Fernando Pinto (2009)
Quem é Fernando Pinto? Um sujeito que gosta de aviões. Que só fala de aviões. Que vive no meio dos aviões.
Foi o adolescente que não bebeu porque no dia seguinte tinha aulas de voo. Foi o estudante que se insurgiu contra as greves universitárias porque queria aprender – e ser engenheiro de aviões. É um homem que atende o telefone e pergunta: “O tempo está ruim daquele jeito?”. Como se isso interferisse com os planos de voar.
É um sujeito – como se diria no Brasil – que não parece um sujeito brasileiro. Aquele que diz que sambar não é a sua especialidade. Porque a sua especialidade, como é sabido, são os aviões.
Porquê?
Talvez os aviões sejam uma forma de estar em casa. Com a família. Atente-se na forma como apresenta a família, na reprodução da orgânica familiar, nas características que vêm com o código genético. Talvez voar, construir aviões, discutir aviões seja a forma primordial de comunicarem e de estarem uns com os outros.
E voar, que será isso? Que sensação será essa, que arrebatamento será esse? A resposta não é sensorial, não é a de um romance. Fernando Pinto tem uma cabeça de engenheiro. Não fala de romances, e lê menos do que gostaria. Voar é um composto de duas peças: a lúdica e a responsabilidade. A mecânica é o que o fascina.
Tem um filho piloto e uma filha que quer ser médica. Tem 60 anos. Parece ter mais – por causa da atitude bem comportada, do sujeito que nunca faz bobagens. Que outros mundos haverá nele?
Não falou nunca do medo, do risco, da morte. Experimentou todas as formas de voo, excepto a de pára-quedas. Há qualquer coisa nele de atleta de alta competição, que subordina toda a vida ao exercício.
Tem uma voz muito grave, funda. Surpreende quando fala de namoradas complicadas. O andar, os gestos, são ágeis. Tá?
Nessa tarde iria ter uma reunião com os sindicatos. Será o presidente da TAP por um novo mandato.
Para falarmos de aviões, começamos por falar do seu pai. A ligação aos aviões…
Vem de lá. Meu pai é descendente de portugueses, da região de Marco de Canaveses. Em 1911, seu pai, meu avô, foi morar numa cidade no extremo sul do Brasil, fronteira com o Uruguai. Por alguma razão, desde pequeno, meu pai era ligado em avião. Via revista, começou a construir pequenos modelos. Via-se, de casa, um campo de avião; aeronaves militares operavam ali, aviões muito antigos. Talvez fosse isso. O meu pai, com os amigos, compraram um planador pequeno e fundaram um clube de planadores. Aviões sem motor, né? Eram planadores primários, rebocados por um carro. Na época, um Ford 29.
O que fazia?
Subia, podia fazer umas curvas e pousava em frente. Foram a Porto Alegre, a capital, e compraram esse avião na Varig. Que, na época, era uma empresa muito pequena, tinha uns dez aviões. Foi a primeira ligação que teve com a Varig.
De onde vinha dinheiro para essa aventura?
Doações da comunidade de Bagé. Bagé, Rio Grande do Sul.
Porquê essa rota migratória do seu avô, e que levou a família a fixar-se aí?
Houve uma comunidade portuguesa que foi para Pelotas, uma cidade não muito longe de Bagé. (Tanto que os doces de Pelotas, famosos, claramente são doces portugueses). O clima é semelhante ao que temos aqui. Porto Alegre, a capital do estado, foi fundada por açorianos. O irmão do meu avô tinha chegado antes e não ficou em Pelotas: andou para dentro mais 200 km e fez ali uma loja de ferragens. O meu avô, quando chegou, cinco anos mais tarde, já foi com um emprego nessa loja de ferragens.
Há duas gerações atrás, a sua família era humilde e estava na situação de procurar uma vida melhor.
Exactamente, a emigração foi para isso.
Conheceu esse avô?
Muito! Pessoa que sempre me impressionou pelo bom senso e pelas histórias que contava de Portugal. Contava muito das suas aventuras morando nas margens do Douro. Podia cruzar o Douro a nado ou numa embarcação. Correntes muito fortes. Quando vim para Portugal, visitei a casa dele. Era de um grande vigor físico e destemido. O irmão faleceu e ficou com a loja de ferragens. Abriu um armazém, que desenvolveu. A minha avó era de uma família portuguesa, já nascida em Pelotas; excepcional doceira e extremamente rígida.
