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Anabela Mota Ribeiro

Francisco Campos

29.07.14

Quem faz cirurgia plástica em Portugal? Quais são as vantagens desta prática? É possível rejuvenescer sem perder a singularidade da expressão? É possível corrigir o peito sem que isso seja evidente para todos? Como resolver o problema da auto-imagem expresso na frase «Começo a não me parecer comigo»? Francisco Campos responde a estas questões no livro «O meu olhar sobre a cirurgia plástica». As diferentes técnicas, as vantagens e desvantagens a considerar, as sucessivas etapas são ilustrados por dezenas de fotografias que situam um antes e um depois, e esmiuçadas num texto assaz acessível. Nas próximas páginas, conheça o posicionamento deste cirurgião plástico num mundo fascinante e sempre rodeado de polémica.

 

Dedica o livro a todos os seus doentes, em especial àqueles cujos resultados ficaram aquém das expectativas. O comum é que os resultados fiquem aquém das expectativas ou que superem as expectativas?

Os meus doentes, em geral, têm resultados além das expectativas. Controlo um pouco as expectativas que trazem, passo-lhes informação, mostro-lhes milhares de imagens (como aquelas que se vêem no livro). Quando uma pessoa quer fazer um aumento mamário, no meu portfólio há alguém com um «antes» parecido com o seu; portanto, imaginam o resultado como sendo próximo desse que acabam de ver. É uma expectativa realista. Felizmente as coisas correm bem, não tenho nenhum desastre cirúrgico, tenho muito cuidado com a cirurgia plástica. Até porque sou um crítico da cirurgia plástica...

 

É crítico da cirurgia plástica?!

Sou um crítico no bom sentido: vale a pena ser feita, com bom senso.

 

Perante a hipótese de uma cirurgia, o doente deve medir sempre o risco/benefício?

Deve discutir isso com o médico. Os doentes devem fazer todas as perguntas e não devem sair do consultório sem saber quais são os riscos.

 

Qual é a atitude dos doentes que procuram um cirurgião plástico? Levam consigo as estampas das revistas, querem corresponder a um cânone cada vez mais impositivo, integrar-se numa sociedade em que o culto do belo é dominador?

Sou conhecido por ser prudente, quem vem ter comigo tem uma noção real daquilo que faço. A crítica é esta: a procura da beleza é alimentada nos circuitos da cirurgia plástica. Mas é impossível transformar uma mulher feia numa mulher bonita, uma mulher baixa numa mulher alta! Alimenta-se isto, vê-se sistematicamente nas revistas e jornais clínicas novas que põem o Botox, que fazem as pessoas perder quilos e ficar elegantérrimas, que rejuvenescem cinquenta anos com choquezinhos! Isso é tudo uma ideia falsa e o livro foi escrito também por isso: para esclarecer.

 

As pessoas aderem facilmente a técnicas miraculosas porque estão subjugadas pelo desejo da perfeição. A sua perspectiva é crítica nesse sentido. Mas como conciliar as pessoas com a sua imagem, ainda que melhorando-a?

É o que tento fazer. Uma das coisas básicas para se ser candidato a cirurgia plástica é ser-se inteligente, sensato, estar tranquilo.

 

Escreve no seu livro que a cirurgia é aconselhável a todas as pessoas, excepto a quem padece de instabilidade emocional.

Esses são não candidatos. Nunca vão ficar bem.

 

Nunca vão ficar satisfeitos?

Nunca, nunca. A perturbação emocional exclui [alguns candidatos], e também devia excluir toda a gente que engole a publicidade dos emagrecimentos, das máquinas que fazem musculação por elas. Tudo quanto é facilidade em cirurgia plástica significa inequivocamente um erro. Consultar um cirurgião plástico, dizer «Eu quero ficar muito bem» e ele responder «Esteja tranquilo que vai ficar óptima», nunca dá resultado, nem aqui, nem no Brasil, nem nos Estados Unidos.

 

Até onde se deve obedecer ao desejo do doente? É tudo fazível?

