Andrew Bennett (sobre Portugal)
Andrew Bennett é inglês. Vive em Portugal há cerca de 12 anos. É coordenador da Orquestra Nacional do Porto Casa da Música. É geógrafo.
Poder, dinheiro e influência são, no essencial, a mesma coisa?
Sim e não. Ter poder ou influência pode coincidir com ter dinheiro. A única certeza é que a falta de dinheiro está ligada a uma falta de poder e influência. Concentrar a atenção nas pessoas que têm estas supostas vantagens serve para ignorar a grande maioria da população, que não as tem e não tem possibilidade de alterar a sua posição.
Não há almoços grátis e a canalha vende-se por um prato de lentilhas. Toda a gente tem um preço?
Tenho fraca opinião das pessoas que pensam assim. Talvez a tradição da cunha esteja a diminuir entre os portugueses. Ainda assim, às vezes, encontro pessoas que acham que uma prenda (seja física, seja figurativa) vai influenciar o nosso negócio em comum. Para mim, o resultado é negativo. Pessoas que precisam de pagar para atrair a minha atenção [são aquelas que] não podem ter sucesso baseado simplesmente no mérito.
A sua percepção do que é o poder alterou-se desde que vive em Portugal?
Não. Embora Portugal necessariamente tenha as suas características nacionais. O poder é um aspecto da vida humana que se reflecte quase igualmente em todos os países.
Quem é que tem poder em Portugal? Os banqueiros, os políticos, os artistas, a construção civil, as pessoas que aparecem na televisão?
As pessoas e as entidades que têm poder em Portugal são sempre internacionais. Algumas são portuguesas em termos de nacionalidade, mas isso não tem grande influência relativamente ao seu comportamento. Os aspectos fundamentais para a vida do país são globais – económicos, políticos e até artísticos. Indivíduos e instituições que somente praticam [a sua actividade] dentro das fronteiras estão sempre sujeitos a decisões tomadas fora do país. As empresas internacionais, os bancos sem fronteiras, os políticos da UE ou ONU, e os media internacionais são os que realmente têm poder em Portugal. Sem mencionar, agora, a Troika!
O que é ter uma agenda poderosa? É ter o telemóvel de Fernando Ulrich? É ter andado na escola com o Paulo Portas? É ser convidado por Ricardo Salgado para um almoço na Comporta? É conhecer o primo da mulher do assessor do ministro que manda?
Uma das vantagens de morar e trabalhar fora da capital é ter mais perspectiva. Como em muitos países, Lisboa tem a tendência de achar que é o centro do mundo. Auto-referência raramente contribui para uma perspectiva saudável.
Sem falsas modéstias, e partindo do princípio que, pelo menos no nosso quintal, todos temos poder: considera que é uma pessoa poderosa? Em que é que se baseia o seu poder?
O meu quintal do dia-a-dia é uma orquestra. Não toco, nem dirijo. Se eu tiver poder, pode unicamente surgir do respeito dos meus colegas (hierarquicamente superiores e inferiores). Se o sucesso da orquestra dependesse da minha contribuição directa, se não pudesse continuar sem o meu envolvimento, seria uma situação insalubre. Como acontece com a maioria das pessoas que trabalham na área da gestão das artes, a minha ambição é facilitar o trabalho da orquestra em conjunto e com os maestros/artistas convidados, e não atrair atenção sobre o meu trabalho. Em si só, o meu trabalho não deve ser interessante, se comparado com os concertos, as gravações, os projectos educativos, as digressões.
“Yes, we can” – Obama. Foi a força das palavras que elegeu o primeiro presidente afro-americano nos Estados Unidos?
Estou a responder a estas perguntas nos Estados Unidos, a terra da oportunidade. A eloquência da retórica de Obama foi um dos factores que resultaram na sua eleição em 2008. Percebendo agora que o seu grande poder não é suficiente para combater os interesses inerentes e intransigentes do mundo económico e político deste país, Obama está consciente do seu pouco espaço de manobra. “Yes, we can” está transformado em “Sorry, I found out we can't”. Para uma parte significativa dos seus apoiantes há quatro anos a desilusão é considerável, e o único motivo para votar em Obama em 2012 é o medo maior do seu adversário.
Assistimos a um divórcio crescente entre os portugueses e a sua elite política e económica. Porque é que acha que os portugueses aceitam uma elite na qual não se revêem?
A situação portuguesa é interessante. Por razões históricas bem conhecidas, a tolerância do povo português – e a antiga aceitação da liderança por pessoas/instituições onde o poder estava especialmente concentrado nas mãos de poucas pessoas – continuou depois da Revolução. Alguns portugueses ainda respeitam pessoas com cargos “importantes”, independentemente da qualidade de liderança. Às vezes ficam à espera de instruções, embora já saibam qual será o melhor caminho a seguir.
Essa tolerância de que fala parece existir nos portugueses desde sempre...
A tolerância dos portugueses é uma tradição que vem do passado, mas o mundo está a mudar. Respeito automático para políticos, empresários e outras pessoas com poder está a diminuir. Sem as ligações fortes ao seu público, ou sem instrumentos de controlo, teriam os líderes nacionais capacidade para sobreviver à baixa estima que o seu trabalho merece?
O novo grupo de líderes foi criado sem ter profundas raízes na comunidade. Funcionam na sua esfera de importância e influência, que assumem sem direito nem respeito realmente ganho. Os empresários antigos tinham ligações com a sua comunidade, compreenderam as necessidades do “seu” povo. Isto não pode ser o caso das empresas multinacionais, para quem o Porto é igual a Kansas City, Lisboa a Joanesburgo. Por outro lado, e independentemente dos nomes dos partidos políticos, raramente os políticos vêm de uma povoação ou de um sector da população que responsabiliza os políticos.
“O dinheiro não traz a felicidade. Manda buscar.” – Millôr Fernandes. O poder não dá felicidade. Mas manda buscar?
A reportagem recente sobre a infelicidade e espiral descendente de um dos herdeiros da fortuna da TetraPak mostra que, ainda que com muito dinheiro e grande espaço para buscar a felicidade, a vida não funciona assim.
Ter poder é poder escolher não ter patrão?
Nem o Rupert Murdoch (o suposto super-poderoso da News International) pôde escapar ao escrutínio do parlamento britânico (na sequência do escândalo das escutas ilegais na imprensa). Os mais poderosos têm menos patrões a quem devem responder, mas também têm mais espaço para cair.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios no Verão de 2012