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Anabela Mota Ribeiro

Isabel do Carmo (dicas p/ emagrecer)

13.10.20

Ficar mais magro de um dia para o outro: pode-se?

Não. Pode-se ficar menos pesado de um dia para o outro se se tomaram diuréticos e laxantes. Não mais magros, mas menos pesados. Por uma manobra dessas (diuréticos e laxantes), perde peso à custa da eliminação de água e fezes. Mas o índice de gordura é o mesmo. 

 

De um dia para o outro é uma força de expressão. Num fim de semana e numa semana, é possível perder peso?

Numa semana, é possível. De uma forma racional e equilibrada, meio quilo. É possível perder mais do que isso de uma forma desequilibrada.

 

Faz-se como? Deixando de comer?

Se fizer greve de fome, o corpo vai-se consumindo a si próprio (músculos, gordura). Perder meio quilo por semana, numa dieta equilibrada, não é muito, mas está correcto – para não recuperar tudo a seguir. Com uma dieta mais restritiva, perde um quilo por semana, quatro quilos num mês; é uma boa prestação em termos de perda de peso. Mas deve ser acompanhada de exercício físico. Vejo muitas pessoas jovens que cumprem uma dieta restritiva, e que fazem exercício, e que perdem quatro quilos ao fim de um mês.

 

Porque é que o exercício é fundamental?

Fazendo exercício pode comer um pouco mais. Porque vai gastar nesse exercício algumas calorias. Não muitas; os exercícios gastam menos do que parece. Mas tem uma coisa muito importante: desenvolve os músculos e contraria e compensa a primeira coisa que acontece no corpo, que é o corpo recorrer aos seus depósitos de gordura e aos seus músculos.

 

Aos 30, 40, 50 anos perde-se peso da mesma maneira? Há uma grande variação entre os 30 e os 50?

É diferente. Se tem 30 e for saudável pode fazer exercício intenso. Meia hora, três quartos de hora por dia. Embora tenha de começar devagarinho. Uma pessoa que não tem treino não pode começar de um dia para o outro com grande intensidade. Ficam a doer-lhe os músculos, o que é um sinal de que está a fazer mal. Mas uma pessoa de 30 anos, começando gradualmente, pode fazer uma hora diária, intensamente. Uma pessoa de 50 anos deve fazer um electrocardiograma e uma prova de esforço antes de iniciar o exercício e deverá ter aconselhamento sobre a graduação do esforço.

Em termos do regime alimentar, pode pôr-se qualquer coisa de equivalente. No entanto, é mais fácil para a pessoa de 30 anos porque vai fazer exercício físico. E até podemos pôr-lhe três, quatro peças de fruta por dia. Uma pessoa de 50 anos, sedentária, que vai fazer pouco exercício, tem de ter uma dieta mais restritiva, se quer perder peso.

 

E aí se quebra um mito: o de que a fruta não engorda.

As peças de frutas têm 60, 70, 80 calorias. Se passam o dia a comê-las, aquilo vai-se multiplicando… E tem a frutose, que se transforma logo em glicose.

 

Se tenho apenas meia hora por dia para exercício, já vejo resultados?

Sim. Vejo esses resultados nos meus doentes. Os homens do exercício físico aconselham uma hora diária de caminhada, com intensidade, e exercício programado. Mas os meus doentes mais cumpridores andam meia hora por dia em passo acelerado e dá imediatamente resultados. 

 

Sejamos realistas: se estou ansioso não tenho vontade de comer alface e maças…

É verdade. Há diferentes sugestões consoante os géneros. As mulheres têm a tendência de ir comer doces. E então é preciso encontrar alternativas aos doces. Há agora umas gelatinas com um 10 na tampa – ou seja, só têm 10 (quilo)-calorias; não é o melhor doce do mundo, mas serve para resolver essas compulsões. Também há bolachas de arroz estufado.

 

Umas que parecem esferovite…

Sim! Há umas com uns tracinhos de chocolate. Não têm zero calorias, mas é melhor do que bolachas de manteiga. Também se pode fazer requeijão com adoçante em pó e um bocadinho de canela. Os homens, de um modo geral, acham pouca graça aos doces. A tentação deles são os salgados e o álcool (bebidas destiladas e vinho). Neste caso, é difícil encontrar alternativas. Pode beber cola-cola diet. Já há cerveja light, que tem um bocadinho menos calorias do que as outras. Em relação aos petiscos – e os homens são muito petisqueiros – já há bons queijos magros, o queijo fresco, o requeijão. Os mariscos, sem molho e desde que não tenham sido confeccionados com molho. Os tremoços, os caracóis. As amêijoas, desde que não tenham sido feitas com molho nem afoguem o pãozinho no molho…

 

É possível mudar de corpo sem mudar de vida?

