seus livros cita Teresa, empregada de escritório: “Tu ajudaste-me a quê? Ajudaste-me a vestir? Ajudaste-me a lavar? Isso é que podia ser uma ajuda a mim. Fizeste coisas de casa, que é onde tu vives e eu vivo também. A mim não me ajudaste nada”.

Não é fácil as mulheres dizerem isso com essa facilidade. Que lógica é que tem um fazer a cama onde dormem os dois? Duas pessoas estão a usar o mesmo chão: por que é que há-de ser uma a limpar, se os dois sujam? Se pusermos pessoas em vez de homem e mulher, não se percebe.

 

Uma das memórias da minha infância é ver o vizinho da frente a esconder-se atrás do armário da cozinha para que não se visse que lavava a loiça.

Sim, tinha vergonha. E era punido socialmente.

 

Continua a ser assim?

Continua, completamente. Há uma frase muito engraçada que diz assim: “Os homens das classes médias fazem muito menos do que alardeiam fazer e os homens das classes populares fazem muito mais do dizem que fazem”. As regras são diferentes de acordo com as classes sociais, os grupo, os contextos. O contexto universitário é um contexto em que a questão da igualdade é o que é suposto. Há meios em que as regras são muito estritas. Se estivermos a falar do meio rural, essa punição é muito pior do que no meio urbano ou num certo tipo de classe social. O trabalho doméstico é sempre muito desvalorizado. Costumo dizer, no caso dos homens dos anos 60, que é como se a cabeça mandasse, mas o corpo não obedecesse.

 

E, muito confortavelmente, dizem que não sabem fazer.

Não sabem fazer, não foram habituados.

 

Mas podem aprender, ou não?

Não só podem como não faz sentido nenhum que sejam os outros a fazer.

 

Pergunta clássica: a culpa não é das mulheres? Das mulheres que consentem que eles não participem e se contentam com a ajuda em pequenas tarefas. Das mulheres que ensinam os filhos a fazer desta maneira. E há a discriminação no modo como as raparigas são tratadas: nas tarefas domésticas, nas saídas à noite, na relação com a sexualidade.

São coisas que estão perpetuadas. É uma situação armadilhada para as mulheres. E há o desgaste do quotidiano: “Para que é que vou levantar problemas se depois as coisas têm que ser feitas à mesma?”. Há um pragmatismo implícito. A pessoa acaba por se conformar a uma situação de desigualdade porque não quer mudar.

 

Dá trabalho.

Dá trabalho, é complicado, lá está o desfecho incerto. Também há aquilo a que os psicólogos chamam os ganhos secundários: «Eu faço mais do que tu, portanto, posso ter mais isto e mais aquilo».

 

É verdade que, apesar das mudanças, os arquétipos se mantêm. As pessoas continuam a traçar o seu projecto de vida em torno da família, do casar e ter filhos.

Às vezes as mulheres são mães porque é suposto. É uma espécie de lugar social que parece tão natural... Em termos identitários, é confortável. De repente, é mãe, toda a gente tem conselhos a dar, como é que deve ser, a expectativa da família, de todos os que estão à volta... Uma colaboradora minha dizia: “Foi o pior período da minha vida”. E uma colega minha dizia: “Um horror! No hospital já me estavam a dizer isto e aquilo, a dar ordens... Deixei de ser pessoa, deixei de existir”.

 

Passou a ser mãe.

Passou a ser mãe e todas as atenções são da criança, ela que esteja para ali... Em Portugal há ainda muito a ideia de que a mulher, para ser mulher, [tem de ser] mãe. Isto é pesado. Depois, as mulheres percebem que são pessoas, que querem ser pessoas, que há uma dimensão vastíssima de coisas em que podem realizar-se enquanto pessoas, e que ser mãe é apenas uma delas_ exactamente como os homens. E há pessoas que não querem [ter filhos].

 

Pode não ser estruturante para um homem ou para uma mulher essa dimensão (ser mãe, ser pai)?

Pode não ser estruturante. Pode haver a lógica do cuidado. Não está dentro do estereótipo masculino, mas devia estar! A dimensão do cuidar pode ser posta de várias maneiras, não tem que ser, necessariamente, tendo filhos.

 

Socialmente a pressão é imensa. A maior parte das pessoas continua casada e com filhos. São poucas as pessoas que escolhem um percurso alternativo.

Sim, a vida em casal é o modelo mais frequente. O sul [da Europa] está marcado por uma tradição católica forte que faz com que o lugar da mãe tenha uma singularidade. É difícil dizer o que é o desejo íntimo de ter filhos... Depois há outras coisas: «Eu até nem queria, mas quando tive foi bestial!». Se não se tivesse expectativas tão elevadas em relação às gratificações de ser pai ou de ser mãe, se fosse uma coisa mais...

 

Normal?

Mais terrena, mais normal, a opção pelo sim ou pelo não, era também mais fácil.

 

A família constitui o centro da vida das pessoas, como confirma um grande inquérito relativo à vida dos europeus. Isso é que não muda...

É um inquérito do European Social Survey feito a 42 mil europeus, uns quantos por país. É muito controlado do ponto de vista metodológico, feito com muito cuidado, para podermos dizer que aqui estão representados os europeus. A coisa apontada como a mais importante é a família. A seguir, os amigos.

 

Mas aparece logo a seguir, nem sequer é uma diferença muito significativa.

E a seguir, o lazer. Quer dizer, são os afectos e as socialidades que são importantes para as pessoas.

 

Só a seguir vem o trabalho, em quarto lugar!

Há aqui umas especificidades. Nós [portugueses] damos ligeiramente mais importância ao trabalho do que ao lazer – a hierarquia é: família, amigos, trabalho, lazer. Há dados que são uma surpresa para mim. Não sabia que na Grécia davam tanta importância à religião. É uma excepção.

 

Nos países nórdicos e no centro da Europa a religião não tem uma grande importância. Mas, segundo o índice, tem um peso extraordinário na Polónia.

Na Polónia, na Itália, na Irlanda, na Grécia. Os do sul dão mais importância à religião. A Espanha, na vida quotidiana, não dá muita. Quem se assume mais, são os gregos.

 

Quando se diz que na vida quotidiana não tem grande importância, significa que não condiciona o comportamento, o modo de vida?

Dito de uma maneira mais técnica, a religião tem uma dimensão consequencial. Consequencial é dizer: “Eu sou religioso, portanto, ajo assim, não faço assado”.

 

«Eu sou católica, não me divorcio, não uso preservativo, não me dou com homossexuais, pratico o bem, não sou avarento»: isto é ser um católico consequencial?

Mesmo os praticantes, que já são uma minoria dentro daqueles que se afirmam católicos, (à volta dos vinte e tal por cento), a nível nacional, têm uma relação com a religião a que chamamos “individualização”, ou “espiritualização da religião”: faço aquilo que acho que devo fazer, tenho respeito, mas não sigo muito as indicações do padre ou da igreja.

 

Os resultados são referentes a homens e mulheres?

Sim. O que é engraçado é que não há praticamente diferenças entre homens e mulheres, a não ser na religião. Onde há menos diferença, é no trabalho. Isto põe completamente de pantanas o estereótipo de que os homens dão mais importância ao trabalho e menos à família, e as mulheres dão importância à família e não dão ao trabalho. Está tudo na mesma sopa.

 

A relativa importância da religião é surpreendente.

Outra pergunta: “Considera que pertence a alguma religião?”, “Sim” ou “Não”, “Se sim, qual?”. Normalmente, trabalhamos com a ideia de que os do sul são católicos e os do norte protestantes; na Alemanha há católicos e protestantes, em França, apesar da mistura, há basicamente católicos. Se penso em suecos, penso sempre em protestantes. Mas não: a maioria dos suecos diz que não tem religião.

 

Setenta e três por cento?

São resultados de 2002. Há mais seis países em que são mais os que dizem que não têm religião do que os que têm: a França, 51%.

 

Em Portugal, 14% dizem que não têm religião.

É pouquíssimo. Como a Espanha e a Itália. Os gregos dizem esmagadora e assumidamente que pertencem a uma religião. Dinamarca: 58%, Reino Unido e Bélgica: 51%, Holanda: 56%.

 

Qual é o balanço?

Trinta e nove por cento dos europeus não têm religião.

 

Mesmo que o trabalho não tenha uma importância cimeira, do que as pessoas falam nas cantinas e bares das empresas, nas lojas dos centros comerciais, na fila do supermercado, é de trabalho. Apontam a família, os amigos e o lazer como o mais importante, mas não falam facilmente disso. Têm pudor?

Pode não se estar a falar do trabalho, mas de relações no trabalho – faz uma grande diferença. As relações no trabalho são aquelas coisas do “aquela disse, o outro disse, o outro fez”. São incómodas, são quase um ruído permanente, mas há pessoas que gostam. O que é que acontece? Tem a ver com o problema de como me vejo no meio destas relações: valorizam-me, não me valorizam? Nesse sentido, está-se sempre a falar de afecto e de emoções.

 

“Parece que estão a gozar comigo”, “Ela não faz nenhum...”, “Olha para ela com a mania que manda”, “Tem a mania que sabe tudo”. As pessoas falam todo o dia nestes termos.

As mulheres têm mais hábito do que os homens de falar do relacional. Duvido que os homens tenham esse tipo de conversas tão frequentes.

 

Gostava de insistir na dificuldade que as pessoas têm em falar dos afectos. Recusam, ou falam deles de uma forma velada.

De qualquer das maneiras, não falam na primeira pessoa, não falam de si enquanto indivíduos, não é “o que gosto, o que quero, o que quero para a minha vida”. Quer dizer, os afectos estão nas relações de trabalho e fala-se disso, mas por intermédio de. Há pudor.

 

As pessoas também têm medo que aquilo que dizem seja usado contra si.

Aí está o problema do excesso de exposição.

 

Mostrar vulnerabilidade e isso poder fragilizar a sua imagem social?

Exactamente, fragilizar e, ao mesmo tempo, ser uma armadilha. O meio de trabalho é competitivo e há uma certa reserva da intimidade para não ser usada no mau sentido. São regras quase implícitas. Se se estiver com a pessoa fora do contexto de trabalho, saem outras coisas, revelam-se outros aspectos. O contexto da interacção é muito importante para aquilo que se diz, para as regras do dito e do não dito.

 

As pessoas estão sempre a representar papéis, diferentes papéis? São poucos os espaços em que não têm que representar nenhum papel e estão simplesmente a ser elas próprias. Até em casa.

Segundo Luhmann, é essa diversificação de papéis que temos que representar e o facto de as relações impessoais se terem tornado muito generalizadas que faz com que intensifiquemos a nossa necessidade de intimidade. É precisamente por causa desses papéis todos: estamos sempre a ser qualquer coisa. Eu, nas aulas, estou a representar o papel de professora, não tem cabimento falar de mim, nem dos meus problemas ou alegrias. Ao longo do dia, todos temos várias condições, vários papéis, várias identidades. Isso faz com que apostemos muito na relação amorosa, porque é onde nos parece que somos verdadeiramente nós.


