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Anabela Mota Ribeiro

Teresa Villaverde (Quest. Proust)

22.08.13

Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?

 

A admiração é uma coisa que nos isola e separa dos outros; sabe muito melhor ser amada, claro. Mas preciso mil vezes mais de amar do que de ser amada. Aprende-se com a vida que amar é o que vale mesmo.

 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...

 

Coragem, loucura, seriedade e bondade, tudo no mesmo pote. E já vi que existe. E não me esqueci.

 

E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?

 

A amizade é um bem fundamental e é sempre franca. Vejo a amizade como uma coisa aberta, limpa. O que mais aprecio numa mulher é o mesmo que aprecio num homem.

 

Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?

 

Sei que ternura é uma coisa bonita, mas nunca gostei muito da palavra. Parece-me uma coisa antiga. Eles tinham muita ternura um pelo outro, olhavam-se com muita ternura...

No dia em que me sentir olhada com ternura, preocupo-me. Acho impossível manter uma amizade com alguém com um sentido de humor muito distante do meu. Acho mesmo que o sentido de humor é o que segura uma amizade.

 

Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?

 

Não partilho. Sou teimosa a um ponto que até a mim me cansa… Tenho o defeito de me fechar a sete chaves e de abrir a porta fora de horas, quando adormeceram todos. E depois, protesto. E sou capaz de ser insuportável.

 

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...

 

Amar, filmar, e dormir.

 

Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?

 

Poder sempre trabalhar. Ter dinheiro para viver razoavelmente. E poder fazer declarações de amor à hora que me apetecer, e ter sempre a quem.

 

O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.

 

Ver alguma coisa horrível a acontecer a alguém que eu adore e não poder fazer nada.

 

Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?

 

Não me zanguei ainda comigo. Aliás, dou-me muito melhor comigo agora do que me dava aos 13, ou aos 20.

 

Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?

 

Gostava muito de viver num país onde as pessoas não tivessem medo de viver. Onde houvesse a consciência do tamanho do Universo. E onde as pessoas não se atropelassem umas às outras. Esse país existe, pontualmente, em algumas pessoas com quem nos cruzamos. É um país que ainda anda por aí.

 

Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.

 

Quando era pequena pensei: se ler o Tolstoi e o Homero, vou poder depois fazer cinema. Não sei porque foi assim, mas foi assim que aconteceu.

Comecei a ler com eles. Gostava de nomear escritores menos bombásticos, escritores até mais frágeis, (adoro também a fragilidade), mas quando preciso de força, vou à procura dos fortes.

 

E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.

 

Ler poesia e respirar, é um bocado a mesma coisa. Os meus poetas são parecidos com a respiração. É quase obsceno estabelecer hierarquias. Não sei fazer isso.

 

Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.

 

Sou devota do Lord Nelson, metade figura histórica, metade ficção. Fiquei muito comovida quando vi no museu da marinha em Londres o uniforme com que morreu, tão pequenino.

 

Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...

 

Bach, sem hesitação.

 

Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.

 

Como cineasta, tenho que me lembrar sempre dos ensinamentos de Rembrandt. A abertura do meu próximo filme é roubada do Rembrandt com intrusões do Caravaggio. Temos fases.

 

Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.

 

A minha avó Ofélia, que foi avó de muito mais gente do que só dos seus netos. Gosto de pensar que um dia vou ter netos e que vou saber estar à altura da minha avó.

 

“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?

 

Preciso aprender a arrumar os meus papéis. Não sei lidar com a papelada ligada à vida real, e foram muitos anos assim. É grave.

 

Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!

 

Gostava de ser, naturalmente, sem esforço, sem pensar, uma fantástica desportista.

 

Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.

 

Velha, mas em forma. E sem fazer já falta a ninguém.

 

Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?

 

Diverti-me a responder ao questionário. Não penso em quem sou, sou mais de pensar nas coisas que quero fazer. Neste momento estou expectante, estou à espera da luz verde para dizer a palavra que mais calma me dá: acção.

 

Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?

 

Sou muito de perdoar. Não tolero abusos de poder, e maus tratos sobre os mais fracos.

Tudo o resto, deixo passar. Pode não ser logo logo, mas acabo sempre por deixar passar.

 

Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?

 

Sou supersticiosa, sim. E nem que fosse só porque ele não respondeu, eu também não respondo. Deus me livre de responder.

 

 

Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010