Rio de Janeiro
MAC
É um museu que parece uma flor. É uma obra-prima da arquitectura projectada por Oscar Niemeyer. Fica em Niterói, sobre a Baía da Guanabara.
Niterói é uma cidade dormitório, ligado ao Rio por uma ponte gigante. Ninguém, senão os habitantes, percorreria os cerca de 20 km até Niterói se não fosse o Museu de Arte Contemporânea. Desde a sua inauguração, em 1996, milhares de pessoas fazem-no anualmente.
É uma peça de uma beleza pura. A explicação, segundo o autor, é simples: “Lembro quando fui ver o local. O mar, as montanhas do Rio, uma paisagem magnífica que eu devia preservar. E subi com o edifício, adoptando a forma circular que, a meu ver, o espaço requeria. O estudo estava pronto, e uma rampa levando os visitantes ao museu completou o meu projecto".
Apesar da descrição, apesar das imagens, nada supera a sensação de subir a rampa e entrar no ecossistema projectado por Niemeyer. A vista alcança, como dizia o arquitecto, o mar, as montanhas do Rio – uma aguarela que nenhum pintor saberia pintar – tem vários níveis, e é circular. As exposições são interessantes: num piso apresentam-se as temporárias, no piso superior apresenta-se uma breve mostra de arte brasileira contemporânea.
Um mundo à parte, a dois passos do Rio.
RESTAURANTE CELEIRO
Adriana Calcanhotto vai lá. A chefe de cozinha Roberta Sudbrack também. Artistas, desportistas, gente bacana, também. Gente menos bacana – como paparazzis – também. O Celeiro é o restaurante onde o Rio sofisticado almoça – está aberto das 11 às 17h.
A madeira é o elemento base da decoração, e pouco interessaria, não fosse contribuir para a impressão de que aquela é a cozinha lá de casa, a sala onde se almoça lá em casa.
Tudo começou em casa, aliás. Rosa Herz conta: “Em nossa família, o hábito de comer bem esteve sempre presente. Mesas fartas, amigos “ajuntados”, muita conversa e comida gostosa. No início, as nossas receitas eram bem tradicionais, muito parecidas com as das nossas avós”.
Hoje, as receitas podem ser uma salada de trigo em grão com passas, uma torta de banana flambada, uma sopa de abóbora (esta leva iogurte e tabasco!). No Celeiro tudo é tão sumptuoso quanto parece no cardápio. Privilegiam frutas e legumes da temporada (quase tudo é biológico) e ingredientes frescos. Fazem quatro variedades de pão por dia (branco, integrais com grãos, recheados, temperados). Usam o mínimo de gordura. Os doces quase não têm açúcar. O sabor de cada alimento é intensíssimo: grãos de trigo sabem a grãos de trigo, tomate sabe a tomate, maçã sabe a maçã. Os “sucos” naturais são irresistíveis. As combinações são surpreendentes, mas nunca forçadas – já experimentou um paté de courgette?
No princípio, foram os bolinhos de cenoura vendidos nas praias de S. Conrado. Agora, vende-se do Leblon para o mundo.
GRANADO
A Granado tem champô de Castanha do Brasil, e respectivo amaciador, óleo perfumado de açaí, pó talco perfumado para os pés, sabonete líquido de calêndula, creme corporal de orquídea. Provavelmente, a Granado tem o melhor desodorizante do mundo, o melhor creme de mãos de mundo, e uma variedade insuperável de sabonetes com extractos de ervas, plantas e frutas – há, por exemplo, de erva doce ou ylang ylang. Todos têm uma função terapêutica, e quase todos cheiram maravilhosamente – enxofre nunca pode cheirar bem… As embalagens são delicadas, românticas, e reproduzem as originais.
A Granado surgiu como farmácia quando farmácia ainda se escrevia com ph. Foi fundada por um português em 1870 e rapidamente conquistou o estatuto de “farmácia oficial da família real brasileira”. Qualidade é o conceito que nos faz entender porque é que a marca sobreviveu todos estes anos. E eficácia. E requinte. Actualmente, produz seis milhões de sabonetes por mês.
