Manuel Villaverde Cabral (Quest. Proust)
Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?
Ele sabia do que estava a falar. Também vou por aí: sou suficientemente vaidoso para dispensar admiração mas demasiado ansioso para dispensar cuidado.
Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...
Duas juntas: integridade e paixão, em todas as circunstâncias e por essa ordem.
E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?
Energia amorosa: se é para morrer, antes como a Anna Karenina do que como a Luísa do «Primo Basílio»…
Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?
A fraternidade: os amigos não se escolhem; são como irmãos: íntimos, cúmplices, rivais, traidores.
Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?
Vontade fraca, acho que não; dificuldade de entender certas coisas, talvez; com a idade, tornei-me mais impaciente mas julgo que um pouco menos intransigente.
Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...
E não podendo amar 24 horas por dia, 365 dias por ano, pode-se sempre sonhar, viajar, ler, escrever, conversar… tudo substitutos da mesma e única coisa!
Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?
Ver acima! E nos intervalos, dormir, dormir profundamente, para melhor sonhar e saber assim o que realmente se ama.
O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.
Já alguém aqui deu esta resposta: alguma coisa que possa acontecer a um filho, porque é a subversão da ordem natural das coisas.
Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?
Parafraseando o Borges, com o tempo habituei-me à ideia de ser eu.
Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?
Não sou tão pinga-amor nem tão delicodoce: gosto de objectos que resistem.
Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.
Em português, Guimarães Rosa; noutras línguas, além dos romancistas clássicos (como o próprio Proust…), há os grandes modernistas (Kafka, Joyce) e pós-modernistas (Nabokov). São só exemplos.
E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.
Em Português, Pessoa enche-me as medidas; em Francês, língua em que estudei e vivi, Baudelaire certamente, Rimbaud, René Char; em Inglês, Eliot.
Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.
Julien Sorel e Anna Karenina: morrem ambos por amor, na realidade, por paixão pela sua própria integridade; ou Fabrice e Clélia, da «Chartreuse», o amor-perfeito: às escuras.
Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...
Wagner com certeza; Beethoven muitas vezes; Schumann ando a «estudar»; os eternos Bach, Mozart, Schubert; Puccini também; e os «modernos», desde o trio vienense e Bartók até Boulez e Stockhausen…
Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.
Lista infinda desde Piero, Rembrandt, Velázquez, Vermeer, Goya, Manet, Seurat, os construtivistas russos... até Mark Rothko.
Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.
O meu bisavô morto durante a Guerra de Espanha por causa suas convicções, por sinal diferentes das minhas, mas convicções são convicções.
“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?
Da hipocrisia e da corrupção, sobretudo moral.
Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!
Ouvido musical.
Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.
Não gostaria.
Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?
Sempre o mesmo: disponível.
Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?
Posso fechar os olhos, mas não esqueço nem perdoo.
Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?
Bem gostava de saber… Correr por correr, gosto de correr, sempre a correr, tudo a correr: é o contra-relógio da vida!
Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2010