É. As pessoas estão muito estruturadas ao longo da vida, e o mais natural é que não mudem tudo do avesso. Mas podem introduzir algumas mudanças. Por exemplo essa, de andar a pé. Por exemplo, não comprarem certas coisas para ter em casa. Vejo pessoas que tomam a decisão de parar com certos alimentos e isso torna-se uma decisão muito firme na vida delas.

 

Acabar com a manteiga no pão? Deixar de pôr açúcar no café?

Pode substituir o açúcar pelo adoçante. E em relação à manteiga, se usar manteiga magra tem menos 30% de gordura e menos 30% de calorias.

 

Está na moda o chocolate preto. É mesmo verdade que não tem mal comer uns quadradinhos de chocolate com uma percentagem de cacau de 70, 80%?

Há pessoas excepcionais que são capazes de comer um quadradinho de chocolate, ou dois. Se assim for, tudo bem. Normalmente essas são as pessoas magras. Na minha experiência clínica, rarissimamente encontro pessoas com excesso de peso que consigam comer só um quadradinho. Só me lembro de uma ou duas. Não conseguem resistir. É como as pessoas deixarem de fumar e quererem fumar um cigarro por dia. A generalidade das pessoas fuma o primeiro e depois fuma vinte.

 

Faz diferença que tenha 70% de cacau, e portanto menos açúcar?

Tem um bocadinho menos de calorias. Agora está na moda. É natural: os fabricantes de chocolate defendem-se.

 

Deixei de fumar. Como evitar ganhar peso?

A cessação do tabaco, normalmente, dá direito a dez quilos… Como evitar ganhar peso? Para já, a pessoa saber que isso vai acontecer e tomar medidas ao nível do apetite – que vai aumentar – e ao nível do exercício físico. O exercício ajuda a passar o período da ressaca, a abstinência. É também a altura para criar hábitos alimentares diferentes. Mas é uma situação difícil.

 

Tenho 50 anos, bebo álcool e não me mexo. Tenho salvação?

[gargalhada] Claro que há salvação! Tenho encontrado pessoas que, sem poderem ser classificadas de viciadas em álcool, quando se faz a soma do álcool que bebem por dia, é imensa! São capazes de beber um litro de vinho por dia ou mais (almoço e jantar); e bebem, antes do jantar, bebidas destiladas (um whisky ou dois) e a seguir ao jantar outra bebida destilada. Somado, são quantidades enormes de álcool. E no entanto, não ficam embriagadas com isto e ninguém diz que estão dependentes de álcool.

É uma quantidade prejudicial ao organismo (ao fígado, ao cérebro) e que faz aumentar o peso. Percebo que tenham prazer nisso; dá muito prazer acompanhar uma refeição com um bom vinho, ou, ao fim da tarde, depois de um dia sob stress, descansar e beber um whisky ou dois. Como faz mal, há que ter a resolução de cortar. Pode não ser totalmente.

 

Em termos calóricos, faz uma grande diferença o vinho e uma bebida destilada?

Um copo de vinho, com decilitro e meio, tem o mesmo número de calorias que um dedo de whisky. Se a pessoa tem excesso de peso ou obesidade, se tem essa vidinha, e não se mexe, então deve mesmo mudar de vida.

 

O que comer nos almoços de trabalho?

Almoços com entradas, com sobremesas… pois é. É possível adaptar. Em relação às entradas, é afastar a manteiga, o pão, os queijos e os enchidos.

 

Pedir para levar, se for preciso?

Sim. O pior são as entradas mais requintadas, às quais é mais difícil resistir. Pode optar por azeitonas pretas e tremoços. E é sempre possível escolher num menu pratos que não tenham molhos. Não é preciso que sejam cozidos e grelhados. Ou então pedir sem molho. Pede uma grande quantidade de verduras, uma ou duas batatas, duas ou três colheres de arroz e uma pequena porção de carne e peixe. Isto existe em todos os restaurantes. A questão é a pessoa servir-se com estas regras: metade do prato com legumes, um quarto com hidratos de carbono, um quarto com proteínas. Para a sobremesa, fruta. Quando muito, maçã assada ou salada de frutas – embora estas sejam muito mais calóricas do que uma peça de fruta. E não é vergonha nenhuma beber água em vez de vinho. 

 

A mistura dos hidratos de carbono com as proteínas é outro dos mitos das dietas.

Não percebo porquê. Os hidratos de carbono misturados com a proteína têm uma vantagem: a absorção é mais lenta. Por exemplo, de manhã, o pão misturado com o leite e o queijo fornece uma dose de energia que vai dar para quase toda a manhã. É absorvido lentamente, e o pico glicémico é mais baixo e arrastado no tempo. Sobretudo se o pão for de mistura. A mesma coisa com o almoço e jantar.

