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Anabela Mota Ribeiro

Fernando Morais (sobre Paulo Coelho)

26.02.14

“O Paulo é o tipo mais contraditório e fascinante que já topei em 50 anos de profissão” – diz o seu biógrafo, o jornalista brasileiro Fernando Morais. O Paulo é aquele que diz: “Acabei de ver uma mulher grávida falando num telefone público. Isso atrai energias negativíssimas”. O Paulo é Paulo Coelho. Que milhões de pessoas seguem como se segue um pop star e que teve uma vida humana, terrivelmente humana.

“O Mago” é a “incrível história do menino que nasceu morto, que seduziu o anjo da morte, sofreu em manicómios, mergulhou nas drogas, experimentou diversas formas de sexo, encontrou-se com o diabo, foi preso pela ditadura, ajudou a revolucionar o rock brasileiro, redescobriu a Fé e transformou-se num dos escritores mais lidos do mundo”.

Que livro é este, vendido no mundo inteiro, envolto em polémica? É a biografia autorizada que todos os biografados evitariam que fosse publicada, mesmo não sendo autorizada. É um retrato tremendo de um homem que perseguiu a fama, a fortuna e o poder. É um retrato asqueroso do escritor que vendeu cem milhões de livros no mundo.

A questão que se levanta, não é tanto por que é que ele aceitou esta biografia; é porque é que ele quis aparecer assim.

O biógrafo Fernando Morais avança com algumas possibilidades.

Se o leitor é fã de Paulo Coelho, não tema desiludir-se. Ele não se desiludiu a ele mesmo!, e mostra que a redenção é possível. Se não é fã, leia a história de Paulo Coelho como quem lê um romance, dos bons. Conheça um homem bigger than life.

 

 

Porque é que acha que Paulo Coelho usa o apelido da mãe (Coelho) e não o do pai (Souza)? Denota especial intimidade com a mãe?, hostilidade do pai?

O Paulo é um personagem que deixaria Freud com a boca cheia de água! É um Édipo em estado bruto. O amor e o ódio que revela pela mãe, a às vezes simultâneo, é incrível.

 

Ainda é viva?

Não. Morreu faz anos, de complicações produzidas por Alzheimer. O pai é vivo, tem mais de 90 anos.

 

Aparece n’ “O Mago” uma fotografia do pai. Não parece o ditador que Paulo descreve.

Parece um velho bonzinho! Mas tinha uma cara muito dura. A mãe era muito bonita. Quando Paulo nasce, dizem que é a cara do pai. Não chega a ser um elogio. Ao mesmo tempo que se refere à mãe como “uma besta”, mantém, ainda que isso nunca seja elaborado verbalmente, uma dependência afectiva em relação a ela. Uma das mulheres de Paulo, a Cissa, chamou-me a atenção para isso: “Quando a gente se casou, em 76, Paulo já era muito rico”.

 

Dinheiro ganho no rock, fazendo letras para Raul Seixas.

Tinha cinco apartamentos de luxo e foi viver com ela no pior! O menor, o mais barulhento, numa rua que era um inferno. Podia ter ido para uma cobertura de frente para o mar. Prefere o outro para ficar perto da casa da mãe.

 

A mãe queria ter sido artista plástica. Não por acaso, a mulher com quem Paulo assentou, depois de vários casamentos falhados, e com quem está há 28 anos, é artista plástica.

É. Outra coisa: no diário, cria um personagem chamado “D”, que tem todas as características do Paulo. É magro, feio, asmático. Um dia sonha que a mãe está sendo violada por cinco homens, que, depois de violá-la, urinam nela. Paulo fica escandalizado com o facto de “D” não sofrer com isso; ao contrário, tem prazer. Só que o “D” é ele! A figura da mãe é fortíssima na vida do Paulo. Ela não é só a mãe bondosa, generosa. Num dos internamentos no manicómio, a mãe abre o depoimento para o médico dizendo que ele tinha tendências homossexuais. Na verdade, não tinha.

