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Anabela Mota Ribeiro

Ed Motta

08.12.14

A mãe conta que quando era pequeno não gostava das músicas de que as outras crianças gostavam. Gostava de Stevie Wonder, e em particular de «You are the sunshine of my life», que foi gravado no ano em que nasceu, há cerca de 30 anos.

A referência a Stevie Wonder aparece nas primeiras linhas da biografia que escreveu para a sua página oficial na net (www.edmotta.com). «Nasci no bairro da Tijuca, em 71. Minha mãe conta». A história deste brasileiro podia ser começada de várias maneiras. Mas neste enunciado está, ainda, o essencial: a mãe, irmã mais velha de Tim Maia, por via de quem recebeu soul, funk e discos raros. O Brasil classe média, que vive na Tijuca. Stevie Wonder e a essência da música negra.

Ed Motta é brasileiro. Não é o cara convencional, que se arrasta sob o sol do calçadão, bebendo chope gelado em Copacabana; (ainda que na sua vida tudo caiba). Ele odeia essa imagem mitificada do Brasil uníssono, «dos discos que têm na capa meninos jogando bola», odeia. A sua música é uma outra fatia do Brasil que exporta samba e bossa nova. A sua música é como uma fatia de um bolo de chocolate! Está carregado de soul e de tudo o que é bom na música negra. O sabor será certamente o do chocolate. (Tim Maia, o tio, imortalizou «Chocolate», recriado por Marisa Monte em início de carreira. Mas a relação com o tio, como conta na entrevista, não era famosa; foi por causa da fama que deixou de ser famosa, como a seguir vão poder ler).

Do que ele fala é de leite-creme, de vinho. Dos vinis que tem em casa. Da cadeira estilizada que tem rente ao gira-discos. Dos filmes e da banda desenhada que tem junto a si. Do programa de rádio «Empoeirado», audível a partir do seu site. Do que precisa um homem para ser feliz? «Ou estou lendo, ou estou vendo um filme, ou estou namorando com a minha mulher». Antes de cada uma destas coisas, está ouvindo, está tocando, está compondo, está cantando.

«Dwitza» é o álbum que o resume. Eclético, conceptual. Caetano Veloso classificou o disco do seguinte modo: «Este é um marco na história de nossa música instrumental - mesmo que um dos principais instrumentos do grupo seja a própria voz de Ed». E sobre o autor: «Ed Motta é possivelmente o mais exuberante talento musical que se desenvolveu no Brasil nos anos 1990. Ligado no melhor da música negra (e não só negra) norte-americana dos anos setenta (ele é um verdadeiro erudito em repertório, gravações e técnicas do período), Ed soube alimentar-se do que havia de mais consistente na experiência brasileira de aproximação criativa a esses estilos».  

«Dwitza» foi lançado no Brasil no final do ano passado. Não há certezas quanto à sua edição em Portugal. Em Março o disco foi apresentado em Londres. Apresentar um disco como «Dwitza» significa algumas das seguintes coisas. Distribuição a cargo da WhatMusic, editora que aposta na reedição de raridades da música brasileira, jazz e soul. Encontro com DJ’s famosos, como Patrick Forge ou Alex Attias. Promoção junto da comunicação social. Concerto no Jazz Cafe.

Depois do concerto, aconteceu uma daquelas coisas. No apartamento de Cássia, correspondente da Globo em Londres, uma festa improvisada a que assistiu a comunidade brasileira, evocava os míticos anos 50 em Copacabana, os serões em que se dizia: «O que você está ouvindo é a batida sincopada da bossa nova».

Agarrado ao violão, Ed Motta fez uma apresentação intimista do seu disco. Ao lado, uma garrafa com o seu vinho francês.

  

O que é que o fez interessar-se pela música?

Senti curiosidade pela música bem criança, bem pequeno mesmo. Com cinco, seis anos de idade, minha mãe me levava nos shows do Tim Maia, seu irmão caçula [mais novo]. Quando ela estava me esperando, Tim Maia tinha um grupo com o Cassiano, chamado Sputnicks, e ensaiavam na casa do meu pai e da minha mãe. O meu contacto com a música começa por aí. Tem uma forte influência da teia familiar.

 

Lembra-se de pessoas que se davam com a família?