Caem-nos as máscaras.

Queremos ser apreciados enquanto nós e não enquanto a professora, enquanto a jornalista. Surge uma grande aposta na relação amorosa, como se o outro nos fosse conhecer na nossa singularidade, enquanto ser único e irrepetível.

 

Por que é que as pessoas têm tanta dificuldade em conseguir um registo de intimidade, mesmo na relação amorosa? Se é que concorda comigo na ideia de que as pessoas têm dificuldade, mesmo nestas relações.

Concordo. Há sempre uma reserva que é muito nossa. Também o outro desempenha papéis, e, se essa relação é muito próxima, vemos o outro em várias situações. Ora, nós não somos o outro! Há a tendência de fusão para o outro, mas, ao mesmo tempo, a necessidade de sair e ter a nossa identidade. Na relação de intimidade há também aspectos que têm a ver com o poder ferir susceptibilidades, o saber que há coisas que magoam o outro, o não se poder dizer tudo. Podemos ser muito violentos...

 

A palavra certeira pode ser imensamente corrosiva.

Cada um tem sempre uma versão do outro. O genro em relação à sogra, o filho em relação ao pai, o irmão em relação ao irmão – falamos outra vez de relações de competição. Há sempre coisas que achamos que não são necessariamente as melhores e que também não são ditas. Há o problema da nossa capacidade de ajuizar os outros, de dever ter alguma distância. Não podemos ser juizes tão ferozes.

 

Somos juízes muito ferozes dos outros e raramente temos esse sentido crítico tão apurado em relação a nós.

Em relação a nós, normalmente temos pouco. O treino sociológico, o treino de observar desenvolve a capacidade de nos pormos no lugar do outro – uma espécie de empatia sistemática treinada. Interroga as versões várias porque também é um treino, olha sempre para o que poderá estar na origem [de um comportamento]: a pessoa falou porque estava assim, porque tinha este problema ou aquele.

 

Contextualiza. Não podemos dissociar a pessoa do seu circundante.

Independentemente de isso me ter agredido ou não. Mas podemos explicá-lo, identificá-lo.

 

Gostava que falasse da questão da natalidade. Há alguma relação entre a natalidade e a religião?

Justamente chegámos à conclusão de que parece não haver nenhuma. Pelo contrário: países tradicionalmente católicos, como a Polónia, registam pouca natalidade e pouco trabalho feminino.

 

Por que é que se pensa que as mulheres têm menos filhos por trabalharem fora?

Já foi assim, quando as mulheres começaram a sair mais para o mercado de trabalho. Digo “sair mais” porque, em relação ao trabalho feminino, há uma invisibilidade enorme. De facto, as mulheres trabalhavam no campo, ajudavam os maridos no comércio. Se fosse perguntar há 40 anos a uma mulher o que é que ela era, dizia que era doméstica; mas estava o dia todo com o marido na loja. Nos anos 60, dá-se uma invasão do mercado de trabalho. Até aos anos 80, decrescem as ocupações da agricultura. Há uma descida da natalidade ocasionada por vários factores. Nomeadamente, este, de a agricultura ter sido “abandonada”. No caso português é claríssimo: as famílias, numa lógica rural, têm mais filhos. Quando isso acaba, verifica-se uma contracção da natalidade. Todo um projecto em termos de família mudou.

 

A vida das mulheres mudou e, em consequência, o que define a família mudou?

Há uma associação entre as duas coisas. Há uma recomposição da vida social. Há um conjunto de coisas que o trabalho feminino acaba por proporcionar. Vamos imaginar um casal operário nos anos 70. Um operário, em princípio, tinha 30 ou 40 anos de trabalho estável à sua frente. Se a mulher fosse trabalhar numa fábrica, na Alemanha ou em França, conseguiam ter um modo de vida relativamente estável. Dava para fazerem férias, comprarem um carro, fazerem consumos básicos.

 

Quando é que tudo isso emerge em Portugal?

Começa a haver nos anos 60, mas é depois do 25 de Abril que tem mais visibilidade. E o trabalho feminino permite essoutro modelo de família. É aí que entram os filhos: faz sentido ter um ou dois filhos, melhorar as condições de vida desses filhos, apostar na escolaridade, na sua mobilidade social ascendente. Muitas vezes, ao nível operário, aposta-se em ter só um filho.

 

Voltemos ao decréscimo da natalidade e à entrada das mulheres no mercado de trabalho.

No contexto actual, quando há dois salários, a probabilidade de haver um filho é maior. Em contextos de precariedade, como é o da maior parte dos jovens, em termos de inserção no mercado de trabalho, se a mulher não trabalha, torna-se muito complicado ter uma criança. Porque não há rendimento suficiente. Em Portugal é claríssimo, e podemos admitir que em Espanha também era assim.

  

E por que razão as mulheres trabalham fora de casa? Pura necessidade económica, realização profissional?

Em Espanha, em Itália, na Grécia há uma ambição forte das mulheres jovens para trabalhar fora de casa, porque são países de dominação masculina forte, de tradição católica. Há um desejo de afirmação no feminino, sobretudo das jovens mulheres que tiraram cursos e que querem ter alguma autonomia em relação aos homens e potenciais maridos. Isso faz com que tenham uma grande vontade de trabalhar fora de casa. Portugal é uma excepção ao nível das mulheres com qualificações. Uma mulher com um curso superior em Portugal tem uma história diferente das gregas.

 

Porquê?

Tem a ver com guerra colonial. Em Espanha, Itália, Grécia, a mãe de uma jovem universitária é basicamente uma não-activa (a mulher de um engenheiro, de um médico). De uma geração para a outra, mudou tudo. Porque a filha não quer esse modelo da mãe, quer trabalhar. Uma universitária com 23 anos na Suécia tem como modelo uma mãe activa, que a pôs a ela num infantário.

 

No caso português, há ainda resquícios do modelo anterior, que é ficar com as avós.

Também. Ainda há 30 por cento que ficam com as avós, em Lisboa é menos. Vais ter um filho, o que é que fazes? Os países têm tradições diferentes. No Reino Unido, o trabalho em part-time é uma solução para a fase em que são mães – já com as mães delas foi assim. No caso dos nórdicos, nem passa pela cabeça de qualquer mulher não estar a trabalhar fora de casa. No sul há uma mudança: as mulheres querem trabalhar fora de casa e querem ter autonomia. O trabalho surge como uma grande arma de autonomia. Estava à espera que uma universitária me dissesse que quer ter o seu dinheiro e realizar-se profissionalmente. Mas é uma surpresa uma operária dizer: “Quero trabalhar, quem ganha para comer já não tem que aturar tudo ao marido, sou muito orgulhosa” ou “ tenho prazer em sair da casa das senhoras e deixar tudo limpinho”.

 

O brio.

O brio profissional...

 

São respostas que constam dos seus inquéritos.

São respostas espantosas. Revelam uma resistência aos homens. As mulheres vivem muito mais satisfeitas quando têm mais poder de decisão no casal. E quando é que têm mais poder de decisão no casal?

 

Quando são independentes.

Quando trabalham fora de casa. Aí, são eles próprios a dizer: “Ela trabalha, também tem que dar a opinião, entra com o dinheiro, por que é que hei-de ser eu a decidir?”.

 

Elas estão mais satisfeitas. E eles, já estão conformados com este novo modelo?

Para já, não ganham o suficiente para poderem dizer que só eles é que trabalham. Então no caso português, é claríssimo.

 

Ainda que elas sejam independentes, existe igualdade no seio da família?

Não, não. Eles continuam a mandar. A vingança é essa. A vingança é: “Apesar de tudo, continuas a fazer o trabalho doméstico”. Há sempre uma ameaça velada no caso das mulheres portuguesas – não fiz trabalho em Espanha, mas suponho que é a mesma coisa: é o medo incrível de se ser apelidado de má mulher e de má mãe. Má mulher é mulher que não cuida, não só dos filhos, mas do marido. Ela é profissional, mas parece mal que uma fulana não receba pessoas em casa, não saiba cozinhar...

 

Parece mal, para ela, que ele tenha uma camisa mal passada.

Lida-se com uma censura social forte. É preciso uma mulher ser muito segura de si para não se importar que o vinco esteja para ali ou para acolá. Depois, há sectores em que as coisas se colocam de outra maneira, até porque são as empregas que fazem essas coisas.

 

Que mulheres estão em força no mercado de trabalho, em Portugal e na Europa?

As que têm ensino superior. Quanto maior é a escolaridade, maior é a probabilidade de se ser activa. E o trabalho é a possibilidade de afirmação da pessoa enquanto ser autónomo, que se realiza nas suas diferentes dimensões. Por que é que isto é uma questão que nunca se põe no masculino, por que é que não se diz a um homem: “Agora que tens filhos, deves pensar em dedicar-te aos teus filhos e não em ir trabalhar”?

 

Também se alterou o modo como os homens vivem a paternidade.

Os casados jovens [que entrevistei] afirmam, muito mais que os congéneres da mesma classe social e mais velhos, a dimensão do ser pai. Por exemplo, um operário diz: “A coisa mais importante que aconteceu na minha vida foi o nascimento do meu filho. Tirei fotografias e participai no parto”. As mulheres põem o trabalho no mesmo lugar que os homens, e os homens põem a família no mesmo lugar que as mulheres. Enganamo-nos quando pensamos que são seres de planetas diferentes. As mulheres são muito parecidas com os homens. E há mais diferenças intra-sexos do que inter-sexos

 

Como assim?

Eu sou mais parecida com um homem da mesma condição cultural e social do que com uma senhora que é empregada de limpeza. Em termos dos meus gostos, das minhas preferências, das minhas opções.

 

E na maneira de sentir?

Há esferas... Duas mães podem ter uma conversa em comum, mas se calhar é uma esfera muito limitada, se calhar há um abismo de diferenças na maneira como encaram as coisas.

 

Os estereótipos que reconhecemos como sendo o feminino e o masculino ainda são válidos nos dias que correm?

Há uma grande diferença entre o estereótipo e a realidade. Quando se fala das coisas na primeira pessoa, descobrimos que não se fala de estereótipos. Na primeira pessoa, quando pergunto: “O que é que é importante para si?”, descubro que homens e mulheres escolhem precisamente as mesmas hierarquias. Tenho ali uma [entrevistada] a dizer que do que ela gosta é de trabalho de linhas! Era um trabalho na linha de montagem. “Do trabalho doméstico não gosto nada, está-se sempre a fazer e a desfazer”. No etnocentrismo de classe, onde é que eu ia dizer que o trabalho numa linha de montagem é engraçado? É a singularidade daquela pessoa, é o valor intrínseco ao trabalho.

 

Tanto quanto percebo, o que mais gosta de observar numa relação é a sua mecânica. Seja conjugal, seja a de um grupo. Como se conjugam, se provocam, se interpelam, se harmonizam. Como é que trabalha, o que é que procura?