 

Em 1963, Paulo escreveu no diário, referindo-se à mãe: “Nunca este ano deu-me a mão, ou poucas vezes. Não conversa comigo. Mamãe é uma besta. Vive infundindo-me complexos. É uma grandessíssima besta. Papai, a mesma coisa”. 

A relação familiar é de uma brutalidade fora do comum. Eles são cristãos conservadores, quase fundamentalistas. Colocam-no para estudar num colégio jesuíta – sabidamente de excessivo rigor. Estou convencido de que é isso que provoca a guinada que dá de 180 graus. Não é simplesmente um abandono do cristianismo. Paulo vai-se meter com satanismo!, com bruxaria.

 

Isso é uma escolha. Para ferir a mãe?

A mãe e o pai. É uma espada familiar. Os pais não eram ignorantes. As cartas da mãe: a qualidade do texto, a riqueza das palavras, a construção, não é de uma tonta. Apesar dessa sofisticação, eles se transformam nos algozes do filho. Os três internamentos [resultam] de coisas menores. Qualquer outro pai – o seu, o meu – no máximo, daria uma surra. No Brasil, era comum ser castigado fisicamente. Bater era uma forma de pedagogia permanente. Sobretudo nos meninos. No caso do Paulo, nunca tocaram a mão nele. Tanto que quando fui entrevistar o pai – com uma enorme dificuldade, porque ele chorava o tempo todo…

 

O pai?

Toda a vez que falava do hospício, chorava. Tem um profundo arrependimento de ter feito o que fez. Os delitos familiares que Paulo praticou são comuns num jovem. Um pouco mais, um pouco menos. Uma noite apedrejou a casa… Na minha casa isso mereceria uma surra de cinto. Mas jamais internar num hospício para ser tratado com electrochoques! A relação familiar do Paulo, se de um lado é reveladora dos traumas que viveu, por outro lado ajudou-o a libertar-se.

 

Como assim?

Foi pela pressão da família que pulou fora e experimentou de tudo. Paulo é um radical no sentido etimológico da palavra.

 

Que é raiz.

Nunca fica na superfície. Teve dúvidas quanto à sua sexualidade. “Não há outra maneira de saber se sou homossexual. Tenho que experimentar”. Vai uma vez, não consegue, vai a segunda, não consegue, e só à terceira consegue. Ele me perguntou: “Você já teve experiências homossexuais?”. Não. “Então não tenha. É desconfortável, é constrangedor e não traz prazer”.

 

Foi um modo de dizer à mãe: “Não sou aquilo que você pensa”?

Embora a mãe nunca tivesse sabido destas experiências. Mas as coisas não precisam de ser ditas...

 

O único sonho que alimenta desde pequeno é ser um grande escritor.

Não bastava ser um escritor. Tinha de ser “um escritor lido no mundo inteiro”.

 

Mas a mãe diz: “Meu filho, Jorge Amado há só um”.  

“Brasil tem 70 milhões de habitantes e só tem um Jorge Amado. Desista, meu filho”. Disse isto no dia em que ele ganhou um prémio literário na escola.

 

Quando a mãe morreu, já era um escritor lido no mundo inteiro?

Não. Tinha algum sucesso, mas não era o que é hoje.

 

Essa parte ficou por cumprir na vida dele. E por resolver?

Acabou. Paulo é hoje um homem sem conflitos. Nem a crítica o fere – que era uma coisa que doía muito no começo. Primeiro, ele pede a Deus que algum jornalista ligue! “Meu São José, eu mando rezar quinze missas se um jornalista ligar dizendo que gostou do meu livro”. Quando os jornalistas começam a se referir a ele, é para demolir – no Brasil, pelo menos. Depois de conseguir a consagração dos leitores, das vendas no mundo inteiro, passa a ignorar a crítica. Não são só os números. É também ser reconhecido por gente importante. Bill Clinton, Julia Roberts, Sharon Stone. Quando lançou “O Zahir”, vi-o a ler algumas críticas muito duras. Superou. Antes, ficava uma semana sem dormir.