O desejo do doente é uma coisa. As possibilidades técnicas e as capacidades para o cumprir, são ou não compatíveis. Os problemas passam pela falta de ordem que existe no meio: há gente que diz que é cirurgião plástico e não é, e os doentes vão [à mesma]. Quem vai a estes médicos são doentes insensatos. É preciso resistir muito ao dinheiro e à necessidade de o ganhar, porque estamos a lidar com a saúde das pessoas. Fazer uma cirurgia plástica em prestações desvirtua a relação do médico com o doente, leva o médico a ter que ter muitos doentes, e lá ficam os cheques em cima da secretária... 

 

Mas, por outro lado, possibilita uma espécie de democratização da cirurgia plástica. O preço é um dos grandes obstáculos...

 E se houver um azar? Vai ficar mais caro ao doente. Tenho conhecimento directo de centenas de problemas. As pessoas têm que estar prevenidas quanto às más consequências da cirurgia plástica. Operar a prestações é o puro facilitismo! Assusta-me, porque está a tornar-se uma questão de saúde pública.

 

Quando é que é um luxo e quando é que é uma necessidade recorrer à cirurgia plástica?

O luxo em cirurgia plástica não existe. As pessoas têm necessidade, e ou têm dinheiro ou não têm dinheiro. Ninguém se opera sem um motivo, mesmo que seja um motivo errado. Querer reencontrar uma relação, é um motivo errado. O meu grupo de doentes é um grupo alegre, felizmente! Ninguém me procura porque o marido anda com a secretária ou houve um divórcio. Concordo que isso possa fazer bem, mas há um motivo físico pelo qual as pessoas querem fazer cirurgia plástica.

 

É possível dissociar o motivo físico do motivo psicológico?

Na minha opinião, é.

 

Há pessoas que vivem bem com um nariz irregular. Há pessoas que aos cinquenta anos precisam desesperadamente de fazer um face lift. Há pessoas que precisam de fazer um implante mamário aos trinta e cinco. E há pessoas que não precisam de todo!

Quem não precisa de um cirurgião plástico, não o procura. Não acredita na história da Miss Brasil que fez dezoito operações, pois não? É impensável.

 

Diz que opera pessoas que querem ficar bem para elas mesmas e não para terceiros.

Para agradar a terceiros, não é uma indicação cirúrgica.

 

Fazer um implante mamário porque o marido gosta de mulheres com peito grande não é uma boa opção?

Não. Grande parte das minhas doentes que me procuram para um aumento mamário, as casadas, vão com o marido. Não é que o marido esteja preocupado, mas apoia essa decisão, «Ela está bem, mas acha que deve...» E eu fico encantado. Partimos todos para a operação com tranquilidade. A cirurgia provoca sempre ansiedade, mas se essa ansiedade for nivelada, pode ter a certeza que faz as operações bem feitas.


Explique-me qual é a importância da componente psicológica no antes, no durante e no depois.

Essa pergunta é giríssima, mas a resposta é muito fácil. A componente psicológica não cabe no sector da cirurgia plástica bem feita, bem planeada e bem explicada. Nunca tive, que me apercebesse, uma doente com uma necessidade psicológica de aumentar as mamas. O primeiro motivo é físico. A parte psicológica tem um lugar qualquer que não é, nem de longe nem de perto, o primeiro. As pessoas não fazem a cirurgia plástica pela parte psicológica, fazem porque têm qualquer coisa que fisicamente as incomoda.

 

A parte psicológica é gostar ou não da imagem que o espelho devolve, e sentir-se bem com ela. O espelho e outros.

Quando penso na parte psicológica, penso na ansiedade dos tais doentes a quem as coisas não vão correr bem. Uma mulher faz um aumento mamário porque não tem mamas grandes ou porque o peito caiu ou ficou mais pequeno no pós-parto: não gosta de se ver, sofre e quer aumentar ou reduzir o peito. Psicologicamente melhora tremendamente, mas não tem antes nenhum problema psicológico.

 

A vida das pessoas muda mesmo depois de fazerem cirurgias plásticas?

A qualidade de vida melhora colossalmente.

 

O que é que as pessoas mais procuram?

Face, aumento e redução mamária, lipoaspiração ultrasónica. Uma cirurgia tem que ter visibilidade. Procedimentos cirúrgicos mínimos que não resultam em nada... Não estou com merdices: ou opero ou não opero. Tenho a sorte de conseguir fazer um face lifting em que as pessoas ficam com a mesma expressão, mas claramente mais novas. As pessoas operam-se para elas, mas quando alguém lhes diz «Estás tão bem», ficam contentes.