Do grupo Granado, faz agora parte a Phebo, igualmente dedicada a sabonetes, talcos e desodorizantes. Tom Jobim, quando vivia em Nova Iorque, incluía nos seus pedidos aos amigos que o visitavam os sabonetes da Phebo. Uma dificuldade hoje resolvida: pode comprar-se na loja on line a partir do mundo todo. No Brasil, vende-se em qualquer drogaria de esquina, nos supermercados ou nas lojas Granado. No Rio existem duas. Vale a pena uma visita: porque são belíssimas e porque oferecem produtos que não se encontram em mais lado nenhum.
NELSON RODRIGUES
«Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei-me morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha óptica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico». Este menino espreita a família, o sexo, o ciúme, o ódio, e, acima de tudo, o amor e a morte. Nota que as suas peças de teatro, como a bíblia, estão “varadas de incesto”. Não usa um palavrão, mas revela os personagens numa nudez pornográfica.
É considerado o dramaturgo nacional, mas escreveu tudo e foi genial em tudo: crónicas sobre cultura, crónicas sobre futebol, shortstories, folhetins, romances, novelas; teve, inclusive, um consultório sentimental sob pseudónimo feminino. Os títulos são chocantes e irresistíveis: “Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo”, “Pouco amor não é amor”, “Elas gostam de apanhar”, “Bonitinha, mas ordinária”.
Nelson Rodrigues nasceu no princípio do século XX e morreu em 1980. A sua vida foi mais trágica do que uma tragédia grega. Era filho de um magnata de comunicação social, a família colapsou, viveu paupérrimo, assistiu à morte de irmãos. Os psicanalistas do Rio adoravam-no por considerarem o seu retrato mordaz, incisivo, cru. Os amigos da mulher perguntavam porque é que ele não escrevia sobre pessoas normais. Nelson só escrevia sobre pessoas normais. Mas de um modo em que elas não queriam ver-se – que fará viver. Fundamental para entender o Rio e os seus personagens.
Vende-se em qualquer livraria.
GILSON MARTINS
As “bolsas” de Gilson Martins são de uma brasilidade feérica. Gisele Bündchen passeia-se com elas pelo mundo, e com elas leva o Brasil ao mundo; mas Naomi Campbell, que nada tem que ver com o Brasil, a não ser a paixão, também.
A paixão deste carioca pelo seu país, e sobretudo pela sua cidade, funciona como detonador de uma explosão criativa. Gilson Martins parte da iconografia brasileira para uma aventura sem limites; inventou mochilas-chinelo, bolsas-biquini de Ipanema, bolsas-baguete Pão de Açúcar; transformou sunga [calção de banho], uma bola de futebol ou uma prancha de surf em bolsa.
Há bolsas mais “ortodoxas” quanto à forma, e nelas aparece estampada a bandeira do Brasil, noutras faz uma sobreposição de casas como nas favelas do Rio.
Por “bolsa” entenda-se todo o tipo de sacos e carteiras. Mas a gama de mochilas, porta moedas, porta chaves, porta ipod ou saco de praia é inesgotável.
Os materiais são inovadores – basta lembrar que a primeira bolsa que Gilson fez, em 82, para levar livros e cadernos para a faculdade, foi em lona de praia. A funcionalidade é um conceito primordial. O sentido lúdico está sempre presente. Os preços são muito acessíveis.
Além de designer de bolsas, Gilson Martins é também artista plástico. Previsivelmente, a escultura é uma modalidade que lhe é confortável. Nas lojas de Ipanema ou Copacabana, tem uma secção de joalharia e óculos de sol. Os empregados das lojas falam inglês e estão habituados a atender turistas: a marca Gilson Martins é reconhecida no mundo todo.
