Frederico Lourenço (Quest. Proust)
Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?
A persistência até certo ponto e depois a lucidez de desistir.
Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...
Não, para mim é o charme masculino.
E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?
As mulheres são francas na amizade (com os homens, pelo menos). Mas a qualidade que mais aprecio numa mulher é a fineza.
Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?
A capacidade de partilhar o silêncio. Não gosto de falar.
Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?
Esses defeitos não tenho. Narcisismo, volubilidade, pessimismo: esses sim.
Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...
Trabalhar, sem dúvida. Odeio férias e fins-de-semana.
Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?
Poder estar tranquilamente em silêncio. É por isso que a morte não me parece uma desgraça assim tão grande.
O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.
Qualquer coisa que me impedisse de trabalhar seria uma terrível desgraça para mim.
Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?
Aos 13 anos, se bem me lembro, queria ser São Francisco de Assis. Agora gostava mais de ser Inácio de Loyola.
Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?
Não existe, porque seria uma mistura de Oxford, de Munique e de Ponte de Lima.
Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.
Leio e releio com absurdo e sempre renovado prazer Eça de Queiroz.
E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.
Luís de Camões. É o amor da minha vida.
Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.
Gonçalo Mendes Ramires. Só o Eça poderia ter criado personagem tão adorável.
Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...
Escolher um compositor só? Então Richard Wagner. É o meu vício. Mas também não vivo sem Bach, Mozart e Beethoven.
Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.
Estou proibido de falar de pintura pelos meus amigos artistas, porque acho tudo o que se pintou depois de Claude Lorrain no século XVII uma enormíssima porcaria.
Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.
Maria Helena da Rocha Pereira, Vítor Manuel de Aguiar e Silva e a cravista Cremilde Rosado Fernandes.
“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?
A coisa de que gosto menos em mim é o meu pessimismo. Nos outros é a crueldade.
Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!
Uma voz linda de tenor wagneriano.
Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.
Gostaria de morrer com dignidade quando expirasse o meu natural “prazo de validade”, mas os horríveis avanços da Medicina tornam isso cada vez mais improvável.
Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?
Estou sempre a pensar em quem sou na esperança de me tornar melhor. O meu actual estado de espírito é excelente.
Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?
Os pecados da carne. Sou muito condescendente em relação a mim próprio nesse campo.
Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?
Não sou supersticioso, desde que passei no exame de condução aos 19 anos numa sexta-feira dia 13. Gosto do alpinismo intelectual. Traduzir Homero. Agora comentar Camões.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010