As mulheres da sua família têm uma têmpera diferente da dos homens. A ambição é incutida por elas?
Tinha um temperamento forte, e isso teve uma influência na vida dos filhos. O meu avô era empreendedor; o armazém de secos e molhados que abriu era grande; chamava-se Clarão da Lua. Ficava do lado da casa. Eu já nasci em Porto Alegre. O meu pai trabalhava na Varig, entrou em 1940. Casou com a minha mãe em 45. Minha mãe era filha de um médico de origem suíça e belga, família Abs. Minha mãe tem hoje 89 anos, vive no Brasil. Na minha casa o meu pai e a minha mãe dividiam [o espaço e as forças]. O meu pai era calmo, tranquilo, a minha mãe era uma líder, era a matriarca.
É parecido com o seu pai e o seu avô? Na ponderação, calma, bom senso.
Sou. A audácia é uma influência da personalidade forte das mulheres. Mas o meu pai e o meu avô também a tinham. No caso do meu pai: a audácia de sair de uma cidade pequena e tornar-se o primeiro comandante de uma empresa que só tinha alemães; foi o primeiro brasileiro puro a chegar a essa empresa.
A ida para Porto Alegre teve que ver com isso: com a prossecução de um sonho?
Sim, foi estudar para Porto Alegre. Os meus avós continuaram em Bagé. As estradas não eram boas, demorava-se cinco horas a fazer estes 200, 300 quilómetros.
A aviação tornou-se uma obsessão para o seu pai. E depois, para toda a família. Alguma vez o ouviu falar, ou à sua mãe, do medo da queda, do despenhamento, da morte?
O meu pai completou 40 anos como comandante, nunca danificou um avião, nunca teve um problema mais grave nas suas 25 mil horas de voo. Era considerado um “pé quente” – uma pessoa que tem sorte.
Acha mesmo que era uma questão de sorte? O que fazia do seu pai um excepcional piloto?
A tranquilidade. E o conhecimento técnico. Uma vez, fazia muitos anos que o meu pai não voava planador e quis actualizar a sua licença. Eu era instrutor de planador e fui o responsável por verificar se estava em condições. Fiquei impressionadíssimo! Como voava bem! “Quem tem de aprender sou eu!, quem tem de ser verificado sou eu”.
Inversão curiosa, o filho verificar o pai. Foi ele que o ensinou a voar?
Não, foi o meu irmão. Somos seis irmãos, eu sou o terceiro. O meu irmão mais velho seguiu a carreira do pai. Voou desde o Dakota até o Boeing 777. Foi instrutor, formador, piloto-chefe, na carreira que fez na Varig. (Nós temos em conjunto um avião pequeno, lá no Brasil). Depois tem a minha irmã que vive na Alemanha, casada com uma pessoa que… conheceu num avião! Tenho outra irmã que mora no Rio de Janeiro, que não é casada com ninguém da aviação; apenas o filho é piloto de 737 e é casado com uma aeromoça. Outra irmã: dedicada ao ensino religioso. A mais nova é casada com um chefe de escala da Air France no Brasil.
Uma dinastia. Não há-de ser por acaso que casam com outros cujo universo coincide com o que tinham em casa. Nunca quis ser outra coisa senão piloto?
Deixe-me pensar… quando era novo sempre dizia que queria ser piloto. “Ah, mas que falta de criatividade! Só porque teu pai é e o teu irmão quer ser…”. Era natural para mim. Com nove anos um dos meus hobbies, ou brincadeiras, era fazer aeromodelos – aviões pequenos.
Lembra-se do primeiro que fez?
Sim. Nós apanhávamos o meu pai na Varig no final do dia, a minha mãe dirigindo – só dava para ter um carro. Um dia vi dentro do estaleiro um avião que devia ter um metro, dois metros, todo construído em varetinhas. Achei aquilo maravilhoso! Em casa, tentei fazer uma coisa parecida. O meu pai assistiu e trouxe-me de uma viagem aos Estados Unidos um kit para fabricar um avião. Então dizia: “Quero ser piloto e quero ser engenheiro”. Queria também saber construir. Minha vida toda foi voando aviões e desenvolvendo a parte da construção. Cheguei a ter uma fábrica de aviões leves. Cheguei a projectar aviões.
Foi engenheiro e piloto. A sua formação e percurso são esses.