 

Normalmente assumem que se submeteram a uma cirurgia?

Assumem. Veja o livro. Há outro grupo que não assume, mas isso não me diz respeito. Eu também fiz e assumi. Dirá: «Foi marketing»; se calhar não foi. A cirurgia plástica está muito mal divulgada e espero que este livro contribua um pouco para a compreensão das coisas. Ao fim e ao cabo, estou a meter-me contra a indústria da cirurgia plástica...

 

Utiliza as suas técnicas, trilha o seu próprio caminho. Fez estágios nos Estados Unidos, no mítico Brasil...

Ex-mítico.

 

Na Áustria, na África do Sul. Absorveu técnicas praticadas um pouco por todo o mundo e depois enveredou por qualquer coisa que é exclusivamente sua.

Eu não inventei nada. Mas a prática diária da cirurgia plástica permite adaptar técnicas dos outros que se tornam as nossas. Quando um cirurgião opera cem doentes, o número cem já é operado com a própria técnica. Já alterou a forma de suturar, de remover tecido mamário. É a experiência. Para um cirurgião plástico, se calhar esta idade é a melhor de todas: ainda temos energia física, ainda gostamos de viver...

 

Opera muito melhor agora do que operava há dez anos?

Inquestionavelmente. Dantes baseava tudo naquilo que lia. Agora, raramente leio um livro, um artigo – mas quando sei que há qualquer coisa nova, vou aprendê-la. A cirurgia plástica está bem mais na cabeça do que nas mãos, está na experiência, que, a partir de certa altura, passou a ser a minha.

 

Como apresentar o seu modo de operar? Como perceber que «aquelas» maminhas foram operadas por si? Há um estilo pessoal, como um escritor tem o seu, um artesão tem o seu?

Há técnicas de aumento mamário que demonstram inequivocamente que houve uma operação. Com as técnicas que utilizo, não se nota. Os doentes esquecem!, o que é bom. Mas certamente falam de mim numa altura própria a alguém.

 

É a melhor publicidade, o trabalho?

É. Não são revistas cor-de-rosa. Eu não rejeito, mas não estou nada ansioso. Colocar uma mama pela axila permite perceber que há uma operação. Num ginásio faz-se um movimento, o músculo contrai-se e a prótese sobressai. Há próteses colocadas pela axila que estão excelentes, mas a maioria não está, e há uma enorme percentagem de casos com complicações. É uma técnica cega, não se visualiza o que se está a fazer.

 

O risco é muito maior?

Eu nem executo.

 

Prefere fazer com um corte submamário.

É aquela que permite visualizar todas as estruturas onde estamos, controlar vasos sanguíneos..., é simples, eficaz. Algum tempo depois, aquela cicatriz não se vê.

 

A sua experiência de trabalho na África do Sul foi determinante. Começou por fazer microcirurgia da mão, muito antes de se dedicar à cirurgia plástica.

A cirurgia da mão é supermeticulosa. Aprendemos a manusear os tecidos com extrema delicadeza, com muito pouca agressão, e foi isto que transplantei para a cirurgia plástica. Quanto a instrumentos, só utilizo tesoura para cortar um bocado de pele num face lift e nas pálpebras. Utilizo bisturis, cortes limpos, superfícies claramente perpendiculares umas às outras.

 

Mas isso exige uma segurança muito maior.

Veio da mão. Quando fui para a África do Sul vivia-se cá um período pós-revolucionário. Comecei a trabalhar três dias depois de ter chegado. Não foi nada difícil adaptar-me às circunstâncias. Tudo aquilo parecia sensato, feito para salvar vidas, salvar mãos, a favor do doente, independentemente de serem negros ou brancos. Os médicos eram também professores, tínhamos discordâncias, mas tomávamos chá todos os dias, juntos. Não havia guerras. No Brasil a guerra entre os médicos atinge o ridículo, em Portugal é surda, e absurda. Na África do Sul trabalhava-se mesmo, e essa aprendizagem foi determinante na minha vida.  

 

 

Publicado originalmente na Revista Elle em 2004

Francisco Campos morreu a  29 de Julho de 2014