 

Também vem nos manuais que se a gratificação não for interior, não se vai lá. Como é que Paulo Coelho resolveu isto?

Quem vende cem milhões de livros, não tem mais problemas de afirmação como autor. A partir do momento em que é o único escritor vivo mais traduzido do que Shakespeare, qualquer crítica, venha de onde vier, se transforma em algo menor.

 

Isso é diferente da consideração que Borges e Hemingway, que são autores que Paulo Coelho admira, têm. Um homem que leu tudo o que ele leu, sabe o que é um grande livro.

Leu tudo, e jovem! E não fingiu que leu. Leu, teceu consideração e deu nota. Perguntei a um editor europeu: “Qual é que acha que é o objectivo do Paulo, hoje? Prémio Nobel?”. “Não, ele quer ser santo. Quer ser canonizado”. O Paulo tem um lado espiritual tão forte quanto o lado profissional-literário. A vida do Paulo é uma vida de amor-ódio com a Transcendência.

 

E com a Humanidade. E com ele mesmo.

Sim. Toda a vida dele é muito embolada com a questão da Espiritualidade, com Deus, com a possibilidade de atingir um estágio superior ao dos mortais. Quando comecei a fazer a biografia tinha lido apenas um livro, “Diário de um Mago”, e superficialmente “O Alquimista”. Muitas vezes achava que havia coisas que eram criações para seduzir o leitor.

 

Como se fossem charlatanice? No sentido de serem situações inverosímeis, incríveis, como as dos charlatães. Para um leitor céptico, é o que parece.

Para o céptico, claro, porque não crê. Só depois de ter lido o diário percebi que alguns livros são auto-biográficos. Que dramatizou, nos quais criou um pano de fundo para contar a sua história. Tem um que é escandalosamente a sua vida: “Verónica Decide Morrer”. Você não deve ter lido…

 

Não, confesso.

É a história de uma menina internada num hospício e tratada com electro-choques. Muda o hospício do Rio para a Eslovénia, muda o sexo do personagem central, e constrói uma história a partir disto. Ele conseguiu duas coisas: falar para a alma das pessoas, e não para a cabeça; e isso fazer sucesso. Os livros dele são isso. Li algumas cartas que as pessoas lhe escrevem. Uma média de mil e-mails por dia, de todos os cantos do planeta. “Você salvou a minha vida”. “Eu ia me suicidar e li o seu livro”. “Meu filho estava se entupindo de drogas; um livro seu caiu nas mãos dele e descobriu que a vida tem um sentido”. Ele não gosta que eu diga isso, mas vou dizer: o Paulo não tem só leitores, o Paulo tem seguidores.

 

Não gostar que diga que tem seguidores não bate certo com o resto. Com o narcisismo dele.

Venho de Praga, onde fui falar desta biografia. As pessoas começavam a chorar ao me ouvir falar do Paulo! Já tinha visto isto, com ele, em Paris, em Hamburgo, no Cairo. Eu, como repórter de cultura, acompanhei Saramago, Garcia Márquez, Vargas Llosa, Gore Vidal; nunca vi nada parecido com o que vi com Paulo Coelho. Não basta às pessoas receber um autógrafo; querem tocar.

 

Essa é a relação que se tem com um santo.

Claro.

 

Há episódios abjectos revelados nesta biografia. Estupendos para épater le bourgeois! Porque é que ele quis aparecer assim? Tem que ver com a redenção absoluta?

Tenho muita dificuldade em entender por que é que permitiu. Desde o começo sabia que não leria os originais e que sou independente. Cheguei a temer que a história fosse chocha.

 

Que ele posasse?

Claro. Que isto fosse um processo de canonização.

 

Já conhecia todas estas histórias?

Não. Mesmo no Brasil, muito pouco do que está nesse livro se sabia. Sabia-se que tinha tido alguma coisa com droga – não se sabia o grau –, que tinha tido alguma coisa com bruxaria. 

 

Ele sabia que não controlaria a biografia. E ele controla tudo o que lhe diz respeito! Um desejo de omnipotência é um dos seus traços mais marcantes.