Nunca procuro assim. O que me interessava no trabalho do casamento era o indivíduo no contexto da conjugalidade. Interessava-me a pessoa, e não o casal.

 

O indivíduo dissolve-se sempre num contexto de conjugalidade?

Acho que não se dissolve. Há essa imagem exterior de que ele se dissolve e eu queria ouvi-lo dizer como é que está lá, o que é que sente. As minhas entrevistas começam com os namoros. Como é que começou a namorar?, se tinha liberdade em casa?, se não tinha. Para tentar perceber como é que o casamento se inscreve naquela história. Eu queria precisamente ver a singularidade, ver cada um lá dentro. Porque queria ver as mulheres e queria ver os homens, queria ver diferenças. E queria ver as pessoas fora do casal, no trabalho... Queria perceber a pessoa para depois perceber como é que era ela na conjugalidade.

 

Tem uma definição para casamento?

Há autores que falam do casamento como uma longa conversa a dois que produz sentido existencial. É uma conversa que se vai construindo ao longo do tempo, e a pessoa também vai construindo a sua identidade. O ponto de vista do um mais um é diferente do ponto de vista do um singular. Como se aí se fosse construindo uma unidade, um nós conjugal. Eu digo que o casamento é criador de vida em sentido forte, porque cria uma outra realidade – a própria vivência da relação já é uma outra realidade. É um processo. E é importante que as pessoas pensem que é um processo, porque nada fica ali para sempre. A relação com o outro também nos constrói, também faz de nós coisas. De repente acontecem coisas que não estavam lá... Nós mesmos, enquanto indivíduos, nós não somos: nós vamos sendo.

 

Formamos, com o outro, um par. Mas como se mantém a individualidade?

O par tem especificidades. Cada um deles é singular. E, quanto mais singular, maior é a capacidade de se definir fora do casal. Se estivermos a falar de pessoas com uma forte identidade, elas funcionam sempre de maneira separada. E podem funcionar de modos completamente diferentes em separado e em casal, podem ter opiniões diferentes sobre as coisas.

 

Mas o modo como os outros vêem os dois indivíduos que compõem o par, é forçosamente alterado pelo facto de serem um par?

O um é sempre o outro. Em termos de relações laborais, por hipótese, casais que trabalham no mesmo sítio: o que diz a um, diz a outro, por mais que as pessoas se esforcem. Se as pessoas se dão bem, o que se está a dizer a um, está-se a dizer a outro. Se se está a agredir a um, está-se a agredir o outro. Há um conjunto de regras implícitas, e também nas relações de amizade.

 

O que é que permanece inviolável em cada indivíduo no espaço da conjugalidade? Pergunto pelo núcleo, pelo que não fica contaminado pela presença do outro.

Vou por outro lado: o nós conjugal não significa a dissolução da identidade individual, essa nunca desaparece. Evidentemente há pessoas que têm identidades mais frágeis, que não conseguem definir-se fora do casal; mas isso é um problema da pessoa, que tem uma identidade pouco afirmada.

 

A conjugalidade corresponde a uma realidade monolítica?

Eu identifico três tipos de conjugalidade: a institucional, a fusional e a associativa. Para usar as imagens do nós, na forma tradicional, as pessoas casam. É uma instituição que é preciso levar até ao fim. Certo tipo de coisas não passa pela conjugalidade; se calhar, a amizade passa por relações exteriores. No programa de conjugalidade fusional, a família e a conjugalidade formam um nós muito próximo. As pessoas definem-se pelos laços afectivos e não pela instituição, são um par que por amor se formou e por amor quer estar junto; há uma dissolução muito grande do eu, e o nós prevalece em relação ao eu. No modelo associativo são dois eus que se juntam, que querem construir um nós...

 

Mas não querem deixar de ser eu.

Exactamente. O nós é construído e mantém-se enquanto beneficie o eu. Se o nós começa a funcionar como opressor de um dos eus, essa associação tende a dissolver-se, porque a associação é promovida para o bem-estar de cada um.

 

As pessoas divorciam-se porque não coincidem, ou deixam de coincidir, nos projectos de vida?

Também. Cada história é uma história, mas acontece muito as pessoas crescerem em sentidos diferentes. A pessoa continua a ser pessoa individual no decurso da relação conjugal. Portanto, vão-lhe acontecendo coisas na vida: vai encontrando pessoas, vai sendo exposta a situações no emprego de determinado tipo, revelam-se coisas para ela própria.

 

Porque é que agora acontece mais?

Há 30 ou 40 anos essas coisas também se sucediam, embora os papéis estivessem mais padronizados. A força do exterior pressionava as pessoas a manterem a situação, a ficarem mal por dentro. Havia aquela coisa: “Não me divorciei por causa dos meus filhos” – o que resulta normalmente em pessoas amargas, porque não conseguiram realizar o que queriam.

 

Os filhos são um investimento pessoal e conjugal. Porque é que é “natural” as pessoas terem filhos e “estranho” não os terem ou não os desejarem?

A dimensão da procriação, de ter filhos, é aquela que é muito acessível a todos. Por que é que para certas mulheres e certos homens o não ter filhos é uma coisa dramática? Porque é a única fonte identitária possível de jogar-se no mundo enquanto pessoa.

 

 

Originalmente publicado no DNa do Diário de Notícias em 2005

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Isabel Leal

21.06.20

Isabel Leal é psicóloga clínica. É professora no ISPA. É presença regular em jornais e revistas, onde fala do seu tema. Que é também o nosso tema: o que sentimos, o que somos. Não fala dela própria porque não é suposto que um paciente conheça a vida do seu terapeuta. Tem 52 anos.

Sexo, sexo, sexo. A verdade é que ainda vamos atrás. Saber o que esconde, ou revela, a palavra sexo. Procuramos, recusamos, praticamos. Escutamos, comentamos, acrescentamos. Afiamos a língua em histórias de bumba-bumba. “Sabes que ela dormiu com?”, “Quem é que dorme com um homem daqueles?”. “Do que ela precisava era de um homem”. 

Let’s talk about sex.

A palavra “queca” banalizou-se tanto que é dita como quem pede um copo de água à frente de crianças. As crianças também a dizem.

Somos uns modernaços. Lemos o kamasutra, conhecemos estratégias sexuais infalíveis. Há mulheres que dizem orgulhosamente: “Sou uma boneca de prazer e ele nunca apanhou outra igual”. Ouvimos falar de orgasmos do outro mundo – e, pelo menos intimamente, achamos que também os merecemos. Somos uns óptimos partidos – sobretudo na cama. E às vezes esta bazófia não dá certo.

Nas próximas páginas, não se fala do Nove Semanas e Meia. Não há cenas tórridas. Nem palavras picantes. Só mediamente picantes. Isabel Leal disse exactamente como costuma dizer: “Ninguém faz sexo para se vir”.

Falámos de sexo, e de uns assuntos à volta. Falámos de quando ele é apenas exercício físico e de quando, mesmo assim, existe a nostalgia do romance.

Se eu fosse a ti, eu queria ir para a cama comigo? Se eu fosse a ti, eu gostava de mim.

 

 

Estamos num tempo que mais facilmente se pratica coito do que se dá um abraço?

Gostava tanto de saber responder a isso…

 

O que está implícito na minha pergunta/provocação, por um lado é a existência de um novo paradigma, e, mais que tudo, a noção de intimidade.

Temos a ideia de que as relações sexuais são uma coisa banalizada. Isso é verdade para um grupo de pessoas, e é mais visível do que foi noutras épocas. Mas não penso que a maioria das pessoas seja muito promíscua e que vá para a cama a torto e a direito com toda a gente.

 

Os relatos de casais adeptos do swing fazem páginas de revistas…

As pessoas não têm uma relação com a sexualidade tão sacralizada, culpabilizada e angustiada como noutras épocas. Mas consome-se pornografia de uma forma crescente. Se podem ter uma vida sexual tão diversificada e intensa, por que é que recorrem maciçamente à estimulação ou visualização da pornografia? (Isto sem nenhum preconceito em relação à pornografia). O mercado que ela cria diz-nos que há ainda uma relação com a sexualidade que não está naturalizada.

 

Como entender, então, que ela apareça, sobretudo na comunicação sexual, como uma coisa banalizada? Como se vivêssemos numa total desinibição.

Vivemos em equívocos. Há muitos mundos paralelos. A dimensão da ternura física, que remete para a noção de segurança, afecto, vinculação, é constitutiva do que somos. Precisamos imenso disso. O sexo, o coito, também são precisos. Mas, do ponto de vista desenvolvimental, o abraço vem sempre antes.

 

O sexo é um patamar de comunicação diferente do da ternura.

O sexo pode ser exercício físico, desligado de afectos. Há pessoas que falam do sexo desligado de afectos, há pessoas que falam dos afectos sem sexo. Provavelmente, a maior parte das pessoas andará algures entre uma coisa e outra, e lá vai conseguindo, como pode e sabe, relacionar uma coisa com a outra.

 

Em encontros episódicos, de sábado à noite, existe espaço para a intimidade? Procura-se a intimidade, ou vestígios disso?

A sexualidade (estrito-senso) pode não ter nada que ver com o universo afectivo. O que há de residual da moral judaico-cristã, em países velhos e católicos como o nosso, em que as noções estão esbatidas, mas estão lá, é que a sexualidade deve estar ao serviço dos afectos.

 

Não são compreensíveis um sem o outro – esse é o discurso oficial.

O que os pais ensinam aos filhos é isso. Há imensas pessoas a dizer: “Não sou capaz de ter uma relação sexual sem gostar do outro”. Digo que isto é residual em relação à moral cristã porque é como se o pecado da carne fosse desculpado e legitimado pela pureza do sentimento. Não acho que seja assim. Às vezes o sexo é mesmo exercício físico. Corresponde para muitas pessoas a uma dimensão de luxúria.

 

Isso é válido para homens e mulheres?

Sim. Há o discurso tradicional, que considero verdadeiro, que [diz que] tendencialmente as mulheres, ainda hoje, usam o sexo para chegar ao amor. E vice-versa para os homens. Muitas vezes enganam-se a si próprios nesse processo. Uma mulher precisa de se reconhecer apaixonada para ser capaz de desenvolver uma estratégia de sedução ou aproximação sexual. Encontro imensas pessoas que têm relações ocasionais e que estão sempre à procura do homem e da mulher perfeita – mesmo que o sexo seja do mais instrumental que há.

 

Está a dizer que nas relações ocasionais continuam a procurar o grande amor? Que dessa vez lhes saia a sorte grande?

Pode não fazer sentido, mas acontece. Uma coisa é o sexo, outra coisa é a simbólica do sexo. Homens e mulheres andam em busca do príncipe encantado e cada encontro sexual é simbolicamente uma tentativa de o encontrar. Quem está de fora, diz: “Então tu vais todas as semanas com uma pessoa diferente para a cama, como é que estavas à espera que corresse?”. Mas no discurso que as pessoas fazem, percebe-se que havia ali uma espécie de romance. Aqueles cinco minutos em que houve troca de olhares, a tentativa de encaixe, a festa no cabelo, o gesto simpático, a maneira como dormiram… Coisas que para quem está de fora são banalidades, mas que as pessoas valorizam e a que dão importância.