Na casa da minha tia, no subúrbio do Rio de Janeiro, tinha sempre uns churrascos, famosos churrascos. Ia o Robson Jorge, o Lincoln Olivetti, o Jamil Joanes, o baixista da Black Rio. Eu vinha da Tijuca; a Tijuca é aquela coisa que fica no meio: não é nem a zona sul, (o lado rico do Rio), nem é o subúrbio. Comecei brincando com o violão e com a bateria. No Clube Municipal do Rio de Janeiro tinha um concurso para crianças. Crianças actores, actrizes, crianças que tocavam, enfim, crianças que faziam coisas no campo da arte. Quando tinha oito anos, toquei bateria, com uma espécie de big band. Tinha um prémio, e ganhei o prémio! Eu era um King Kong importado!, um King Kong americano que se mexia, acendia o olho, (ficava vermelho), falava umas coisas. Daí, ganhei um violão do Tim Maia.

 

O Tim Maia é seu tio. Foi uma influência decisiva?

Foi. Infelizmente a gente não tinha um bom relacionamento pessoal depois que me tornei músico. Antes de ser Ed Motta, quando era Eduardo Motta, a gente se dava muito bem. Ele me adorava, muito por causa da música, dos discos. Deu todos os seus discos para a minha mãe, e foi aí, também, que eu comecei a ter interesse pela coisa de coleccionar, de comprar discos. Tinha Curtis Mayfield, Sly and Family Stone... Infelizmente, quando tinha onze, doze anos estava tocando guitarra, e o meu negócio era só hard rock e blues inglês; troquei todos esses discos de soul music, fiquei com pouquíssimos.

 

Quando passou a ser Ed Motta a relação degradou-se. Eram ciúmes musicais?

É, ciúmes. Ciúmes musicais, ciúmes da minha relação com a minha mãe – ele era muito apegado à minha mãe.

 

Tim Maia era conhecido por ter um temperamento difícil.

Também. Tinha a coisa da emoção, aquela emoção que o Brasil tem e que mistura África com a melancolia portuguesa, mistura o Fela Kuti [músico inventor do afro-beat] com as guitarras portuguesas! Aquele chororó que a gente tem, a gente adora chorar.

 

E a bossa nova, foi também uma influência?

Muito, muito, harmonicamente. Nunca fiz uma coisa, idiomaticamente falando, dentro da bossa nova. Mas aquilo que gravei hoje com o Alex Attias, por exemplo, a composição é completamente inspirada pela bossa nova, e pela visão que os americanos tinham da bossa nova – como os primeiros discos do Sérgio Mendes ou do Gary McFarland.

 

Quando nos encontrámos há uns anos, você disse-me que era o brasileiro mais europeu que conhecia. Ainda está afastado da brasilidade, da mais pura cultura brasileira?

São Paulo tem uma influência forte dos hábitos europeus, das metrópoles europeias. Diria que são hábitos cosmopolitas. Sempre estive mais ligado a isso. Sempre brinco e digo: uma loja de discos me emociona mais do que uma paisagem!, ou um bom leite-creme, ou um bom filme. S. Paulo tem prédio, é bastante industrial. O Rio tem essa relação com a natureza. A comparação é mais fácil se disser que o Rio é Roma e S. Paulo Milão, ou Lisboa e Porto. Faço esta distinção em função dos vinhos. No sul de Portugal, os vinhos, por mais encorpados que sejam, quando jovens, são mais frutados; os vinhos acima do Douro são mais austeros. A gastronomia também, tem as tripas e tal.

 

De onde vem o seu lado epicurista?

Tem uma história de família. O meu avô, pai do Tim Maia, era cozinheiro de hotel. Foi cozinheiro de um conde francês, fazia muito bem todos os molhos, o Sauce Hollandaise, o Demi-Glace... Não o conheci, meu avô morreu na década de 60. Minha mãe, contam, era a filha predilecta, e sempre cozinhou muito bem. Me ensinou a olhar a comida como uma obra de arte.

 

Consome vinhos e comida com a mesma atenção com que ouve música? A escolha é criteriosa?

Posso dizer que como comida como escuto música. Quando escuto música, posso ouvir Humble Pie, Free, The Who, Joni Mitchell, como posso ouvir jazz, rare funk, música erudita. A mesma coisa contece na comida; posso ter uma relação «Olha, vamos comer rapidinho», como uma relação artística, como se fosse assistir a um filme. Na minha vida tem de tudo.

 

O seu posicionamento na música reflecte também essa diversidade. O disco mais recente corta com os dois discos anteriores, discos pop. Este não é um disco de massas. Qual espera que seja a reacção do mercado brasileiro?

O mercado está reagindo de uma maneira que está me surpreendendo. Mas é uma reacção muito em função dos discos anteriores, que venderam muito, que tiveram um hit muito grande no rádio.

 

O seu sucesso rebentou em 97.