Controla tudo, tudo! Há 20 anos, ligava para todas as livrarias do Rio: “Quantas pessoas compraram livros meus aí?”. Hoje, tem um clipping electrónico com a lista dos mais vendidos, do Cazaquistão à Patagónia. Um sujeito com esta obsessão pelo controle, topar que um estranho…

 

Eram estranhos?

Nunca tinha visto o Paulo frente a frente na minha vida.

 

Podemos especular por que razões acha que ele acedeu…

Primeiro, acabaram-se os segredos. Pode dormir em paz. Não tem mais o perigo de chegar a Lisboa ou Praga e ter um jornal a dizer que induziu a namorada ao suicídio. Ou que degolou animais domésticos para satisfazer o Anjo da Morte. Ou que queimou a perna de uma namorada com um cigarro para lhe pedir uma prova de amor… Acabou! Comprou a indulgência.

 

Mais do que um verme, parece uma criatura amoral. Algumas coisas, de tão tremendas, nem parecem verdade.

Sabe que fui falar com a moça do cigarro? Não queria acreditar que isso fosse verdade. Fui atrás. É hoje uma senhora, artista plástica, mora numa praia no subúrbio. Ela levantou o pareo e tinha uma marca do cigarro na perna. “Até hoje me lembro do cheiro da carne queimada”. Não era uma piração dele. Mas quem é que faz uma coisa dessas? “Se sair uma lágrima do seu olho, é porque você não me ama”.

 

Há ainda o escravo, que ele contratou. Tratava-o por “escravo”.

O sujeito é hoje um engenheiro de grandes obras. “Contratou-me como escravo por escrito”. Levou-o para Espanha, deu-lhe 200 dólares por mês para pagar hotel, táxi, comida. O Paulo é de outra tribo. Não é como nós. Quando comecei a escrever, era assaltado por conflitos éticos. “Estou-me sentindo desleal”. Até que ponto eu tinha o direito de exibir publicamente fracturas tão negativas, de um cara que estava sendo generoso comigo? A minha mulher percebeu. Ela é historiadora, vê com outro olho. “Você não pode submeter o seu leitor a uma censura que Paulo não te impôs”. 

 

Não lhe impôs nenhuma limitação?

Não. Podia ter negociado comigo. Uma coisa assim: “Topo, mas não quero que fale da minha mãe”. Eu podia aceitar ou não. Tivemos uma convivência próxima durante quatro anos. Isso gera laços afectivos. Não só porque mergulhei na vida dele; ele também começou a perguntar da minha vida, da minha filha, da minha casa. Eu achava que estava sendo um canalha se publicasse num livro estas coisas…

 

Paulo Coelho é um cristão que se converteu. Quanto mais terrível o pecado, mais notável o seu renascimento. Acha que Paulo quis aparecer assim por causa da possibilidade de redenção?

Pode ser. Ele expõe as suas piores faces. É ele que o diz! Não é um depoimento de um amigo. Pense nas suas vergonhas, naquelas coisas que não fala nem para si própria, no banheiro, com a luz fechada; ele falou e deixou que fosse publicado. Um dia, num debate, apareceu um garoto que disse: “Li o livro – estava todo o mundo escandalizado – e acho que você não podia ter feito coisa melhor pela biografia do Paulo Coelho: transformou-o num maldito. Era disso que ele precisava para conquistar o Reino dos Céus”. Estou dizendo isso para concordar consigo.

 

Como todos os grandes pecadores que se redimem. Como uma Maria Madalena.

Como um santo que se converteu, é. Quantos santos foram monstruosos?

 

Que importância atribui, na construção da personalidade de Paulo Coelho, à sua fealdade? Apesar das múltiplas conquistas amorosas. A sua primeira peça de teatro chama-se “O Feio”.