 

Fui mãe há seis meses e os quilos extra não desaparecem. O que fazer?

É difícil desaparecerem. Durante a gravidez, não deve deixar-se engordar mais do que nove, dez quilos. É importante que a criança mame, para a criança e para a mãe, mesmo em termos de peso. Durante o período de amamentação não tem de comer por dois... As avozinhas das famílias podem dizer isso, mas não é verdade. Depois, observar aquelas regras que já teve durante a gravidez: não comer doces nem gorduras.

 

Não comer açucares nem gorduras, somado ao exercício físico, verdadeiramente é o que faz emagrecer?

É.

 

Quando perco dinheiro ganho peso. Como inverter esta equação?

Muitas pessoas respondem à ansiedade e ao stress ingerindo alimentos. É uma longa história. Desde que as pessoas nascem, o alimento está associado ao prazer e à compensação. E muitas vezes também (como se comprova nos problemas de comportamento alimentar) as crianças foram habituadas a que, quando choram, dão-lhes de mamar. Quando choram seja por que motivo for; muitas vezes não é por fome, é por que estão sozinhas ou querem chamar a atenção ou têm cólicas. Se lhe dão mama a propósito de qualquer coisa, habitua-se a responder com comida à ansiedade; e transporta isso ao longo da vida.

Por outro lado, comer é agradável… Se perdem dinheiro, se estão em ansiedade, vão ali buscar uma consolação. Ao menos que tenham consciência disto para combater a situação.

 

É mesmo verdade que um whisky e um prato de amendoins arruínam uma dieta?

Completamente. Porque, para uma pessoa perder peso, é necessário ingerir menos calorias do que aquelas que gasta. Suponhamos que é um homem e gasta 2500, terá de fazer uma dieta com 1500, 1800, para ter uma diferença que faça com que o corpo perca peso, com que o corpo vá buscar gordura para completar aquela diferença. Se for uma mulher, gastará 2200 e terá de fazer 1200/1500 para perder peso. Ora bem: esta diferença são muito poucas calorias. Que ainda por cima diminuem porque o corpo rapidamente se adapta, e em vez de gastar as tais 2200/2500 vai logo gastar um bocadinho menos. Ficamos com uma margem de manobra pequena. Se a preenchemos com um whisky e um prato de amendoins – de cabeça, devem ser umas 500 calorias – pronto, já perdemos a diferença. Anula logo! E se a pessoa todos os dias faz pequenas excepções como esta, não se pode admirar de não perder peso.

 

Posso matar o buraco com uma bolacha de água e sal? Vá, duas…

Se a pessoa tapa o buraco, perde a tal diferença que faz emagrecer. Uma bolacha de água e sal, daquelas quadradas, vale meia carcaça e duas equivalem a uma carcaça.

 

Porque é que são tão calóricas, se são de “água e sal”?

São feitas com a técnica do folhado e têm imensa gordura. O buraco fica tapado, fica… o buraco da diferença de calorias!

 

Então tapa-se o buraco com um iogurte branco, uma peça de fruta?

Um iogurte é uma boa solução. Branco ou não. Um iogurte com cerca de 40, 50 calorias. É bom como alimento, não dá pico de glicemia e tapa o buraco. A peça de fruta é uma boa possibilidade, mas é mais susceptível de fazer subir o índice glicémico. As duas coisas juntas são um lanche.

 

Deve-se lanchar sempre?

As pessoas devem fazer um lanche ao meio da manhã e dois lanches ao meio da tarde. Um iogurte e uma peça de fruta são 100 e poucas calorias.

 

Com a vida agitada que tenho, o mais difícil é ter horas para me sentar à mesa. Que plano exequível é que sugere?

Reflectir sobre a vida que tem. E pensar que a vida vai correndo e que sentar-se à mesa ao almoço e ao jantar não é assim tão terrível. Tem de se reflectir para dar mais tempo à vida. Para que a vida seja menos fast-vida. 

 

Depois de um dia de desgraça total, como salvar a honra do convento? Passar o dia a beber líquidos, chá?

Isso não! Porque no terceiro dia vai estar cheia de fome e vai ter compulsões alimentares. Quem consegue fazer isso são as anoréxicas. Não é aconselhável e é difícil. É possível, quando a pessoa fez uma série de transgressões, e tem consciência disso e consegue ser disciplinada, fazer um dia inteiro em que come de duas em duas horas uma peça de fruta alternando com um copo de leite ou iogurte. Isto é uma alimentação rica sob um ponto de vista nutritivo e é possível fazer durante um, dois dias.

 

E passar um dia ou dois a sopa, para minimizar os efeitos?

Também. E pode pôr uma batata ou duas. Para uma grande quantidade de sopa, uma batata ou duas não têm significado.

 

Qual é a sua opinião sobre o miraculoso medicamento anti-gordura que foi recentemente posto à venda, o Ali?