É. O meu primeiro disco foi super hit no Brasil e fiz muitos shows. Depois tive um hiato. Depois veio o estouro das duas músicas [álbum «Manuel prático para festas, bailes e afins», 1997]. Foi quando fui a Portugal pela primeira vez.

 

Como é que convenceu a editora a deixá-lo fazer este disco novo, tão conceptual, se já existe uma expectativa no mercado em relação a si?

Existe um acordo com a Universal. No Brasil os artistas têm aquilo que se chama «luva»; como se fosse um «advance». Tem gente que pede sei lá o quê! Um Audi que voa!, férias em Capri! Eu falei «Não, eu quero um disco, um disco com um orçamento pequeno, que vou fazer rápido, dentro de um tempo legal, um mês para gravar e mixar. Um disco altamente conceptual sem nenhum tipo de compromisso com um mercado específico».

 

A editora ficou surpreendida e assustada?

Não, não. Isso foi uma coisa de contrato. Isso foi o Audi que a cantora Y vai pedir.

 

Uma coisa é ter um Audi, outra coisa é ter um disco no mercado, com as pessoas a perguntarem-se «O que é que vem a seguir»?

Exactamente. Uma coisa boa para mim é que o disco vendeu 25 mil cópias no espaço de um mês e pouco. Dentro dos números da gravadora, vendeu mais ou menos igual ao que vende meu disco pop. Estou aqui, em Londres, fazendo isto tudo, e há um reflexo no Brasil, se fala nos jornais do Brasil. Se passo a fazer isso... É o meu sonho. Vir aqui na Europa, ir aos Estados Unidos, ir ao Japão onde nunca fui. Encontrar pessoas, tocar, fazer mais ou menos o que faço lá mas noutro território.

 

A Universal, que é uma «major», pressiona-o?

Para a Universal, que é a gravadora que mais vende no Brasil, a número um, isto é uma coisa «cult», é uma lata de caviar beluga: custa caro mas é chique servir, entendeu? É mais ou menos isso. Aqui em Londres teve o jantar com o pessoal do consulado, uma série de coisas acontecendo. Existe um interesse, fico muito honrado. O que vou falar é uma audácia: na década de 60 o Tom Jobim teve uma ajuda dos consulados americanos. O Tom é fora de série, um génio completo, um dos maiores compositores que o mundo já conheceu, em qualquer estilo, em qualquer país. Eu, coitado de mim, não chego nem. Mas, se a gente consegue uma coisa dessas, ia ser foda!, ia ser engraçado! Tem uma ajuda governamental para trabalhar aqui um lado do Brasil que não é o do estereótipo do Brasil.

 

Mas quem distribui o seu disco em Inglaterra é uma pequena editora, a WhatMusic.

Quis fazer o disco aqui pela WhatMusic. Eles estão lançando de tudo! Vão lançar um disco do Edson Machado, «Cobras», que é um disco de que eu nunca tinha ouvido falar. E você sabe que sou um coleccionador de milhares de discos. É meio snob, mas aqui, como nos Estados Unidos, sempre tem um disco que a gente não conhece.

 

Como é que a nova geração de consumidores brasileiros vê estas reedições e estes nomes? Estão atentos ou passa-lhes ao lado?

Tem muitas lojas vendendo vinil, vinil da Simple Vynil, vinil inglês.

 

Há um lado constante no seu discurso que remete para um universo mais americanizado. Porquê?

Sou um cara muito americanizado, sou um cara completamente influenciado pela cultura americana. Falando particularmente de música, o Brasil também é muito americanizado, tem essa coisa competitiva: quem é que vai tocar mais, quem é que sabe o melhor acorde. Tem de ser o melhor, você tem de ser o melhor. Todo o mundo tem de tocar prá caralho e ler muito e rápido e tudo, e tem que ser foda. Se não for, tem outra cara vindo na frente. Que nem uma guerra. Aqui em Inglaterra, por exemplo, não tem essa luta tecnicista, que eu acho interessante também, embora não seja um «shock player», não seja o Herbie Hancock. Sou um compositor, arranjador, produtor, faço as minhas coisas

 

Este disco novo é um reflexo do que ouve todos os dias, da sua faceta de coleccionador de discos?

Ah sim, com certeza.

 

Como é o seu dia a dia? Como é, no dia a dia, a relação com os seus discos?

De manhã geralmente toco piano. Violão tenho tocado pouco; toco nas viagens. Toco um pouquinho, mas não fico forçando nada. 95% das músicas que fiz na minha vida foram feitas de manhã cedo, bem cedo mesmo. Quando não estou fazendo shows, posso acordar às sete, oito da manhã, que é a hora a que mais gosto de tocar piano.