JARDIM BOTÂNICO
Para ver Clarice Lispector a beber sol numa manhã clara, era preciso ir ao Jardim Botânico. A escritora que se ocupava dos mistérios da alma ia quase sempre sozinha, e passeava-se por entre as árvores altíssimas. O músico Tom Jobim viveu durante anos com vista para o Jardim Botânico. Assobiava com as aves e tinha uma árvore que considerava sua – uma árvore com uma concavidade, como se fosse uma casa, onde Tom se refugiava. Depois da morte do autor da “Garota de Ipanema”, em 1994, o Jardim decidiu celebrar o génio de Tom e o seu amor pelas plantas, colocando uma clave de sol na relva.
A “avenida” de palmeiras do Jardim, a maior do mundo, é de uma imponência de cortar a respiração. O jogo de luz e sombra, o alinhamento exacto de palmeiras imperiais, plantadas há 200 anos, é deslumbrante. O lago com nenúfares gigantes, sobre os quais coaxam as rãs e rebentam as flores, é de uma delicadeza de filme japonês. Mas a resistência da vitória-régia é notável: aguenta até 40 quilos.
O recanto mais precioso do Jardim Botânico talvez seja o seu Orquidário. É uma estufa onde se concentram dois mil vasos e 700 espécies diferentes de orquídeas. As cores são inverosímeis: um tom magenta que nunca se viu, um amarelo intenso, um branco puro. Tocar uma pétala é como tocar o melhor dos tecidos – o veludo e a seda juntos não provocam tal sensação.
O Orquidário deixa o mundo lá fora. Por instantes, volta-se à quietude e à beleza de um sítio primordial. Imperdível.
Jardim Botânico, no bairro homónimo, na zona sul do Rio
BOSSA NOVA E COMPANHIA
Imagine uma loja onde encontra discos de Sylvia Telles, Cartola ou Elizete Cardoso. Imagine uma loja onde encontra vinis originais e fotografias do tempo em que um grupo de jovens revolucionou a música brasileira. Imagine uma loja que fica num beco onde há 50 anos havia três bares e se praticava a Bossa Nova como estilo de vida. Essa loja chama-se Bossa Nova e Companhia e fica no Beco das Garrafas.
Se ouve música brasileira com devoção, e se os seus conhecimentos se limitam a Tom Jobim e a Chico Buarque (o que já é muito bom), fique a saber que Sylvia Telles foi uma das musas da Bossa Nova: namorou com João Gilberto, cantou com Nat King Cole, morreu cedo num desastre de carro; Marisa Monte idolatra-a. Cartola foi um sambista do morro, um negro da Mangueira, analfabeto, engraxador e gasolineiro – isso não o impediu de escrever alguns dos sambas mais belos do Brasil. Elizete Cardoso era a “diva enluarada”, uma cantora dos tempos do rádio e das grandes orquestras, a primeira a gravar as canções de Tom Jobim e Vinícius de Moraes – era tão popular no Brasil quanto Amália em Portugal. Lembram-se da Carta a Tom?, de Vinícius? “Rua Nascimento Silva, 107, você ensinando pra Elizete as canções de Canção de Amor Demais…”.
Na Bossa Nova e Companhia tem os discos de todos estes e de todos os outros. Tem também uma colecção de livros com biografias, fotografias, memórias, pautas, letras de canções. Tem alguns instrumentos musicais. O preço é mais ou menos equivalente ao dos CD’s em Portugal. Como é impossível comprar só um, é melhor guardar um “espaço” extra no cartão de crédito… A dona da loja é uma verdadeira conhecedora e sugere com critério; se não encontrar no armário uma coisa específica, peça-lhe ajuda.
www.bossanovaecompanhia.com.br
DONA COISA
É a loja onde compram as brasileiras finas. Aquelas que viajam. Aquelas que seguem as tendências internacionais. Aquelas que ousam criar um estilo próprio. As sofisticadas. As de bom gosto. As que compram jóias e não forçosamente pelo tamanho da pedra. As que compram velas de cheiro para a casa. As mulheres upper class.