É muito simples: é a mesma coisa que o Xenical, mas com uma dose mais pequena. O componente é o orlistat. É conhecido há muitos anos, mas o Xenical perdeu a patente. É um produto seguro, já muito experimentado. Os únicos efeitos secundários são fazer diarreia gorda. Os produtores reclamam um efeito próximo do Xenical, mas a verdade é que a dose é menor. Não é miraculoso, mas pode ter efeitos positivos. 

 

Quais são os alimentos de Verão mais perigosos e enganadores?

Os gelados. São bombas calóricas, sobretudo os que têm natas por cima; os sorvetes são melhores. As pessoas não imaginam as calorias que têm: cerca de 300, 400. Valem três ou quatro carcaças. E muitas vezes não param e vão comer outro…

Uma doente minha inventou um substituto do gelado: põe iogurtes de limão cremosos no congelador, até congelar, e depois põe um minuto ou menos no micro-ondas; fica como se fosse um gelado de limão.  

 

Pode-se comer as saladas temperadas com molho light?

Uma salada com molho de maionese é evidentemente muito calórica. A maionese é das coisas mais calóricas que há. Se for uma salada composta por alface, tomate, gambas ou polvo, é agradável e não é muito calórica. Pode-se substituir a maionese por um iogurte branco com sal, pimenta, vinagre, uma erva aromática. Ou seja, fazer molhos a partir do iogurte magro batido.

 

E a cerveja, que se consome em grande quantidade no Verão?

Só com a cerveja, pode engordar-se. A barriga da cerveja é gordura. A verdade é que os bebedores de cerveja não bebem só uma: vão umas atrás das outras. E como não é muito alcoólico, não sentem grande efeito e vão por ali fora. No Verão, um dos riscos é a cerveja.  

 

Então, o que é que se bebe ao fim da tarde, numa roda de amigos, quando todos estão a beber cerveja? O vinho branco é mais inofensivo?

Um copo de vinho branco de decilitro e meio, que se pode ir bebericando – falando de cor, sem olhar para as tabelas – tem as mesmas calorias que uma imperial, tem menos do que uma cerveja em garrafa, e sobretudo tem menos do que uma série de cervejas.

 

Quais são os erros mais comuns, mesmo quando se pensa que se está a fazer dieta?

Quando vejo alguém chegar ao pé de mim que diz: “Não consigo emagrecer! Tenho aqui qualquer problema… Cumpri tudo. Deve ser das glândulas, da tiróide”, eu pergunto: “Nunca comeu nenhum doce?”. Aí dizem: “Uma vez ou outra comi, disseram-me que podia comer uma vez por semana”. Começo a apurar e a perceber que não é só uma vez por semana, que as excepções comendo doces ou gorduras são suficientes para anular a tal diferença das calorias. Este é um tipo.

Outros dizem: “Não toquei em doces, não toquei em gorduras”. Faço as perguntas de detective: “E bolachas?”. Ahhh… “Quando tenho fome, como bolachas! Alguma coisa hei-de comer. Disseram-me que as bolachas integrais não fazem mal. Tenho na gaveta e vou comendo quando tenho fome”. Está feito o diagnóstico: são as bolachas.

A outras pessoas pergunto: “Sumos de fruta, bebe?”, “Refrigerantes, não toco. Só bebo sumos naturais”.

 

Fazem mal?

Um sumo natural faz-se com duas ou três laranjas; leva com as calorias de duas ou três laranjas. Isto, duas vezes por dia, já anula a tal diferença das calorias. Há pessoas que pensam que sumos naturais são importantes no tratamento da obesidade! Outra categoria: “Como fruta todo o dia! Como é que posso engordar se só como fruta?” Ainda há outro clássico: “Só uso azeite. Como é que engordo se só cozinho com azeite?”. Têm a ideia que o azeite é uma espécie de água… Ouviram dizem que o azeite faz bem à saúde – e de facto é uma gordura útil; só que tem todas as gorduras que têm as outras gorduras.

 

Tem muitos clientes com o perfil do leitor do Jornal de Negócios?

Imensos. Como perdem peso? Há uma questão cognitiva: explicar. O técnico de saúde tem obrigação de explicar. E as pessoas revertem o comportamento.

 

Vão ter consigo porque têm 50 anos, apanharam um susto e querem emagrecer? Porque têm 40 anos e estão barrigudos e querem sentir-se em forma?

Os homens procuram um médico para emagrecer sobretudo por razões de saúde. As mulheres procuram sobretudo por razões plásticas. Os homens: muitas vezes é porque apanharam um susto, têm medo de vir a apanhar um susto, alguém ao lado apanhou um susto. Começam a pensar que pode acontecer-lhes alguma coisa, começam a cansar-se e a ter receio de acidentes cardiovasculares. Alguns é por razões estéticas, por que as mulheres os criticam. Alguns é por que ressonam e percebem que é uma coisa associada à obesidade.

