Rita Barros (em NY)
O Chelsea Hotel, onde vive, funciona como uma amostra microscópica de NY?
O Hotel mudou muito desde que há um ano o gerente e sócio maioritário, Stanley Bard, foi “despedido”. Stanley Bard foi o responsável pela ideia de haver uma mistura enorme de gente, desde o artista falido ao banqueiro, o músico na moda e o fora de moda, o jovem criador com sonhos de se tornar no novo bad boy e o vagabundo. Desde há um ano que o hotel deixou de aceitar residentes de longa duração, o que tem um impacto neste “caldeirão de cultura”.
Poderia trabalhar das nove às cinco? Como se tornou numa pessoa criativa?
Presumo que nove às cinco seja trabalhar para uma companhia, coisa que nunca fiz. Sempre trabalhei como freelancer. No meu próprio trabalho não tenho horários e os dias acabam por ser bem mais longos. Não penso que uma pessoa se torne criativa. A criatividade e a necessidade de mostrar o trabalho fazem parte da própria identidade e de uma maneira de encarar o mundo e de viver nele.
Que impacto teve NY na sua actividade criativa? Pode falar do encontro com a cidade?
Foi fascinante. Cheguei em 1980 e fui viver para o East Village, na altura o centro de uma nova visão artística que passava pela música, performance, pintura e moda. Era excitante sair à rua e assistir ao espectáculo diário duma cidade em plena ebulição. À noite, os clubes eram grandes catalisadores para a energia de uma nova geração. Tudo parecia possível.
As imagens dos famosos habitantes do Chelsea Hotel são retratos de personagens: excêntricos, singulares, fascinantes. São também pessoas de todos os dias, normais e previsíveis?
Os vizinhos que eu fotografava, apesar de terem um ar extravagante, eram pessoas tão normais quanto o resto. Sempre tive mais receio dos alucinados que se comportam como gente normal e que se chocam com as excentricidades previsíveis.
As suas imagens têm duas vertentes: os retratos e a paisagem. O que é que procura quando fotografa pessoas? Registar o lado documental - por exemplo, o trabalho sobre os 15 anos no Chelsea Hotel? Capturar a alma, o génio, a singularidade daquele que tem pela frente?
Os retratos e a paisagem e naturezas mortas (que tenho vindo a fazer) têm um lado subjectivo. Há uma escolha (de enquadramento, de luzes, de composição) que tem como finalidade criar um ambiente específico: um momento que transmite uma ideia. No caso do Hotel, os retratos contam a história de um colectivo complexo, com várias sub-realidades, que funciona com as suas próprias regras. Nas naturezas mortas há um trabalho sobre a ideia da ausência que pode ter contornos ligados à solidão.
A solidão, a dependência, o sexo são temas fulcrais nas vidas das pessoas que habitam o Chelsea Hotel? Parecem, muitas vezes, uma condição de um certo desequilíbrio sem o qual não se pode criar... Concorda?
Não, não concordo. O desequilíbrio não é sinónimo do criativo. O sindroma Van Gogh, no meu entender, tem sido explorado demais. Cortar a orelha não implica ser-se génio. A solidão, a dependência etc., fazem parte da vida humana, sobretudo em grandes centros urbanos. No Hotel diria mesmo que é o oposto. Há uma verdadeira comunidade de entreajuda dentro do prédio. O lobby é um verdadeiro salão onde as pessoas se encontram e ficam nas poltronas à conversa. O anonimato funciona como uma escolha e não forçosamente como sinal de desespero. O colectivo não é repressivo e tem uma dinâmica humanista.
Vive há muitos anos no quarto onde Arthur C. Clark escreveu 2001, que daria origem ao filme de Kubrick. Como é o seu quarto? E como era o quarto da sua infância?
Quando me mudei para o quarto/apartamento 1008, ele estava decorado com o mau gosto típico de certos quartos de hotel. Livrei-me de tudo e criei um espaço à minha medida com paredes de várias cores e o conforto necessário para quem passa bastante tempo em casa a trabalhar. O quarto da minha infância era espaçoso; decorado com um papel de parede de pequenas flores cor de rosa em fundo branco, com janela e porta para uma varanda, com vista sobre o jardim e o mar ao longe. O quarto era dividido com a minha irmã.
Publicado originalmente na revista LA Mag