 

Isso parece um relato nostálgico de um tempo em que se foi cuidado, ou pegado assim, em que se observou isso.

Exactamente. As pessoas não sabem bem o que procuram no afecto nem o que procuram no sexo. Acaba por ser uma coisa estranha, até para os próprios.

 

Nessa procura, continuam a reproduzir o que viram em casa? Procurar o semelhante ou o contrário do que se viu e viveu; mas ainda assim referente a essa experiência passada.

Pode não ser aquilo que viram em casa, mas é com certeza referente ao que sentiram que eram as relações entre as pessoas. E à maneira como se sentiram amados, ou desamados, ou mal amados.

 

Sobrevaloriza-se o orgasmo e a performance?

Nos discursos públicos, nos media, valoriza-se a performance e o orgasmo. Como se fosse necessário objectivar. Essa objectivação traduz-se por: “Quantos orgasmos tiveste?, quantas vezes teve relações sexuais?, quais os comportamentos que teve?” Coisas concretas.

 

O quantitativo.

Sim. A minha sensação é que isto corresponde cada vez menos às necessidades das pessoas. A maioria – e sendo verdade que há uma fatia de pessoas que faz sexo porque sim – tem relações sexuais por razões complexas, e não simples. Costumo dizer que ninguém tem relações sexuais para se vir! Dá uma trabalheira desgraçada.

 

Para isso masturbavam-se?

Com certeza. Se a relação sexual fosse só isso, se o que estivesse em jogo fosse só isso, as pessoas não tinham o trabalho de desenvolver uma relação, conhecer o outro. A relação sexual [compreende] um conjunto de significados que têm um valor de comunicação, um valor de relação, de intimidade. É por isso que a maioria das pessoas não fica satisfeita com uma versão meramente performativa – “Tive o orgasmo, acabou”.

 

As revistas abusam de expressões como “o cume do prazer”, “prazer sem limites”, “o caminho até ao clímax”. Porquê essa sobrevalorização do orgasmo?

Por causa do quantitativo. Um orgasmo pode não ser especialmente bom. Há orgasmos e orgasmos.

 

Pode ser uma simples contracção do corpo.

É mesmo uma contracção do corpo. Uma coisa mecânica, sem qualquer memória afectiva. Uma sensação de bem estar como muitas outras. Há imensos homens e mulheres que têm uma relação sexual agradável que não culmina necessariamente no orgasmo. Há mulheres que não são orgásmicas.

 

Não têm orgasmos facilmente, é isso?

Sim. Há mulheres que numa relação sexual de penetração não atingem o orgasmo; têm mais facilmente um orgasmo clitoriano. No entanto, gostam de ter relações sexuais de penetração. Porque é que o orgasmo está na moda? Talvez por ter sido um tabu durante tanto tempo.

 

O facto de o “o orgasmo estar na moda” traduz a obsessão da sociedade em que vivemos com a performance e os resultados? Temos de ser sempre óptimos, até na cama.

E como essa performance se mede por resultados… O resultado é: “Quantos orgasmos tiveste?”, “Quantos orgasmos é que ela teve?”. Esquecemo-nos que uma coisa que seja só factual – quer se trate de um orgasmo, quer de trate de um resultado – é só um número. Não quer dizer nada. Na minha experiência, não é nada disto que aparece.

 

Quando a procuram na clínica para tratar de questões sexuais, o orgasmo não o tópico principal. Qual é?

É a mulher que quer ter [relações sexuais] e o marido não quer tantas vezes, e vice-versa. Antigamente havia a ideia de que os homens queriam e elas não; elas estavam sempre com dor de cabeça. Agora são elas a queixarem-se de que eles estão sempre ocupados, cansados, que trabalham imenso. Aquilo de que ambos se queixam é de se sentirem pouco desejados, poucos amados, pouco atraentes.

 

O ónus é do próprio, e não do parceiro, que está ocupado.

Em última análise aparece essa culpabilidade. “Não sou suficientemente boa/suficientemente bom”. “Já não tem interesse por mim, já não gosta de mim”. Como se não acreditassem que o outro tem mesmo dor de cabeça, está mesmo cansado ou não gosta de ter sexo. Ainda é pior do ponto de vista das mulheres, porque lhes foi ensinado que os homens estão sempre disponíveis.

 

E sentem-se galdérias e culpadas por isso?

Eventualmente. “Será que sou uma pervertida?”. Quando isto não é trabalhado, passa-se desta situação de culpabilidade e sentimento de desamor a uma zanga com o outro. Quanto mais culpabilizado, mais agressivo fico. Numa outra fase, vem o discurso humilhante: o outro não presta… Destrói a relação e o afecto.

 

O jogo sexual é, sobretudo, um jogo de poder?

Não acho que seja só, mas acho que o jogo sexual é um jogo de poder. À medida que vai sendo outras coisas, vai deixando se ser sobretudo um jogo de poder.

 

É um jogo de poder na fase de sedução e conquista ou também na fase em que a relação está estruturada? 

Mesmo quando já está estruturada. Para muita, muita gente, a relação com o outro é uma relação de poder. Também no sexo. E todos sabemos isso. Sabemos quem é dominante na relação.

 

Mesmo que os papéis hoje não sejam claros.

Houve um tempo em que sabíamos quem tinha o poder, e onde. Os homens tinham poder no exterior, as mulheres tinham poder em casa. Os territórios estavam estabelecidos. Agora, à medida que os papéis sexuais são menos estereotipados, é difícil chegar a uma relação de equilíbrio, com zonas de dominância alternadas. Há conflitos que têm apenas que ver com a questão do poder.

 

Ou mandas tu ou mando eu.

E em que zonas mandas tu e mando eu. Como chegamos lá? Tu mandas nisto e eu mando naquilo. Mas imaginemos que “isto” é vital para ambos… O desgaste da relação começa quando, para ambos, o controlo daquela zona, é fundamental.

 

Outro cliché relacionado com o poder: o de que se opera no espaço íntimo uma inversão da ordem que observamos no espaço público. No Belle de Jour, do Buñuel, as pessoas que se submetem e querem ser submetidas são o ilustre ginecologista, o senhor duque.

Não é só um cliché. É também o descanso do guerreiro. As pessoas que têm um desempenho activo e dominante têm de ter momentos de relaxamento. Os momentos em que se sentem protegidas.

 

Mesmo que isso seja sob a forma de ordem? O outro manda e decide.

Sim. Pode ser no campo estrito do sexual. É o grande ditador que depois é embalado por uma prostituta… Quem domina, quem é dominado? A simetria não é possível.

 

Muitas relações estão condenadas porque os elementos do casal são dois titãs? E um tem de se submeter mais um pouco...

E vai ser cada vez mais assim, com esta diluição de espaços. O espaço da casa é comum, os confrontos são maiores, não há dogmas. Há 50 anos um homem não dava palpites sobre os cortinados. É preciso elaborar sobre as coisas estruturais de que não abdicamos, e o resto é peanuts. Preservamos uma coisa, e o resto, “leva lá a bicicleta”. Há casos de pessoas que gostam uma da outra, sexualmente funcionam, mas não conseguem acertar-se.

 

Porque é que ser dominado dá uma enorme segurança? É ainda a memória de um tempo em que o pai e a mãe estavam lá?

Então não? Já viu o bom que é, para algumas pessoas, ter alguém que lhes diga o que fazer? Já viu a angústia de terem que decidir, optar, todos os dias? Se tiverem alguém que impõe as regras, já viu o fácil que é?

 

Mas socialmente tem-se vergonha disso.

Claro. Passamos a vida a manter combates connosco próprios entre um desejo de autonomia e a dependência. A dependência garante-nos que o outro está lá – não há a angústia da separação. E o outro está lá para nos dizer o que vamos fazer. Por outro lado, aprendemos que temos de ser autónomos, pensar pela nossa cabeça. Isso dá uma trabalheira enorme. E paga-se o preço por essa autonomia: muitas vezes, a solidão, e o ter de escolher. Tanto maior é o domínio quando escolhemos um dominador que nos diz para fazer exactamente o que gostaríamos de fazer.

 

Sem parecer que nos está a dominar…

Quando vai ao encontro do nosso desejo.

 

Quais são os fantasmas mais comuns? Rejeição, troca, desamor?

Correspondem aos que individualmente temos. A angústia do abandono, a angústia da separação.

 

Qual é a diferença?

O abandono é uma coisa mais arcaica. “Eu não sou suficientemente bom para ser gostado”. Na angústia da separação, o residual é isto, mas passa-se ao desamparo. “Eu não sou capaz de estar sozinho. Se perco esta pessoa, perco a capacidade de ser e de fazer”. Há pessoas que estão numa relação sempre com essa angústia.

 

“O que é que vai ser de mim se ele me deixar?”

Vivem no pressuposto: “Ele vai abandonar-me”. Muitas vezes, nessa angústia, inconscientemente, fazem tudo para ser abandonadas… É no grupo onde estão as mulheres agressivas, aquelas que em vez de dizerem: “Dá-me um beijinho”, dizem: “Mas o que é que tu queres dizer com isso?!”. Funcionam sempre ao contrário. Há outro quadro, mais neurotizado: o daquele que está sempre a invocar o outro. Você pergunta: “O que é que achas disso?”, e ele responde: “Eu acho que o meu marido até me disse que…”. 

 

As pessoas só existem no “nós” e têm dificuldade em existir individualmente.

E transmitem isso de todas as maneiras! O Stig Dagerman tem um livro chamado A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer. Todos precisamos de consolo, e este consolo tem pouco de sexual. (Ainda que, na nossa língua, a palavra “consolado” tenha uma conotação sexual). Penso nela no sentido de conforto íntimo, de satisfação. Às vezes, como não conseguimos descobrir essas formas de consolação amplas, ficamos por formas pequeninas de consolação; entre elas a sexual. E isto não é desprezar o sexual!, que acho muito importante. Mas não acho que tenha a centralidade que noutras fases da vida lhe damos.

 

Há pessoas que têm pavor da infidelidade. Quando o fantasma é o da traição, o da terceira pessoa, aquilo de que têm medo é do abandono?

É. E persiste nelas a ideia de que foram trocadas porque não são suficientemente boas. Não é tanto o outro que está em causa; é a confirmação de que eles não prestam. Ficam numa angústia catastrófica em relação a isso.

 

O falhanço das relações não decorre, tantas vezes, de se olhar para o outro como ele é e não como estava projectado na nossa imaginação e desejo?

Qualquer pessoa pode enunciar isto. Agora, constatamos todos os dias que isto que se sabe, não se sente.

