José Luís Peixoto (Quest. Proust)
Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?
Creio que a minha característica mais marcante é a determinação (ou a obsessão, depende daquilo que se queira chamar a este sentimento de perseguir algo sempre, sempre, sempre).
Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...
A honestidade.
E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?
A honestidade.
Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?
A paciência.
Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?
Tenho muitos defeitos. Tenho mesmo muitos defeitos. Quase todos. Mesmo.
Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...
Amar. Ou escrever, se for sinónimo de amar.
Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?
A felicidade das pessoas que amo.
O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.
Qualquer desgraça que aconteça às pessoas que amo.
Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?
Aos 13 anos, gostava de ser eu próprio. Agora, gostava de ser eu com 13 anos.
Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?
No atlas como o conhecemos, gosto de viver em Portugal e não gostaria de viver noutro lugar (com a oportunidade de sair de vez em quando). No plano da utopia, gostava de viver onde as pessoas se preocupassem realmente umas com as outras.
Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.
William Faulkner, Dave Eggers, António Lobo Antunes e, de certeza, muitos que ainda não li.
E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.
Fernando Pessoa, Dylan Thomas e vários outros cantores.
Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.
Bob, o construtor.
Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...
Mozart ou Bach ou Moonspell.
Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.
Hieronymous Bosch.
Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.
Gandhi e Dalai Lama. Também dois professores.
“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?
Queijo. Detesto o seu cheiro, o seu aspecto e mesmo a palavra. Não me posso pronunciar quanto ao sabor porque nunca provei, as minhas papilas recusam-se.
Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!
Uma paciência indestrutível seria excelente, mas já me contentava com uma paciência de aço.
Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.
Em paz.
Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?
O meu actual estado de espírito é de motivação e entusiasmo. Não me aborrece pensar em quem sou. Procuro essa reflexão com muita frequência.
Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?
Quase todas, menos a falta de consideração pelos outros.
Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?
Actualmente, não tenho um lema. Tenho aqueles que amo. São eles que me fazem “correr”. Sou bastante supersticioso.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010