Espaço multimarcas, serve, sobretudo, como montra do Brasil moderno. Só vende criadores brasileiros e é surpreendente ver o fulgor da moda brasileira. Roberta Damasceno, a proprietária, aposta em peças bem cortadas, de qualidade, forçosamente mais caras – “não compre dez, compre uma”. Roberta opõe ao estereótipo a autenticidade; acredita que a atitude resolve quase tudo, ou tudo mesmo – “tem gordinhas lindas”.
A selecção de joalharia é sumptuosa. Colares, pulseiras, brincos em todos os materiais, design irrepreensível, cheios de personalidade.
Dois destaques entre os criadores de moda: Gilda Midani e Sônia Pinto.
Sónia Pinto tem peças que parecem esculturas minimalistas. Nos anos 80, quando o Japão ainda não estava na moda, já eram detectáveis no trabalho desta mineira as influências de Rei Kawakubo, Yamamoto ou Issey Miyake. A artista plástica Adriana Varejão é uma das suas clientes.
Gilda Midani começou por ser fotógrafa. Fez capas de disco para Caetano ou Gil. Viveu em Nova Iorque, na Indonésia, no mundo todo. Foi artista plástica. As suas peças são imensamente confortáveis e o algodão é o material mais usado. Os padrões são únicos – como batiks africanos – e cada peça pode ter um azul que não existirá em mais nenhuma peça. Vende também em Paris, onde passa parte do tempo. Maité Proença veste as suas roupas.
Lanchonete de esquina
A Polis Sucos é uma instituição. Numa das esquinas da Praça Nossa Senhora da Paz. A diversidade de sumos é imensa e o difícil mesmo é escolher. Experimente açaí – uma bomba energética que os brasileiros tomam antes de “malhar” no calçadão ou no ginásio. Consta que tem o melhor sumo de fruta do conde (da família das anonas) da cidade. O criador americano Narciso Rodrigues aponta a Polis Sucos como um dos seus lugares de eleição no Rio.
Um cantinho, um violão
Em frente ao mítico “Garota de Ipanema”, o bar onde Tom Jobim e Vinícius de Moraes viam passar a garota de Ipanema, ouve-se música todas as noites. Bossa Nova e seus derivados.
Do outro lado da cidade, na boémia Lapa, dança-se o samba no Carioca da Gema. Chegue cedo, porque rapidamente fica lotado.
Em Copacabana, a loja de discos Modern Sound tem um palco onde se ouvem músicos extraordinários. A partir do fim de tarde, todas as tardes.
Biquínis
Os biquínis brasileiros são sempre mínimos, e se é pudica e melhor ir munida de Portugal. Em todo o caso, a oferta numa cidade que tem 365 dias de sol por ano é superlativa. A Lenny (assinado por Lenny Niemeyer) tem estampados especialmente bonitos. A Salinas e a Bum Bum Ipanema são outras marcas cobiçadas. Muitas vezes, é possível compor o biquíni, escolhendo a parte de baixo e a parte de cima de que mais se gosta e que melhor se adequa ao corpo de cada mulher. Vendem-se por toda a cidade.
Fora de horas
Jantar fora de horas nunca é um problema no Rio de Janeiro. Muitos bares de esquina servem sucos e sandwiches 24 horas por dia. Mas a pizzaria Capricciosa é o espaço mais badalado para cear depois de um concerto. Caetano Veloso vai muito, grupos numerosos também. Frequentado por artistas e noctívagos, tem pizzas deliciosas, feitas no momento.
Livrarias
O Rio tem óptimas livrarias. A Travessa e a Argumento são as mais famosas. Apesar de se terem transformado em grandes cadeiras – existem, por exemplo, em muitos centros comerciais – não perderam um lado caseiro que considera casa cliente um amigo. A Travessa tem também discos. A Argumento do Leblon é mais recatada (não é à toa que é a preferida de Chico Buarque…), e tem um bar simpático.
Publicado originalmente na revista Máxima em 2008.