 

Quando está a tocar, tem por vezes o impulso de ouvir um disco, levanta-se e vai ouvi-lo?

O que eu escuto não me influencia na composição de um acorde. Estou a ouvir um disco do Doug Hammond, por exemplo, e tem uma atmosfera que a música me traz. Não vou copiar pensando naquilo que estava ouvindo. Não. Mas há um clima e às vezes me inspira a ir para o piano. Ou não. Posso simplesmente abrir uma garrafa de vinho, tomar e ouvir. O mesmo quando você lê muito: o que você fala é o que você lê, o que você é.

 

Quando se lê, lê-se, apenas, exige uma dedicação absoluta. A relação com a música, na maior parte das pessoas, não é exclusivista. No seu caso, quando ouve música, faz outras coisas ao mesmo tempo?

Tenho esse tratamento com a música: nunca estou fazendo outra coisa quando estou ouvindo música. Se acontecer, é muito raro, muito raro mesmo. Quando vêm amigos a casa... Demorei muito tempo a conseguir isso. Hoje em dia estou mais tranquilo, fiz 30 anos, estou menos radical. A grande mudança na minha vida, com os 30 anos, é que se vem alguém jantar na minha casa, boto um som de fundo e consigo conversar. Eu não conseguia fazer isso de jeito nenhum! Nunca consegui botar uma música e falar uma palavra em cima. Mas, cara, eu escuto muita, muita música, muito vinil. Ou estou tocando, ou estou vendo um filme, ou estou lendo. Ou estou namorando com a minha mulher. São as coisas que faço na minha vida.

 

Consegue adormecer ouvindo música?

Não! Não consigo dormir nem consigo transar. Se for a melhor música do mundo, concerteza vou falhar. Se for a pior, vou falhar também. Qualquer som que vier, eu vou falhar. Se vier um pássaro, piu piu piu, falho na hora!, acabou! A... Como é que se chama aquilo que a gente comeu no outro dia?

 

Alheira.

A alheira cai. [gargalhada] Um pouco de porno, «porno side». Uma alheira parece um big croquete.

 

Quais são as suas preferências?

Com quase tudo na vida, é difícil falar qual é o meu favorito. Igual à cor: eu não tenho uma cor favorita, eu gosto da combinação das cores.  

 

Tem interlocutor para falar sobre música? Pessoas a quem pode contar o entusiasmo pelas descobertas recentes?

Poucos, poucos. Finalmente consegui um pouco isso através do meu programa de rádio. Minha mulher, gosta muito; mas não fica com essa coisa que a gente fica, quem tocou, quem não tocou, o ano, o disco, a capa, bla bla. Ela adora desenhar ouvindo Weldon Irvine. Quando quis trocar os meus cd’s por vinil, ela falou «O Weldon Irvine não pode trocar». Tenho quatro amigos, cada um deles gosta especificamente de uma coisa. Eu gosto de tudo aquilo. Tenho um amigo que só escuta hard rock, blues e rock inglês; e a gente fica falando só sobre isso. Tenho um amigo que só gosta de jazz, é uma enciclopédia ambulante, vou falar o nome dele, Luis Fernando Borges, é um absurdo o que ele sabe. Tenho um amigo do colégio que só gosta de soul funk. Eu gosto de uma certa mistura. Do tipo, compro disco de banda militar inglesa, John Philip Sousa, e escuto mesmo! Não é negócio para samplear. É negócio para ouvir, para compreender como John Philip Sousa compõe.

 

Bom, não são muitos interlocutores.

Sempre fui meio assim, meio sozinho. A gente está falando de música, não é? Porque tenho meus amigos do vinho; encontramo-nos uma vez por semana para degustar vinhos. E tem a coisa dos quadrinhos, da banda desenhada, que adoro, e as pessoas da banda desenhada. Todos nós ensinamos coisas a todos nós, o tempo todo. Todos os meus amigos me trazem informações novas a respeito de cada um desses universos, e eu também tenho informações novas. Me interesso por cada um deles, profundamente: tenho de conhecer aquilo pra cacete, tenho de ser professor daquilo.

 

O seu conhecimento resulta muito apurado, sobretudo na música. Quando faz referências muito específicas, importa-se com o facto de as pessoas o acompanharem?

Não me ligo muito. Fico tentando que as pessoas tenham a curiosidade de saber o que é aquilo de que estou falando, (se não sabem). Muitas vezes soa a coisa snob, no Brasil é visto como coisa snob, «Esse cara esqueceu da gente».

