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Anabela Mota Ribeiro

Luís Cabral (sobre Portugal)

16.07.13

Luís Cabral nasceu em Lisboa em 1961. Doutorou-se em Stanford em 1989. Foi professor nas universidades Nova de Lisboa, London Business School, London School of Economics, Berkeley, Yale, IESE. Actualmente, ocupa a cátedra W.R.Berkley de Economia na New York University.

Autor do livro Introduction to Industrial Organization, publicado pela MIT Press, traduzido em sete línguas e adoptado por universidades em dezenas de países.

Para além da actividade académica, dedica-se a pintar, tocar o saxofone e recordar êxitos passados do C. F. Os Belenenses.

 

 

Cresceu em democracia. Tem uma boa definição para democracia?

Vivi os primeiros 13 anos em “ditadura” e o resto da juventude em “democracia”. Se me perguntasse em 1974 qual a diferença, a resposta seria provavelmente que em democracia não temos de fazer exames no liceu e temos direito à greve (o que para mim significava mais tempo para jogar bilhar e futebol). Algum tempo depois, li a definição do Millôr Fernandes (que descanse em paz): “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. Para além do divertido jogo de palavras, há aqui algo de mais profundo e actual: por exemplo, há uma certa esquerda que insiste na grande vitória da democracia em França ("o povo falou e rejeitou o eixo Sarkozy-Merkel"), enquanto questiona a legitimidade democrática do actual governo português. As eleições são todas democráticas, mas alguns resultados são mais democráticos que outros.

 

Provavelmente é muito novo para se lembrar do FMI em Portugal no começo dos anos 80 . O que lhe contaram da crise tem alguma semelhança com a crise que estamos a viver?

Infelizmente, não sou tão novo que não me lembre dos acordos do FMI. Estudei Economia e Gestão na Católica entre 1978 e 1983. Nas aulas do Alfredo de Sousa, Cavaco Silva e de outros professores os acordos do FMI foram então apresentados e discutidos.

Uma diferença importante relativamente à situação actual é que a moeda era então o escudo. A crise da economia portuguesa no final dos anos 70 foi, entre outras coisas, uma crise de instabilidade monetária, com elevadas taxas de inflação. As gerações novas não se lembram disso e não valorizam a estabilidade monetária porque cresceram na era do sistema monetário europeu (e depois do euro), sistema que tem vários defeitos, mas que nos trouxe o grande benefício da estabilidade monetária. Os sãos nunca se lembram do valor da saúde – até que adoecem.

 

Os números não nos deixam ficar bem quando olhados de fora. O que é que diria a nosso favor?

Estamos tentando (embora muito devagar) proceder a reformas

estruturais adiadas desde há décadas.

 

Tem ideias miraculosas para salvar a Pátria?

Menos Estado, melhor Estado. A ideia não é nova nem “miraculosa”, mas estou convencido de que funciona.

 

Somos um povo que não se sabe governar? Qual é o enguiço? Parece ser assim há séculos...

O português tem um perfil psico-sociológico e o País tem uma herança institucional que não se adequam às necessidades de uma Administração Pública com a dimensão que o Estado português tem. Nesse sentido somos um povo que não se sabe governar.

 

No discurso Causas da decadência dos Povos Peninsulares, Antero de Quental fala de um “conservadorismo religioso que sufocou o pensamento inventivo”.

Primeiro, a questão da religião: o diagnóstico acusatório de Antero de Quental, típico do pensamento republicano que daria origem à revolução de 1910, é simplista, mal informado e injusto. É lamentável que, ao comemorar o centenário do 5 de Outubro, se repitam afirmações deste estilo. Apenas como exemplo, refiro o trabalho do doutorando Francisco Malta Romeiras, que documenta a importância dos Colégios de Campolide e de São Fiel (ambos dos jesuítas) entre 1858 a 1910. Trata-se simplesmente de dois dos mais importantes focos no ensino e na investigação científicos em Portugal. Neste contexto, apenas um poeta mal informado (ou mal intencionado) poderia falar de “sufocar o pensamento inventivo”.

