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Anabela Mota Ribeiro

Moreno Veloso

15.07.13

Porque é que você é músico e não é engenheiro ou leiteiro?

Isso é uma ilusão. Eu sou Físico, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalhei mais de cinco anos num laboratório especializando-me em física atómica. Vê? A boca nasce com a gente, a comida temos que plantar e colher. Por isso canto. Se sou músico é porque assim me vêem e porque algo do que sou e do que faço deixa essa ilusão realizar-se. Deve ser porque desde pequeno acredito que a música me fala de maneira mais precisa e mais profunda do que palavras sem melodia, pausas, repetições, rimas, sequências harmónicas e timbres variados. Porque me parecia que era mais fácil ver e compreender a vida inteira de uma pessoa apenas ouvindo o som que saía de seu instrumento. E que as vidas assim eram fascinantes.

 

Sei que gosta de montar o que está quebrado ou desconjuntado... Isto tem que ver com um impulso criativo? Procura uma certa ordem e harmonia...

Isso é curiosidade agindo sobre a educação e amparada pela paciência. Isso é trabalho também. Em raros casos isso pode ser visto como arte.

 

Como foi percebendo que fazer canções era o seu modo de se expressar? Isso está simbolicamente num momento, num fragmento que possa partilhar?

Quando ouvi "Eu Só Quero Um Xodó" de Dominguinhos e Anastácia.

 

As suas canções são sensíveis, delicadas, e por vezes dolorosas. Há nelas uma melancolia que nos habituámos a fazer coincidir com a sua atitude silenciosa. Você é assim mesmo?

Sou tímido, mas se encontro uma brecha ou um impulso, falo, danço, toco e amo. Se, ao contrário, encontro a solidão, ela tira de mim o que me falta em forma de canção.

 

Tudo concorre no gesto criativo? O último filme, a conversa com a mulher, a discussão do vizinho que se ouviu, uma pintura impressionante, uma viagem dentro de um livro ou de um avião...

Apenas um relâmpago em miniatura dentro da cabeça que, com sorte, imprime algo na memória ou num papel para ser cultivado depois e, por fim, organizado e disposto aos outros. Tudo entra na escuridão, o que sai de lá é retirado através da técnica, da sorte ou da explosão. Dos destroços remanescentes pouca coisa chega a germinar à luz do sol. E, para mim, nenhuma força se iguala em propulsão criativa à visão de um amigo próximo criando algo novo e bonito.

 

Consegue perceber constantes? Em que momentos cria? Qual é o seu processo mais recorrente?

Quando me sinto sufocado pela noite e começo a dialogar com as canções do passado.

 

 

 

Publicado originalmente na LA Mag