Por influência do meu pai, também. Sempre se frustrou por não saber mais da parte técnica. Fez dois anos de engenharia por correspondência, pela universidade de Cambridge. Lembro-me das apostilas [sebentas pelas quais estudava]. Escreveu um livro, que um comandante nosso encontrou recentemente no interior de Portugal! Ensinava as bases para calcular um avião. Conheci esse livro quando tinha 15 anos. Fui um pouco auto-didacta. Já nessa época sabia como é que um avião voava.
Então a sua vida não podia ser outra.
Pois é! [riso] Não podia não. A parte da engenheira foi sempre muito importante para mim: sempre gostei de construir. Descobri mais tarde que também em gestão se fabrica, monta processos. É uma construção.
Conte-me uma conversa que tenha tido com o seu pai, íntima, e que não tenha que ver com aviões.
[gargalhada] Isso é muito difícil! O meu pai pouco falava, e pouco participava na nossa educação do dia-a-dia. A principal participação era pelo exemplo. Lembro-me de uma vez só em que levantou a voz comigo. É fácil ver pela casa em que estávamos morando: eu tinha dez anos. Fomos para essa casa quando eu tinha oito anos.
Porque é que a recorda especialmente?
Havia um campo junto à casa. O paraíso! Caminhei na frente da minha casa e soltei o meu primeiro planador. Só que o planador sumiu. O planador não aterrou mais. Corri atrás e não consegui pegar. Foi parar em cima de uma árvore, muito longe. Uma angústia muito grande.
Era uma criança tímida? E como era a relação com o lado feminino da casa? Tudo isto parece ser uma conversa de rapazes.
São duas etapas. No início, o contacto era com o meu irmão mais velho – as brincadeiras eram as mesmas, com os aeromodelos. Ele saiu muito cedo de casa e foi voar. Dezoito anos, por aí. Passou a estar com as minhas irmãs. Era paparicado! “Traz um suco para mim”. Com treze anos mudámo-nos para o Rio de Janeiro.
Não parece um carioca. Faz lembrar uma canção do Jobim e do Chico Buarque sobre um sujeito que não gosta de samba, não gosta de chope gelado em Copacabana.
[riso] Ainda no Rio Grande do Sul: todo o dia, chegávamos da escola e ocupávamos um campo de futebol num colégio jesuíta. Chegávamos lá de bicicleta, levávamos o avião atrás. Há uma ausência de medo nisso tudo.
Até quando persistiu esse fio de inocência?
Até ao momento em que entrei na faculdade, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1969. Foi no período mais duro da revolução. Era um período de grande contestação. Havia greves a toda a hora. Eu era contra! Muitas vezes fui lá na frente: “Tudo tem seu lugar. Tudo tem limites. Há muita gente querendo estudar”. Mas de uma hora para a outra comecei a ver estudantes a desaparecer… Nunca me envolvi politicamente. Fiz um enorme sacrifício para passar o vestibular e entrar na melhor universidade do Rio. Queria estudar e ter retorno daquilo.
Temeu que o seu gesto fosse mal interpretado? Que fosse considerado um apoiante do regime?
Não. Sempre fui claro: “Não estou defendendo nem um lado nem outro”. Estava defendendo vários alunos que queriam ter as suas aulas. Era um mundo hostil, com grupos diversos.
Em que zona vivia?
O meu bairro era o da Ilha do Governador, perto do aeroporto.
Alguma vez foi à escola de samba da Ilha?
Na minha época não existia a escola União da Ilha. Mas fui algumas vezes, não muitas, na passarela.
Sabe sambar?
Não é a minha especialidade. [gargalhada] Admiro, até. É bonito ver o espectáculo.
Não corresponde ao protótipo do brasileiro expansivo, com uma relação expansiva com o corpo. Basta olhar para si para perceber isso.
Não são todos assim no Brasil. Uma coisa importante: não nasci no Rio de Janeiro, não tenho algumas dessas influências. Outra coisa: fui sempre prematuro na formação da personalidade. Cheguei no Rio com 13 anos com uma personalidade formada. Como é que eu era? Como sou hoje! Não mudei. Uma pessoa consciente, relativamente sério, com uma dose de preocupação com o meio. Nunca ninguém me viu excedendo na bebida.
Nem fumou maconha, que todos os brasileiros fumam como tabaco comum?
Não. Lembro-me de uma vez em que deitei na cama depois de tomar gin tónico… via tudo à roda. Mas nunca disse bobagem. Que era uma coisa desagradável que via noutros caras que bebiam demais e eram inconvenientes. Meu irmão era assim, meu pai também. Questão de origem: você acaba reproduzindo o que conhece. Eu não podia ficar até tarde numa festa porque no dia seguinte tinha que voar.