 

“Se me amares completamente és isto”. “Se me amasses realmente fazias aquilo”. As equações da incondicionalidade podem enunciar-se assim?

Mais subtil: isso pode não ser dito. Pode estar implícito. Pode estar no gesto, na culpabilização. “Mas que estranho, todas as pessoas gostam disso; porque é que tu não gostas?”. No fundo, reproduzimos coisas que dizem respeito a um tempo em que começámos a perceber que não somos únicos. E que, além de não sermos únicos, não somos centrais. Crescer é também isso. E dói. Integrar essa dor, ser capaz de lidar com ela, reestruturar coisas a partir disso é o que nos permite, enquanto adultos, viver bem as separações, os diferentes níveis de infidelidade, de autonomia.

 

Também vigora a ideia de que temos de ser felizes a todo o custo…

E é uma felicidade objectivável. Quais são os objectos que as pessoas usam para ilustrar as suas noções de felicidade? Passa sempre pelo que tenho ou pelo que parece que sou. Duvido que tenha mesmo que ver com o que sinto de modo predominante ou com a relação que tenho comigo. As pessoas tendem a falar de felicidade como contrário de infelicidade. E objectivável em coisas do quotidiano: sou feliz porque tenho um marido porreiro, uns filhos lindos, um grupo de amigos, porque tenho emprego.

 

Tudo bate certo. Mas depois, afinal, não. Porquê?

Ouço tantas vezes isso, tantas, tantas. “Eu tenho tudo para ser feliz; porque é que não sou?”. Quando uma pessoa diz isso é porque acha que devia ser de uma maneira. É como se as pessoas não se permitissem conter as suas infelicidades e tristezas. Fazem este discurso que culturalmente vai sendo dominante.

 

Ser feliz é ser aquilo e é ter aquilo. Ou parecer ser aquilo e parecer ter aquilo.

E é sempre uma coisa que os outros têm.

 

Faz sentido aceitar a dor? Porque não procurar aquilo que sabemos que nos traz felicidade?

Faz parte da natureza humana (e já falo da condição humana) [lidar] com dores, físicas e psíquicas, com o sofrimento. Enquanto seres que se afastaram da natureza e construíram cultura, desenvolvemos a crença de que podemos superar a dor. É mais evidente nos casos de doença física: se posso tomar uma aspirina e não ter uma dor de cabeça, se posso ter uma epidural e ter um filho sem dor, porque diabo hei-de tê-la? Quem aguenta algum patamar de dor é considerado masoquista. Não vale a pena, e é triste, ajudarmos as pessoas a crescer em fuga das suas próprias dores. Não há maneira de escapar à dor. Mas há maneiras de gerir melhor as dores que se têm. Essa dimensão da dor não é intrinsecamente má. É uma circunstância da nossa existência. Temos de aprender estratégias para lidar com isso.

 

As pessoas divorciam-se com maior facilidade hoje em dia. Os tempos são outros, e mudou, sobretudo, o estatuto da mulher. Uma parte deste fracasso passa pela resistência à dor e à dificuldade? “Eu não tenho de aturar isto”.

Completamente de acordo. Aplica-se às relações e a tudo. Não queria que isto parecesse um discurso conservador – não é. E também não é um discurso anti-hedonista. Acho que em relação às crianças, por exemplo, desenvolvemos demasiadas estratégias de protecção. “Coitadinho, é pequenino, tem muito tempo para sofrer, a vida já é dura, temos de o poupar”. E vamos prolongando isto em idades em que deixa de fazer sentido.

 

Por isso somos tão tarde maduros?

Quando chegamos a ser maduros! Tem imensa gente que envelhece sem alguma vez ter crescido. É dramático. Conseguem ter os seus desempenhos sociais, às vezes até brilhantes, mas não ficaram maduras de um ponto de vista emocional. Há uma definição para isso de que gosto: “Ser adulto e ajudar os outros a ser adulto”. Somos, nessa altura, contentores dos limites dos outros. Há pessoas que não o conseguem. Precisam de espelhos, espelhos, espelhos que reproduzam imagens, que digam: “És bom, és óptimo, consegues”. Isto, que era uma coisa narcísica e ligada a classes privilegiadas, está disseminado. A classe média faz da educação dos filhos um lugar com poucos limites, com pouca tolerância à frustração. Claro que a vida dói. Mas onde é que está escrito que não doía?

 

Frequentemente pensam do que somos coisas que não correspondem ao que somos ou sentimos. E transmitimos coisas diferentes daquelas que gostaríamos de transmitir. Este equívoco é também inescapável? 

Esse é outro problema. Demasiadas vezes acabamos a parecer o oposto, e a criar nos outros uma imagem que é o oposto, daquilo que somos. O exemplo clássico disso: pessoas que se sentiram mal amadas. Não há nenhuma espectacularidade neste acontecimento, acontece no seio das famílias normais. Aqueles aparatos, de negligência e espancamento, não têm nada que ver com o que estou a dizer. O facto de uma pessoa se sentir mal amada ao longo dos anos, preterida, frequentemente determina uma busca activa no sentido de ser estimado, gostado. Normalmente isso faz-se de duas maneiras. Uma é desenvolver um comportamento hiper-afirmativo/agressivo…

 

“Vejam como sou boa, amem-me por causa disso”?

E isso faz com que as pessoas olhem para ela/ele como sendo muito auto-suficiente. “Ela é muito boa, não precisa de nada, deixa-me ir embora”. Nem se aproximam porque o outro (parece que) não dá espaço. “Ai que arrogante, que convencido”. Isto é uma angústia brutal para as pessoas, que estão sozinhas. Podem até suscitar admiração, mas não suscitam aquilo que querem: proximidade e afecto.

 

Esse é outro equívoco: o que é admiração e o que é amor.

É. A outra situação é a pessoa pintar-se como o desgraçadinho. “Amem-me por favor”. Desenvolvem uma estratégia pitiática, têm sempre uma queixinha a acrescentar, que desencadeia a compaixão dos outros.

 

Mas não o amor.

Pois. Estas são as estratégias mais vulgares que as pessoas desenvolvem como mecanismo compensatório dessa sensação de não ser bem amado.

 

Lemos livros e ouvimos psicólogos que repetem à exaustão que a gratificação tem de vir de dentro. Mas como chegar a sentir isso que tão bem sabemos?

Acho que só há duas maneiras. Uma é mesmo a psicoterapia. Porque é o retorno a nós próprios, a uma consciência apurada de quem somos, como somos, porque somos. É como na crise adolescente: quem sou, donde venho e para onde vou. A outra é encontrar uma relação em que tenhamos espaço de existência e de construção de uma identidade, que nos permita essa gratificação. Quer um, quer outro não são acessíveis a toda a gente. Há uma arbitrariedade horrível. Não é uma das coisas em que vou para casa e faço o treino…

 

Quer a psicoterapia, quer a relação construída com outro, são espaços de intimidade. Vivemos entre esses dois espaços: o íntimo, onde nos auscultamos e sabemos quem somos, e o público, onde cabe a conversa sobre o sexo, sobre o parecer ser, a dissimulação.

É incontornável que sejam espaços de intimidade. Atingimos a singularidade na maneira como combinamos os nossos elementos, e construímos essa individualidade, apesar de tudo o que nos aconteceu – e sublinho o “apesar de”. Aquilo que nos diferencia é essa construção autónoma. Aquela psicologia barata: “Percebe-se perfeitamente porque é que aquela pessoa é assim. Porque lhe aconteceu isto e isto e isto; só podia dar naquilo!”. Não é verdade!

 

Porquê?

Há características pessoais e há circunstâncias felizes que nos possibilitam, apesar de tudo, transformar formas de ser. A história passa a ser: “Sou assim, não por causa do que me aconteceu, mas apesar do que me aconteceu”. Tem muitas pessoas a quem aconteceu o pior possível e que são muito estruturadas. Não temos só a condenação ao Inferno ou ao Purgatório. Temos uma enorme capacidade de resistência, resiliência, reformulação. É possível criar os espaços de liberdade, de recuo em nós próprios.

 

Do que é que as pessoas falam no consultório? De sexo, do desencontro, da equivocidade permanente?

Não há uma resposta única. Diferentes pessoas preocupam-se com diferentes coisas. Todos temos uma história e todos precisamos de significar a nossa história de uma certa maneira. Precisamos de ter um sentido, um norte; sem ele, desorganizamo-nos. Muitos dos sentidos que atribuímos às coisas, não nos servem. Portanto, é preciso diminuir o hiato entre o que sentimos e pensamos.

 

Diz-se muito: “Se eu conseguisse sentir aquilo que penso, aquilo que eu sei...” Mas também: “Se eu conseguisse saber/entender o que sinto”.

Não é um jogo de palavras. Isto é dito em discurso directo, tem personagens, tem acontecimentos. Dito de outra maneira: são sempre tentativas de crescimento. Perguntaram um dia à Maria Velho da Costa porque é que ela tinha feito psicoterapia: “Para ser mais, para ser melhor”. O que todos nós queremos é ser mais e é ser melhor. Mesmo que tenhamos a ideia que queremos fogões e frigoríficos e computadores e telemóveis. As pessoas que tiveram a sorte de ter tido relações básicas de extrema confiança, em que o abraço sempre lá esteve, provavelmente são as pessoas para quem isto é mais leve.  

 

E esse vínculo é o que facilita a relação com o mundo e os outros?

Sim. Não é ingenuidade. É confiança básica. Infelizmente, a maior parte das pessoas não tem isso. No nosso desenvolvimento vamos sempre tentando esse reforço. E nunca nos chega. E isso já endossa para uma zona de inquietação que é constitutiva do ser humano. Para uns é sofrimento e para outros é zona de crescimento.

 

 

Publicado originalmente no Público em 2010

 

Patrícia Pascoal

21.06.20

Patrícia Pascoal é sexóloga. Fala de fenómenos como as MILF (mothers I would like to fuck) ou de o sexo anal ser mais do que um jogo de dominação. Da hiper-vigilância em relação ao nosso corpo – “Ai, será que estou a ficar molhada”. Da instantaneidade e democratização no acesso a conteúdos sexuais. Usa palavras como “peniano” ou “socialização para o género”. A ela não a apanham a dizer que uma mulher deve vestir uma lingerie sexy e desinibir-se. Como num título de Woody Allen, eis um ABC do Sexo.

Fez a licenciatura e o mestrado em Psicologia Clínica em Coimbra. Uma pós-graduação em Estudos Femininos em Amesterdão. Outra pós-graduação em Sexologia Clínica na Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. É responsável pela primeira consulta de Sexologia Clínica na Faculdade de Psicologia de Lisboa. Está empenhada no doutoramento. Colabora com a imprensa (teve, por exemplo, um programa no extinto Rádio Clube Português com Aurélio Gomes). Dá aulas. Dá consultas. “Temos de perceber o passo gigantesco que é para as pessoas chegarem à consulta. Quando estava a coordenar uma linha de atendimento telefónico, as pessoas diziam que não conseguiam falar disto numa consulta. O enquadramento anónimo permitia-lhes falar, mas a ideia de ir, e dar a cara, era sempre complicada”. O sexo é ainda um tema complicado? E continua a ser o mais apetecível?

