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Anabela Mota Ribeiro

33 Filhos da Madrugada

24.04.22
Os (Segundos) Filhos da Madrugada: 18 mulheres e 18 homens, quatro afro-descendentes, uma imigrante brasileira (que, entre tantas coisas, falou da questão colonial), duas emigrantes (em Paris e no Cairo), pessoas de esquerda e de direita, várias pessoas que estudaram e viveram no estrangeiro graças a programas como o Erasmus, e para quem a viagem foi possível porque o país se abriu à Europa, duas irmãs que nos mostram uma mudança profunda nas formas da família, um casal heterossexual que casou no dia 25 de Abril, uma mãe e um filho com lutas e memórias específicas da sua geração, muitas pessoas do Porto, um advogado que pode viver entre Viseu e o Porto agora que o país está ligado por uma boa rede viária, duas mulheres (diplomata e membro do Conselho Superior da Magistratura) que ocupam cargos que antes lhes estavam vedados, uma cineasta que falou sem medo da sua homossexualidade e que lembrou que até pouco antes do seu nascimento a homossexualidade era crime, muitas pessoas com origens humildes e que falam disso sem embaraço, os primeiros na família a ter acesso ao ensino secundário e superior (a avó do Tiago que aprendeu a ler para ler os artigos que o neto escrevia para o jornal...), ecologistas, feministas, aqueles que eram jovens e despertavam para a política no tempo áureo d' O Independente e da prosa do MEC, a Marta que esteve dois anos desempregada, apesar do currículo robusto e formação elevada, a Joana que faz contas e pensa: qual é o mínimo que posso gastar, o avó sapateiro do Samuel, a Ana Laura que, no Quénia, viu que ter um pano para vestir faz a diferença na saúde materna, o avô do David, cujo trabalho era manual e pesado, a mãe do David que, como funcionária pública, teve de assinar um papel onde repudiava o comunismo, a Luísa que achou que ia ser operária fabril como os pais, o Ricardo que consegue viver entre Bruxelas e Lisboa… O país mudou. Estes Filhos são um mosaico dos tantos portugais que temos, 48 anos depois da Revolução.
Começámos a 24 de Março, vamos até ao 25 de Abril. O núcleo duro destas 33 emissões: o Gonçalo Soares da Silva (produtor), o José Véstia (realizador), a Estelle Valente (fotografia), a quem agradeço muitíssimo, bem como a toda a equipa da RTP. Eu assino a autoria e faço a coordenação. Naturalmente agradeço a todos os Filhos, por confiarem em mim e partilharem uma história que é sua e das suas famílias.
Quero fazer menção ao pai da Célia Costa e à mãe da Joana Bértholo, que morreram nas últimas semanas. Comove-me muito saber que as filhas sentiram conforto por poder, ainda em vida, prestar-lhes um justo tributo.
Obrigada também aos que nos vêem, todos os dias na RTP3, e na RTP Play, onde os programas estão sempre disponíveis.
 

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Tiago Bartolomeu Costa - Os Filhos da Madrugada

24.04.22

Nasceu nas Caldas da Rainha porque então não havia maternidade em Peniche. Mas isso foi em 1979. Há 48 anos, no dia 25 de Abril, o seu pai estava nas ruas de Lisboa, a celebrar a liberdade para a qual contribuiu activamente. O pai foi ajudante de campo da coluna encabeçada por Salgueiro Maia. A coluna que, no dia 25 de Abril de 1974, mudou o estado a que isto tinha chegado. Muitos anos mais tarde, por causa desse Abril, a mãe mudou o curso da sua vida, mostrando como uma revolução, além da definição da História, com H maiúsculo, mexe com a micro-história, a de todos nós. Tiago Bartolomeu Costa, programador cultural, é o último dos segundos Filhos da Madrugada. Ele, como tantos, é herdeiro de um tempo, de uma narrativa que nos constitui e nos dá a possibilidade de pensar, escolher, agir em liberdade.

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Fotografia de Estelle Valente. 