Tudo é subordinado ao voo. Ajudava o seu irmão a dar aulas, com 16 anos. Para ganhar um dinheirinho, para ganhar experiência?
Ajudava porque eu gostava de voar. Era voar sem precisar pagar. Não ganhava nada com isso, mas não tinha que pagar.
É um homem ligado à família. Como se uma parte da sua vida e da sua cabeça ainda estivessem nessa redoma. Estar em aviões é estar em família.
Sou muito ligado à família! Isso precisa ser bem interpretado. Ainda não cheguei na segunda parte da minha vida – a da vida profissional. Dou muito valor ao que fizeram por mim, à formação que me deram. Não é fácil pôr seis filhos no caminho e seis filhos com a cabeça no lugar. Sei do sacrifício que foi. Posso garantir que nenhum dos meus irmãos esteve envolvido com drogas, nenhum dos meus irmãos teve problemas de alcoolismo, nenhum dos meus irmãos tem um carácter duvidoso.
Nunca teve um desejo, nem na adolescência, de se emancipar?
O caminho natural que quis seguir foi ser piloto. A minha rebelião foi partir para outro caminho. Escolher engenharia/gestão.
Foi uma certa separação do seu pai? Simbolicamente.
Não. Era qualquer coisa que ele gostaria de ter feito, mas não pôde fazer. Foi dos que mais me apoiaram em ser engenheiro. Tive outras rebeliões, namoradas complicadas…
É tão bem comportadinho que não se imagina que tenha tido namoradas complicadas.
Tive, como todo o mundo!
Começa a revelar-se um personagem da galeria de Nelson Rodrigues: uma pessoa de classe média, com vida normalíssima, que de repente surpreende pela ousadia. É o que está na série de contos “A vida como ela é”. Leu?
Li. [riso] Não chega a ser Nelson Rodrigues, a minha vida paralela. Mas bom. A gente estava onde?
Nas namoradas complicadas.
Acontecia.
Imaginaria que, à semelhança do seu pai e do seu avô, procurasse mulheres fortes, vivas, parecidas com a sua mãe.
Acabei casando com uma mulher muito forte, uma guerreira. Casei tarde porque queria casar uma vez só. Tinha 36 anos. Por duas vezes andei muito próximo de casar. A minha sensação era a de que aquilo não ia ser duradouro.
A sua vida profissional encaminhou-se no sentido da engenharia e da gestão. Quando é que percebeu que podia ser o CEO da Varig? Que podia ambicionar o que quisesse.
Ambicionar o que quisesse: isso é por sua conta. Nunca fui uma pessoa ambiciosa. Gostava, e gosto, de enfrentar desafios. Como aconteceu a minha ascensão na Varig? Meu pai me apresentou a um engenheiro responsável pela manutenção, eu estava me formando. Me deu uma oportunidade. Dediquei-me muito, enquanto estagiário. Trabalhava até altas horas, aprendendo. Já no final do estágio tive a oportunidade de ser o responsável por um projecto que estava sendo construído. Algo que valia muitos milhões de dólares. Deu certo. Mostrei que tinha garra, capacidade, força e tal para coordenar esse projecto. Até hoje orgulho-me disso.
Subiu na empresa por causa dessa experiência?
Foi natural passar a ser o responsável pela revisão de motores. Montei uma equipa de 300 pessoas. Comecei a aprender o que era a liderança. Fui fazer uma especialização na Fundação Getúlio Vargas: aprender a gerir. O meu pai deu-me as bases. Uma vez perguntei para ele o segredo: só tomo decisões que são consideradas justas, correctas. Muitas vezes ser justo é ser rígido, é ser duro. Esse tipo de ensinamento e posicionamento que procura usar o bom senso, mais do que a força, aprendi com ele. O resto, é técnica.
Se olharmos para a sua actuação na TAP, para a forma como foi sanando conflitos, percebemos essa matriz.
Sim. Aprendi muito também no período em que dirigi a equipa de 300 pessoas. Uma vez chamei a atenção do chefe à frente de todo os outros. Me dei conta do absurdo do que tinha feito, chamei todos de novo e pedi desculpa àquele chefe. Eu tinha a razão. Mas a forma como a fiz [prevalecer] estava errada. Isso trouxe-me mais respeito. Não tenho dificuldade em reconhecer um erro.
Como evoluiu a carreira?
