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Anabela Mota Ribeiro

Clara de Sousa (Quest. Proust)

17.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

- Também não faço questão de ser admirada. Prefiro ser respeitada. Eu, o meu trabalho, a minha família. Gosto de cuidar e ser cuidada. Amar e ser amada.

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

- Percebo-o perfeitamente. Um homem que entenda as mulheres em todas as suas aparentes contradições e complexidades já conquistou meio caminho. Não lhe chamaria "charme feminino" mas uma "sensibilidade para entender o feminino".

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

- Também sinto que há no comentário um pré-juízo em relação às mulheres, mas parece-me ridículo generalizar. Aprecio na mulher a capacidade que tem de lutar, de sofrer, de vencer a dor e ainda conseguir sorrir e passar a outros essa força.

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

- Carinho, capacidade para escutar e entender. Pouco importa o charme físico. A verdadeira amizade só existe porque resiste às provas da vida. Aos desencontros, aos mal-entendidos.

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?


- Não partilho da vontade fraca. Pelo contrário. Quanto à incapacidade para entender, penso que é um "defeito" de todos nós. O meu pior defeito é a falta de paciência para situações que exigiriam maior diplomacia. Tenho o coração na boca e deveria saber controlar melhor os meus impulsos.

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

- Observar... digo eu.

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

- Mais do que falar em ser feliz, é importante entender se estamos ou não estruturados para sermos felizes. Ainda conseguimos sorrir quando parte do mundo está a ruir à nossa volta? Se sim, tudo é possível, para melhor.

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

- Já perdi a minha mãe e é uma dor inqualificável. Mas hoje que sou mãe, sei que a maior dor seria perder um filho. Não sei se resistiria.

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

- Aos 13, e até antes disso, queria ser cantora. Depois quis ser professora. Acabei jornalista. Olhando para trás, confirmo que não poderia fazer uma coisa que não passasse por uma área da comunicação.

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

- O mundo não é perfeito nem as pessoas são perfeitas. Por isso, a “Utopia” de Thomas Moore não passava disso mesmo. O país onde gostaria de viver é este mesmo. É a minha pátria com os seus defeitos e virtudes.

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

- Isabel Allende, Gabriel Garcia Marquez, Eça e, noutro género, Shakespeare.

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

- Eu "apaixonei-me" por Pessoa e pelos seus heterónimos aos 17 anos quando finalmente o consegui "entender". É a minha referência.

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

- Figuras históricas como heróis de ficção? Não ouso ser tão pretensiosa. Fico-me pelo Superhomem e pela Mulher Maravilha!

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

- Porter e Gershwin, sem dúvida. São marcantes no meu amadurecimento musical.

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

- Eu prefiro a Pop Art. Roy Lichtenstein e Andy Warhol.

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

- Os verdadeiros heróis são pessoas comuns. E por isso desconhecidas. Ainda bem.

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

- Do cinismo, da manipulação, do abuso. Arrepiam-me.

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

- Gostaria de saber tocar muito muito bem um instrumento musical. Viola, sobretudo. Mas nunca tive unhas para isso.

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

- Aí, sou mais pragmática. Sem sofrimento. Com dignidade.

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

- Estava agora mesmo a pensar que este questionário acaba por revelar a tendência narcísica que existe, mal ou bem, em cada um de nós. E que é muito fácil cair na esparrela para passar a ideia de que somos o máximo. É mais simpático falarmos das nossas virtudes. Dos nossos defeitos, que falem os outros.

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

- O que é relevante para muitas pessoas que conheço é totalmente irrelevante para mim. Só as faltas muito graves e mesquinhas me conseguem perturbar. Tudo o resto faz parte do ser e de suas circunstâncias.

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

- Não sou supersticiosa. Mas como este questionário já está no fim, (altura ideal para me descomprimir), digo-lhe que um cão furioso atrás de mim me fará certamente correr. E já agora, um bom desafio. Seja ele qual for.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010