 

De certo modo, é o sentimento que teve quando decidiu gravar o disco: se gostarem gostam, se não gostarem, paciência.

É. Se gostarem, puxa vida, agradeço eternamente a cada ser humano que pegou o dinheiro suado do trabalho e comprou esse disco. Mas a arte de verdade não pode ser feita pensando em agradar. Penso que nem Stravinsky pensava: pode ser bonito, pode ser feio, pode ser triste, pode ser rápido, pode ser para uma festa, pode ser para ouvir, pode ser para estudar, pode ser para um monte de coisas. Este disco tem um pouco essa pretensão. Tem uma música super-despretensiosa, quase uma brincadeira, e tem a última música, por exemplo, com uma harmonia intrincadíssima, parece que fui estudar harmonia na Toscânia! Mas eu nunca estudei, é tudo de ouvido.

 

Qual é o seu método? Como apresenta as suas ideias aos músicos?

Como dizia o Godard, «Um grande artista é um ditador potencial». Ou eu mando ou eu obedeço, nunca decido nada junto. Obedecer: «O que é que é?, ah é isso, vamos fazer». Nos meus discos, faço do meu jeito. Isso na música. Na vida, sou um cara nada intransigente.

 

Nunca teve nenhum produtor a trabalhar consigo?

Já tentei, mas não deu certo. Minha personalidade é de leonino, é «lion». Tem a coisa de controlar, capa, tudo.

 

A reacção das pessoas apoquenta-o?

Ah, sim. Não sou um egocêntrico que está cagando para os outros. Estou completamente aí: se tem 200 pessoas gostando e dois que não gostam, estou completamente preocupado com os dois que não gostaram. Fico sem dormir por causa desses dois. Preocupado.

 

Como é que vai apresentar este disco em palco?

No Brasil vai ter um mixing de algumas músicas pop mas com arranjos vertidos para esta estética. A banda vai ser eu tocando piano e guitarra, um baixo, bateria e um outro piano. Estou tentando ter uma banda menor para poder fazer excursão aqui na Europa. Posso dizer para vocês com toda a sinceridade, não tenho a mínima vergonha de dizer: estou muito feliz de estar aqui fazendo essas coisas todas. Por muitos anos me senti injustiçado, vendo um monte de gente fazendo coisas, um monte de babaca posando, «Ah, sou o cara da tal vez...». E eu no Brasil, fazendo o show de sempre em Petrópolis, sei lá onde. O que é exportado do Brasil, se na sua maioria fossem coisas que eu admirasse, talvez não sentisse isso.

 

Vamos ao que é exportado. Caetano Veloso, por exemplo, gosta?

Aí sim, é maravilhoso. Mas há coisas que são um estereótipo do que é o Brasil, discos com fotos de meninos de rua jogando futebol. O Brasil não é só isso, pelo amor de Deus! Irrita um pouco, quando se olha de lá. É um país extremamente sofisticado. Cada lugar tem a sua coisa boa e a sua coisa ruim. Eu me sinto um cidadão do planeta Terra. Infelizmente no planeta Terra se falam línguas diferentes, o que acho horrível. A gente podia falar uma língua só, e ter um só nome para as coisas _ é uma coisa bem universalista. Para dizer que agora estou bacana, mas demorou um pouco a estar assim.

 

Como é a sua vida social? Aparece, vai às festas, tira fotos para as revistas? Ou é um outsider?

Nunca vou. Vou falar uma coisa muito realista: aqui, em Londres, ninguém sabe quem é o Ed Motta. O que é que é? Ed Motta toma com água, remédio ou é um nome de uma bomba? No Brasil sou um cara realmente muito famoso, de ponta a ponta. Pode ser que daqui a 20 anos tudo mude. É preciso ter boa cabeça. O Ed Lincoln foi um cara que na década de 60 foi tão famoso quanto eu sou agora; hoje ninguém sabe quem é o Ed Lincoln. Tem a sua casa, lá em Teresópolis. Espero que não seja esse o meu destino, que não termine numa casa em Teresópolis. Queria estar tocando pelo mundo, que o mundo reconhecesse a minha música. Mas se tiver que rolar isso, tenho minha casa, meu estúdio, meus discos, tenho uma vida confortável.

 

O que é que significa Dwitza?

Eu queria botar um nome que não tivesse um significado literal, e que tivesse mundialmente uma sonoridade. Uma coisa meio russa, meio afro-jazz. É um negão, parente de italiano, com uma maneira russa de trabalhar.

 

 

Entrevista de AMR e Joaquim Paulo

Publicado originalmente no DNa do Diário de Notícias em 2002