O sucesso desse projecto fez-me viver um ano em Toulouse. No regresso, convidaram-me para ser director técnico de uma empresa menor, ligada à Varig, que estava em grandes dificuldades. Passei a presidente. A Rio Sul transformou-se num enorme sucesso. Por causa disso chamaram-me para a Varig, em 1996. Inesperadamente. Não tinha a mínima expectativa de vir a ser presidente da Varig.
Onde eu queria chegar – e por isso falei em ambição – é à confiança que tem de ter para fazer este trajecto.
É verdade. Para aceitar determinados desafios precisa de ter um determinado nível de confiança. Sabe onde é que comecei a liderar? No aeroclube de planadores. Com 16 anos dava instrução. Com 17 anos praticamente assumi a responsabilidade técnica, de gestão dos pilotos, dos instrutores, manutenção, contactos com a autoridade, com a força aérea brasileira… eu era muito jovem. Ali, diria que aconteceu uma parte importante da minha formação. Deu-me confiança.
Qual é o seu sucesso?
A Varig tinha 23 mil trabalhadores, uma dívida de 2.4 mil milhões de dólares, que reduzimos para 900 mil em quatro anos. Fiz uma análise e vi que se atacássemos cinco pontos específicos tínhamos grande chance de sucesso. Procuro simplificar um problema extremamente complicado em três ou quatro soluções. Make it simple. E ataca aquilo, e procura trazer as pessoas junto. Aconteceu a mesma coisa na TAP. Pedi uma análise a um banco de investimento inglês que me recomendou: “Fica longe! É uma empresa inviável. Por causa do envolvimento do Governo, dos sindicatos, greves…”. Mas com a nossa equipa, concluímos que se atacássemos certos pontos podia dar certo.
Se não fosse a crise a desestruturar novamente a empresa, teria aceitado este mandato, que assumiu recentemente?
Não era a minha intenção. A minha intenção era chegar ao final do mandato anterior e encerrar a minha ligação à empresa. Com ela privatizada. Teria cumprido a minha meta. Tivemos um ano absolutamente fora do normal. Nunca o combustível teve o preço a que chegou. As empresas todas sofreram, as que fizeram protecção, as que não fizeram. E isso seguido de uma crise económica e financeira inexistente no mundo moderno. Obviamente a TAP perdeu muito dinheiro. Previa um ganho de 40 milhões. Perdeu 200 e tanto. Achei que não seria bom nem para mim nem para a empresa sair agora.
Era uma questão de honra para si?
Era. Entrar para a empresa, numa situação muito ruim, a empresa vem sendo corrigida, consertada, ajustada ao longo de quase oito anos; ela bate o recorde de resultados; e no último ano, pum, espanca tudo e é uma desgraça. É uma questão de honra não sair numa situação dessas. É importante a minha continuidade. Mas será o último mandato. Fico mais três anos.
Descreva-me a sensação de voar. Como se fechasse os olhos e sentisse.
É que não é fechar os olhos. Só não voei em cabo de vassoura porque não sou bruxo! [riso] Mas voei balão, planador, avião, ultra-ligeiro, asa delta. Pára-quedas, não!, pára-quedas é emergência. Cada uma é uma experiência diferente, um voar diferente. O planador é um voar em que você sente que está no ar pela força da natureza. Já fiquei mais de cinco horas no ar, assim. Está só vendo a paisagem, subindo, subindo. Ali tem uma paz. Tem o lado lúdico e, ao mesmo tempo, a responsabilidade. Cuidado com a euforia, com os níveis de oxigénio, não pode entrar numa área de conflito com o tráfego aéreo. No ultra-ligeiro é a mesma coisa; mas eram aviões primários. Tínhamos um que guardávamos na garagem do meu irmão; descolávamos na frente da casa.
Como quem tem o carro estacionado na garagem!
Exactamente isso! Era só botar as asas. Era perigoso, os motores não eram fiáveis, e se tivéssemos um problema teríamos de aterrar na estrada em frente. Mas aquilo era o contacto com a natureza e o meio. Voávamos a três metros de altura, passando ao lado das casas. “Vamos encontrar na praia tal e comer um peixe?” E íamos voando.
Uma imagem de romance: quando morrer quer que as suas cinzas sejam espalhadas a partir de um avião? Alguma vez pensou nisso?
Eu não!! [risos] Um avião é uma coisa maravilhosa. Eu quero é aproveitar muito enquanto estou aqui.
Publicado originalmente no Jornal de Negócios em 2009