 

Blessing Lumueno - Os Filhos da Madrugada

24.04.22

Blessing: um nome que é toda uma biografia. Nasceu em Angola, em 1988, filho esperado e abençoado, viveu em Luanda até aos nove anos, veio então para Lisboa. Tem dupla nacionalidade, é treinador de futebol, autor do blogue Posse de Bola, comentador desportivo da RTP, Expresso e TSF. Frequentou, sem concluir, dois cursos universitários: Ciências do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana e Engenharia Informática, no Técnico. Podemos contar a sua história a partir dos campos de futebol onde jogou?, seguindo esse mapa? Podemos situá-lo, numa geografia e num tempo, a partir do racismo que sofreu ao longo dos anos?, a partir das memórias de infância num país em guerra? No teu Twitter, vemos uma fotografia de um menino sentado num penico, com sandálias e meias, em terra batida. O que diz esta imagem?

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Fotografia de Estelle Valente.

Carolina e Constança Villaverde Rosado - Os Filhos da Madrugada

22.04.22
Sábado conhecemos duas Filhas da Madrugada, tão jovens que são quase netas, e temos notícia do bebé de uma delas, ainda na barriga. Portanto, uma espécie de bisneto da liberdade. Carolina Villaverde Rosado estudou ciências políticas, nasceu em 1993, trabalha como produtora num teatro. Constança nasceu três anos depois, é artista, estudou na António Arroio. Antes disso, ambas estudaram no liceu francês. Não têm memórias dos pais juntos. Os pais são Filhos da Madrugada no sentido em que cresceram já em democracia, mesmo tendo nascido antes da revolução. O pai é meio inglês, designer, muito presente, a mãe é artista, e casou com uma mulher, doutorada em biologia, em 2012. Carolina tem uma enteada há anos, vive em união de facto, espera um bebé que será o segundo filho do seu companheiro, o seu primeiro filho. Constança não tem filhos. Ou seja, a configuração das famílias mudou.
 

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Fotografias de Estelle Valente.
 
 

Samuel Úria - Os Filhos da Madrugada

21.04.22

É, ou foi, um homem religioso. As suas canções são feitas de citações bíblicas e literárias. Mantém uma aura de estranheza, uma pinta hipster (botão do colarinho abotoado, uma combinação esdrúxula de referências e peças). Faz com que seja possível ligar na mesma frase Tondela e o cinema do japonês Ozu. Na sua canção mais conhecida esmigalha o pedregulho que pesa sobre o masculino: o que diz que um homem não chora. Promoveu a sua auto-descondecoração e fez dela um disco, em 2010. Teve então cada vez mais sucesso. Tanto que parece que deixou de ser alternativo. É de direita. Nasceu em 1979. Chama-se Samuel Úria.

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Fotografias de Estelle Valente. 

Marta Bateira - Beatriz Gosta - Os Filhos da Madrugada

20.04.22
Coisas que podemos agradecer a Marta Bateira: obrigar-nos a lidar com os nossos preconceitos, como aquele que diz que uma senhora não diz palavrão, uma senhora não tem nem fala de sexo ocasional, jamais pronuncia palavras como pipizão, pomba, que, em si, não precisam de um piiiii por cima, mas cujo significado toda a gente conhece. Marta obriga-nos a questionar a noção de igualdade de género e um machismo que está enraizado na sociedade portuguesa, em exemplos práticos como este: se ele está no Tinder, é um garanhão, se ela está, isso pode ser duvidoso. Em particular porque toca no último reduto da sociedade patriarcal: o lugar da mãe. Quem quer encontrar a mãe dos seus filhos numa agência de encontros? Também agradeço a Marta ter introduzida, na sua personagem Beatriz Gosta, a palavra tona para a conversa. E todo o fucking day.
 

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Fotografias da Estelle Valente.

Francisco Mendes da Silva - Os Filhos da Madrugada

20.04.22
A partir da família de Francisco Mendes da Silva, podemos acompanhar a segunda metade do século XX português. Os avós são da Beira Baixa rural, os pais são a primeira geração a aceder ao ensino superior, ele é filho dos anos 80, quando o país se rasgou e se abriu. O paradigma mudou. Todas as semanas, a vida política era marcada pela leitura d’ O Independente, esperava-se e temia-se a prosa de Vasco Pulido Valente, Paulo Portas, Miguel Esteves Cardoso. Isso contra a banda sonora da infância. A música dos seus pais era a da Brigada Victor Jara, toda a música de intervenção, e, no programa, vamos dar aos Blur.
 

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Fotografias da Estelle Valente.

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