Patrícia Pascoal dá algumas respostas, levanta muitas questões, gosta de desinstalar o que está instalado. É casada e tem filhos.   

 

 

Numa sociedade hiper-sexualizada como a nossa, o sexo continua a ser uma obsessão colectiva? Nunca o sexo esteve tão visível, no cinema, na televisão, nas revistas, nos conteúdos veiculados nas redes sociais. Mas isto não conduz a uma banalização. Os conteúdos sexuais são sempre os mais vistos, os mais lidos, os mais procurados.

O sexo sempre esteve visível. O que talvez esteja [mais visível] são os genitais, a cópula, a nudez. Até na invisibilidade víamos alguma coisa. Tornou-se tudo muito mais rápido, à distância de um clique. Há consumo de informação, uma instantaneidade e uma democratização no acesso. Se procurar imagens de nudez, encontro. Mas se procurar informação sobre práticas sexuais seguras, locais de atendimento, linhas de informação, também encontro. A expansão não é só para a parte mais fácil, banal, espectacular. O difícil é perceber que critérios [usar para filtrar]. É o drama dos pais – os miúdos têm acesso à pornografia, à perversão, à informação. As pessoas procuram mais ajuda nesta área. Têm mais vocabulário para designar as coisas, questionam o que lhes é dito.

 

Exemplos.

“Existe mesmo um ponto G?”, “Não tenho orgasmo, será que tenho um problema sexual?”. Há dez, 20, 30 anos era inegável que isto seria um problema; hoje questiona-se. Há uma série de outros discursos que aparecem, comportamentos, testemunhos; e a partir deles as pessoas questionam-se. A sexualidade masculina está a mudar imenso. As pessoas dizem: “Agora há mais homens com falta de desejo”. O que há é mais homens a dizer quer têm falta de desejo.

 

O que era impensável. Um homem estava sempre pronto. Tinha sempre vontade.

Claro. Mas se um homem está sempre pronto, e a sua vida sexual não está ligada aos afectos, por que é que há tantos anúncios de prostituição a dizer “carinhosa, doce, meiga, conversadora”?

 

Há ou não Ponto G?

Parece haver uma forte evidência para a não-existência. Se meto o dedinho e vou lá à procura, aumento a probabilidade de me estimular, e de atribuir isso ao Ponto G. Será que as mulheres mais velhas são mais incompetentes e não o encontram, ou será que as mulheres mais novas encontraram nomes para dar às coisas? O que é que realmente interessa? É que as pessoas se permitiram procurar, estimular-se, tocar-se. A parte menos saudável disto é a procura da sensação máxima que nos torna hiper-vigilantes acerca do nosso corpo.

 

Em relação ao seu funcionamento, à prestação sexual?

E às sensações. “Ai, será que estou a ficar molhada?”, e verifico. “Será que os meus mamilos estão a ficar erectos?”. Mais vigilância em relação às sensações do próprio, mas também em relação às do outro. “Está a gemer; será porque está a gostar, será que estou a magoar?”.  

 

Aquilo que as pessoas procuram reproduzir ou praticar é o receituário disponível nesta enorme quantidade de informação.

É. Sou contra essas receitas. Mesmo em termos de terapia sexual, posso dizer: “Existe esta técnica, que tem uma taxa de eficácia alta, é feita assim. Mas vamos pensar se é esta a questão. Se implementar esta técnica e passar, por exemplo, a ser possível a penetração (porque antes não era), o que é que acha que vai mudar na sua vida, no seu prazer, na sua satisfação?”.

 

As receitas são bastante taxativas (e prometedoras…): dez passos para ter um sexo melhor…

Ou dez conselhos para comunicar no casal. Não consigo imaginar coisa mais anti-qualidade da comunicação do que seguir um receituário. “Não diga não”. Não diga não porquê? “Não acuse”. Não acuse porquê? Podemos evitar magoar o outro, mas também podemos pedir desculpa.

 

Quais foram, para mulheres e homens, as mais notórias conquistas das últimas décadas?

O pensar da sexualidade para além da genitalidade. O prazer já não é só sinónimo de orgasmo (para algumas pessoas eventualmente ainda é). A ideia de prazer ou satisfação é muito mais ampla. O verbalizar, o escrever sobre isso, é uma noção nova. A procura mais rápida de experiências intensas é também um ponto-chave. E passámos de um modelo em que as mulheres não têm vida sexual para um em que têm ejaculação feminina, Ponto G, multi-orgasmos, conseguem fazer sexo tântrico, têm prazer com o sexo anal...

 

O modelo dominante ainda é o monogâmico, do casaram-se e foram felizes para sempre. Mas a taxa de divórcios é altíssima. As pessoas não ficam na relação a qualquer preço. Apesar dos filhos.

Há o modelo da relação monogâmica, tida durante muito tempo e da qual se espera que venha tudo o que é bom. Há pessoas a quem isso não satisfaz; ou satisfaz durante um período da sua vida e depois deixa de satisfazer.

 

Este modelo não é forçosamente excludente de um outro: o da procura do prazer, da novidade, da transgressão.

É legítimo perguntarmo-nos se a banalização, o excesso, não leva a que as pessoas se tornem mais insatisfeitas, mais à procura da intensificação da experiência. Numa lógica consumista, faço com o sexo o que faço com os carros ou com os restaurantes: quero cada vez mais o extremo, o que me dá as sensações mais fortes.

 

Para elas, o sexo continua a ser o caminho a percorrer para chegar ao afecto e à relação companheira? Eles têm de as entreter com basófia amorosa para chegar ao que verdadeiramente querem, o sexo? Esta visão maniqueísta, redutora, deixou de vigorar ou não?

Há um cartoon que resume isso: “Faço sexo porque te amo, amo-te porque fazemos sexo”. O tipo ama a mulher porque faz sexo com ela, ela faz sexo com ele porque o ama. Se desmontarmos isso, temos de perguntar: a mulher que quer um amor companheiro, tem que ser para a vida toda? E se o sexo deixar de ser bom, quer ficar na mesma? O que é que espera disso? Se calhar uma mulher de 40 anos já não está à espera de ter uma grande vida sexual, porque não é representada nem se vê a ela própria como uma bomba que vai ter sexo muito bom.

 

No livro Sex, lançado nem há 20 anos, Madonna fazia a encenação das suas fantasias sexuais. Numa das fotografias, estava ao espelho a ver o genital. Na altura parecia uma cena especialmente audaz, provocadora.

E continua a ser. Onde é que vê genitais de mulheres hoje em dia? Só na pornografia. É escondido. Os próprios manuais têm quase sempre desenhos.

 

Porque é que se vêem os dos homens? E aí, pelo contrário, é quase sempre numa posição priápica.

Podemos dizer que é porque estamos numa sociedade falocêntrica. Porque está à vista. Porque é fácil. E depois, sempre foi condenada a expressão sexual das mulheres. Se emergisse, seria de uma forma desorganizada, histérica. Apesar dos anticoncepcionais orais, e do acesso à protecção do preservativo, feminino ou masculino, os riscos, os custos maiores são para as mulheres.

 

Por causa de doenças e porque engravidam.

E por causa da punição social que ainda existe.  

 

Se a pessoa apanhada no quarto de hotel em Nova Iorque fosse Anne Sinclair, e não Strauss-Kahn, a penalização social seria muito maior.

Claro. Nem conseguimos pensar nisso. Essas mulheres que têm carreiras em áreas tão masculinas são muito dessexualizadas, a começar pela forma como vestem. E normalmente, quando chegam a esses cargos, são mais velhas. Rapidamente passam o prazo de validade.

 

Os filhos são uma questão fundamental para a mulher de 40 anos. E é cada vez mais nessa idade que os têm. Depois da maternidade, tendencialmente deixa de ser a bomba sexual para passar a ser a mãe. Uma expressão muito sintomática disso: dentro do casal, o marido, pai das crianças, passa a chamar-lhe mãe.

O pai, as senhoras na maternidade, na escola…, deixa-se de ter nome. Passa a ser a mãe da Joana, a mãe do Carlos. E há uma pressão ainda maior sobre as mulheres. “Foi mãe há três meses e retoma a sua forma esplêndida”, “Mais sexy do que nunca agora que teve dois rebentos”. Porque é que tem que ser mais sexy? Os corpos, estes de que estamos a falar, das maternidades, que são tantas vezes dessexualizados, são muito erotizados nas representações antigas. As bacantes têm ancas largas e barriguinhas.

 

Mas isso hoje não é considerado sexy.

Voltámos à Lolita.

 

Isso de que falou é um símbolo da matrona, do que resulta da maternidade.

Há homens que desejam mulheres curvilíneas, com barriguinha. É engraçado olhar para os géneros na pornografia. Encontramos as MILF (mothers I would like to fuck). Dirige-se a um número de pessoas que sente desejo por corpos e mulheres que não são as teens, que é outro subgénero.

 

Quais são os grandes grupos, neste momento, na pornografia?

Gay, lesbian. Ebony (que é interracial). Os gang bang (as mulheres com múltiplos parceiros, em simultâneo). E depois os pequenos subgéneros, lesbian MILF, ebony MILF. Há uma indústria paralela, alternativa, com mulheres realizadoras, algumas ex-actrizes porno, outras não. Em termos das técnicas cinematográficas, não usam sempre o grande plano, andam entre o óbvio que não é óbvio, com temáticas, com narrativas.

 

É interessante que dêem a ver coisas diferentes, que romantizem o filme fazendo dele um objecto menos explícito.

Mas não tanto como estava à espera. Continuamos a estar no domínio, mesmo entre as mulheres realizadoras, dos jovens, belos, saudáveis, bem sucedidos e glamorosos.

 

Alguém que tem 60 anos, que observa ao espelho o seu corpo flácido, numa sociedade que faz o culto da juventude, quer ver num filme pornográfico outro como ele?

O que a pornografia e a observação da pornografia fazem aos homens em relação ao tamanho do pénis! Como a maior parte dos actores pornográficos tem pénis muito acima daquele que é o tamanho mais comum, muitos homens usam como referência aquela proporção; isto é causador de grande sofrimento. Mais do que a questão da imagem corporal global, que é a das mulheres, nos homens há uma preocupação com a barriga, com o tamanho do pénis. Há uma oferta de pornografia em que isto não acontece, e é mais tranquilizador. Mas há também muitos sites amadores, que cresceram imenso.

 

Porquê? As pessoas têm a ideia de que os filmes desses sites são mais “normais”?

Além da componente exibicionista de quem põe, diria que os sites cresceram porque as pessoas se identificam. O cinema facilita a identificação. O facto de não ser um tipo todo musculado, todo depilado, para muita gente é apelativo. Porque é mais próximo da vida que têm. Dá-lhes algum poder, sentem-se empowered.