 

São especialmente cumpridores e determinados na dieta – é uma coisa em prol da sua saúde, não tem o ónus de ser um processo fútil, por razões estéticas?

Sim, os que vão por razões de saúde são mais aplicados. Nunca fiz nenhuma avaliação científica, mas subjectivamente tenho a ideia que os homens são muito mais cumpridores do que as mulheres. Por outro lado, os homens comem menos coisinhas entre as refeições. Os franceses chamam petites mangeuses às mulheres que não comem grande coisa à mesa, mas passam o dia a comer o chocolate, a bolacha, a fruta… Os homens não têm este comportamento. E é-lhes mais fácil fazer dieta porque têm o apoio das mulheres; o inverso, geralmente, não é verdadeiro.

 

Em termos puramente biológicos, homens e mulheres perdem peso da mesma maneira? É uma questão de género ou de faixa etária?

As mulheres que têm muita gordura no rabo, ancas, coxas, têm maior dificuldade em perder esta gordura do que os homens, cuja gordura está localizada no abdómen. Também é verdade que a gordura localizada no rabo, ancas e coxas é inofensiva, não faz mal à saúde (há até pessoas que dizem que pode ser uma boa gordura). Pelo contrário, a dos homens, no abdómen, é muito prejudicial. Por fim, é logo ali que ela é perdida: medindo a cintura facilmente se encontra o efeito da perda de peso.

 

É mesmo verdade que os chás e os comprimidos emagrecem?

O chá verde é um bocadinho diurético e faz perder alguns líquidos; pensa-se agora que tem uma substância que pode contribuir para o emagrecimento. Mas há que fazer atenção a isto: tem uma substância equivalente à cafeína, e beber todo o dia chá verde pode ter consequências (palpitações, excesso de estimulante cardíaco).

 

E os comprimidos naturais, são de fiar?

Não. Acho mesmo que se deve rejeitar todos esses produtos. São classificados como suplementos alimentares e não têm nada de alimento! É uma falsa classificação. Eles são medicamentos, têm uma acção farmacológica. São autorizados pelo Ministério da Agricultura, não passam pelo Ministério da Saúde. Por isso, não se sabe o que lá está, que toxicidade têm, que características têm. Muitos desses produtos têm substâncias que têm efeitos secundários que podem ser prejudiciais – mesmo que sejam naturais. Por exemplo, uma coisa que entra muito nesses comprimidos: a ephedra. Deriva de uma planta chinesa e é prejudicial, apesar de ser uma planta.

 

Como manter a motivação ao cabo de um mês de privação e sem resultados extraordinários?

É preciso ver o que são resultados extraordinários. Se as pessoas cumprirem o que lhes foi indicado, sem excepções, perdem dois quilos e ficam muito desanimadas, mas eu acho que é bom. Se prosseguirem, no mês seguinte perdem outro tanto. Não devem sentir-se desmotivados.

 

Cinco dicas infalíveis.

À cabeça, andar 30 minutos acelerados por dia. Tanto faz que seja de manhã, ao almoço ou depois do jantar. Segunda dica: não tocar em qualquer tipo de doces, excluí-los das compras, não os ter em casa, não os comer. O mesmo para os produtos de charcutaria – excepto o fiambre – que têm muitas gorduras. Quarta: pôr muitos vegetais no prato.

 

Temperados com quê?

Com nada. Ou com uma colher de café de azeite.

 

Não de pode pedir no restaurante ou fazer em casa salteados?

Se for com uma pequena quantidade de azeite, sim. No restaurante, pede uma salada sem ser temperada e o galheteiro vem para a mesa. Em relação aos legumes, a mesma coisa. É muito possível fazer dieta no restaurante. O que é preciso é rejeitar completamente os doces e gorduras visíveis. Já comemos muita gordura escondida nos alimentos. Mas se, ao olharmos, virmos logo…

 

A bolha de gordura na molhanga…

Rejeitar! A última dica: fazer pequenas refeições intercalares, a meio da manhã e duas vezes ao meio da tarde. Pode ser com lacticínios e um bocadinho de pão.

 

Tenho três semanas até à praia, estou disposto a fazer um sacrifício, mas quero que se note. (A seguir sigo um plano mais desacelerado). Que plano radical posso praticar? Jantar só sopa?

Deve fazer um regime alimentar mais restritivo. Nesse caso, e só nesse caso, que habitualmente não recomendo dietas drásticas, uma dieta de cozidos e grelhados, ao almoço. Mas sem tirar os farináceos – as duas batatinhas e as três colheres de arroz. E à noite, ficar só com a sopa e uma peça de fruta. Dessa maneira, nas três semanas, já perde uns quilos que se vêem, sobretudo na cintura. 