 

Antero fala também de submissão e resignação. Diz que a abundância dos Descobrimentos não nos ensinou a lidar com o dinheiro que resulta do trabalho honesto.

O que existe é uma tradição institucional – o Estado omnipresente – que desvia os recursos e habilidades de cada um para a “exploração” do sistema, em vez da real criação de valor. A tragédia do nosso país é que o empreendedorismo deu lugar ao chico-espertismo.

 

Aristides Sousa Mendes quase foi eleito maior português de

sempre”. O vencedor foi Salazar. Votaria em quem?

Abster-me-ia ou votaria em branco, pois não me parece uma eleição que faça muito sentido. Estamos falando da pessoa que mais fez pelo país? A pessoa com maior prestígio nacional e internacional? A pessoa mais popular? A pessoa que mais representa para mim? Enfim, trata-se de um conceito mal definido. Se a pergunta for: qual o português que maior impacto teve em si?, então voto nos meus pais (ex-aequo).

 

A culpa é dos políticos?, a culpa é das elites?, a culpa é de quem se endivida e trabalha pouco? A culpa é da Europa?, a culpa é da desregulação do sistema financeiro? A culpa não é de ninguém e vai morrer solteira?

Recentemente, escrevi uma crónica sobre o estado da educação em Portugal, insistindo que os pais são frequentemente os principais culpados pela situação que atravessamos. De uma forma mais geral, caímos muito facilmente no lugar comum de culpar os outros e pensamos muito pouco naquilo que cada um pode fazer para melhorar as coisas – começando com uma atitude de maior exigência.

 

Vive fora de Portugal há anos. A sua percepção do país foi-se alterando significativamente ao longo dos anos? Pode concretizar?

A perspectiva de fora tem principalmente um efeito “relativizador”. Com frequência, ouço e leio análises sociológicas, económicas e geográficas de Portugal e dos portugueses em que a tese é que somos ou os melhores do mundo ou os piores do mundo. Depois de conhecer dezenas

e dezenas de países, a minha perspectiva é que, por mais que

queiramos, Portugal nem é o melhor nem o pior país em qualquer ranking de características objectivas. Mais: as diferenças que se encontram entre portugueses são tão importantes como as diferenças entre a média de Portugal e a média de outros países. As generalizações baseadas em médias caem frequentemente na falácia de esquecer a variância.

 

Ganhou distância, imagino, no diagnóstico. Passa frequentemente da fúria ao amor incondicional? Daquele que temos por um membro da família tresmalhado. Não o suportamos, mas é dos nossos... É assim?

É importante distinguir entre patriotismo e o provincianismo. O meu amor a Portugal não resulta de que Portugal seja o melhor em certas características mensuráveis, antes resulta de que Portugal seja a minha Pátria. Por esse motivo, compreendo perfeitamente que outras pessoas amem a sua Pátria mais do que qualquer outra, desde que esse amor não seja baseado no ódio a outros países.

 

Que “características portuguesas” foram úteis no estrangeiro? Que coisas aprendeu fora (e que não fazem parte da cultura portuguesa)?

Sem prejuízo do que disse acima sobre a variância, devo reconhecer que, em média, os portugueses se adaptam mais facilmente a novos ambientes: falam uma língua foneticamente rica que os prepara para outras línguas, vêem filmes não dobrados e assim habituam-se ao som do inglês, interagem com estrangeiros (principalmente turistas) de muitos países, e em geral têm uma capacidade de desenrasque superior à

média.

De todos os choques culturais com que me deparei, o mais

significativo foi provavelmente o sentido cívico que encontrei nos Estados Unidos quando cá cheguei em 1985: o respeito pelos direitos dos outros, a confiança na palavra dada, o horror à batota (quer no contexto educativo, quer no contexto profissional). Mais tarde, quando fui viver para Inglaterra durante alguns anos, descobri que é daí que vem esta faceta da cultura americana.

 

 

Publicado no Jornal de Negócios no Verão de 2012