Falei com as meninas, as namoradas, e com os amigos. De facto, era muito feio. O pai é muito alto, ele saiu muito pequenino. O Rio estimula a beleza física; ele não ia à praia porque tinha vergonha de ficar de calção na frente dos outros, com as perninhas finas. Usava camisa abotoada até cima! Quando terminava a aula, o Paulo ia sozinho no ônibus, no fundo, encolhido, infeliz, como um pássaro molhado. Isso, na cabeça dele, mistura com o homossexualismo.

 

A caligrafia dele é efeminada e redonda.

Você notou isso? Mas muda depois. Já adulto, mais seguro, tem uma letra mais masculina. Mas a primeira, sim, parece a letra da mãezinha… As meninas da época dizem que ele era absolutamente desinteressante. Paulo descobre o seguinte: “Já que não sou bonito, já que não sou forte, preciso arrumar alguma coisa em que seja melhor”. Lê, lê, lê. E tem assunto. Qualquer coisa de que se fale, tem opinião. Fala-se da Segunda Guerra Mundial? Ele sabe. Sabe porque leu tudo. De Henry Miller a Cervantes. No fundo, era uma forma de defesa. E a feiura acaba por ser determinante para escolher caminhos para a vida.

 

Fez uma estatística das palavras que Paulo mais usa no diário. E são: medo, problema, solidão, desespero, paranóia, estranhamento.

Ler os diários é ter vontade de chorar! É como se fosse o seu filhinho adolescente. Fica com o coração apertado. Porque é que se mete com drogas? Porque a droga desinibe. Maconha, cocaína, LSD. Esta não é a história de um pop star, é a história de um ser humano. A sucessão de obstáculos foi muito cruel. Tudo dava errado. A grande surpresa é que o Paulo esteja vivo. O normal seria que estivesse morto. Ou por suicídio – que tentou –, ou por drogas, ou no hospício, ou nas mãos da ditadura (foi preso três vezes). Ele não é um tipo qualquer…

 

Quando escreve o diário, sabia que não era um tipo qualquer e que o seu momento ainda não tinha chegado? Estava já a posar para a posteridade? Ou o diário era apenas o seu interlocutor?

A impressão que dá, lendo o diário, é que é a segunda opção. Não tinha continente, não tinha onde amarrar seu barco. O continente era o caderninho ou a fita (às vezes não escreve, dita para o gravador). Estou defendendo com o Paulo, e nunca disse isto a ninguém, que ele publique os diários. São de uma riqueza humana!

 

Simultaneamente, de uma imensa miséria humana.

Sim.

 

Lendo o seu livro, parece que a covardia é o traço dominante de Paulo Coelho. Além de outros traços, pouco abonatórios…

Renegou a namorada nas masmorras da PIDE brasileira, o DOI-Codi. “Paulo, é você que está aí?”. Ele fechou a boca. Ou quando foi preso e perguntou ao policial: “Você vai me matar? Posso segurar na sua perna?”.

  

Como é que construiu o livro? Fê-lo com base em quê?

Fiz uma primeira versão. Estava com 200 páginas escritas, quando descobri o diário. Joguei fora as 200 páginas!

 

Porque é que ele lhe deu acesso ao diário?

No testamento, faz referência a um baú. “Isso são garatujas, brinquedos velhos, não têm importância”. Se fosse isso, não mandava incinerar imediatamente após a morte… Aí, fez um desafio – uma coisa muito dele: “Se descobrir quem foi o homem que me torturou em Agosto de 1969, no interior do Paraná, eu te dou as chaves”. Sabia que era um major (tinha visto a patente) e que tinha metade de um dente de ouro. Não foi muito difícil. Descobri. Mandou-me as chaves e li os diários.

 

O desafio, parece uma teima, uma coisa do domínio da superstição.

A superstição é um traço muito brasileiro – não é só dele. No Paulo, é obsessivo. Ele não anda numa calçada se tiver uma pluma de pomba! Ainda hoje joga I Ching para tudo.

 

Será que ele olha para o livro, também, como uma penitência?

Pode ser. O Cristianismo tem isso também: peca, peca, peca; paga, zerou a conta.

 

 

Publicado originalmente na revista Selecções do Reader’s Digest em 2009