 

A pornografia é olhada desde sempre como uma transgressão e uma explicitação de algumas das fantasias mais correntes. É interessante perceber quais são os géneros que aparecem. Dá-nos uma ideia do que paira na cabeça das pessoas.

O que é que é uma fantasia sexual? Todos temos uma espécie de entendimento sobre o que é isso. É um desejo recalcado? É uma ideia perseverante, só se quer fazer aquilo? Do que é que estamos a falar?

 

De um objecto não-concretizado ou concretizável?

Tenho muitas dúvidas. Diferentes fantasias nos filmes pornográficos? Aquilo não tem nada de fantasioso! Todos estes géneros são extremamente rígidos.

 

Mas são uma forma de consumação, e dão visibilidade a preferências.

Preferências, cenários, práticas. Não têm que ser necessariamente fantasias. Temos muitos discursos sobre fantasias, alguns culpabilizadores. Há pessoas que se sentem mal porque têm poucas fantasias, porque acham que a sexualidade boa é a de quem tem muita imaginação. Ou sítios muito exóticos, e muitas posições. A fantasia, uma definição possível: é um pensamento, uma ideia de conteúdo sexual, que pode ser, até, não necessariamente boa.

 

Essa definição parece do dicionário. Asséptica. Traduza isso.

Posso dar comigo a ter uma imagem de mim própria a ser violentada, que é uma coisa que não quero. Ou a violentar alguém. Nem todas as fantasias são sentidas pelas pessoas como boas. E muitas pessoas auto-observam-se e têm um deleite, gostam de falar sobre as fantasias que têm e não estão a pensar concretizá-las. Tentar perceber qual é o significado daquela fantasia, isso sim, é importante.

 

Duas das fantasias mais comuns, apontadas por homens e mulheres quando se fazem as inevitáveis listas, são, no caso delas, o sexo com desconhecidos, e que implique alguma força. Li um testemunho de um prostituto que dizia que recorrentemente as mulheres lhe pediam que criasse um quadro de quase violação, inescapável para elas. No caso deles, a fantasia apontada era ver duas mulheres.

E depois eles aparecem para aquilo ser bom!, só as duas não é bom [riso]. Os homens fantasiam com duas mulheres, mas fantasiam-se a eles em acção.

 

O homem é o salvador daquelas desviantes, aquele que finalmente pode dar prazer àquelas mulheres incompletas – é com isso que fantasiam?

Sim, são incompletas porque não têm o prazer da penetração do pénis. Outra ideia subjacente a essa fantasia é a das múltiplas fontes de prazer. Duas mulheres implicam uma variedade de estímulos em diferentes zonas do corpo.

Além da questão do falo reparador – o pénis que vai ali resolver o problema – também há a questão do poder. É um bocado difícil dissociar a sexualidade do poder. Isto leva-nos à fantasia das mulheres que apontou. Aquelas mulheres querem ser violentadas no sentido em que são agredidas? Ou pode ser interessante uma prática que, sendo imposta por fora, legitime que elas a façam?

 

Desculpabilizam-se porque foram forçadas. E por causa disso permitem-se fazer o que, em condições normais, não aceitariam.

É o descontrolo. As pessoas sabem que quando estão excitadas, e não estão demasiado controladas, deixam-se ir, deixam-se fotografar, fazem uma série de coisas incautas. O estado de excitação implica alguma perda de consciência, e legitima: “Ao princípio não queria, mas depois…”. Isto só é possível num contexto de duplo padrão moral. O discurso da sexualidade da mulher é muito pensado em função dos desejos masculinos. Isso continua a acontecer mesmo nos discursos mais libertadores. “Liberte-se, faça surpresas ao seu marido. Vista uma lingerie sexy para lhe agradar, seja ousada”. Isto é que é a liberdade? Libertar as mulheres é dizer-lhes como têm que ser?

 

Como têm que ser para agradar aos homens.

A socialização para o género ensina-nos a dizer: “Não consigo fazer amor se não estiver apaixonada. Não consigo ter prazer se não for com uma pessoa de que gosto”.

 

O que é a socialização para o género? Concretize.

Pequeninos. Se mexe as perninhas, e é rapaz, vai ser futebolista. Se mexe as perninhas, e é menina, vai ser fresca. Está a ver a diferença? Uma menina de quatro anos que ande a levantar as saias: “Tem que se ter mão nela”. Um rapaz que não queira jogar à bola, que não goste de jogos de competição com outros rapazes, vai ser maricas ou a mulher vai mandar nele. Nisto temos todos um papel. Montei uma consulta de sexualidade no espaço Diferenças, encaminhavam-me vários casos, alguns deste tipo. O menino tinha que ir à psicóloga porque não gostava dos brinquedos de rapaz, fazia desenhos com temática de menina. Fala com os pais, tenta perceber: “Mas a criança é feliz? É”. Então onde é que está o problema? Está a fazer aquisições, é autónomo. O problema está nesta ideia. Isto está tão enraizado que os homens dizem: “Tenho uma parte feminina, gosto de decoração”.

 

As mulheres são educadas para a monogamia, para a relação estável e duradoura.

Sim. Não se diz: “Quando fores crescida vais encontrar imensos homens de quem vais gostar, vais ter montes de experiências sexuais diversificadas”. Procurar actividade diversificada não é aceitável. Até porque vai ser mãe. Há todas estas ramificações, contágios. Está a construir um passado.

 

A reputação parecia um fardo pesadíssimo, do qual a mulher se libertou depois da pílula, da emancipação económica e profissional, quando caiu o fantasma da virgindade. Mas com as redes sociais voltámos à situação em que há um passado que nos persegue, sendo nós cúmplices desse processo: porque “postamos”.

“Posta” quem “posta”. Somos voyeuristas. No princípio era o olhar. Gostamos de ver ou imaginar o que poderíamos ver.

 

Isso é para ver como são os outros ou para nos confirmarmos na nossa normalidade/particularidade?

Por um lado isso – “Não sou assim, nunca faria aquilo”. Tapam-se os olhos com os dedos abertos [riso], para ver bem. “Postar” algo da intimidade de uma pessoa é uma violência enorme. Associa-se o prazer à violência.

 

Porquê esta associação? É a sensação de estar para lá dos limites?

Há um número restrito de pessoas que associa prazer e dor. Outra coisa são as pequenas agressões que as pessoas usam no seu erotismo. Os pequenos chupões, as mordidelas, a pancadinha no rabinho.

 

Quando vemos filmes dos anos 70, posteriores ao Maio de 68, à pílula, ao divórcio, assistimos a códigos libertinos, à experimentação. Um exemplo: festas nas quais se deixa a chave à entrada e se sai, não com o par, mas com outro cuja chave foi tirada à sorte. Estas imagens são a espuma de um tempo? Os filhos desses são mais conservadores?, procuram sexo com intimidade, encontros menos fortuitos?

As pessoas que punham as chaves para trocar de casal, se calhar também tinham relações íntimas. Não será isto um preconceito? Esta ideia de que a intimidade tem que ser a dois. Estou só a pensar, não estou a responder. Existe a norma, e a norma é sempre o caminho mais fácil. É mais fácil se uma pessoa se apresenta como casal; não é só socialmente, financeiramente também. As pessoas que optam por não seguir esse caminho têm que se confrontar com algumas dificuldades. E outras não optam, aconteceu assim. Hoje em dia isto não tem que ser tão pesado. Antigamente ficar solteirona era uma coisa horrível, era um atestado de incompetência.

 

As que ficam solteironas, se calhar não têm o mesmo atestado de incompetência; mas não sentirão culpabilidade por ter falhado uma dimensão importante nas suas vidas? Ou que a sociedade lhes ensinou que era importante nas suas vidas.

Sim. Como as mulheres que não têm filhos. É difícil perceber se realmente é o que querem ou se pensam que é o que querem porque lhes foi dito [que era assim que devia ser]. A pessoa sabe que não cumpriu o guião que esperavam de si, na sua intimidade, nas suas relações. Ao mesmo tempo, não sabe o que é que a vida lhe reserva; se calhar pertence a outros guiões e a outras histórias.

 

Essa diversidade de enredos ainda causa uma enorme estranheza nos próprios e nas pessoas à volta. O que é notório, por exemplo, quando alguém aos 30, 40, 50 anos revela ou descobre que tem uma orientação sexual diferente.

Ou tem ou mudou.

 

Muda-se? Também existe o preconceito de que essa orientação sempre esteve lá, a pessoa é que não tinha coragem para a assumir.

O que me parece é que há muitas sexualidades. Criámos esta divisão, homossexual, heterossexual, com a qual muita gente se identifica.

 

Os bissexuais, mais do que indecisos, são considerados pouco determinados ou incapazes de fazer uma escolha.

As histórias de vida das pessoas são muito mais ricas e diversificadas que estas divisões. Podemos encontrar pessoas que sempre se identificaram como heterossexuais e que têm práticas ou fantasias com o seu parceiro heterossexual que incluem a ideia de que estão a ter sexo com alguém do mesmo sexo. O que é isto? Será que aquela pessoa tem uma homossexualidade recalcada?

 

Dizer que uma pessoa tem uma determinada orientação sexual é um rótulo que se lhe cola. Ao colar o rótulo, o que se quer é que ela seja sempre a mesma coisa, uma coisa com a qual podemos contar?

O que se quer é uma cristalização. E há muitas pessoas que não são assim. Pensamos que uma pessoa, porque tem uma orientação sexual que não é maioritária, tem um problema associado. Depressões, que já tentou suicidar-se, deve ter sofrido muito. São anos e anos de processos internos da pessoa, da família, dos companheiros, da sua história de vida. Por outro lado temos tendência para pensar que se se libertou, se assumiu a sua identidade, agora está tudo bem.

 

E não está?

Esta questão dos rótulos é complicada. Dizemos não-heterossexual e estamos a dizer que o heterossexual é que é bom. Dizemos homossexual e estamos a utilizar um termo que foi utilizado para dizer que as pessoas são doentes. Mas um heterossexual pode ter problemas na sua sexualidade, pode ter dificuldades na sua intimidade, pode ter prazer, pode começar e acabar relações. Hoje em dia defendemos que é a pessoa que se auto-define.

 

Ainda na pornografia, uma das constantes é o sexo anal. Porquê?

É um género. A leitura mais imediata é a da dominação – colocar o outro no lugar do dominado e sentir-me como dominador. Mas se pensarmos bem, tem a ver com uma visão do que é o sexo anal – com o outro de costas para mim. Esta visão tem associado o não haver contacto visual, que é um aspecto que não podemos descurar. É um grande mistério, se por parte das mulheres que praticam, lhes dá ou não prazer. Há dados pouco conclusivos acerca disto, e muito contraditórios. É algo que se faz porque sabemos que dá prazer à outra pessoa, ou não? É uma prática de difícil execução. É difícil o relaxamento do esfíncter, e a contracção involuntária também.

 

Difícil, doloroso? Estamos a falar num quadro heterossexual, homossexual?

