Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Anabela Mota Ribeiro

Curso de Cultura Geral - 11 Mar 2018

11.03.18

“Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” Este é o célebre começo do poema Tabacaria de Fernando Pessoa. Os versos são um enunciado sobre um mapa interior, uma relação com o universo, o sofrimento, o sonho como experiência humana. Está aqui a grande interrogação e a grande procura, considera o psicanalista João Seabra Diniz. Há aqui um substrato que vai sendo composto, uma compreensão histórica: vimos de um lugar, temos em nós um contexto cultural, um passado, uma raiz. Somos seres de cultura que pertencem a um lugar, que habitam um tempo que não é unívoco. Seabra Diniz tem intimidade com a poesia de Pessoa, Raul Brandão, T.S. Eliot, Dante.

Martim Sousa Tavares não está naquele meio do caminho de que fala Dante quando começa a Divina Comédia. É muito jovem, estuda nos Estados Unidos para ser maestro, o piano é o seu instrumento. Porém, não é preciso ter os 30 anos do poeta florentino para compreender que temos dentro de nós uma “selva oscura”, um lugar onde precisamos de figuras tutelares, que nos acompanhem na descoberta. O compositor alemão Schumann encarna, para Martim, a ideia de homem bom e artista ideal.

Ana Margarida de Carvalho é escritora. Com os dois primeiros romances venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. Os dois livros têm títulos roubados a autores que são uma referência: Que importa a fúria do mar pertence a uma canção de Zeca Afonso. Não se pode morar nos olhos de um gato é um verso de Alexandre O’Neill. O livro mais recente, de contos, tem o título de um disco de Sérgio Godinho: Pequenos delírios domésticos.

 

A lista de Ana Margarida de Carvalho, escritora

  1. Chico Buarque;
  2. 2001: Odisseia no Espaço (1968) de Kubrick;
  3. Monty Python;
  4. Filmes de Woody Allen e livros de Saramago;
  5. Hamlet, Shakespeare;
  6. A Casa dos meus trisavós que ardeu;
  7. Um conto de Tchékhov;
  8. Zeca Afonso/ Sérgio Godinho/ Fausto/ Jorge Palma/ José Mário Branco;
  9. Manoel de Barros;
  10. Rodin.

 

A lista de João Seabra Diniz, psicanalista

  1. A descoberta da natureza, a sensação de pertença ao Cosmos. “Não posso ver uma árvore sem espanto... extraio ternura de uma pedra” – Raul Brandão, 1918. “Para ouvir passar o vento já valia a pena ter nascido.” – F. Pessoa;
  2. Ouvir ler, antes de saber ler, é uma experiência infantil muito viva. Ler é a descoberta do segredo dos livros, o encontro com as histórias dos outros;
  3. A descoberta das línguas diferentes da nossa; permite o contacto directo com outras culturas, compreender melhor quem é o homem, quem somos nós, como é a nossa cultura;
  4. A música e a arte em geral. Na infância, ouvir cantar traz o desejo de cantar também. Ouvir falar do bonito e do feio, abre a curiosidade para o mundo da arte e para a qualidade estética das coisas;
  5. Noção de História: a criança que nasce é como um adulto que entra num filme a meio (Umberto Eco). Tem que perceber como são os capítulos precedentes da história em que está a participar;
  6. As opiniões dos outros e a opinião própria. À medida que vamos organizando o nosso pensamento e o nosso mundo interno, confrontamo-nos com os outros e com a sua maneira de pensar e de sentir;
  7. O encontro com a Psicanálise e a atividade de psicanalista. A grande interrogação e a grande procura: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” – Pessoa. O sonho como experiência humana. Uma concepção do tempo: “Time present and time past, Are both perhaps present in time future, And time future, contained in time past” – T. S. Eliot;
  8. O encontro com João dos Santos e o Ano Internacional da Criança em 1979;
  9. O trabalho na Misericórdia de Lisboa com as crianças privadas de meio familiar normal e abandonadas;
  10. O trabalho com adopções.

 

A lista de Martim Sousa Tavares, músico

  1. A cultura começa com a educação; o ambiente cultural que tive em casa tem de ser o primeiro item na lista;
  2. A revelação do abismo da música: primeiro concerto do Grigory Sokolov a que assisti, em Sintra, lá para 2008 / 2009, e a insónia que se lhe seguiu;
  3. A Odisseia (tradução de Frederico Lourenço) em Abril de 2011;
  4. Recordações da Casa Amarela de João César Monteiro: o chamamento, ou despertar de um lado dionisíaco na minha natureza apolínea;
  5. Um mês em Veneza em Setembro de 2009, com uma bolsa de estudo, fui com 17 e voltei com 18 anos. Simbólico pórtico para o mundo adulto (como água que entra em terra seca);
  6. Ser aprendiz na oficina de mestres: Gilberto Serembe, Umberto Benedetti Michelangeli e Victor Yampolsky;
  7. Ainda sobre música: habituar-me e amar viver nesta solidão acompanhada;
  8. Deixar casa (Portugal) aos 21 anos para perseguir um sonho do qual ainda não acordei. (Todos os meus heróis são errantes.);
  9. Descobrir em Schumann o artista ideal e um homem bom. Quanto mais estudo a obra dele, mais me sinto próximo da minha própria natureza. Um pequeno busto dele vigia o meu trabalho no canto da minha secretária; 
  10. A minha obra preferida é aquela que está à minha frente em cada momento. Ou, a profissionalização da paixão.