 

E que come ao pequeno-almoço?

Lacticínios e pão.

 

Não é contra o pão. É outro dos mitos: que o pão engorda muito.

O que engorda é o que se põe no pão. Uma fatia de pão de mistura de pão de quilo ou uma carcaça têm cerca de 100 calorias. É o mesmo que um copo de leite e um pouco mais do que uma peça de fruta. A questão é que dentro do pão as pessoas põem coisas que têm muitas calorias: manteiga, chouriço, presunto, paio… O pão, em si, não é um alimento hiper-calórico; e dá saciedade.

 

É fundamental, para se emagrecer, que os intestinos funcionem todos os dias? Não vamos escamotear o facto de a prisão de ventre ser um problema que atinge uma grande percentagem da população.

É um problema, é. Da vida sedentária e do tipo de alimentação, com poucas fibras. Há pessoas que conseguem resolvê-lo bebendo água morna em jejum e comendo ao pequeno-almoço kiwis. E também cereais ou farelo de trigo.

 

Duas colheres na sopa?

Na sopa ou no iogurte. Funcionando dia sim, dia não, continua a ser normal, e não é por isso que a pessoa não perde peso.

 

É preciso beber água?

Sim. Um litro e meio por dia está bem.

 

Segundo o estudo esta semana apresentado sobre o funcionamento do Sistema Nacional de Saúde, a diferença mais significativa em relação a 2001 é o cuidado que as pessoas põem nas questões relacionadas com a alimentação e o exercício. Que comentário faz?

Estive a assistir à apresentação dos dados pelo Professor [Manuel] Villaverde Cabral. Isso significa que as pessoas tomaram consciência de que precisam mudar os hábitos. Que os discurso dos médicos e técnicos têm dado algum resultado. Mas notei que é mais em certas zonas da província que isso acontece. Coisa que vai ao encontro da observação que tenho feito: há certas cidades em que as pessoas têm uma diferente disposição para andar a pé; têm zonas pedestres não existem em Lisboa, Porto e Coimbra. Por exemplo, no Alentejo e Algarve, sei que as ARS se têm empenhado nesta questão da modificação dos hábitos e na criação desses espaços. Vamos ver que resultados aparecem a longo prazo.

 

 

 Publicado originalmente no Jornal de Negócios

 

 

Minnie Freudenthal

13.10.20

Minnie Freudenthal é clínica geral e nutricionista. As questões relacionadas com a alimentação apaixonam-na e ajudam-na a traçar um retrato do que somos. É fanática do exercício e integra como poucos os sabores e as noções vindos do Oriente na sua prática médica. Por isso, não é estranho que um dos dois livros que recentemente editou se chame «Sabores Pacíficos» e esteja voltado para as cozinhas do mundo. O outro, «Sabores Tradicionais», diz respeito à cozinha tradicional portuguesa.

  

Podemos viver sem as dietas e sem a preocupação com o nosso corpo?

A dieta é uma história da modernidade. Sabemos hoje que, havendo uma predisposição genética, há pessoas que têm mais tendência para fazer reservas no ambiente moderno, em que há excesso e facilidade e constância de oferta de alimentos, do que outras. Então, apareceu esta epidemia de obesidade. É como o tabaco e outros problemas na nossa sociedade. Vamos tomando consciência de que existe este problema e começa a haver pressão, pressão dos médicos...

 

Do Presidente Bush, que falou da obesidade como problema de saúde pública nos Estados Unidos...

Pressão das escolas, revistas, modelos... As pessoas começam a interiorizar aquela pressão, tem que fazer qualquer coisa por ela. Quando entra pelas revistas, entra pela moda – e nós somos muito susceptíveis à moda, à beleza.

 

À aceitação dos outros, à obediência e à correspondência a um cânone.

Por um lado é isso. Por outro lado, há mecanismos biológicos profundos na nossa necessidade de aceitação do outro. Estar dentro dos padrões normais, com um ar fresco. Se for uma mulher, passa uma imagem de saúde, fertilidade, que não são conscientes do raciocínio moderno – um homem não está conscientemente à procura da fertilidade [numa mulher]; mas, biologicamente, procura. Somos feitos por milhões de receptores, estamos sempre a ler tudo o que está à nossa volta. E, como homem e mulher, também lemos isso.

 

Há aí um aspecto interessante: a força do biológico, da qual as pessoas não têm muitas vezes consciência, ou à qual não atendem.

Exactamente. O problema da obesidade e a relação genética com ele: nascemos com esse genótipo, mas o corpo vai sempre depender do ambiente onde vive. Se vem com uma carga genética desenhada para sobreviver no deserto e a põem a comer hambúrgueres nos Estados Unidos, vai ficar obesa. A nossa carga genética é comparável ao material do escultor: cabe-nos a nós, dentro das características do material, adaptarmo-nos. É muito importante dizer aqui que não é só ser magro o que procuramos.

