Clara Azevedo
Há bolos que se chamam Bom Bocado e apontam para a perdição. Há bolos que evocam um espaço, como o Babá da Versailles ou os Croissants da Bénard. Há bolas de berlim, pasteis de nata, bolos de arroz. Há bolos fotografados sobre espelhos venezianos, há bolos que implicam horas e horas na cozinha. Estão todos no livro Doce Lisboa. Um guia doce da cidade branca. A fotógrafa Clara Azevedo e o gráfico Luís Chimeno Garrido, gulosos assumidos, organizaram esta “viagem de doces dentadinhas!”, por vinte pastelarias de Lisboa e pelas suas especialidades. O livro, edição da Quidnovi, mexe com todos os sentidos; talvez comece no visual e acabe no gustativo... E é um convite ao “faça você mesmo”!
Doce Lisboa foi distinguido como o melhor livro de culinária editado em Portugal em 2010 pela Gourmand World Cookbooks. Um prémio prestigiante, atribuído em Paris.
Se os bolos tivessem personalidade, como as pessoas, qual seria o seu tipo?
Não é o meu bolo preferido, mas lendo a descrição que consta do livro, gostava de ser como uma Madalena: têm sabor a infância, a “boas” recordações longínquas, de um qualquer tempo perdido.
Quando fotografou os bolos, encenou-os, enquadrou-os. Fez isso em função do bolo?, da inspiração de filmes e livros, das suas memórias pessoais?
Houve um cenário e adereços – como numa peça de teatro. Há bolos simples, que não pedem muita “roupa”; outros, em que só o desenho é o suficiente para o enfeitar. Mas o mais divertido neste trabalho foi procurar os adereços certos para cada um: papéis, fitas, tecidos, objectos pessoais que tinham um significado especial.
Porque é que se decidiu fazer um livro sobre coisas doces?
Os doces têm uma associação directa com as memórias mais felizes das nossas vidas. Foi talvez essa a razão de fazer um livro com bolos, com muito açúcar… um link directo ao passado.
Como é que fez o livro? Pode explicar qual foi o seu modus operandi?
O Luís Chimeno e eu tínhamos a ideia do que queríamos fazer, por isso o primeiro passo foi contactar as pastelarias escolhidas. Convencer os donos foi francamente fácil, gostaram imenso da ideia, e disseram logo que sim. Explicámos que teríamos que fazer fotos do espaço e de dois bolos – neste caso tinham que dar também as receitas. Esta foi a parte mais complicada: muitos chefes pasteleiros franziram a testa… Acabou por ser a parte mais delicada e stressante da “confecção” do livro. Houve mesmo pastelarias que estavam na nossa lista e que acabaram por não fazer parte por essa razão. Ficámos a perceber que os senhores que misturam os ingredientes, e os moldam até se tornarem bolos, têm sempre razão!
Conte um sabor a sua infância. E respectivo quadro.
Em casa dos meus pais havia sempre bolos, biscoitinhos, um sem fim de sabores muito doces. O meu pai era açoriano, da Terceira, ilha cheia de especialidades. Eu adorava os bolinhos D. Amélia, os Covilhetes de Leite, e no continente comia Pastéis de Nata ao desbarato. E as Bolas de Berlim na praia, com creme e areia… sabiam tão bem! Comi muito açúcar, mas não sou viciada!
Publicado originalmente na revista Máxima