Em qualquer um. É uma prática que exige algumas condições, ao nível da intimidade, dos cuidados de higiene, da comunicação, para ser praticada; e que pode facilmente ver-se associada à violência, à agressão. É preciso o outro estar muito relaxado e muito à vontade para não ser desagradável.

 

O sexo anal e o sexo oral eram, aos olhos de uma prática conservadora, coisas que não se faziam com as mulheres legítimas. Por aí não passa de todo a procriação. Umas coisas faziam-se em casa, outras faziam-se com as amantes ou com as prostitutas. Isto faz ainda algum sentido?

Com a libertação de que falámos, com a igualdade do prazer, vimos a introdução dessas práticas dentro do contexto relacional, como potenciadoras do prazer, do conhecimento do outro e do próprio. O aparecimento do HIV mudou radicalmente o discurso da sexualidade para a liberdade, para a diversidade e para a experiência. Vemos isso na pornografia, começam a aparecer preservativos, fazem testes aos actores. Muita gente dentro da indústria morreu por infecção. E vimos práticas mudar. Vingou a ideia de que o sexo oral é seguro. A probabilidade, de facto, é muito diminuída, comparativamente ao coito. Então, algo [como o sexo oral], que se fazia depois de se conhecer a pessoa com quem se está, hoje em dia acontece antes.

 

Pratica-se como se fosse um preliminar?

Não é só um preliminar. Muitas pessoas que iniciam a sua vida sexual com penetração já fizeram sexo oral antes. Não é quando as duas pessoas estão juntas, é em termos de história da própria pessoa. As pessoas estavam muito focadas na virgindade, no romper ou não romper o hímen. Passavam essa barreira e depois começavam a explorar outras coisas. Hoje em dia o coito, a penetração, como tem mais riscos associados, fica para o fim. Não conheço os estudos feitos cá, mas no Canadá e nos Estados Unidos é isto que tem sido encontrado.

 

O sexo num quadro de conjugalidade é diferente daquele que se tem quando se tem relações avulsas.

Porquê?

 

Tenho ideia que uma das queixas mais recorrentes dos casais tem a ver com a falta de desejo, e isso muitas vezes acontece porque se cai na rotina.

Falta de desejo ou insatisfação? Tem-se confundido as duas coisas. Dizem que pode haver entre dez a 60 por cento de mulheres sem desejo.

 

O que é que pergunta para saber se as pessoas têm desejo?

Tem falta de desejo em relação a quê? Ao que gostaria de ter, ao que tinha no passado, ao que tinha com outro companheiro? Ao que o seu companheiro ou companheira tem, ou espera que tenha? Em relação ao corpo e à vida que tem? Às doenças e não doenças que tem? É preciso perceber isto. Há pessoas que gostariam que o desejo fosse exactamente como nos primeiros três meses de namoro.

 

Não é crível, apesar de desejável.

Falam da rotina, mas o que acontece é o acesso. O outro está ali, acessível. Não há a criação de expectativa. E depois, a própria sexualidade vai mudando de papel dentro da vida das pessoas. E há muitos encontros e desencontros. Como naquele verso do Sérgio Godinho: “À espera do comboio na paragem do autocarro”. Às vezes é mesmo isto. Estou à espera de ter um desejo imenso quando não me sinto desejada, ou quando a minha relação está deserotizada.

 

O que é que se faz quando as relações estão deserotizadas, ao cabo de dez anos de casamento e com dois filhos? Ter dois filhos que podem entrar no quarto dos pais num domingo de manhã inibe, por exemplo, a utilização de brinquedos sexuais?

Claro que altera, por isso mesmo não se pode ter o mesmo desejo que se tinha quando não havia putos. Se já não é a mesma coisa, que seja como pode ser. Se os putos podem entrar no quarto e mexer nos brinquedos, temos de os meter num sítio onde não estejam à mão. Ou vamos ter que ter relações quando não estão ali ao lado e sabemos que nos vão bater à porta de três em três minutos. É o ideal? Há um americano que diz: “The good enough sex”. Até acho um bocadinho conformista. Não podemos é, perante a dificuldade, cristalizar.

 

Muitas situações de separação e divórcio resultam de as pessoas não serem capazes de fazer aquilo que entendem como uma concessão em relação ao que é o seu ideal. Não se conformam que as coisas não sejam tão gloriosas como já foram, ou consentâneas com o que idealizaram. E vão ter relações extra-conjugais, vão ter relações virtuais, qualquer coisa que lhes dê essa dimensão que lhes falta em casa.

Isso é a tal questão da insatisfação. O divórcio ou a separação é muitas vezes visto como um fracasso, porque temos a ideia de que uma boa relação é a que dura sempre. Consideramos que a permanência na relação é o principal indicador de sucesso. E foi bom? Ou tinham uma relação muito boa, de grande qualidade, e quando começou a perder alguma qualidade acharam que era melhor acabar? As pessoas da terapia familiar muitas vezes dizem que quando os casais as procuram já estão muito perto do fim, que querem salvar o animal quando o animal está morto ou moribundo.

 

Porque não perceberam antes que estava moribundo? É porque um deles já decidiu que está morto e o outro quer ainda que ele ressuscite?

Pode ser. Às vezes há uma pessoa muito motivada para a reconstrução do casal e da conjugalidade, e outra pessoa que já fechou. É preciso perceber quando é que acabou a relação amorosa enquanto projecto. A relação não acabou quando começou o divórcio.

 

Outro cliché: o sexo continua a ser um excelente indicador da saúde do casamento?

Dizem que a sexualidade é o barómetro. A satisfação com a vida sexual e a satisfação relacional estão muito relacionadas uma com a outra. É a história do ovo e da galinha: não sabemos se as pessoas têm vidas sexuais melhores se têm relações mais satisfeitas, ou se, por as relações serem melhores, têm relações sexuais mais satisfatórias. Há pessoas que têm uma relação altamente sexual, e há pessoas que têm poucas metáforas sexuais, actividade, frequência, mas que têm uma óptima relação.

 

O que é que é ser bom na cama?

Não faço ideia, não sei responder a isso. Mas posso dizer uma coisa: há tanta coisa que os homens e as mulheres têm em comum… Uma delas é o medo da incompetência sexual.

 

Eles e elas acham que não são bons o suficiente? Que o outro os deixou porque não são bons o suficiente, que o outro já não lhes liga porque não são bons o suficiente?

Acham que é muito importante ser competente sexualmente.

 

Vivemos sob o jugo da competência. Temos que ser competentes profissionalmente, competentes a ganhar dinheiro, competentes a criar uma família. E competentes na cama.

Estamos sempre sob avaliação. Portanto, fizemos, qual é o nosso rating?

 

“É melhor do que alguma vez foi? Se comigo for melhor significa que gosta mais de mim, que sou especial”?

Isso é uma coisa um bocado narcísica, de competição. Todos queremos sentir-nos especiais em alguma coisa. Adoro o título do Stieg Dagerman, A nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer. Sentimo-nos únicos e precisamos que o meio nos confirme isto. O meio não confirma nada disto. E então há pessoas que têm que confirmar isto. Que são reparadoras, validantes. Isto muda todo o discurso do prazer, do hedonismo, do sozinho.

 

Porque a confirmação vem do outro? Não nos bastamos.

Sim. Só sou bom se for avaliado por alguém. Temos Narciso estarrecido a olhar para a sua imagem, que é tão bonita. A analogia seria uma pessoa que tem a masturbação, só, a quem não interessa mais nada. Mas de uma forma geral ser bom é ser bom para o outro, implica sempre a relação, o feedback. Isto é vivido com angústia.

 

Muitas imagens do que é ser bom na cama, a que é que isso corresponde, são veiculadas pelo cinema e pela publicidade. No Nove semanas e Meia, Kim Basinger parece ter imenso prazer, mas sob o ponto de vista anatómico aquelas posições dificilmente provocam um prazer intenso; por exemplo, porque não há fricção clitoriana.

Estamos a falar de artes circenses, malabarismo, contorcionismo. Digo assim: “Alguém foi para a cama com alguém”. Quais são as imagens que tenho na cabeça? A cama. E que estão deitados. Não disse que estavam deitados. Temos estes guiões, muito reforçados por estas imagens repetidas constantemente nos filmes. As pessoas tentam diversificar, experimentar posições que são desconfortáveis, à procura do tal sexo perfeito.

Além do cinema e da publicidade, há uma coisa importantíssima, as pequenas narrativas dos videoclips. Observo as camadas mais jovens através destas coisas. Há micronarrativas muito sexualizadas, uma série de trejeitos corporais, quase um doutrinamento. O problema é que temos poucas narrativas e representações alternativas. Lembro-me de ter visto duas coisas em cinema que achei geniais. Uma é no Carne Trémula, do Pedro Almodovar; um indivíduo com deficiência motora a dar prazer a uma mulher. E outra no Fiel Jardineiro; ela está grávida mas é apresentada como uma mulher desejável, aparece no banho e ele está altamente estimulado pela sua nudez, e durante todo o filme ela é referida como alguém que podia ter tido uma relação extra-conjugal, durante a gravidez. Isto é raríssimo.

 

O Nove Semanas e Meia leva-nos para os tipos de orgasmos femininos. A mulher pode ter prazer se não houver um contacto clitoriano?

Não gosto de dizer coisas que levam as pessoas a andar à procura do Santo Graal. Se acontece, é muito difícil. Implica um treino muscular muito específico, uma grande concentração. Mas prazer e orgasmo não têm que ser sinónimos. O orgasmo é muito bom e as pessoas não devem desistir de ter, de procurar ter, de querer ter. Há a ideia conformista do “não tenho sempre, mas não faz mal”.

 

Os homens sentem-se incapazes pelo facto de elas não terem orgasmo sem estimulação manual ou fricção clitoriana? Como se a penetração não fosse suficiente para lhes dar prazer ou as fazer ter orgasmos. Como se eles não bastassem.

Só com a penetração é difícil. Por isso é que se sentem mal.

Os primeiros brinquedos sexuais, de uma forma geral, tinham uma forma de pénis. À medida que nos despimos dessa crença (que com a penetração a coisa vai lá), até os brinquedos sexuais mudaram. Hoje em dia temos uma série de estimuladores que têm a função de dar prazer às mulheres e que não têm nada da forma peniana.

Pode haver motivos muito diferentes que conduzem à sensação “não chego para ela”. Um pode dizer isso porque está aflito com o tamanho do pénis. Outro pode dizer isto porque ela sozinha masturba-se e com ele não consegue ter prazer. Ou pode ser uma pessoa que tem um problema de ansiedade social, de avaliação e desempenho, em todas as áreas, e esta é mais uma. Se calhar é um tipo que acha que tem de ouvir de todas as pessoas com quem está, 20 vezes: “És o máximo”. Ou que acha que dez vezes por noite é que é e só consegue cinco. O que é que está ali por trás?

 

 

Publicado originalmente no Público em 2011