 

É ser jovem?

É. Mas ser jovem é ser exercitado, é mexer-se.

 

Há uma tensão entre o desejo de ser magro e saudável e a compulsão para a comida. Como é que as pessoas, tendo lido e experimentado todas as dietas, têm depois, tanta dificuldade em inculcar novos hábitos alimentares?

A alimentação é uma forma de prazer enorme. É talvez, daquilo que fazemos no dia a dia, o prazer mais fácil, mais directo. Ao comermos um açúcar, uma gordura, obtemos prazer, libertando uma quantidade de hormonas no cérebro (que nos faz esquecer as dificuldades de vida). É uma espécie de droga, de vício.

 

Não me diga que comer um folhado...

Está na interacção da cabeça da pessoa com aquele folhado. Eu digo sempre nas consultas: o folhado não tem culpa! Há pessoas que detestam legumes (como é que é possível?). Eu digo sempre: o legume não tem culpa, ele próprio, coitadinho, é neutro. Quem o come, come-o com uma cabeça, uma experiência, um software, a favor dele ou contra ele. É esse software de prazer, de adição, que existe na pessoa que é, às vezes, muito difícil de rebobinar. Prazer é equilíbrio, não é sofrimento. A gente é que acha que prazer é uma coisa abstracta. Mas não, a célula também tem prazer. Se for uma alimentação errada, a célula já não está a sentir-se bem com o que a pessoa está a comer.

A chamada fast food, high energy, é muito viciante e normalmente há problemas psicológicos para além desse prazer. É aí que é preciso estimular a pessoa, reeducar a noção de prazer dela. Já me foi perguntado se é possível. Claro que é possível! Se arranjamos maus hábitos, também somos capazes de arranjar bons hábitos. A minha experiência é que ao fim de três meses de o novo paladar ser exposto à boca, a pessoa começa a aceitar o novo sabor.

 

Mesmo que parta da rejeição?

Sim. Aquilo que peço é uma colher de chá daquilo de que não gosta. Não forçar nada. Tenho imensas pessoas a dizer: “Detesto vegetais”, e um ano depois: “Como é que é possível viver sem vegetais?”.

 

O processo pode passar por, numa primeira fase, “encharcar” os vegetais de queijo, azeite, ervas aromáticas, de outros sabores que sejam fortes e que “disfarcem” o sabor base dos vegetais que desagrada às pessoas?

Por um lado, sim. Por outro lado, há a parte sensorial de se habituar ao gosto do queijo e não do vegetal.

 

Pode ser progressivo?

Pode. Não há uma maneira para todos nós.

 

No futuro, os legumes são a nossa salvação?

Sim. Quando encaramos uma dieta há dois princípios que temos que abordar: um é o índice glicémico, a subida de açúcar quando ingerimos um hidrato de carbono – deve ser o mais baixo possível, para que não tenhamos tanta insulina em circulação, que é uma espécie de hormona-mordoma da casa: a gente vai às compras e vem para casa, a insulina quando vê muita caloria, vai arrumar tudo na despensa. A outra é a densidade energética da nossa refeição. Para diminuir essa densidade energética é aconselhável juntar “água”. A “água” vem em forma de vegetais, porque os vegetais são sobretudo água, e são aquelas vitaminas que nos fazem bem.

 

A verdade é que não comemos legumes tão abundantemente quanto isso...

Fez-se um estudo há uns anos sobre música, roupa e comida. A espécie humana tem uma enorme tendência para se fechar por volta dos 20, 30 anos. Decide o que gosta de vestir, ouvir e comer. A longevidade aumentou até aos 80, e acho que isto é uma monotonia! O nosso cérebro é favorecido pela exposição à novidade, aos novos circuitos. A filosofia é expormo-nos, sermos curiosos.

 

Isso implica, além de uma predisposição, segurança. A pessoa está mais predisposta se for mais segura de si, se temer menos a diferença, se isso a puser menos em causa.

Claro. Na dieta, há que abordar a parte da relação emocional da pessoa com a sua alimentação. A minha tendência é oferecer uma aventura em vez de uma restrição. Você tem que dar uma coisa em troca. A aventura é escolher coisas novas! Existe uma dieta que é uma espécie de “traffic light”: sempre que é verde, pode comer; amarelo, já não pode; encarnado são aqueles que tem mesmo que controlar.

 

Mas isso são artifícios, no fundo.

São artifícios, que mudam o comportamento. E o nosso comportamento é um circuito neurológico que gravámos no cérebro. São ligações entre neurónios que foram reforçadas por passar lá tantas vezes.

