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Anabela Mota Ribeiro

Jwana Godinho

29.05.14

Oficialmente ela é International Marketing Manager. O que isso quer dizer é que faz exportação dos artistas assinados pela Virgin em Inglaterra para o mundo. Trabalha bandas como os Placebo, Kelis, Kings of Convenience, The Thrills, Turin Brakes e, desde há uns meses, uma banda que, por acaso, é a maior banda do mundo e que dá pelo nome de Rolling Stones.

Jwana Godinho tem 31 anos. Tirou o curso de Gestão de Empresas na Universidade Católica, passou pela Emi-Valentim de Carvalho, mudou-se para Londres, onde vive numa casa com vista para um rectângulo verde, há três anos.

 

O que é “trabalhar” uma banda?

É coordenar o marketing internacional de um disco ou de um artista. No momento em que uma banda acaba de gravar um disco, começa o meu trabalho. Tenho que ser o principal veículo de informação para os vários países. O que é o disco? Quando sai? O que é que se vai fazer? A que países a banda vai fazer promoção? Por onde passa a tournée? Que merchandising se vai fazer? Qual o single que mais interessa?

 

Que tipo de relação estabelece com as suas bandas?

Depende das bandas. Há algumas com quem tenho relações quase de amor/ódio... Embora ambos os lados estejam a caminhar para um mesmo destino, às vezes têm diferentes ideias quanto ao percurso a tomar... Tenho bandas de quem gosto muito e de quem me fiz amiga. Nos recentes atentados de Londres, tive artistas com quem trabalho a ligar-me do estrangeiro a perguntar como estava...

 

Viaja muito? Com as bandas, para tratar assuntos relativos a bandas?

Viajo por diferentes razões. Vou com as bandas em promoção a determinados países. Ou simplesmente ver um concerto. Ou para reuniões. Ou para cerimónias (tipo MTV Awards). As pessoas pensam que tenho sorte em viajar tanto, e é verdade que já fui, em trabalho, a sítios como o Brasil ou o Japão. Mas não é tão glamoroso como parece... A maior parte das vezes não estou mais do que um dia ou dois no meu destino, nao me pagam horas extraordinárias (e não há concertos a horas de serviço...), e continuo a receber os mesmos 150/200 mails diários... Felizmente há os telemóveis e blackberrys!

 

Como é que os Rolling Stones “caíram” sobre a sua secretária?

Sorte? Como os Rolling Stones não gravavam um disco de originais há 8 anos, não havia ninguém no meu departamento que estivesse responsável pela banda. A minha chefe achou que eu seria a escolha natural. Por um lado, os ‘meus’ outros artistas não estavam a lançar discos na mesma altura, por outro, tenho um método de trabalho que encaixa com os requisitos dos Rolling Stones.

 

Qual foi a sua reacção?

Posso fazer uma confissão? Vieram-me as lágrimas aos olhos... Senti-me feliz por me acharem à altura do desafio. E, sendo uma pessoa de marketing, poder trabalhar com uma ‘marca’ como esta, é fantástico! Telefonei assim que soube, primeiro, ao meu namorado, depois, ao meu pai... Claro que depois de um entusiasmo inicial, veio um certo peso da responsabilidade...

 

Está a trabalhar no projecto desde Março. Que tipo de coisas prepara?

Por onde é que hei-de começar? Preparo e coordeno os elementos do lançamento. Que são muitos... Tenho que me assegurar que a música chega às pessoas certas na altura certa e de forma segura (para evitar que apareça em sites ilegais de partilha de música). Decido com os meus colegas estratégias de singles e digitais. Garanto que a informação chega aos países e que é executada de forma correcta. Discuto com os vários países que entrevistas gostariam de ter com a banda. Discuto as mesmas com os managers. Nem sempre é um processo pacífico... Leio os planos de marketing (45!!) dos vários países e discuto-os com directores de marketing locais. E por aí fora!

 

Já contactou com algum dos Stones?

Com a banda, directamente, ainda não. Os Rolling Stones não são uma banda qualquer. Têm uma entourage maior do que o normal. O meu contacto diário é com os managers, os assistentes, os coordenadores de media.

 

É provável que contacte?

Sim. Em alguma das datas da tournée que vão fazer nos Estados Unidos, que começa a 21 de Agosto.

 

Porque é que Rolling Stones continuam a editar discos?

Porque lhes dá prazer escrever e gravar música. Porque são incrivelmente criativos. Porque não querem ficar parados. Este disco é muito bom e reflecte a força criativa que têm. E claro, também lhes dá um bom rendimento.

 

É importante gostar de música, saber tudo sobre música ou ter uma relação particular com a música para desempenhar estas funções?

Acho que ninguém começa a trabalhar nisto se não gostar de música. É um trabalho absorvente e que dificilmente se faz se não se gostar. É bom saber de música, mas também de marketing. E, sobretudo, estar preparado para aprender um e outro.

 

O seu pai é músico. Ser filha dele condicionou a sua relação com a música?

Ter um pai músico fez com que a minha proximidade com a música começasse muito cedo. E que o mundo da música fosse uma coisa natural. Mas a proximidade e sensibilidade não vem só do meu pai. É uma coisa de família. Os meus avós eram grandes conhecedores e apreciadores de música, também. 

 

De algum modo, ser filha do Sérgio Godinho interferiu com o seu trabalho?

A relação não é tão fácil como, à partida, possa parecer. A mais comum das interpretações é que cheguei à música através do meu pai. Quase tive que provar que podia ter o meu próprio mérito... Nesse aspecto, a vinda para Londres foi boa: aqui poucos sabem quem é o meu pai. É uma realidade que não conhecia, já que, desde que nasci, o meu pai era músico. Mas tenho muitíssimo orgulho nele: como pai, como músico, como poeta, como amigo e tantas coisas mais.

 

O que é que lhe dá realmente gozo no seu trabalho?

A música. O contacto com tantos países diferentes, tantas culturas diferentes. Ver uma banda crescer do nada. O facto de ser sempre novo.

 

Porque é que foi aliciante para si mudar-se para Londres?

Precisava de sair de Portugal. Sentir o desafio de um país novo. Crescer profissionalmente noutra língua. Londres é o sítio certo na Europa para se trabalhar em música com uma perspectiva internacional.

 

Sente que evoluiu consideravelmente desde que chegou a Londres?

Imenso. Mais do que imaginaria. Há um ritmo de trabalho mais intenso aqui (em menos horas diárias). Tive que me tornar mais rápida na execução e na resolução de problemas.

Passei a conhecer mais sobre a indústria musical e sobre as culturas e formas de trabalhar de vários países.

 

A sua vida foi alterada? Seria outra se tivesse continuado em Portugal?

Profissionalmente amadureci. Percebi que ainda tenho muito a aprender. Pessoalmente percebi que a distância não afecta as amizades. Sei viver fora de Portugal e gosto de coisas de Portugal que nem sabia existirem. E percebi porque é que os ingleses se deitam nos parques mal aparece um raio de sol... É um bem demasiado precioso para ser desperdiçado. A minha vida teria sido outra caso ficasse por aí. Às vezes penso em voltar, mas não sei bem que faria.... O tempo o dirá.

 

 

Publicado originalmente na revista Elle em 2005