 

Há a ideia de que a dieta é monotonia: legumes cozidos, peixe cozido, tudo sem ponta de sabor. Uma restrição absoluta! Terminada a privação, as pessoas querem é fugir a sete pés desse modelo, e não chegam a integrar os novos hábitos, os tais legumes...

A gente tem que aprender a cozinhar os legumes. Infelizmente não há ninguém que faça a couve portuguesa estufadinha, só com um bocadinho de azeite, um bocadinho de alho... Não leva água, é estufada no seu vapor, fica uma delícia. Cozemos demais os legumes. Eu salteio-os muito, torno-os estaladiços por fora, mas por dentro têm toda a vitalidade, está lá tudo. As crianças chegam a dizer: “Ó tia, mas isto não são brócolos, ou então, lá fora não são!”.

 

As receitas que incluiu nos seus livros são invenções suas, são indicações a doentes? Folheando-os, não é evidente que algumas receitas pudessem ser encaradas como dieta.

Aquilo que ali está não é propriamente uma dieta, é uma noção de um regime alimentar, que vai do peixe à carne, dos cereais às leguminosas. Se vir bem, a distribuição por estas várias gavetas é que é diferente. Se vai comer uma quantidade de carne tem que comer uma quantidade de carne adequada ao seu corpo e ao seu tipo de vida, sempre acompanhada de muitos vegetais e poucos hidratos de carbono. Os alimentos que estão à nossa disposição não são maus em si, [o problema] é a maneira como os comemos. Por exemplo, no “Paladares de cá”, o que fiz às leguminosas...

 

Foi separá-las da proteína animal.

Porque são mais digeríveis.

 

Mas a mistura do hidrato de carbono com a proteína é que é uma espécie de pecado nacional! “Se comer bife, não coma arroz, coma só o bife com legumes”, dizem.

Em dieta, sim. Para a pessoa que está equilibrada não é obrigatório. É uma coisa que ainda estamos a debater, a dieta de Atkins: proteína animal e vegetais, não há hidratos de carbono, versus uma alimentação mais equilibrada, onde há hidratos de carbono. O problema é o efeito destas dietas no seu bem-estar.

 

Como o problema do colesterol, que pode resultar de uma sobreexposição à proteína animal.

Exactamente. Há pessoas que não podem metabolizar isso. E depois fica-se com mais prisão de ventre, mau hálito e uma sensação de astenia. Os hidratos de carbono estão aí para alguma coisa. Depois, há uma coisa muito importante: quando se está a fazer um regime, o que tem que se controlar são os hidratos de carbono simples.

 

Mas, ainda por cima, são os simples e os ultra-refinados aqueles que temos todos os dias à mão de semear...

Sobretudo para a pessoa que tem obesidade é muito mais saudável comer o arroz integral. É um açúcar muito mais lento, muito mais complexo, do que é o arroz branco.

 

Não há uma diferença calórica significativa entre o arroz branco e o integral. A diferença está no modo como um e outro são metabolizados. E a sensação de saciedade é muito mais prolongada.

Muito mais prolongada. Eu acredito em explicar isto às pessoas. É a história da educação: a gente tem que falar e falar e falar porque vai ficando gravado nas crianças. As escolas, hoje em dia, são uma desgraça. Mas em Inglaterra há subsídios para os barzinhos das escolas terem comida saudável!

 

E por que os pais não se mobilizam? Por que é que os pais enchem os bolsos dos filhos de gomas e consentem que o bar da escola venda tudo excepto comida saudável?

Isso é o problema da nossa sociedade. A sociedade portuguesa não tem um espírito cívico. Não existe a ideia de que nos podemos ajudar uns aos outros e de que juntos temos força. Deixamos os políticos fazerem o que quiserem das nossas vidas e a gente não interfere.

 

Trabalha como clínica geral e nutricionista. Nota diferenças significativas no modo como as pessoas se relacionam com a comida de há uns anos a esta parte?

Significativas, não. Infelizmente ainda estamos a viver a curva ascendente da obesidade em Portugal. Há uma minoria que está mais consciente e a mudar. Mas ainda é uma minoria. A maior parte das pessoas que entra no meu consultório diz que tem uma alimentação “normal”.

 

Ou seja?

É normalmente proteína animal a mais. Poucos legumes. A fruta é mais aceite, mas também há quem não coma. Tenho 50 anos, vivi o 25 de Abril na minha juventude; a gente achava que se ia criar montes de ideias novas e que as pessoas iam ser diferentes. Eu vejo jovens muitos conservadores, não só na alimentação, como na relação com os outros parceiros. Há imensa coisa a mudar, há mais alternativas, há mais aberturas, mas ainda não atingimos a grande massa do povo português. Mas estamos a lutar por isso!

 

Publicado originalmente na Revista Elle em 2005